MARTE 1: O CINEMA MINEIRO EM EVIDÊNCIA NO PANORAMA DO AUDIOVISUAL
Como analisar o movimento de estruturação de uma verdadeira revolução protagonizada pelo filme Marte 1, da produtora mineira Filmes de Plástico?
Foto: Divulgação/Filmes de Plástico
A história do cinema brasileiro teve início em 1896, ano em que foi ao ar a primeira sessão de cinema no país, na cidade do Rio de Janeiro. Os filmes eram de curta metragem e retratavam o dia a dia nas cidades da Europa. Já as primeiras produções brasileiras foram feitas entre os anos de 1897 e 1898: eram pequenos documentários mudos, em preto e branco.
Na primeira década do século XX, o cinema brasileiro ganhou força. Em 1907 já havia mais de 20 cinematógrafos fixos no Rio de Janeiro. Nessa época começaram a ser lançados os primeiros filmes fictícios produzidos no país, como os curtas “Os Estranguladores” e “Nhô Anastácio Chegou de Viagem”, lançados em 1908. Nesse mesmo período começaram a ser produzidos os primeiros filmes cantados, que eram mudos, mas contavam com uma dublagem ao vivo durante a exibição.
Após a Primeira Guerra Mundial, o cinema brasileiro sofreu uma queda junto ao enfraquecimento do cinema europeu, dando espaço para o crescimento das produções de Hollywood, que acabou se firmando como grande produtora mundial de filmes. O crescimento das produtoras internacionais não impediu a resistência do cinema nacional, que continuou produzindo.
A fundação da Cinédia, em 1930, foi de extrema importância para o desenvolvimento nacional. A companhia cinematográfica produzia musicais e obras com temas populares, como o Carnaval. Em uma dessas produções foi revelada Carmen Miranda, uma figura importante para o cinema nacional. Na década de 40 surgiram os gêneros das “chanchadas”, que cresceram junto à fundação da Atlântida Cinematográfica, companhia de cinema fundada em 1941, no Rio de Janeiro.
Após o golpe militar de 1964, houve um movimento influenciado pelo Neorrealismo Italiano e pela Nouvelle Vague Francesa, conhecido como Cinema Novo, que foi marcado pela insatisfação de alguns cineastas com as questões políticas e sociais da época. Descontentes com a tradicionalidade, o grupo de cineastas protestantes lutava por uma arte mais engajada com as razões sociais e a cultura brasileira.
O movimento foi crescendo e o cinema brasileiro ficou marcado como um dos mais políticos da época. Com o fim da Ditadura Militar, o cinema brasileiro ganhou incentivos, mas foi prejudicado pela crise econômica de 1980 e só começou a se restabelecer no ano de 1990, período que ficou conhecido como “Cinema de Retomada”. A partir disso, foi criada a Secretaria para o Desenvolvimento Audiovisual, sendo implementada a “Lei do Audiovisual”. No início do século XXI, o cinema brasileiro conquista novamente espaço no cenário mundial, com filmes como Cidade de Deus, Central do Brasil e Tropa de Elite.
HUMBERTO MAURO - O PIONEIRISMO MINEIRO NO CINEMA
Embora as produções audiovisuais localizadas no eixo Rio-São Paulo tenham um protagonismo quase hegemônico no que diz respeito à representatividade do cinema nacional, o cinema mineiro também merece destaque quanto a sua qualidade e, mais recentemente, quanto ao volume de produção.
De acordo com o levantamento realizado pela ONG Contato, Sebrae e pela UFMG, “Diagnóstico socioeconômico do audiovisual mineiro”, apresentado em 28 de julho de 2022, no período entre 2014 e 2021, o audiovisual brasileiro apresentou uma expansão de 30,72%.
Em Minas Gerais, esse crescimento foi ainda maior (52,21%), no que compete à evolução do índice de ocupados no recorte CNAEs do audiovisual por territórios. Só na Região Metropolitana de Belo Horizonte registra-se um crescimento de mais de 100% nos postos de trabalho ocupados por trabalhadores do audiovisual (104,96%).
Essa força do cinema mineiro, no entanto, remonta também a história do cineasta mineiro Humberto Mauro, nascido no dia 30 de abril de 1897, em Volta Grande, estado de Minas Gerais. Sua trajetória no cinema se inicia na cidade de Cataguases, município próximo de Volta Grande, onde dirigiu Valadião, o Cratera (1925), com Pedro Comello. Em seguida lança Na primavera da vida (1926), O thesouro perdido (1927), Braza dormida (1929) e Sangue mineiro (1930).
De acordo com artigo de Eduardo Morettin, professor da ECA/USP:
“Essas obras demonstram uma lenta apropriação de temas caros à crítica cinematográfica da época, como a identificação de nossas qualidades “nacionais” através da exibição de ambientes luxuosos em que qualquer indício de pobreza “era ocultado”.
GANGA BRUTA - UM MARCO DO CINEMA NACIONAL
O filme considerado como a obra prima de Humberto Mauro foi lançado em 1933. Ganga Bruta marca a passagem no Brasil dos filmes silenciosos para os falados, e originalmente foi concebido para o formato do cinema mudo, sendo posteriormente adaptado com inserções de fala na edição.
O roteiro conta a história de um engenheiro, Marcos Rezende, que mata a esposa logo após o casamento ao descobrir uma traição. A esposa não chega à noite de núpcias “pura’’, como esperado. O marido a assassina e é absolvido do crime. Posteriormente ele se muda para uma cidade do interior, a fim de abandonar as lembranças do ocorrido.
No interior, Marcos conhece Sônia, namorada de Décio, e constitui um triângulo amoroso que culmina no casamento do protagonista com Sônia, após a morte do namorado por afogamento.
O filme é um elogio à modernidade, repleto de imagens que captam o espírito de seu tempo. Construções de fábricas, cenas urbanas, veículos automotivos e tomadas da locomotiva. Estas imagens formam um panorama que endossa a importância do progresso industrial como força motriz da sociedade.
HUMBERTO MAURO E O CINEMA NOVO
“Nós não queremos Eisenstein, Rossellini, Bergman, Fellini, Ford, ninguém. Nosso cinema é novo não por causa da nossa idade. O nosso cinema é novo como pode ser o de Alex Viany e o de Humberto Mauro que nos deu em Ganga Bruta nossa raiz mais forte.”
Esta declaração de Glauber Rocha, um dos cineastas que integrou o movimento
iniciado na década de 50 no Brasil, chamado de Cinema Novo, dá a exata noção da importância do trabalho de Humberto Mauro para o cinema nacional. O cinema novo, que buscava uma maneira de se produzir filmes autenticamente brasileira, foi um marco mundial na cinematografia que reverbera até hoje nas produções nacionais.
MARTE 1: O CINEMA MINEIRO NA MOBILIZAÇÃO PARA O OSCAR
O filme escolhido para representar o Brasil na disputa por uma vaga no Oscar foi Marte 1, longa do diretor mineiro Gabriel Martins. O roteiro faz um recorte de momentos vividos pelos membros da família Martins, e se desenvolve principalmente em torno do menino Deivinho, interpretado por Cícero Lucas, o caçula da família, que tem o sonho de integrar uma missão para colonização do planeta Marte. Ambientado numa região periférica, e rodado em Belo Horizonte e Contagem, a história mostra a dinâmica familiar deste grupo que, apesar de passar por muitos revezes, se mantém unido.
O filme caminha por uma narrativa de dissolução dos estereótipos sobre a desestruturação de famílias, frente às crises que se sobrepõem ao cotidiano difícil. A filha mais velha, Eunice, interpretada por Camila Damião, é um importante elo de coesão e força,
determinante para o relacionamento entre seus familiares.
A personagem de Camila passa por um momento delicado, de descoberta de sua sexualidade e pelo processo de saída da casa dos pais, ao mesmo tempo em que sofre com a pressão exercida pelo pai sobre o irmão mais novo, e com a preocupação em relação à mãe, impactada por uma crise psicológica.
O pai de Eunice, Wellington, interpretado pelo ator Carlos Francisco, vê abalada sua relação com a família ao constatar que o filho não deseja seguir o caminho sonhado por ele, além de sofrer com uma ruptura inesperada, que contribui para sua desestabilização emocional.
A mãe, Tércia, interpretada por Rejane Faria, enfrenta crises de pânico desencadeadas por um trauma repentino. Deivinho, por sua vez, lida com a pressão paterna para seguir na batalha pela carreira de jogador de futebol.
A profissão de atleta, almejada pelo pai para Deivinho, representa um mito de redenção financeira para muitos jovens pobres periféricos. No entanto, no caso do menino, ele não é capaz de competir com a fascinação que devota às viagens espaciais, tão distantes de sua realidade.
Nessa atmosfera de sonho, o roteiro adiciona sentimentos como coragem, amor, medo, desejo, algo de muito familiar para todos nós, tão familiar que se torna muitas vezes invisível e imperceptível, mas que toma a superfície de Marte 1 como um espelho, algo em que somos capazes de nos reconhecermos.
O AQUILOMBAMENTO NA PRODUÇÃO CINEMATOGRÁFICA: UM MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO
Além destes aspectos apontados, Marte 1 se tornou uma peça fundamental do cinema nacional também por sua profundidade e importância social. Ao analisar a trajetória de produção do filme, entrevemos uma série de pontos que ajudam a compreender a estrutura que permite gerar obras de qualidade como essa.
É o que constatamos na conversa que tivemos com a professora Tatiana Carvalho. Tatiana que é formada em jornalismo, é curadora da mostra de cinema de Tiradentes e da semana de cinema negro de Belo Horizonte, além de integrar o FICINE, Fórum Itinerante do Cinema Negro e conselheira regional da APAN, Associação dos Profissionais do Cinema Negro Brasileiro.
De acordo com a professora, Marte 1 aparece num contexto de descentralização de políticas públicas de produção audiovisual, e de ações afirmativas no setor e na área da educação para a formação dos profissionais atuantes nas produções.
Os programas de cotas universitárias, programas de financiamento estudantil, bem como o investimento em cursos universitários e faculdades fora do eixo Rio-São Paulo
proporcionam que indivíduos, antes apartados da produção cinematográfica, possam protagonizar e contar suas histórias através do cinema.
Segundo Tatiana, esse contexto é crucial para que produtoras como a Filmes de Plástico, responsável por Marte 1, possam prosperar. O filme é fruto do único edital do extinto Ministério da Cultura, lançado em 2015, que visava contemplar projetos de longa metragem de baixo orçamento afirmativos.
O papel que a Filmes de Plástico cumpre, no panorama nacional, de acordo com Tatiana, é revolucionário, porque a produtora volta suas câmeras para mostrar a beleza dos corpos negros periféricos, das paisagens da periferia, das histórias íntimas deste contexto, e a sua dimensão profundamente humana. Além de influenciar uma série de outras produtoras como a Ponta de Anzol Filmes, a Renca Produções, a Abdução Filmes e a É Mesmo Filmes, dentre outras.
Esse movimento revolucionário é identificado pela professora, através de sua pesquisa de doutorado, como Quilombo Cinema. O conceito de aquilombamento nomeia esse fluxo produtivo que vai contra a corrente do desmantelamento das políticas públicas de fomento à cultura e ao audiovisual a partir de 2016 e de maneira mais brusca a partir de 2018, e do qual Marte 1 é sem dúvida um dos representantes mais brilhantes.
O Jornal Impressão também entrevistou Camila Damião, a intérprete de Eunice, e você pode conferir a entrevista completa no link abaixo.
LITERATURA FANTÁSTICA
INFANTO-JUVENIL E FORMAÇÃO
DE NOVOS
LEITORES
Como sagas como Percy Jackson e Harry Potter influenciaram de inúmeros jovens leitores pelo Brasil
Por Maria Luiza GomesA literatura fantástica tem como um dos principais pontos responsáveis pelo seu engrandecimento a ausência de preconceitos. Sonhar e poder inventar um novo mundo imaginário é possível em qualquer idade, em qualquer lugar, sem distinção de cor ou classe social. Esta é a explicação fundamental para o sucesso retumbante que um estilo literário desse tipo tem tido entre seu público-alvo. Por isso é surpreendente que cada vez mais crianças rejeitem o hábito de ler em sala de aula como uma atividade normal, deixando os professores numa encruzilhada sem saber que rumo tomar para resolver esse problema.
Desde que se descobriu que os livros seriados liderados pela saga Harry Potter podem gerar uma fonte exorbitante de dinheiro, despertando rapidamente o interesse dos leitores, tornou-se relevante perguntar por que os educadores são intransigentes diante desse tipo de trabalho, uma vez que exibiram como tanto potencial quanto possível criadores de uma nova geração de leitores ávidos.
Durante o exercício da leitura estamos sempre em estado de aprendizagem. Por isso, o livro pode ser uma arma poderosa nas mãos de pais e professores que desejam melhorar o processo de desenvolvimento de seus filhos. Mas, mesmo com tantas qualidades, emergem constantemente dúvidas sobre a melhor forma de despertar o interesse das crianças pela boa literatura. Muitas crianças e adolescentes se encontram dentro do mundo da leitura por ter começado pelas aventuras mágicas e mitológicas, dentre muitos livros um deles é Percy Jackson.
A saga Percy Jackson e os Olimpianos é composta por cinco volumes, com mais três obras que se complementam do mesmo universo, escritas pelo americano Rick Riordan. O primeiro livro, O Ladrão de Raios, foi lançado em 2005, e abrangia a proposta do autor que era falar dos mitos da mitologia grega clássica no século XXI. Com esse objetivo, Percy Jackson é um garoto de 12 anos, vivendo uma rotina normal de escola, família e amigos que a maioria das crianças dessa idade vive. Porém, ele acaba descobrindo que é mais do que um simples pré adolescente, ele é um semideus, filho nascido pela relação entre uma humana com um deus, que porventura era Poseidon.
Ao longo da leitura - além de O Ladrão de Raios, O Mar de Monstros, A Maldição do Titã , A Batalha do Labirinto e O Último Olimpiano -, é mostrado para o leitor uma série com vários personagens míticos que foram marcando o encontro entre o passado e a narrativa do presente, a exemplo do Minotauro, dos Centauros, dos deuses e de outros semi-deuses; trazendo para a história uma ambientação de uma trama que, por acaso, seria apenas a repetição se não houvesse seu caráter fantasioso emprestado da Mitologia.
A vida comum de Percy é apontada por questões atuais, como ele ter dificuldades de aprendizagem por sofrer com dislexia e transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH). Dessa forma, a proposta de um super-herói sem desvios de conduta e infalível desmorona. Assim, o que é criado no lugar é um personagem capaz de construir laços de empatia com os adolescentes e crianças para quem os textos foram criados porque a persona não é apresentado de maneira superior a eles, não é um ser cheio de moral ou inimaginável, mas sim uma pessoa que está em pé de igualdade, passando pelas angústias típicas da faixa etária, entretanto assumindo um status de inspiração em função de ser dotado de poderes mágicos.
Mesmo muitas crianças e adolescentes demonstrando o seu interesse por livros do mundo dos romances e fantasias, esses não costumam aparecer nas salas de aulas brasileiras. Pelo fato de a grande maioria desses produtos literários serem de criação estrangeira dificulta ainda mais a vinculação às escolas, por causa da preferência por textos de escritores clássicos nacionais. Uma das principais razões para esse distanciamento é também os próprios professores e as séries de livros que residem nesse infindável e irracional preconceito em relação àquilo que se torna um sucesso no mercado, os repudiados best- sellers.
A escola traz um certo pânico aos estudantes quando tem a necessidade de aplicar a literatura em sala de aula. Mas o gosto pela leitura pode ser incentivado por meio de jogos e brincadeiras que mexam com a imaginação da criança.
Claramente, os videogames, a internet e outros eletrônicos substituíram os “sonhadores” porque são mais acessíveis do que os livros didáticos recomendados pelas escolas. Porém, mesmo com seus atributos lúdicos, nenhum consegue eliminar a companhia de um bom livro. Os livros podem combinar o melhor de dois mundos: lazer e educação.
Alguns críticos podem acusar a literatura pós-Harry Potter e Percy Jackson de ser repetitiva. No entanto, os editores apreciam mais esse contexto literário porque é lucrativo com os leitores mais jovens, não por seu valor pedagógico. Mas essas séries não são prejudiciais e podem ajudar a criar leitores esforçados.
O papel do professor não é limitar o desejo de ler dos alunos, mas mediar a conexão entre os alunos e o texto para que sejam mais produtivos, eficientes e mais agradáveis. Então, para tentar despertar a paixão pela leitura é necessário que o público juvenil revise o gênero clássico dos livros selecionados e o use em salas de aulas.
A UNIÃO (DE RITMOS) FAZ A FORÇA?
Festivais musicais alternativos reforçam a luta pela visibilidade e pela diversidade
Os festivais de música são responsáveis por aglutinar todas as coisas que um bom fã de música ama: várias bandas e cantores em um único e grande evento, com diferentes estilos, gêneros e ritmos sonoros. Alguns festivais buscam dar um lugar de protagonismo estilos musicais alternativos, como o Lollapalooza, que proporciona uma experiência única para o seu variado e amplo público. Muitos festivais são anuais, ou se repetem de acordo com um intervalo específico de tempo.
Os festivais de música independente no Brasil surgiram após o sucesso dos primeiros programas de televisão voltados para a música, em especial o “Brasil 60”, que era exibido na TV Excelsior e produzido por Manoel Carlos. O produtor musical Solano Ribeiro achou que era o momento de criar um festival brasileiro de música, e assim idealizou, criou e promoveu os festivais de Música Popular Brasileira, concursos anuais de canções originais e inéditas, que revelaram novos talentos ao mundo, como Elis Regina, Chico Buarque, Nara Leão, Martinho da Vila, entre muitos outros artistas, impulsionando cada vez mais a indústria fonográfica no país.
Dentro desse primeiro modelo de festival, existia uma competição que consagrava a melhor música, numa votação com participação do público. Já o outro formato, o mais atual, consiste em um evento com a apresentação de vários artistas e diferentes tipos e estilos musicais, em que não existe nenhuma competição, e o foco é apenas no entretenimento.
“Eu vejo esses festivais com uma grande importância, tanto no sentido de circulação de artistas quanto na movimentação da cultura e da cadeia produtiva local, além de gerar empregos, movimentar a rede hoteleira, restaurantes, mão de obras, cena de artistas técnicos de som, iluminação, entre muitos outros. A rede que se forma no entorno desses festivais é muito grande e produtiva, então os festivais são muito importantes do ponto de vista econômico e cultural”, afirma o cantor, instrumentista e compositor Rodrigo Borges.
Os festivais de música que são competitivos trabalham mais com músicas regionais, gêneros diversos, sobretudo a MPB, o rock, o sertanejo, o samba e outros gêneros
variados. E no caso dos festivais de maior expressão musical, os artistas são normalmente do campo mainstream. Essa importância não só dá circulação, mas também de gerar receita, riqueza, movimentar uma cadeia produtiva, citada por Rodrigo, implica na existência de vários setores segmentados que se beneficiam daquele evento, desde redes de hotéis até mão de obra técnica para som, palco, iluminação.
OS FESTIVAIS ATUAIS
O Rock in Rio, tradicionalmente, foi um festival criado para o estilo musical do rock, como o próprio nome evoca. Como o rock, em 1985, era o principal estilo musical
escutado pela maior parte do Brasil e do mundo, isso impulsionou a criação do evento.
Já o Lollapalooza é um festival importado, criado nos Estados Unidos. Inicialmente, surgiu com a ideia de ser a última turnê de uma banda chamada Jane’s Addiction. Em 2003, o evento foi revivido, trazendo muitos outros shows, de vários estilos e gêneros diferentes, tendo sua primeira edição no Brasil em 2012.
Como estes festivais são mais antigos e são de uma outra época, eles precisaram se reinventar com o passar dos anos. Em 2018, o rock ficou fora da lista das 100 músicas mais tocadas em rádios no Brasil, o que indica que o Rock vem perdendo força no cenário musical brasileiro, principalmente entre os mais jovens. Uma pesquisa do jornal Folha de São Paulo revelou que o gênero fica atrás do Sertanejo, do Funk, do Rap e do Pagode, por exemplo.
Isso abre espaço para outros gêneros “roubarem” a cena nestes festivais que estão cada vez mais inclusivos para todos os gostos musicais. O Hip Hop é um estilo que vem crescendo muito nos últimos anos, de acordo com Rodrigo Borges, que também é professor de música. “Eu vejo o Hip-hop como um gênero que cresceu muito e tem grandes expoentes no Brasil hoje. Inclusive o Djonga, cantor mineiro, tem também Poesia Acústica, com essa forma de entoar os versos do hip-hop, que a gente chama de flow. Isso tá bastante difundido na música e se misturando com vários gêneros. O Hip-hop também teve uma ascensão muito significativa do ponto de público e mercado”, aponta.
Como disse o criador do Rock in Rio Roberto Medina: ‘’o Rock in Rio virou uma marca’’. Essa afirmação pode lançar luz sobre a possibilidade de inserção de outros gêneros musicais dentro do festival.
A cantora Anitta, em entrevista ao Yahoo, disse que: “o funk vem numa crescente por razões que transbordam aquilo que o define como gênero. Os gêneros musicais são organismos vivos que se transformam, e isso aconteceu com o funk”. Essa fala pode aludir, inclusive, para a importância da adição do Funk e também do Rap nestes festivais, para o crescimento da cena destes estilos musicais, além do fato de que esses gêneros são muito consumidos pelos brasileiros nos últimos anos.
A edição de 2022 do Rock in Rio foi a que mais contou com artistas do Funk e do Hip Hop, tendo em sua estrutura o palco favela, espaço no qual os artistas puderam cantar para milhões de pessoas. Matuê, MC Poze do Rodo, Teto, Orochi, BIN, MD Chefe, DomLaike, Xamã, Yunk Vino, Criolo, Emicida, Biel Do Furduncinho, Bianca e L7nnon se apresentaram no Festival.
Em um festival desta magnitude, que movimenta mais de 28 mil empregos diretos e atrai cerca 360 mil turistas de fora do Rio De Janeiro, além de mais de 100 mil pessoas de media por dia, é importante que uma gama de artistas e gêneros diferentes sejam parte do line-up. Assim para que haja um agrado geral do público
e atraia cada vez pessoas que consomem diferentes ramos da música brasileira e internacional.
Com o passar dos anos, sempre há uma mudança nos gostos musicais do público, o que não se caracteriza como um fenômeno recente, como reforça o professor Rodrigo Borges. “Você tem muitas transformações e muitas mudanças ao longo da história, eu destacaria na música pop os “Beatles”, que revolucionaram não só a música mas a Cultura pop. De uma maneira geral, tanto comportamental quanto do ponto de vista da moda, o corte de cabelo, da forma de se vestir, da atitude”.
INSERIR OU NÃO INSERIR O SERTANEJO NOS FESTIVAIS ALTERNATIVOS?
Segundo o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD), o sertanejo é uma música que tem sua origem no sertão, mas antigamente era conhecida como “música caipira”, visto que as letras representavam e exaltavam a paisagem rural e a simplicidade. No decorrer dos anos, o sertanejo tomou força na sociedade brasileira e tornou-se um dos estilos musicais mais ouvidos e consumidos pelos brasileiros. Entretanto, mesmo sendo um estilo musical muito famoso no Brasil, por que ele não está presente em grandes festivais além do Villa Mix?
Em uma entrevista à revista “Veja”, os organizadores do Rock in Rio disseram: “já existem festivais suficientes para este tipo de música (sertanejo). O estilo country, definitivamente, não é bem-vindo nos gramados da Cidade do Rock”. O funk, por outro lado, teve sua origem em morros da favela do Rio de Janeiro e sempre foi alvo de marginalização por muitos setores da sociedade.
Para Rodrigo Borges, a resposta para esse questionamento é simples. “Isso não acontece talvez pelo fato de o sertanejo já ocupar uma grande parte do mercado, já dominar o mercado musical. Porque é um modelo que recebe grandes investimentos, tanto do agronegócio quanto de prefeituras e do poder público, por ser um modelo popular e por isso eles têm grandes estruturas e conseguem praticamente monopolizar as rádios no interior do Brasil e também nas capitais”, realça.
Ele também acredita que o sertanejo não entre em outros festivais por esses festivais serem alternativos, como o próprio nome evoca, e nutrirem outras alternativas culturais e sociais, com uma diversidade musical que a mídia e as rádios tradicionais não mostram.
A frequentadora assídua de festivais como Rock in Rio e do Lollapalooza, Mylena Melo, também desaprova a presença do gênero nesses espaços. “As pessoas que querem ir ou que frequentam festivais alternativos desejam fugir do que é mais tocado pelo país e do que mais tem visibilidade. Portanto, o próprio público não quer que esse estilo musical entre nesses festivais e espera que os festivais alternativos continuem sendo alternativos”, pondera.
JORNALISMO LITERÁRIO E A NOVA MANIA DO TRUE CRIME
Festivais musicais alternativos reforçam a luta pela visibilidade e pela diversidade
Com o “BOOM” da série DAHMER - Monstro: A História de Jeffrey Dahmer, produzida pela Netflix, obras de ficção e não ficção de seriais killers estão sendo cada dia mais exploradas pelas mídias e seus consumidores. Mas você sabia que essa (não tão) nova onda é também um produto do jornalismo?
O Novo Jornalismo, ou Jornalismo Literário, é uma fusão entre técnicas de apuração jornalística e a bela escrita da literatura. Nascido nos Estados Unidos no ano de 1960, o novo braço do compartilhamento de notícias trouxe uma forma mais artística e ampla de contar e descrever histórias que normalmente seriam tratadas de forma sucinta e ríspida em um rodapé de algum folhetim distribuído diariamente.
A literatura não ficcional veio do desejo de se aprofundar em histórias que são mais do que o cotidiano, em mudar a visão do jornalismo visto todos os dias nos meios de comunicação de massa e na vontade de trazer ao público os detalhes menos relevantes que realmente constroem uma narrativa.
Segundo definição de Gay Talese, um dos pioneiros neste tipo de narrativa, o novo jornalismo deveria ser tão verídico e exato quanto reportagens, mas que busque de maneira mais aberta quais foram todos os fatos que realmente levaram ao acontecimento em questão:
“O novo jornalismo permite, na verdade exige, uma abordagem mais imaginativa da reportagem e consente que o escritor se intrometa na narrativa se o desejar, conforme acontece com frequência, ou que assuma o papel de observador imparcial, como fazem outros, eu inclusive.” - Fame and Obscurity (“Aos Olhos da Multidão”, Ed. Expressão e Cultura, 1973)”.
Diferentemente do esperado, a primeira publicação correspondente ao gênero foi feita na revista The New Yorker, pelo escritor Truman Capote, trazendo uma narrativa sobre o perfil biográfico do ator Marlon Brando.
De forma geral, a diferença entre o jornalismo tradicional e o “Novo Jornalismo” é a apuração. Com uma pesquisa mais extensa, a procura por informações se torna mais pesada e complicada. Acontecimentos que aparentemente não são tão importantes tornam-se parte da estrutura da narrativa e se mostram, a cada linha, mais e mais relevantes para o embasamento e construção do fato.
INFORMAÇÃO E ENTRETENIMENTO
Livros de jornalismo literário são comumente definidos como impressões de crimes reais, entretanto, por mais que o estouro desse nicho cultural tenha vindo com narrativas de true crime, essa afirmação não é verdadeira. Existem diversas publicações sobre histórias verídicas que se tornaram publicações aclamadas e clássicos da literatura.
“A Luta”, livro de 1975 escrito por Norman Mailer, narra, além do grande combate de boxe (considerada por muitos a luta do século) entre George Foreman e Muhammad Ali, a história de como Ali perdeu o título mundial por ter se negado a combater na Guerra do Vietnã. Assim como a descrição mostra, a disputa foi muito mais do que mero esporte, foi um embate ideológico durante o auge da escalada militar que assolava todo o mundo no período da Guerra Fria.
Outro clássico, agora escrito nas terras Tupiniquins, é o chocante “Holocausto Brasileiro”, escrito por Daniela Arbex, em 2013. O livro conta a história de hospitais psiquiátricos utilizados como depósito dos esquecidos, ou daqueles que, de acordo com a sociedade conservadora da época, não deveriam ser vistos ou lembrados. Mães solteiras, homossexuais, doentes mentais, qualquer um que não fosse bem-visto dentro do contexto social hegemônico deveria ser banido para instituições que não só os destratavam, como os torturavam e os matavam.
JORNALISMO LITERÁRIO E A FEBRE DO TRUE CRIME
Ao final da segunda década do século XX, com a internet já bem estruturada e presente na maior parte das residências de todo o mundo, vídeos que contavam histórias macabras sobre crimes, mistérios e lendas tornaram-se febre na web. Mas mesmo que esse estouro tenha chegado de forma mais curta no ramo do audiovisual, o Jornalismo
Literário esteve presente desde o seu nascimento nas narrativas do que hoje é o tão aclamado “True Crime”.
Em 1966, o autor Truman Capote trouxe um novo viés para o já nascido jornalismo literário, com uma forma mais construída e detalhada, muito mais do que o simples fato, a investigação jornalística e o entretenimento da literatura. Ele escreveu livros biográficos de personalidades que marcaram (mesmo que de forma negativa) a história de nações.
A Sangue Frio, escrito por Capote, foi o primeiro esboço do que se tornaria, décadas após o seu lançamento, um exemplo dos novos clássicos da literatura mundial. Em 350 páginas, o escritor conta, de forma descritiva, não só o assassinato de toda a família Clutter, na cidade de Holcomb, localizada no Kansas, interior dos Estados Unidos, mas também um pouco da vida de cada um dos envolvidos, desde os criminosos e suas motivações, até as vítimas, que tragicamente se tornaram estrelas de papeis que jamais pensariam em estar.
Com a nova febre dos escritos sobre criminosos, podemos entender de maneira mais específica o tratado da mente humana e o porquê, como e quando pessoas que normalmente passam tão despercebidas por nossas vidas se tornaram tão diferentes e monstruosas quanto personagens criados pelas mentes mais brilhantes da história literária mundial.
O jornalismo literário, mais do que qualquer outro tipo de jornalismo, mostra o quanto o profissional se envolve com as histórias que são contadas por ele. São necessários anos a fio de investigação e extrema dedicação para unir, costurar e traduzir fatos até então inenarráveis para os aficionados de plantão. Ele também mostra a qualidade do profissional de jornalismo, que no seu cotidiano se divide de forma tão sutil entre escritor e investigador, tendo que descobrir e tecer de forma tão ríspida os assuntos corriqueiros do dia a dia do ser humano comum.
Ainda sobre a obra prima de Capote, anos após o lançamento do folhetim, o autor declarou, em cartas e entrevistas, que após a investigação passou por um longo período de trauma. Truman declarou por diversas vezes sobre pesadelos e ataques de pânico que lhe foram presentes até o final de sua vida. Crises essas que o escritor acreditava veementemente terem sido adquiridas pela imersão em uma história drasticamente violenta.
Diferentemente do que fazemos em uma redação, da rapidez e do imediatismo de transformar fatos em notícias, escrever um livro não ficcional traz todo um trabalho minucioso, cuidadoso e detalhista, para que assim o leitor não se sinta apenas lendo uma história, como também parte indireta da mesma; um vizinho, um amigo ou um parente daqueles ali narrados, sejam estes autores ou algozes.
Ilana Casoy é uma criminóloga e escritora brasileira com mais de seis livros publicados.
Ela acompanhou de perto perícias, reconstituições e julgamentos dos crimes mais noticiados do país. Em seus livros, Casoy narra histórias assustadoras e fascinantes, como as de “Chico Picadinho”, considerado por muitos o primeiro serial killer brasileiro, e também histórias de repercussão nacional, como o caso Von Richthofen, crime que chocou todo o país no começo dos anos 2000.
Suzane Von Richthofen: uma jovem rica que planejou e manipulou seu então namorado, Daniel Cravinhos, para que, junto do seu irmão mais velho, Cristian Cravinhos, assassinassem seus pais a pauladas enquanto dormiam. Ilana acompanhou de perto toda a investigação, visitou a cena do crime e assistiu todo o julgamento, fazendo anotações dos depoimentos e desenhando a posição em que todos da sala se encontravam, demonstrando, de forma genial, como um bom jornalismo é feito, transformando cada uma de suas percepções em folhas e mais folhas de uma narrativa detalhada e hipnótica que traz a sensação, ao leitor, de estar presente e de fazer parte do enredo.
Em seu livro “Serial Killers: Made in Brazil”, além de estudos e investigações, a autora também entrevistou aqueles que são considerados as estrelas do true crime:os criminosos.
Pedro Rodrigues Filho, mais conhecido como Pedrinho Matador, foi um dos diversos entrevistados que tiveram a oportunidade de contar suas histórias da forma que vivenciaram. No livro, Pedrinho conta pedaços da sua vida, desde a sua infância traumática, mostrando o início de sua perversão, até os dias atuais. O homem, que conta com mais de 71 assassinatos em sua extensa ficha, detalha à escritora como foi usado pelos próprios agentes das penitenciárias em que esteve como arma de extermínio, deixado em celas de outros criminosos perigosos, como assassinos e estupradores.
No que tange ao aspecto audiovisual da literatura jornalística, grandes obras da TV e cinema utilizam destes arquivos documentais como forma de traçar a base do produto final. Na série de Dahmer, foram usados mais de um folhetim para roteirização. No caso deste serial killer em questão, existem mais de 5 livros, de autores diferentes, contando suas próprias pesquisas sobre o criminoso. Existe também uma HQ escrita por um antigo colega de classe que mostra parte da infância do assassino.
Infelizmente, John Wayne Gacy, Dahmer, BTK, Ted Bundy, Jim Jones e Charles Manson são alguns dos diversos personagens que se tornaram marcantes com sua passagem pela Terra. Mesmo que de forma monstruosa, essas figuras se tornaram parte da Cultura Pop de toda uma sociedade que naturaliza a violência do dia a dia, mas a vê como inacreditável quando é feita de forma corriqueira.
Assim como o progresso dentro dos meios de comunicação - de folhetins impressos para postagens instantâneas em redes sociais vistas de nossos telefones, e de ondas de rádio que transmitiram, em 1938, a famigerada “Guerra dos Mundos”, transformandose em nichados podcasts -, o significado de jornalismo é mutável. Desde a explosão do jornalismo digital, ou do ato de ler um jornal impresso, ou sentar- se à frente de uma TV para assistir às atualizações do trânsito, informações sobre o que acontece do
outro lado do mundo e fofocas de celebridades, as notícias e as novidades aparecem a todo momento e sempre sobre o que realmente nos interessa.
A arte e a informação sempre estiveram entrelaçadas, desde as pinturas feitas no teto da Capela Sistina na cidade do Vaticano, até o poema colado na viga do viaduto Santa Tereza.
UM BANQUETE REPLETO DE TRANSGRESSÃO, ARTE E CULTURA: E AÍ, ACEITA?
Exercício Fotográfico realizado por Eller Zant, do 8° período do curso de Publicidade e Propaganda do UniBH
Por Eller ZantOs festivais são indispensáveis para todos nós, afinal, são palcos de discussões acerca da democratização do acesso à arte e à cultura e de temas do nosso cotidiano, como o uso do espaço público da cidade, novas vivências, desenvolvimento ecológico, econômico e social sustentável, mobilidade e acessibilidade. Um festival de destaque em Belo Horizonte é a Virada Cultural, com a proposta de ser um encontro de 24 horas sem interrupções repleto de música, teatro, dança, literatura, artes visuais, moda, gastronomia, dentre outras apresentações artísticas e culturais.
A Virada Cultural de Belo Horizonte de 2022 não foi diferente. O evento reforçou o valor da experiência de quem frequenta o festival, seja artista, equipe/produção ou plateia. Confira alguns registros.
CASA COR: DESIGN, ARQUITETURA E PAISAGISMO EM MINAS, NO BRASIL E NO MUNDO
As feiras e showrooms de design e arquitetura cumprem um papel de divulgação e articulação de obras de arte contemporânea, e são um canal permeável à exibição da produção artística em geral
A Casa Cor, a maior e mais completa mostra de arquitetura, design de interiores e paisagismo das Américas, teve sua primeira edição apresentada em 1987. A mostra foi idealizada pela brasileira Yolanda Figueiredo e pela argentina Angelica Rueda, e foi apresentada no bairro Jardim Europa, em São Paulo (SP). No local, foram expostos 22 ambientes, criados por 25 profissionais e visitados por 6,7 mil pessoas.
Atualmente, a Casa Cor possui 16 franquias nacionais (Amazonas, Bahia, Brasília, Campinas, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Santa Catarina) e duas internacionais: Peru e Panamá.
A importância do evento para os profissionais participantes cresceu junto com a expansão da Casa Cor pelo Brasil e exterior. Hoje, participar da mostra é sinal de notoriedade entre os profissionais do design, da arquitetura e do paisagismo.
Em 2022, aconteceu em Belo Horizonte a 27ª edição da Casa Cor Minas Gerais. Apresentada no Parque do Palácio, antiga residência oficial dos governadores do estado, no bairro Mangabeiras, inaugurado em 1955 com projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer.
A mostra apresentou ao público 50 ambientes, assinados por 70 profissionais do segmento. O local do evento se destaca por abrigar uma área ao ar livre com mais de 12 mil metros quadrados, sendo que a maior parte maior parte dos ambientes estava concentrada nas áreas externas que contam com o projeto paisagístico assinado por Roberto Burle Marx.
A curadoria, realizada por Livia Pedreira, Pedro Ariel Santana e Cris Ferraz, apresentou o tema Infinito Particular. O conceito diz respeito à necessidade de projetar ambientes que priorizem o bem-estar físico, mental e espiritual, a harmonia, o equilíbrio e o conforto.
ENTRE A ARTE E O DESIGN: APROXIMAÇÕES E INTERSECÇÕES
As relações entre a arte e o design se iniciam principalmente a partir da experiência proporcionada pela Bauhaus, uma Escola de Artes e Ofícios fundada na Alemanha em 1919. A instituição foi pioneira ao sistematizar uma metodologia para o ensino do design e, ainda, ao buscar a relação entre os artesãos e os artistas, com foco na produção industrial.
Quase simultaneamente, as experiências dos abstracionistas geométricos do movimento De Stijl, encabeçado por Piet Mondrian, no início do século XX, buscaram integrar arte e vida utilizando o design e a arquitetura como vetores para sua teoria.
Os conceitos elaborados por Mondrian, que tinham base na exploração dos eixos bidimensionais cartesianos (altura e largura) e a utilização de cores primárias e puras (vermelho, azul, amarelo e preto) de maneira a constituir totalmente sua investigação como artista visual, acabam por contaminar o trabalho de designers e arquitetos na elaboração de design para objetos e projetos arquitetônicos, chegando até mesmo a contaminar a produção de designers no campo da moda.
As intersecções entre a atividade artística e a do design, são múltiplas. Ambas são essencialmente atividades do âmbito da criação. Além disso, a partir da incorporação nas artes visuais, das imagens técnicas e reprodutíveis, assim como a diversificação de materiais que se incorpora ao fazer artístico no início do século XX, é possível identificar com mais assertividade as semelhanças e entrecruzamentos entre as duas áreas.
O pesquisador Arlindo Antonio Stephan em sua tese de doutoramento intitulada “Entre as artes visuais e o design”, aponta a importância das relações que se estabeleceram ao longo do último século entre as artes visuais e o design.
De acordo com o pesquisador, as aproximações entre os dois campos do conhecimento possam, eventualmente, estabelecer um novo campo do conhecimento, em que as artes possam assumir compromissos sociais ao se utilizarem das linguagens projetivas do design.
E que o design, em contrapartida, possa se beneficiar de uma postura crítica e de liberdade criativa, presente nas artes, o que amplificaria seu poder de inovação e possibilidades transformativas e construtivas.
No caso do design ou arquitetura de interiores, essa intersecção se dá também na possibilidade da inclusão de obras de arte nos ambientes planejados. Neste caso o espaço, concebido pelo designer, pode estabelecer além de uma relação estética uma relação conceitual com os objetos escolhidos para compô-lo.
Em se tratando de obras de arte, especialmente as contemporâneas, a profundidade conceitual dos trabalhos escolhidos pelo designer empresta complexidade e robustez ao projeto, por trazer para o ambiente toda a carga reflexiva que um obra de arte carrega.
A arte contemporânea representa um desafio especial para ocupar de maneira harmônica um projeto de arquitetura de interiores, uma vez que esta classificação da produção artística não tem como foco principal a expressão da beleza. De modo geral a arte contemporânea é um tipo de manifestação artística que privilegia a articulação de conceitos, através de materiais e propostas muito diversificadas.
É comum que o público leigo, rejeite ou trate com indiferença alguns trabalhos de arte contemporânea, por simples incompreensão dos objetivos do artista. É necessário que, para a integração maior do público leigo, ocorram iniciativas de deslocamento dessas produções para fora das galerias de arte.
A inserção de obras de arte contemporânea, nos projetos de arquitetura de interiores, cumpre uma premissa de tornar cotidiano o contato com a produção artística de ponta. Que vem a refletir o pensamento que procura investigar as questões da era presente. De maneira a ampliar o contato do público com aquilo que há de mais relevante na produção artística atual.
É fato no entanto que, estas experiências, geradas pelas feiras e showrooms de arquitetura de interiores e design, trazem consigo um recorte social/econômico restrito. O público que experimenta estes eventos é por vezes pertencente a uma fatia da sociedade compreendida em sua maioria dentro da classe A.
De qualquer maneira, a incorporação da atividade artística contemporânea carece de maior permeabilidade em todas as faixas de segmentação social e econômica. Esta é apenas a identificação de um destes desdobramentos possíveis, dentre vários.
Neste sentido, as experiências de arquitetos de interiores e designers que buscam se apropriar dos objetos artísticos não só como ornamento para seus ambientes ou referências construtivas para seus projetos, atuam no sentido de alimentar o interesse do público, que é capturado pela experiência de interação com obras complexas, num ambiente doméstico e informal
CASA COR E AS APROXIMAÇÕES ENTRE ARTE E ARQUITETURA DE INTERIORES
A Casa Cor Minas Gerais apresentou um projeto interessante no que diz respeito ao entrelaçamento entre design de interiores e a arte contemporânea. O espaço concebido pela arquiteta Cris Capanema exemplifica uma possibilidade de se integrar às áreas .
Ao apresentar um ambiente que agrega obras de artistas como Nelson Leirner, Moisés Patrício, Desali, Eduardo Coimbra, Bruno Cançado, Thaís Helt, Leonora Weissmann e Dan Fialdini, Cris conseguiu reunir um acervo digno de uma mostra com relevância semelhante às apresentadas em galerias e espaços culturais conceituados.
A trajetória de Cris começou antes de se formar em design de interiores em 2001. Ela já trabalhava na área executando projetos para amigos e familiares. Em 2012 ela se muda para o sul de Minas onde consegue grande ascensão profissional, incluindo sua primeira participação na Casa Cor de Ribeirão Preto.
Ao retornar para Belo Horizonte, em 2018, participa, em seguida, em 2021, da Casa Cor de Minas Gerais e Ribeirão Preto, simultaneamente. Na edição de 2022, Cris
apresentou o projeto Living Art. Segundo ela, a concepção partiu de seu interesse particular por obras de arte.
O projeto foi direcionado para atender um público que contempla tanto colecionadores quanto amantes das artes visuais. E a produção começou com a curadoria das obras que viriam a compor o ambiente. Essa opção da arquiteta evidencia a importância que os trabalhos de artes visuais tiveram na elaboração do projeto.
Ao tratar as obras como motivadoras para seu processo criativo, Cris apresenta em seu espaço um elogio às artes visuais. No projeto é possível notar como as obras tomam o lugar de protagonistas. O ambiente funciona como um espaço de reflexão, uma costura visual entre os conceitos apresentados por cada trabalho.
O que foge à regra no caso desta experiência é que a obra de arte não integra o ambiente apenas como decoração, mas como um objeto que alimenta a reflexão e a contemplação. A proposta da arquiteta se assemelha, neste sentido, a de uma proposta curatorial, que pensa uma integração entre o ambiente expositivo com as obras a partir de um conceito condutor, tendo como objetivo, neste caso, a produção de uma exibição de arte.