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A reinvenção do mundo corporativo
COMO A PANDEMIA DEVE MUDAR SIGNIFICATIVAMENTE A FORMA DE FAZER NEGÓCIOS
A pandemia de covid-19 abalou o mundo corporativo. De forma repentina, empresas tiveram de sair da zona de conforto para se adaptar a uma nova realidade, com profissionais e clientes conectando-se digitalmente. Esse cenário veio recheado de desafios. Por exemplo, a transformação digital, que já vinha sendo implantada, foi acelerada com a crise sanitária. A mudança trouxe dúvidas, a princípio, sobre o desempenho dos funcionários longe de uma supervisão presencial. Após meses de adaptação, o novo dilema está em volta do papel do escritório no futuro, uma vez que as pessoas pegaram gosto pelo home office.
Para descobrir os impactos que o novo coronavírus causou – e ainda está causando – na cadeia de trabalho e na economia, além de saber o que as empresas podem esperar de um futuro pós-pandemia, a IM Magazine conversou com Peter Cabral. Ele é cientista político, palestrante e faculty member da Singularity University, uma escola que trabalha o conceito de digitalização e disrupção entre profissionais, promove a criação de tecnologias e empresas exponenciais, e foca a modernização das economias mundo afora. A seguir, confira a entrevista.
IM: Quando o assunto é mundo corporativo, qual a principal mudança ocorrida com a chegada da pandemia de covid-19?
PC: A principal mudança está na forma como as empresas se posicionam no mercado. Hoje, elas são divididas em três grandes conceitos: frágil, resiliente e antifrágil. Quando expostas a eventos do tipo Black Swan, que criam estresse, cada uma delas se comporta de uma maneira. As companhias frágeis, obviamente, quebram, pois não aguentam a pressão. As resilientes são caracterizadas por serem grandes e robustas, mas não se mostram suficientes em situações adversas. É o caso do Airbnb, que desmonetizou os hotéis e as pousadas, mas, sem a liberdade de ir e vir das pessoas por conta do distanciamento social, perdeu terreno. Tanto
que não conseguiu o IPO que estava planejado para este ano. Por fim, as empresas antifrágeis são aquelas que se adaptam ao cenário e dão resposta. Este último conceito ganhou relevância durante a pandemia e vai perdurar no futuro. Um exemplo dentro desse contexto é a Uber. Embora tenha perdido espaço como opção de transporte, eles passaram a trabalhar mais com o Uber Eats, um serviço de delivery que conversa com o momento atual.
IM: Que dicas você daria para as empresas se tornarem antifrágeis e reverterem cenário ainda durante a pandemia?
PC: Para continuar no jogo, as empresas precisam se aproximar cada vez mais do cliente. Antes da covid-19, já existia um entendimento de que as companhias não devem oferecer o que elas querem, mas aquilo de que o consumidor precisa. Hoje, isso ocorre mais do que nunca. Até porque as vontades dos clientes mudaram, uma vez que eles estão passando mais tempo em casa. Vai prosperar aquele que entender, efetivamente, essa mudança comportamental e conseguir dar continuidade à prestação do serviço. Esse é o caminho para a antifragilidade.
IM: Como você disse anteriormente, as pessoas estão passando mais tempo em casa. O home office, inclusive, se tornou realidade para muitos profissionais e tem tudo para se tornar algo permanente. Segundo uma pesquisa da LogMeIn, 83,5% dos brasileiros gostariam de continuar trabalhando diretamente de seus lares. Será possível manter essa rotina?
PC: Esse dado brasileiro dialoga com estatísticas ao redor do mundo. Entende-se que as pessoas preferem o home office, pois se sentem totalmente preenchidas. Por um lado, o profissional está entrosado com a equipe, é produtivo e reconhecido. Por outro, existe a qualidade de vida. Em grandes cidades, como São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ), despende-se muito tempo no deslocamento. Logo, se for possível equilibrar o pessoal com o profissional, melhor. Falando especificamente de futuro, acredito que teremos cada vez mais ferramentas que vão melhorar nossa interatividade online. O que tem de mudar, porém, é a mentalidade do profissional. Trabalhar em casa exige que a pessoa seja dona de suas ações e aja com maior responsabilidade, pois as decisões passam a ser tomadas com menor burocracia e escadaria de comando.
IM: A tecnologia tem apresentado um papel importante no “novo normal” adotado pelo mundo corporativo. Como você vê essa digitalização acelerada por muitos?
PC: A tecnologia integrava – ou deveria integrar – obrigatoriamente o business plan de qualquer empresa, antes mesmo da pandemia. Existem vários exemplos de companhias que não se digitalizaram antes da crise e já apresentavam grandes dificuldades. Isso será ainda pior em um contexto pós-covid. A digitalização é essencial porque melhora a qualidade dos serviços e ajuda o negócio a crescer e ganhar competitividade no mercado. Em um país como o Brasil, onde há mais chips telefônicos do que pessoas, não aproveitar o digital é perder oportunidades. Isso sem contar que estamos discutindo a chegada do 5G – uma rede móvel que oferece até 20 vezes mais velocidade que o 4G e latência próxima a zero. Essa quinta geração tem capacidade de gerar prosperidade para as empresas, pois vai aproximar os clientes, gerar mais dados e permitir o desenvolvimento de ferramentas e serviços que não eram possíveis, como as cidades inteligentes e integradas.
IM: O 5G já está em funcionamento em alguns lugares do mundo, como Coreia do Sul, Estados Unidos e China. Quando a rede móvel estará disponível para as empresas usarem no Brasil?
PC: Os leilões do 5G estão agendados para o primeiro trimestre de 2021. Por meio dele, as empresas de telecomunicações poderão adquirir frequências. Só que uma coisa é comprar, outra é ter infraestrutura que permita a propagação do sinal. No começo, a ideia é compartilhar o espectro do 4G para irradiar o 5G. Mas isso não entrega todo o potencial da tecnologia. Só vamos ter um ecossistema puro da quinta geração depois de serem feitos investimentos em infraestrutura. Atualmente, apenas três empresas têm capacidade para isso: Huawei, Nokia e Ericsson. Uma delas – ou todas – provavelmente vai (ou vão) modernizar o Brasil em até 24 meses após o leilão. Mas, em um primeiro momento, as empresas não vão ter contato com o desempenho total.
IM: No aspecto macro, alguns especialistas acreditam que a economia global deve demorar anos para se recuperar. Como você encara essa afirmação?
PC: Sabemos que o mundo está passando por um momento difícil. Se compararmos o crescimento das 10 maiores economias atuais, por exemplo, certos países estão crescendo até 6% a menos do que no ano passado – isso inclui os Estados Unidos. A retomada vai ser pautada pela tecnologia produtiva a nível industrial e pela disponibilidade de commodities. Isso porque a cadeia de extração, preparo, exportação e importação foi altamente afetada, fragilizando as economias mais consumidoras e industrializadas e impactando diretamente o PIB (Produto Interno Bruto).
IM: Dentro desse contexto econômico, qual é a situação do Brasil?
PC: Vejo a situação com bons olhos. O Brasil possui uma indústria agropecuária forte, que compõe cerca de 30% de sua cesta de produção econômica. Com acesso a diversas commodities, hoje, o país tem a oportunidade de comercializar alguns desses insumos para economias frágeis. A questão, agora, está na capacidade de produzir com qualidade. Aliando padrão, volume e estratégia, podemos criar relacionamentos que terão impacto positivo futuramente na balança comercial.