foto: JORGE LOPES
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo do UniBH Ano 36 • Número 206 • Setembro de 2017 • Belo Horizonte • MG
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Tramas contemporâneas
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Mil significados de amor Entre núpcias, enlaces, matrimônios: um casamento com muitas expressões Lucas Soares
cinco anos. Estamos aproveitando a oportunidade para oficializar nossa relação”, contou. Tirando fotos com a família, o marido e a filha, Kemilly, de 24 anos, contou como conheceu o companheiro. “Nós nos conhecemos em um pagode. O João Paulo fez uma participação para um grupo que foi contratado para aquele dia”, lembrou a noiva. “Trocamos olhares durante o show e, no final, ele veio pedir meu telefone. Eu dei. E, no primeiro encontro, me pediu em namoro”, lembrou. Os dois, então, foram morar juntos e decidiram que suas vidas precisavam de mais alguém. Foi aí que decidiram ter a Giulia, que
completará um ano em outubro. “Resolvemos oficializar nossa união para o nosso bem e, principalmente, para o bem da nossa filha. Uma criança precisa de uma boa estrutura familiar”. A oportunidade do casamento comunitário facilitou para os dois que, se necessitassem desembolsar para pagar pela papelada, precisariam estar dispostos a arcarem com R$ 500 reais. “Nossa meta daqui pra frente é continuar sendo referência de ser humano e de caráter para a nossa pequena Giulia”, disse, sorrindo, João Paulo. A reunião de mil casais, ao centro de todas as atenções no Estádio Felipe Drummond, em Belo Horizonte, foi
programada como uma cerimônia que, de fato, teria de tudo o que é imprescindível em um casamento. Haviam diversos convidados que se espremiam no alambrado do estádio para conseguirem tirar uma foto do casal-amigo. “Ei, Andréia! Olha pra cá, vai”, disse um parente da noiva que estava com outros membros da família. Cada casal recebeu seis convites para distribuírem entre seus entes mais próximos. Multiplicando, o número de convidados pode ter chegado a seis mil pessoas. Ansiosos, os pombinhos entraram e ocuparam seus lugares diante de um grande palco cheio de personalidades institucionais, um pa-
dre, um pastor e uma dupla sertaneja, que se apresentou depois dos discursos formais dos realizadores e patrocinadores. Havia demarcações nos assentos por seções, de acordo com cada cartório regional, e um número identificava a dupla que estaria prestes a se tornar marido e mulher, perante a lei dos homens. Antes da cerimônia, os noivos compareceram a cada cartório e assinaram os documentos oficializando que tinham a intenção de se casar. Depois de aproximadamente um mês, as certidões foram entregues ao fim do casamento. Já no tapete vermelho do Mineirinho, quando a entrada dos fotos: lucas soares
“Na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza. Amando-te, respeitando-te e sendo-te fiel todos os dias de minha vida até que a morte nos separe”, ouvi dizer um dos mil casais, presentes na terceira edição do Casamento Comunitário, enquanto a banda da polícia militar tocava seus pomposos instrumentos ao fundo. Lágrimas rolaram — de todas as partes — e as alianças entrecruzaram e ocuparam seus devidos lugares em suas mãos, acompanhadas de um longo e caloroso beijo. Dizem que o porquê dela ocupar o dedo esquerdo é devido a uma
veia que ligaria a extremidade ao coração. Ali, naquele momento, o coração realmente falou mais alto. Mas o casamento, na verdade, começou bem cedo. No entorno do Mineirinho o branco tomou conta de toda a multidão. Facilmente localizáveis, as noivas capricharam no brilho, no comprimento da cauda e também em toda a magia que envolve a vestimenta. Eles estavam lá, de todos os jeitos, de todos os gostos. Até mesmo com quem ousou a fugir do branco. Com os dreads bem ornamentados, Patrícia, de 27 anos, disse não levar tão a sério assim as convenções em torno do casamento. “Moro com meu marido há
Acostumado a sediar grandes e importantes decisões esportivas, o Mineirinho, desta vez, foi palco da decisão mais importante da vida de mil casais – o tão esperando sim
Tramas contemporâneas noivos teve início ao som da marcha nupcial, inúmeras referências às mais diversas princesas que o mundo já viu casando. Como a adorada Diana do casamento com Charles, príncipe da Inglaterra. No entanto, os véus das noivas mineiras não
atingiam oito metros de comprimento, como o de Lady Di. Bem ornamentado, o casamento não deixou a desejar esteticamente. O tapete vermelho complementava o glamour dos ternos bem passados e alinhados dos noivos, com o requinte dos
vestidos longos das noivas. Grandes arranjos de flores enfeitavam a mesa com um belo bolo. A foto, no entanto, era obrigatória. Na saída, as lembranças doadas por um bufê encerraram, elegantemente, a solenidade. Alguns noivos esticavam os
Setembro de 2017 Jornal Impressão braços para garantir os bem-casados, enquanto algumas noivas se esforçavam para entrar na fila e de retirar o registro da certidão matrimonial. O documento garante, além do acréscimo de algum sobrenome, direitos de comunhão de bens entre ambos.
Naquela manhã, havia pessoas oficializando a relação após muitos anos juntas, assim como alguns que se conheceram há menos de um ano. Casais que “adotaram” os filhos dos companheiros e que dispuseram se a dar todo apoio para
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a família. Casais que deixaram suas casas em busca de uma vida a dois. A sós. Casais de todas as raças, de todas as classes. Duas mil pessoas, no dia 23 de junho, realizaram um sonho. Mil casais prometeram amar até que a morte os separe.
João Paulo, Kemilly e a pequenina Giulia em uma data tão esperada: o dia do casamento
O requinte da ornamentação que ambientou o compromisso de duas mil pessoas
Sobre o tapete vermelho, no centro do Mineirinho, passaram mil casais de todas as regiões de BH
Da arquibancada, seis mil pessoas acompanhavam um espetáculo diferente do que é comum naquele lugar
enfim, casados!
Além de todos os convidados que, da plateia, se emocionavam com o momento especial, me senti privilegiado por estar naquele lugar, bem próximo aos noivos, mas por um motivo muito especial: meus pais também estavam se casando naquele dia. As tentativas em tentar captar histórias esbarravam na minha própria vida, e, consequentemente, nas vidas de meus cinco irmãos. Três deles são por parte de pai. Um, de mãe. Outro, o caçula, de mãe e de pai. Apesar de longa e cheia de reviravoltas, a história da minha família é, talvez, um modelo maluco do que é uma família tradicional brasileira, calcada em fenômenos como o êxodo rural, a desigualdade social e outras situações tão recorrentes em um pobre Brasil das favelas. Mas, fui privilegiado em ver, bem de perto, depois de quase 25 anos juntos, papai e mamãe em um especial e esperado momento: o casamento. Agora, além de dividir filhos, histórias e legados, dividirão, legalmente, um sobrenome.
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LIVROS
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A LITERATURA RESPIRA! FOTOs: ANA RIBAS
Durante uma semana, o Salão do Livro encantou, surpreendeu e despertou a curiosidade de crianças e jovens mas um desafio. Aliás, é preciso reconhecer que a literatura estrangeira faz sucesso, também, por ter um nível técnico muito bom”, finaliza.
Para além da literatura, o universo de obras infantis foi responsável por proporcionar cenas que, certamente, ficarão eternizadas na memória de quem visitou
Bê Franco Mariane Fernandes Stephanie Morgana “Chapeuzinho, na barriga do lobo, tentou desfazer esse nó. Pegou o seu celular vermelho de dar dó”. Perceba que, aqui, a famosa história da netinha de capuz avermelhado parece contada de modo bem estranho, não é? (Celular?!) Pense, agora, num lugar onde outras tantas e tantas fábulas ganham versões surpreendentes! Durante o Salão do Livro Infantil e Juvenil de MG, realizado de 15 a 20 de agosto, em BH, milhares de visitantes tiveram a oportunidade de ouvir e saborear, justamente, tal mundo fantástico, repleto de narrativas peculiares. Desta vez, o evento foi realizado no Parque Municipal Américo Renné Giannetti, considerado o coração da capital mineira. Além de um corredor com vários estandes e expositores de diversas editoras, o Salão contou com inúmeras atrações
que se dividiram em quatro ambientes: Teatro Francisco Nunes, Espaço Leituras em Conexão (Encontro Marcadinho) e os palcos Sesc e Rede Social. Cristiano Gouveia, contador de histórias há 15 anos e um dos convidados do evento, ressalta a importância de adaptar-se às mudanças impostas pela tecnologia. “É preciso entender o mundo como ele é. Caminhamos para este lugar, o da internet, mas sinto, com minha experiência, que toda boa história, independentemente do veículo, consegue atrair a atenção da criança”. Apesar de estar acostumado a se apresentar sempre com casa cheia, Cristiano acredita que ainda é necessário pensar numa alternativa para ampliar os acessos à leitura de crianças e jovens no país. Nesse cenário, o contador de histórias e escritor destaca a importância de eventos como o Salão do Livro, que promove interatividade entre públicos de diferentes
idades e, principalmente, com estudantes de escolas públicas e particulares.
Aventura e terror Um dos bate-papos que mais atraiu a atenção dos jovens teve o título “Leitores arrepiados – aventura e terror para jovens”, com a presença dos escritores Luiz Antônio Aguiar e Rosa Amanda Strausz. Ao se aventurar pelo universo do terror, Rosa Amanda produziu seu primeiro livro do gênero, Sete Ossos e uma maldição. Em entrevista para o IMPRESSÃO, a escritora explica como despertar o medo de quem lê. “Em três linhas, é possível aterrorizar o leitor, o que é muito pouco em questão de quantidade, mas, para isso, é necessário pensar muito, da parte do literato”. Ainda segundo a autora, “o segredo de escrever um livro de terror é explicar e descrever pouco e deixar por conta do leitor fazer todas as suposições”. Luiz Antônio Aguiar, palestrante ao lado de
Rosa Amanda, ficou encarregado de refletir sobre o gênero aventura para o leitor infanto juvenil. Ele evidenciou dificuldades e desafios de escrever ao público brasileiro que, muitas vezes, opta por obras estrangeiras. “No Brasil temos um problema: a limitação do poder aquisitivo das pessoas. Toda essa questão do envolvimento dos adolescentes, com uma literatura mais globalizada não acontece, exclusivamente, no Brasil, mas no mundo inteiro. Não considero isso como um problema,
Ampliando o acesso De acordo com Raquel Braga, assessora do evento, foi firmada uma parceria entre o Salão do Livro, Prefeitura de Belo Horizonte, Governo Estadual e escolas públicas da capital, com o objetivo de incentivar o hábito de leitura por estudantes e professores. Nesse sentido, foi distribuído um vale que permitia ao aluno comprar um livro à sua escolha. Para além desse universo, os livros disponíveis para compras também apresentavam preços acessíveis, variando entre R$5 e R$40 reais. No mundo globalizado, algumas mudanças são inevitáveis, o que acaba por resultar no ostracismo de certos objetos. Uma discussão recorrente é: “O livro físico vai morrer”? Bem, pelo visto não é o que pensa a estudante Carolina Pinho, 17. “Eu prefiro físico. Porque é diferente ler um livro, ter a oportunidade de tocar, tem todo um sentimento, enfim, temos mais carinho com ele. Já existem tantas coisas disponíveis na internet
As sombras das árvores serviam de aconchego para uma boa e sossegada leitura
e o livro é uma experiência diferente no dia a dia”, revela.
Homenagem Em meio a tantas personalidades ilustres no evento, uma foi mais que especial. Trata-se da ilustradora Marilda Castanha – a grande homenageada dessa edição. “Além de uma grande alegria é, também, muito interessante, pois essa honra vem no ano em que completo 30 anos de ofício. Uma data em que eu ia apenas comprar um vinho e tomar em casa com meu marido, e dessa forma, ficou uma homenagem dividida com todo mundo. Acho muito interessante também o Salão destacar um ilustrador, alguém que opta pela imagem como narrativa principal. Eu costumo dizer que nós, ilustradores, somos privilegiados por receber em, primeira mão, os textos dos escritores, assim acredito que só virei narradora de histórias porque eu sou uma leitora”, diz. Como forma de agradecimento, Marilda transformou a homenagem em reciprocidade ao fazer uma ilustração exclusiva para o Salão do Livro Infantil e Juvenil, intitulada como “Bicho Leitor”.
EU ESTAVA LÁ...
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MAIS ARTE, MENOS LÁBIA FOTO: izabella cardoso
Cefar(t) passa por sucateamento e estudantes fazem ato no Palácio das Artes
Movimento de estudantes busca melhorias efetivas no quadro de professores e na qualidade da estrutura
Izabella Cardoso Tainá Silveira O imponente prédio “niemeyeriano” engana. Apesar de se tratar de espaço público, com ampla programação artística e cultural gratuita, o Palácio das Artes é frequentado, sobretudo, pela elite de BH. Além de exposições, sessões de cinema e espetáculos, abriga o Centro de Formação Artística (e Tecnológica) – Cefar(t), importante escola profissionalizante de bailarinos, músicos e atores. Se você nem sequer sabia da existência do Cefar(t), não se espante: apesar de funcionar há 30 anos, é pouco divulgada e ocupa os fundos do Palácio. Lamento lhe apresentar o projeto nessas circunstâncias, mas a escola passa por sucateamento. A situação veio a público em maio de 2016, quando, em carta aberta, os alunos, organizados no movimento “Menos Palácio Mais Artes”, denunciaram precariedades. A escola de teatro, que, segundo um dos fundadores, Walmir José, tinha 17 professores, quando fundada, hoje tem 4. Além disso, os professores recebem menos de R$10
por hora/aula, as salas não comportam o volume de alunos, têm piso rasgado, carteiras quebradas, estrutura de iluminação enferrujada, e, em estreias no Grande Teatro, transformam-se em camarins.
Falta de professores Hoje, o movimento negocia com a Fundação Clóvis Salgado. Diretora de Planejamento, Gestão e Finanças da FCS, Kátia Carneiro diz que, em 2015, via concurso, nomearam-se 55 professores. Alguns não tomaram posse devido à documentação ou à perícia médica. Para resolver o problema, houve designações. Em 2017, o quadro de professores dos cursos de dança e música foi reposto. Os alunos, porém, destacam que perderam grande parte do semestre, sem previsão para reposição. Além disso, o edital priorizava o currículo acadêmico, em vez da experiência artística e em sala, o que levou ao Cefar(t) profissionais que estão tendo dificuldades com as turmas. Já no curso de teatro, não houve designação. A FCS alega que recebeu um documento, assinado pelo “Conselho
do Corpo Docente do Teatro”, que estabelecia 10h de carga horária. Alunos e professores, contudo, consideram a informação “nebulosa”, pois o documento foi assinado apenas por Felippe Werneck, coordenador pedagógico, e Cibele Navarro, diretora da escola à época, sem consulta aos docentes. Após o início do ano letivo, três professores pediram aposentadoria e dois se exoneraram. Em maio, foi publicado novo edital de designação de professores de Arte para duas das cinco vagas da escola de teatro. O edital, porém, exige formação ampla e genérica, e a pontuação da avaliação curricular é muito maior que a destinada à entrevista. Segundo Kátia, como medida inicial para resolver problemas físicos da escola, a administração aumentou em 33% a área do Cefar(t). Porém, certos problemas de manutenção permanecem, pois o local é adaptado, e não planejado, atividades artísticas. Por isso, a administração, junto à Secretaria de Cultura, ao Presidente da FCS, Augusto Nunes-Filho, e à Secretaria de Estado de Planejamento e Ges-
tão (Seplag), destinaram o prédio do extinto Departamento Estadual de Telecomunicações, a funções da escola. Com 4 mil metros quadrados, na avenida dos Andradas, ao lado da Serraria Souza Pinto, o local funcionará como anexo. “Achamos importante integrar os equipamentos culturais de BH, com fácil acesso: basta atravessar o Parque Municipal para chegar ao imóvel”, completa.
Movimentações Desde o início, alunos e comunidade artística de BH manifestaram-se, por meio de assembleias, aulas abertas na entrada do Palácio das Artes, vídeos e depoimentos no Facebook. Segundo os alunos, Augusto Nunes-Filho esteve em apenas uma das discussões promovidas pelo movimento, e todas as respostas dadas, por ele ou por outros representantes, foram burocráticas, sem se pautar pelo interesse político de solucionar demandas. O movimento não descarta a possibilidade de realizar ocupação permanente. A FCS convocou uma coletiva de imprensa para discutir a situa-
ção precária do Cefar(t), após o jornal O Tempo publicar reportagem sobre a união dos movimentos pela sobrevivência da Arte em BH, sem resposta de NunesFilho. No primeiro dia de junho, data marcada para a coletiva, os alunos compareceram, mas foram retirados, de lá, por seguranças. “Por que uma fundação pública realiza entrevista coletiva com portas trancadas, protegida por seguranças?”, frisa Tomás Soares, do Menos Palácio, Mais Artes. Segundo ele, após a coletiva, o mesmo jornal publicou outra matéria com informações inverídicas, como a de que os alunos do primeiro ano tinham apenas um dia por semana sem aulas, e que os do terceiro ano não foram afetados pela falta de professores. Segundo Bremmer Guimarães, aluno do segundo ano de teatro, quando as manifestações começaram, o cargo de diretor do Cefar(t) era ocupado por Roger Vieira, que foi exonerado sem explicações. Em seguida, Cibele Navarro ocupou o cargo e, após um ano, também foi exonerada sem justificativas, dias após a tal coletiva. Hoje, o cargo é ocupado por Vilmar Pereira de Sousa, professor de geografia e psicólogo, que, segundo os alunos, não entende muito bem as distintas demandas de uma escola de artes. “Ao chegar, ele disse que nunca havia visto sala de aula com linóleo, onde os alunos precisam tirar os sapatos”, completa Bremmer.
Audiência pública Com a pressão do movimento e da classe artística, em 29 de junho, a Comissão de Participação Popular discutiu, em audiência
pública, o estado da escola. Presidida pela deputada Marília Campos, a sessão ouviu as demandas dos estudantes e contou com a presença de representantes do governo do estado, da FCS e da classe artística. Todos os integrantes do movimento ouvidos, sem exceção, reclamaram da falta de diálogo com a instituição e da atual gestão autocrática. Margarete, mãe de uma das alunas de dança, destacou que, desde 2015, o acesso da população ao Cefar(t) foi ampliado, com a extinção da cobrança de mensalidades, mas a qualidade diminuiu. Para Arthur Barbosa, por vezes, tentou-se maquiar os problemas da escola, principalmente, após criado o movimento. A audiência pública durou quatro exaustivas horas, mas todos os pedidos do Menos Palácio Mais Artes foram aceitos.
Melhorias Bremmer Guimarães diz que, após a audiência, houve melhorias: a instituição ampliou o diálogo com os alunos e o espaço físico foi reformado. Nos cursos técnicos de teatro, dança e música, o quadro de horários foi reposto, com designação de três professores. Apesar disso, o “teatro básico para crianças e adolescentes” continua paralisado. Medo Os alunos temem que as melhorias não durem muito. No segundo semestre de 2016, também houve designações, mas neste ano, a falta de professores estava pior, pois o contrato dos profissionais vale até dezembro. O movimento segue pedindo a realização de concurso público para melhorias permanentes e efetivas.
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outros papos
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O COMENTARISTA DESBOCA
Eles são opostos em tudo: um é atleticano e o outro, cruzeirense; um é roqueiro e o outro adora MPB; um Felipe Souza Lélio “metralhadora” Gustavo. Eis um sujeito que quebrou tabus do que é considerado o jornalismo ético. Um cara sem papas na língua: fala o que pensa, sem medir as palavras, doa a quem doer. Marcamos a entrevista para a Rádio 98 FM, seu local de trabalho, em uma quintafeira, dia ensolarado, às dez da manhã. Com 15 minutos de atraso, eis que surge à minha frente o comentarista esportivo: um homem grande, quase 2 metros de altura. Diante de sua imponência, observar que ele está se apoiando em uma muleta é um baita choque. Quem diria? Um homem temido por tantos, por suas palavras cortantes, estar tão debilitado por conta de uma doença. O rádio faz essa mágica: transforma meros mortais em super-heróis. Eu logo ficaria sabendo que a causa da muleta é um forte diabetes. Lélio me cumprimentou com um aperto de mãos firme, e fomos para a rua, pois ele “estava doido pra pitar”. Chegamos por fim a uma lanchonete, a poucas quadras dali. O radialista pediu um simples pingado (café com leite), um pãozinho de queijo, e começamos o nosso papo.
Ironia do destino Ainda adolescente, em 1991, Lélio Gustavo Heliodoro dos Santos dividia seu tempo entre os treinos de vôlei e os
bicos como rádio-escuta, na Itatiaia. “Entrar no jornalismo foi uma obra do acaso”, garante, destacando figuras icônicas do rádio mineiro que foram verdadeiros professores em sua formação, uma vez que ele não chegou a cursar faculdade. Oswaldo Faria, Willy Gonser, Roberto Abras, Emanuel Carneiro, dentre outros, foram seus padrinhos nos 23 anos de rádio Itatiaia. Lélio conta que parte de sua loucura foi herdada do convívio com os companheiros de profissão Oswaldo Faria e Eduardo Costa. Mas, ao longo da conversa, mostrou-se um cara simples, educado e solícito, bem longe do comentarista afiado das jornadas esportivas.
Paixões platônicas Lélio é do rock and roll. Baterista de duas bandas nas horas vagas, revela que a música é sua grande paixão. Os ensaios ocorrem em sua casa, em um estúdio construído por ele mesmo. Outros amores são o Clube Atlético Mineiro e o Manchester United. Neste quesito, o comentarista é bem ético. Fala da mesma forma sobre o Galo e do seu maior rival em MG. Chegamos ao Lélio família. Suas primeiras palavras são: “eu gosto de tomar minha cerveja e assistir meu futebol”. Já era de se esperar esse tipo de fala de um cara que vive o futebol com
tamanha intensidade e emoção. “Minha mulher fica invocada”, frisa, em meio a várias risadas. O primeiro casamento durou 18 anos, mas é no segundo, que já dura quatro, que se realizou. “É uma eterna luta para fugir da rotina. A gente briga ali, faz as pazes aqui e vai seguindo a vida. Minha atual esposa me deu uma filha linda. Eu nem esperava que um dia seria pai”, frisa, tomado por emoção. Karina, esposa, e Maria Luíza, filha, são seus alicerces. O homem polêmico, que não leva desaforo pra casa, famoso por frases como “vai sentar no colo do capeta” ou “vai tomar na tampa do jiló”, dá lugar a um cara pacato, que, aparentemente, está de bem com a vida. Já no ar a história é bem diferente, como no episódio que motivou sua demissão da Itatiaia. Certo dia, em um programa de televisão na BH News, furioso, ele disparou palavras duras contra um jogador do Atlético [Neto Berola], um time baiano [o Vitória] e a apresentadora de um programa esportivo [Renata Fan]. “Ô, Neto Berola, jogadorzinho de quinta categoria, fica na sua
aí, tá? Jogadorzinho de merda. Pra você falar de um companheiro de imprensa meu você tem que chegar pelo menos à Seleção Brasileira, tá, ô, seu cocô. Seu bosta! Cê é um bosta, rapá.” Para este perfil, tentei contato a todo custo com Berola, porém o atleta, atualmente no Coritiba, se recusou a falar sobre o ocorrido. Lélio diz que a esposa o ajudou a colocar a cabeça no lugar. Porém não se mostra tão arrependido. “A única coisa que lamento foi de ter chamado a Renata Fan de galinha. O resto? Sem arrependimentos.” “Ô, Renata Fan, você tá comendo milho e fazendo a dança da galinha aí, perua! Perua não, galinha mesmo”.O colega de trabalho Eduardo Madeira, em uma conversa longe de Lélio, conta que ele é um bom amigo. “Meio turrão, mas de um coração enorme, além de extremamente compe-
tente no que faz. Com a familia, amigos, os mais próximos, é um cara afetuoso. Do jeito dele, mas é”, frisa o locutor. Lélio causa nas pessoas um sentimento claro de 8 ou 80: amor ou ódio. Seu jeito atraiu muitos admiradores e outros tantos detratores. “Fiz nessa profissão poucos amigos, muitos colegas e os inimigos são invisíveis. Eles fazem tudo pelas costas. Mas eu também estou pouco me fodendo!”, garante o radialista. Sobre o emprego atual, se diz feliz. “Não vou dizer que estou acomodado. Claro que não! Mas eu tenho sonhos. O amanhã não dá pra prever, né? Talvez um dia eu tenha condições de ter um veículo de comunicação meu. Tipo aqueles tablóides ingleses. Não um The Sun da vida. Um jornal que não conte tanta mentira. Grana infelizmente
não tenho pra isso. Mas é um sonho!”. Dá vontade de passar horas escutando as histórias de Lélio, mas, infelizmente, ele tinha que voltar ao estúdio, para sua participação no popular programa 98 Futebol Clube. Saímos da lanchonete enquanto ele acendia o terceiro cigarro. No caminho de volta, o radialista finalizou: “Tenho que ir lá, né? Falar mal de alguém ao vivo, pro povo me criticar. Mas sem ser um Caio Ribeiro da vida, que pede desculpa após cada crítica que faz a algum jogador”, riu, com malícia. O cigarro acabou e a entrevista também. Nos despedimos com um breve aperto de mão e o observei caminhar de volta para a rádio, em passos lentos, apoiado em sua muleta.
outros papos
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ADO E O NARRADOR POETA
m é bem alto e o outro, baixinho; um dispara palavrões e o outro recita letras de músicas a cada gol Lá está ele, preparado para mostrar aos ouvintes o que está acontecendo no campo naquele exato momento. Porém, mais do que narrar futebol, Osvaldo Reis usa versos da MPB para refletir a paixão pelo esporte. “Deixa eu dizer que te amo, Cruzeiro, deixa eu pensar em você, isso me acalma, me acolhe a alma, isso me ajudar a viver”. O lugar escolhido para a entrevista é a Praça da Assembleia, em BH. Dia ensolarado, praça arborizada, crianças brincam, jovens e idosos fazem caminhada. Mesmo sem conhecê -lo pessoalmente, não é difícil identificá-lo, com o mesmo chapéu bege usado na locução, bermuda, sapatênis e camisa azul. A cor da camisa talvez seja uma alusão ao time de coração, que
ele aprendeu a amar por influência do pai. A paixão pelo rádio começou ainda na infância, na pequena Monte Santo de Minas, onde nasceu em 6 de março de 1960. Com quatro anos de idade, já dava os primeiros passos rumo à profissão dos sonhos: radialista. Seus primos subiam numa árvore, para brincar, e ele, bem menor, ficava sempre embaixo. Pegava então uma latinha de tomate e imitava os locutores. A mãe foi umas das primeiras pessoas a perceber o talento do garoto. “Certa vez ela perguntou o que eu queria ser da vida. Não pensei duas vezes: eu queria ser como o cara que estava dentro do rádio que ficava na cozinha”. Quando eu ia ao estádio, fazia questão de ficar perto dos locutores, observando como eles faziam, para aprender. Quando explica como recebeu o apelido,
chega a se emocionar. O nome foi herdado do pai, dono da fábrica do guaraná Pequetito, em Monte Santo. O pai passou a ser conhecido como Chiquinho do Pequetito e, anos depois, Osvaldo herdou a alcunha. “Para mim, este é o maior legado que meu pai deixou. Tenho orgulho de carregar este que não é um apelido, e sim um nome”, celebra. Com um olhar distante, Osvaldo conta que tinha 13 anos quando Seu Chiquinho morreu de câncer e, por isso, os dois tiveram pouca relação. Mesmo assim, não esquece que o pai sempre o levava ao campo de futebol.
Início no rádio Pequetito começou cedo como locutor. Com 17 anos, teve a primeira oportunidade, em sua cidade natal. Convidado pelo diretor da Rádio Progresso para fazer um teste, Pequetito ficou 30 minutos no ar: deu nota de falecimento, tocou música e informou a hora certa. O diretor gostou
tanto que perguntou se ele podia começar no dia seguinte. A estreia no jornalismo esportivo ocorreu na década de 1980, com a cobertura do time de São Sebastião do Paraíso. Além de falar da equipe, Osvaldo lia notícias, fazia entrevistas, apurava e produzia o programa esportivo da emissora. Sua primeira narração, no jogo entre Alfenense e Nacional de Uberaba, começou meio de surpresa. O narrador oficial da emissora não chegou a tempo, devido a um problema no carro, e o diretor o convidou para ser o narrador da partida. Hoje em dia, Osvaldo confessa não gostar de apresentar programas. “Queria só narrar jogos, que é o que mais gosto, sei fazer e me sinto bem”, afirma, sem negar o orgulho pelos muitos elogios recebidos pelas narrações.
Decepção Após muitos anos trabalhando na Rádio Globo, Pequetito foi demitido em dezembro de 2016, quando a emissora encerrou repentinamente suas atividades em BH. Na épo-
ca, Grêmio e Atlético fariam a final da Copa do Brasil, e as passagens já estavam compradas. “Foi um dos momentos mais difíceis da minha carreira”, afirma, taxativo. “Não esperávamos o fechamento da rádio, apesar de termos vivido um terrorismo antes, e principalmente, depois das Olimpíadas”. Os funcionários já esperavam mudanças, mas Osvaldo imaginava que, ao menos, a equipe esportiva fosse mantida. O repórter Vinícius Grissi, demitido da Globo na mesma época, afirma que, de todos, Pequetito foi quem ficou mais abalado, pois tinha muito tempo de emissora. Guto Rabelo, repórter da Rede Globo, concorda com Grissi, e afirma que o desmanche da Rádio Globo foi um momento muito difícil para todos, principalmente para o narrador. Osvaldo explica sua surpresa: “As pessoas diziam que, por muita gente gostar do meu trabalho, e eu ser uma pessoa famosa, eu nunca seria demitido, mas acabei ficando mais de seis meses fora do rádio convencional”. Chegou a receber proposta para trabalhar em uma emissora de Goiás, mas foi aconselhado a não aceitar a proposta por seu amigo Jorge Kajuru, pois, segundo ele, o dono da emissora era um “pilantrão”. Logo de-
pois, o dono foi preso, diz aliviado: “Me livrei de uma!” No primeiro semestre de 2017, Pequetito se manteve ativo, na webrádio “No cantinho que a galera gosta”, narrando jogos do Cruzeiro. Em agosto, finalmente, o locutor voltou às ondas do rádio, na recém inaugurada emissora Super Notícias, de Belo Horizonte.
Lirismo A fama de Pequetito resulta, em grande parte, de ser um narrador que “declama poesia” no momento dos gols. Começou citar letras de músicas em 2013, quando o Cruzeiro estava prestes a ser campeão brasileiro. Na ocasião, citou a música “Trem Azul”, de Lô Borges – “Você pega o trem azul, o sol na cabeça...”. Desde então, incorporou no repertório mais de 300 letras, e revela um projeto de digitalizar todas elas e eternizá-las em um e-book. Embora tenha recebido o prêmio de melhor narrador de Minas Gerais, em 2007, e participado de Olimpíadas e Copas do Mundo, Pequetito afirma não ter realizados todos os seus sonhos de criança. Deseja ainda narrar o jogo final do Mundial de 2018, na Rússia, entre Brasil e Argentina, com a vitória da seleção canarinho por cinco a zero. “Acho que assim dá para pensar em parar”, afirma.
william araújo
Wellington Barbosa
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TRAMAS CONTEMPORÂNEAS
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a disputa é nervosa! fotos: mariane fernandes
O contraste entre movimentos estudantis e disputa de passinhos no primeiro dia do Congresso da UNE, na UFMG Tratava-se de um funk mais pesado, influenciado pela psicodelia, dando origem ao subgênero chamado P-Funk. Ainda no mesmo período, surgiram as primeiras equipes de som no Rio de Janeiro, como a Soul Grand Prix e a Furacão 2000. Os primeiros bailes eram feitos com vitrolas hifi e as equipes se modernizaram ao longo do tempo.
A disputa O Projeto “Lá da Favelinha”, nasceu no ano de 2014, no Aglomerado da Serra, com Kdu dos Anjos. Público aplaudiu, vibrou e se embalou ao ritmo dos talentosos passistas
Mariane Fernandes William Araújo – Corre, corre! A palestra vai começar. – Mas qual vamos cobrir? A das ocupações ou a da liberdade e democracia? – Essa última, dos movimentos sociais, mesmo. – Então, beleza. Bora apressar o passo! A manhã de abertura do 55o. Congresso da União Nacional de Estudantes (UNE), em Belo Horizonte, foi movimentada, populosa, fria, agitada, mas nunca imaginaríamos que seria dançante. Logo ali, fora dos auditórios repletos de estudantes e palestrantes, estava a atração cultural que nos despertou a atenção, devivo ao contraste com o evento. Lá estava, acolhida por uma tenda de circo vermelha e branca, a Batalha de Passinhos Lá da Favelinha. Corremos mais uma vez, nos aproximamos, e o som ficava mais contagiante – inseparável da alegria da plateia aos gritos de “A disputa é o quê? NERVOOOSA!”
Ao chegar, demos de cara com várias crianças e adolescentes que participavam da batalha, além do grande público, nas arquibancadas que cercavam o palco. A cada etapa, dois participantes entravam estilosamente, e, por vez, dançavam ao som do funk. A disputa durava, aproximadamente, cinco minutos. Kdu dos Anjos interrompia a batalha e os jurados davam o veredito. “O melhor passista é...” (A plateia rufava tambores com as mãos e o jurado apontava seu escolhido.) Todos os dançarinos eram menores de idade. Alguns, claramente não aparentavam ter mais de 12 anos. Todavia, se respeitavam-se e interpretavam a batalha como uma atividade de vida ou morte. De espacates (passo comum às bailarinas) a quadradinhos de oito, a disputa não tinha limites; aliás, o único limite era o palco cercado por fotógrafos, caixas de som, telão e DJ. O prêmio? A certeza de que o mais importante não é vencer, mas, receber abraços, gritos,
sorrisos e aplausos. De onde veio? O funk surgiu, em 1960, por meio da música norte-americana, e, possivelmente, tem como pai o pianista Horace Silver – o primeiro a unir jazz a soul music e difundir a expressão “funky style”. Entretanto, foi com James Brown que o estilo tornou-se dançante e ganhou o mundo. As características desse estilo musical são: ritmo sincopado, densa linha de baixo, seção de metais forte e rítmica, além de percussão marcante e dançante. No início dos anos 1960, o estilo era considerado indecente, pois a palavra “funk” tinha conotações sexuais na língua inglesa. As palavras ainda eram consideradas indelicadas e inapropriadas para uso em conversas educadas. O movimento incorporou o aspecto de uma música com um ritmo mais lento, sexy, solto, com frases repetidas. A alteração mais característica do funk, na década de 1970, foi feita por George Clinton, com suas bandas Parliament, e, posteriormente, Funkadelic.
No início, era apenas um grupo de MC’s, mas ganhou espaço na comunidade. Após inaugurar uma biblioteca e um grupo musical, foi fundado, em 2015, o Centro Cultural Lá da Favelinha. Totalmente independente e orientado pelos moradores do aglomerado de forma voluntária, o projeto, hoje, conta com um acervo de três mil livros, oficinas de hip hop, capoeira, danças, além de aulas de inglês e atrações, dentre as quais a “Batalha de Passinhos – Disputa Nervosa” – segundo o site Benfeitoria.
OUTROS PAPOS
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lobão VERSUS LOBÃO Bê Franco Déborah Corsino Era um feriado municipal. O shopping estava cheio para um dia da semana, o que levava a crer que o feriado atraia mais consumidores, e que, apesar da crise, passear no shopping ainda é um grande atrativo. Mas nosso trabalho de campo tinha outro objetivo, entrevistar um dos músicos mais importantes do rock brasileiro dos anos 80, e um dos mais polêmicos em uma noite de autógrafos de seu novo livro, o “Guia politicamente incorreto dos anos 80 pelo rock”. A fila não estava comprida, não mais que 50 pessoas aguardavam por um momento com seu ídolo. Uma foto, uma aperto de mão, um dedicatória com seu nome bastavam. E ele não se mostrou impaciente, ou rude, da forma que geralmente nos lembramos dele na mídia. Lobão na verdade, foi delicado e demonstrou sutileza ao conversar com todos que foram até ele, dos mais abusados que pediam beijos, tentavam alguma proximidade maior, aos que representavam algum direcionamento político, vestidos de camisas com referências extremistas. De semblante calmo, e simpático, nos recebeu muito bem e concordou sem titubear em conversar com nossa equipe, de dois: Com o lançamento do livro Guia Politicamente Incorreto dos Anos 80 Pelo Rock, algum dos artistas citados já se manifestou negativamente quanto a seu ponto de vista sobre algum deles? Não. Pelo que eu saiba, ainda não. Com as plataformas digitais, e a
grande influência das redes sociais, são comuns discussões políticas que envolvam “direita” e “esquerda”. Certas pessoas o idolatram como símbolo da extrema direita. O que pensa disso? Uma tremenda imbecilidade, né?! Eu não sou tão estúpido assim, ou, não sou tão reduzível. Eu sou um músico. Sou um cara de oposição, onde tem governo eu sou contra. Podemos dizer, então, que, por ser sempre contrário ao governo, você tenha uma ideologia voltada para a “esquerda”, digo, como sendo sempre opositor? Não, não. Eu era opositor do PT, vou ser de esquerda? Não faz sentido. Eu posso ser mais para ambidestro. Agora, não me idêntico com nenhum grupo. Veio um grupo aqui de “bolsonaretes”, eu fiquei... Sabe?! Não tenho nada a ver com aquilo, aquela não é minha turma, entendeu? Assim também como ninguém da esquerda, não me identifico com absolutamente ninguém. Após falar do rock nos anos 80, como você enxerga o cenário na atualidade. Teria alguém para quem “passar o poder”? Não existe. No Brasil foi dizimada a cultura... Eu sempre digo que um dos termômetros culturais de um país desenvolvido é ter uma cena boa de Rock ‘n’ Roll, qualquer país mais ou menos culturalmente desenvolvido tem uma cena boa de Rock. O Brasil não tem. Isso foi dizimado nesses últimos anos, já não era nenhuma Brastemp, né?! Mas piorou bastante nos últimos 15, 20 anos. Então isso também decaiu
william araújo
Polêmico, talentoso, ressentido, inteligente, contraditório, gentil, politicamente incorreto... muito a cena de Rock. O Rock é a alta cultura da civilização ocidental desde a metade do século XX. Então pra se fabricar a alta cultura, você tem que ter cultura, tem que ter conhecimento, educação, criatividade, liberdade, e nós não temos isso aqui. E internacionalmente, existe alguém em que se possa confiar o W? O rock já é um caldo cultural, que, não precisa de mais nomes. Já é uma entidade por si. Mas temos coisas impressionantes sendo feitas hoje: Arcade Fire, Razorlight, Radiohead, que tá em plena atividade, com todos os lançamentos que tiveram nos últimos anos, temos muita coisa funcionando em termos de cultura de Rock mesmo. De volta à política, o que você pensa da fase pós-impeachment no Brasil. A saída de Dilma foi um retrocesso? Bom, é óbvio que melhorou muito. Já melhorou o índice de desemprego, de inflação. A Petrobrás em dois meses voltou do vermelho para o azul. A gente foi salvo da pior recessão que o Brasil entrou. Estaríamos numa Venezuela se eles estivessem agora (PT). Temos que olhar para Venezuela e sempre, ver, “olha isso que o Brasil ia virar”. Com o PT a gente vai pra Venezuela, sem dúvida, não tem outro caminho. É um plano do Foro de São Paulo, é muito simples, é só enxergar. Cuba, Venezuela, Bolívia, é isso que a gente quer? É isso que a gente terá! À forma de Dilma, Temer deve cair? Não! Ele é um interino, meu Deus do céu!
Punir um interino? Isso é um absurdo. Você tá dando um tiro no próprio pé. Prende ele logo depois (do mandato), mas deixe-o, pois colocou uma equipe econômica que funciona. As pessoas têm de entender o seguinte: o que é de interesse do PT não deve ser o nosso interesse. Portanto, se eles querem “Fora Temer”, temos de deixar o Temer aí. Se ele está funcionando economicamente, a gente não pode punir o povo brasileiro com mais desemprego, com mais
descaso econômico. A gente tem que pensar em uma coisa inteiramente prática agora. Nós temos as eleições a pouco menos de um ano. É uma desinteligência querermos punir um cara que já está punido pela chapa. Já é um ancião. Ele não vai voltar! Que seja punido depois. Tá na cara que tem um golpe atrás disso tudo. O que penso ser o mais importante é saber que o pensamento de esquerda latinoamericano tem de ser extirpado da América Latina, para que
a gente possa pensar em crescer. Enquanto tivermos esse pensamento intelectual de esquerda, com a esquerda tomando a cultura, seremos um perfeito idiota latinoamericano. Eu não conheço nenhum personagem dessa laia que tenha o mínimo de brilhantismo. O próprio ideário é falido e psicótico. Não tem como! Enquanto a gente for “esquerdóide”, linguiça com cachaça, sandalinha e empobrecido cenográfico, não vamos a lugar nenhum.
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Você já viu ?
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A MÁSCARA DE MACHO Cultura da hipermasculinidade afeta, diariamente, a rotina de crianças e jovens americanos “Minha memória mais antiga é do meu pai me levando ao porão da minha mãe, levantando as mãos e me ensinando a dar golpes e socos. Foi lá que ele me disse as palavras: ‘Seja homem. Pare de chorar, não se emocione. Se vai ser homem nesse mundo é bom aprender a dominar e controlar as pessoas e as situações’”. É com essas palavras que se inicia o documentário de Jennifer Siebel Newsom, The Mask You Live In (“A Máscara em que Você Vive”, em tradução livre, um trocadilho com masculinity). O longa metragem reúne histórias de várias pessoas que relatam a pressão psicológica de ser homem nos Estados Unidos. Alternadamente aos relatos, pedagogos, psicólogos e acadêmicos explicam, de maneira muito sensível, os efeitos da cruel “máscara da masculinidade”. Quando ouvimos sobre feminismo, frequentemente, pensamos em um discurso que diz respeito apenas às mulheres. O machismo, entretanto, é um sistema de opressão que afeta todos os gêneros. Ser homem, nesse contexto, é ser forte, bem-sucedido, agressivo, poderoso, ter
controle sobre todas as situações. Desde a infância, a cobrança para nunca demonstrar fraqueza ou afeto cria pessoas que não sabem lidar com as próprias emoções, incapazes de conversar sobre elas, solitárias e isoladas. É proibido ter empatia, ser carinhoso, sensível, compreensível. Afinal, na caixinha dos papéis de gênero, essas são características femininas. Na narrativa de Jennifer Siebel Newsom, esse é o carro-chefe que conduz a violência.
Realidade em números O documentário é uma overdose de estatísticas. Em infográficos coloridos, descobrimos que um em cada quatro meninos estadunidenses sofre bullying na escola, mas apenas 30% contam a um adulto. Mais da metade sofre abusos físicos e um em cada seis é abusado sexualmente. Enquanto isso, menos da metade dos homens e meninos com problemas de saúde mental busca ajuda. Portanto, não é coincidência que, entre 15 e 19 anos, a taxa de suicídio entre homens seja cinco vezes maior do que entre as mulheres. Já entre 20 e 24 anos, chega a ser sete vezes maior. Junto à vulnerabilidade emocional, vem o abuso de drogas. Para o psicólogo Michael Thompson, um
dos entrevistados do documentário, ao beber álcool e usar outras drogas, os meninos encontram uma maneira de “burlar as regras” que exigem que sejam contidos e fortes. Quando estão bêbados, não há problema em abraçar os amigos e dizer o quanto os amam. Um menino normal, nos Estados Unidos, experimenta drogas aos 13 anos, e um em cada quatro bebe compulsivamente, ou seja, consome cinco ou mais bebidas em sucessão. Além disso, apenas 22 estados exigem o ensino de educação sexual nas escolas públicas. No lugar disso, entra a pornografia: 68% dos homens jovens a consomem semanalmente, e 21%, diariamente. Desses, 83% já viram sexo grupal online; 39% , sadomasoquismo; e 18%, cenas de estupro. Por fim, cada um desses pontos e vários outros constroem uma sociedade na qual mais de 30 mil pessoas são mortas por arma de fogo ao ano e 90% dos responsáveis são homens; uma a cada cinco mulheres universitárias acaba vítima de violência sexual e 35% dos homens universitários pensam em estuprar caso não sejam pegos.
senta problemas, pois há saturação de efeitos de transição. Durante todo o filme, imagens são clareadas, até se tornarem telas brancas. A diretora apresenta fotografias e filmagens relacionadas aos personagens, que se movem e ampliam, além de imagens de noticiários, filmes, games e vídeos da internet. Os fades
deixam a impressão de que a narrativa está acabando, mas ela recomeça repetidas vezes, o que a torna um pouco cansativa. Apesar dos excessos, no decorrer do documentário, são apresentados projetos que buscam romper com essa realidade e pais que educam seus filhos de maneira diferente.
Aos poucos, todas as estatísticas alarmantes se transformam em mensagem positiva. Para a diretora Jennifer Siebel Newsom e os personagens, é possível mudar essa cultura por meio de uma educação que quebre a máscara da hipermasculinidade. Para isso, cada pessoa no mundo tem um papel essencial. Reprodução
Tainá Silveira
Legado positivo Em termos técnicos, o documentário apreFicha Técnica Título: A máscara em que você vive Título original: The Mask You Live In Direção: Jennifer Siebel Newsom Elenco: Caroline Heldman Gênero: Documentário Ano: 2015 Roteiro: Jeniffer Siebel Newsom e Jessica Congdon Duração: 97 minutos
Você já leu?
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O suspiro pela vida Em meio à dor, livro francês mostra, também, resquícios de superação e esperança por dias melhores No início você pode até não acreditar que a história por trás do livro O Segundo Suspiro seja real, mas sim uma mera fantasia saída da cabeça de um aficionado por dramas. Mas, ao decorrer da trama, prepare-se para se surpreender. O livro conta a vida de um executivo rico, nascido em uma tradicional família francesa. Para ele o dinheiro pode até mesmo não trazer felicidade, mas o ajuda a conseguir o que quer, sempre que possível. Casado, Philippe Pozzo di Borgo é um homem atraído pela aventura: saltos de aviões, carros em alto velocidade e qualquer coisa que tenha placas brilhantes com os dizeres: “Cuidado, morte logo à frente!” Foi assim que, durante uma de suas aventuranças, saltando de parapente, Philippe não conseguuiu se manter no ar e caiu, quebrando a coluna na altura do pescoço, ficando tetraplégico. Logo após o trágico acidente, enquanto tentava de forma frustrada se recuperar, um novo baque: sua esposa, Béatrice foi diagnosticada com uma doença terminal, cujo tratamento envolvia raspar as feridas para que não se proliferassem. Nesse cenário de amores perdidos e sonhos frustrados é que o livro se ambienta e se torna embriagante, a partir do momento em que sua visão de mundo é completamente alterada, após contratar o ajudante Abdel, uma pessoa totalmente diferente dele.. Philippe começa, então, a poetizar sobre coisas das quais nunca se pensara capaz, mas, principalmente, começa
a amar a vida de um jeito que não pensou que fosse possível antes da reviravolta.
“Aqui, ninguém viveu, pobre passado, como o azul desbotado da sua sepultura. Rugas no abrigo da máscara até a queda instantânea do último grão de areia. Eu me arrepio com a queimação do sol, cegonhas isoladas se demoram, não é tarde demais.” Da mulheres que pensa amar até amantes com quem passou a se corresponder por carta, Phillippe abre mão da ideia de desistir da vida. E se apaixona por todos os suspiros que deu a partir de sua segunda oportunidade. Ao lado de seu fiel e companheiro amigo Abdel, Paris fica pequena
em comparação às suas novas aventuras e quebras de paradigmas. O livro mescla texto corrido e frases soltas, o que facilita a leitura e dá a escrita um tom mais poético. A obra deu origem à adaptação cinematográfica Intocáveis, um dos maiores sucessos de bilheteria da história do cinema francês. Embora retrate bem o que se passa na trama, não chega a surpreender, como o livro. E para você que, como eu, não acreditaria na história logo no início, acredite, o livro é inteiramente baseado em fatos reais Philippe Pozzo Di Borgo é um sobrevivente da incredulidade na vida e da certeza de que um dia, se tudo não melhorar, pelo menos, tudo ficará bem.
FOTOS: Reprodução
Victória Farias
FICHA TÉCNICA Título: O Segundo Suspiro Título Original: Le second souffle suivi du diable gardien Autor: Philippe Pozzo di Borgo Editora: Intrínseca Ano: 2012 Páginas: 232
Acima, a capa do livro após o sucesso do filme,; na imagem abaixo, Philippe Pozzo Di Borgo e seu ajudante, Abdel Sellou
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CRÔNICas
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Aléxia Barbosa Dizem que o ciúme é uma prova de amor. Se é verdade eu não sei. Dizem também que o amor é cego, te impede de enxergar os defeitos do outro e te faz perder a razão. Que loucura! Nessa onda de “Ele é meu!”, uma pitada de estrabismo fez com que Leonice dos Santos acabasse presa. Tanto quis se sair bem numa relação que deu um tiro no pé. Ou melhor, atirou num homem que nem a conhecia, mas que estava a vinte metros do alvo. E, por ironia do destino, a vítima se chamava José Paixão! O plano da moça era simples. Chegar ao bairro Jardim Europa, em Goiânia, entrar num bar e matar a mulher atual do ex-namorado. Porém, o problema anatômico complicou sua vida. Ela chegou ao local com uma arma, mirou na moça, mas
acabou acertando um homem que estava há 20 metros do seu alvo e não tinha absolutamente nada a ver com o caso! Pobre Leonice, tem literalmente uma visão torta! A infeliz atiradora ainda contou com a ajuda do irmão, com nome de galã norteamericano: Maico Douglas! Ele assumiu a culpa em seu lugar. Mas Leonice se deu mal de novo! Testemunhas disseram que foi ela mesma quem disparou o gatilho.
Dizem que o ciúme é uma prova de amor. Se é verdade eu não sei. Dizem também que o amor é cego, te impede de enxergar os defeitos do outro e te faz perder a razão. Que loucura! Agora, a moça trocou a posição de mulher enciumada pela categoria de criminosa e irá responder por
Ludmila Alves
VISÃO TORTA sobre o amor homicídio qualificado. Colocou sua liberdade em jogo e com sua visão lesiva acabou perdendo. Sua pena pode variar de 12 a 30 anos! Quis tanto ser dona de alguém que destruiu sua própria vida. Ao tentar controlar o outro, perdeu o autocontrole. E ainda dizem que esse é o jogo do amor, no qual um sempre acaba perdendo. O delegado responsável pelo caso tentou explicar o fato alegando que Leonice errou o alvo por problema crônico de visão. Mas o caso aqui vai além! Leonice atirou por não conseguir enxergar o que é claro para muitos: que nessa vida ninguém tem dono! Diante dessa situação pitoresca, só é possível chegar a uma conclusão: se esse tal amor que Leonice diz sentir pelo ex não é cego, pode ter certeza que é, no mínimo, vesgo.
minha histÓria com “A”
Marcelo Gomes
Era seu aniversário. A quantia de anos foi necessária para tornar seus traços físicos mais robustos. Prazer eu tinha em realizar tal observação. Minha mãe incumbiu-me de ficar na cozinha lavando a louça, enquanto ela servia os convidados da festa. Fui ajudá-la em sua tarefa: cochichos, risadinhas, e, sobretudo, deboches de amigos de A* recaíam sobre mim. Motivo: o avental que eu usava. Continuei a servir os desgraçados dos amigos dele. Enquanto executava tal tarefa, senti um de seus amigos fitarme com um olhar nada normal. Com as pernas bambas, com medo de
que me fizessem algo, agradeci-lhes e retornei à cozinha. Pior do que os deboches dos diabos era a cara da minha mãe: aquela de vergonha de mim.
Fui ajudá-la em sua tarefa: cochichos, risadinhas, e, sobretudo, deboches de amigos de A* recaíam sobre mim. Motivo: o avental que eu usava.
Decidi, diante da situação da cozinha, subir ao quarto e arrumar a cama dele. Um grito. Um dos miseráveis de seus amigos estava lá. Devorou-me na cama de A*. O deslocamento do leito fez o barulho que atiçou a curiosidade de outros empregados, que presenciam a cena.
Louco? Se fosse, cá não estaria a registrar minha história. Porém, afirmam todos que nesse inferno passam: “Louco, doido”. Se a afirmação deles procedesse, nem me lembrar de como galguei até aqui. Foi mais ou menos assim: minha mãe não suportava mais dirigirme o olhar; graciosamente, um doutor da cidade contava à velha que havia um lugar onde gente como eu era recebida. Minha mãe não gostou da ideia de não contar mais com minha presença em sua vida. A pressão de todos e a do doutor vigoraram. Me tacaram num trem. Antes de as portas se fecharem, olhei para minha mãe, chaman-
do-a, para que junto a mim estivesse... Portas se fecharam. Há dez anos – contei isso, coisa que doido não faz – não vejo a velha. Desde quando me tacaram aqui, ninguém me visitou. Ninguém! De uns cinco anos para cá, tive a certeza de que A* não me amava, pois, se tivesse um sentimentozinho sequer por mim, se preocuparia. Só sei que somente os outros têm razão. Diante da falta de preocupação, e, sobretudo, de amor dos outros, somente ela ficou do meu lado; ela que comigo está até nas noites frias desse lugar. Seu nome? Solidão. Aprendi a viver com ela. Juntos, fizemos tantas coisas... Aprendi a trabalhar no pesado.
Porém, lá no fundo da alma, palpitava o sentimento de que não gostava dessa minha amiga. Ela tem outros amigos aqui, e está com eles o tempo todo.
Foi mais ou menos assim: minha mãe não suportava mais dirigir-me o olhar; graciosamente, um doutor da cidade contava à velha que havia um lugar onde gente como eu era recebida.
Mas, em tempos recentes, tive a certeza de que ela está se afastando de mim. Até que, um dia, deixou de ficar ao meu lado por completo. O motivo disso foi que A* estava ali. Quando o vi, fiquei tão perplexo que passei
o dia inteiro deitado. Por causa disso, até remédio me deram. Deus, era ele? Danei, danei muito, até descobrir o nome do novo médico. Desde pequenos, seus pais falavam que A* iria cursar Medicina. Era ele, sim: aquele que me tirou a razão, um dia, iria tratar-me por falta dela. Um dia, ao realizar o diabo da avaliação, ele me examina. Sempre quis que encostasse no meu corpo. Jamais gostaria, confesso-lhes, que fosse naquela situação. Eis que, para fazê-lo lembrar-se de mim, sai da minha boca: “Hoje é dia 24”. “Teu aniversário é amanhã”. Sua reação...