Revista Férula nº8

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REVISTA DA ASSOCIAÇÃO PARA ESTUDOS HISTÓRICOS INTERDISCIPLINARES Revista nº8 Janeiro-Março

Políbio e a Causa da Terceira Guerra da Macedónia

Guilherme de Vasconcelos Abreu Breve Nota Biográfica

Os Judeus no Império Persa Avis - a Imponência de outrora As Potencialidades de Agora


Editorial A todos os nossos leitores e simpatizantes, peço desde já perdão por o editorial se dedicar a um tema fracturante e, no mínimo, chocante, mas a liberdade de expressão e de pensamento foram e estão colocados em causa desde o dia 7 de Janeiro de 2015. Em Paris a administração do Charlie Hebdo, jornal francês, foi vítima de um ataque selvático e hediondo que vitimou 12 pessoas (cartoonistas, jornalistas e polícias), levado acabo por dois indivíduos apoiantes da al-Quaeda do Yemen (facção extremista Islâmica radicada no Médio Oriente). Os motivos do ataque prenderam-se com a questão da produção de caricaturas e imagens satíricas de diversos símbolos, figuras e ideias do Islão. Nos dias após a este acontecimento o Mundo uniu-se na luta pela liberdade de expressão e desencadeou uma onda de solidariedade com diversas vigílias, recordações e discursos a apoiar a redacção do Charlie Hebdo. No dia 7 de Janeiro, não foi só uma perda e ameaça para a França, mas para todos aqueles que defendem a liberdade de expressão. E porquê? Pelo simples facto de que poderemos nos próximos tempos ver – e para já é uma suposição – uma retracção das diversas redacções dos meios de comunicação social e cultural em relação ao desenvolvimento e publicação de diferentes temas. A mensagem que o extremismo islâmico quis deixar no dia 7 de Janeiro foi de que o Islão tem de ser visto e respeitado à maneira do Estado Islâmico/Al Qaeda e outras organizações do mesmo timbre e quem realizar outro exercício que não esse é um inimigo e um alvo a abater. Devemos aceitar esse espectro e aceder às exigências de uma entidade que visa atentar à liberdade de cada um ou devemos continuar no nosso caminho, mantendo as mesmas qualidades e vigores que a liberdade de expressão desenvolve em nós? Não há dúvidas que é a segunda hipótese , mas há quem pense que refrear um pouco a liberdade de expressão e de imprensa não fará qualquer dano – porque há indivíduos que afirmam que os membros do Charlie Hebdo “estavam a pedilas” – podendo evitar situações trágicas como a do dia 7 de Janeiro. Este pensamento é completamente errado já que impor limitações na criatividade de um escritor, cartoonista, editor, redactor ou de qualquer outra profissão será o início do fim da liberdade de cada um. É imperativo que não tenhamos medo de manter a nossa liberdade e que façamos uso dela no nosso dia-a-dia. Há quem afirme que o que o Charlie Hebdo fazia não era liberdade de expressão, mas sim discursos de ódio contra a religião disfarçados sobre esse manto dessa liberdade. A esses convido a lerem as diferentes entrevistas e escritos dos próprios cartoonistas e escritores que nunca desejaram invocar um espírito de ódio mas de crítica e humor. Devem os historiadores, arqueólogos e arquivistas esconder esse dado? Ou devem apresentá-lo com ideias claras e objectivas de que o Islão invadiu mas trouxe uma série de novidades e desenvolvimentos para a Península? Na convivência entre religiões sempre houve momentos de grande ódio e flagelação, mas também de grande paz e troca de ideias e convivências. Como apaixonados pela História e restantes Disciplinas não devemos ocultar em nada o passado de que somos herdeiros, pelo contrário, devemos fazer uso dele e apresentar ao mundo o bordado de que também somos retalho. A sátira, o humor, a comédia, o drama, o real, o imaginário são todos filhos da liberdade de expressão que sonhamos que todos tenham acesso. Hoje e para sempre somos Charlie. O Instituto Prometheus est Charlie. Je Suis Charlie,

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Francisco Isaac


Índice Agenda Cultural Externa

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Políbio e a causa da terceira Guerra da Macedónia

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Guilherme de Vasconcelos Abreu: Breve Nota Biográfica Os Judeus no Império Persa

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Comentário Crítico ao Filme: Der Medicus (2013)

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48 Avis - A Imponência de Outrora / As potencialidades de agora 55 Video-jogos e História: Darksiders e o Imaginário Biblíco

Director da Publicação Francisco Isaac Redactora Chefe Catarina Almeida Conselho de Redacção Francisco Isaac, Amanda Coelho, João Camacho, Carolina Soares, André Silva, Ricardo Martins, José Magalhães e Catarina Almeida. Edição Laura Saldanha Laura Saldanha e Gonçalo Ribeiro

3 Não nos pertencem quaisquer direitos de uso da imagem.


Agenda Cultural Externa

Agenda Cultural Janeiro a Março de 2015 Exposição «Autómato vivo - A vida, um artifício natural?» De 21 de Novembro de 2014 a 27 de Fevereiro de 2015 Curadoria de Manuel Valente e Adelino Cardoso. Organizada pelo CHAM da FCSH/NOVA, UAC; CHC da FCSH/NOVA e pelo Museu Nacional de História Natural e da Ciência da Universidade de Lisboa , esta

exposição

visa

aprofundar e as dificuldades intrínsecas à noção de vida como

o

mais

artifícios,

belo

dos

cruzando

conceitos-chave da filosofia natural dos séculos XVII e XVIII com uma selecção de objectos tecnocientíficos e peças de zoologia, mineralogia e botânica do MUHNAC. A estas peças juntam-se duas obras de arte fotográficas, da série 'Caminhar' (2001) de Manuel Valente Alves, e uma instalação de bioarte, 'Retrato Proteico' (2007) de Marta de Menezes, com o objectivo de criar um espaço de reflexão crítica em torno de novos desenvolvimentos da temática na era da informatização do corpo.

Cadernos do Arquivo Municipal: Call for papers 31 de Janeiro de 2015 Encontra-se aberto o período de aceitação de propostas de artigos para o nº3 dos Cadernos do Arquivo Municipal, uma revista de periodicidade semestral e com revisão científica. O tema é: Lisboa na encruzilhada de povos e culturas. Segundo o coordenador científico, o professor Doutor Jorge Fonseca, o objectivo é realçar o papel da Cidade de Lisboa como ponto de passagem e de fixação de pessoas provenientes de vários países e Zonas do Mundo. Coordenador Científico é o Professor

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Doutor Jorge Fonseca Para

mais

informações

acede:

lisboa.pt/fotos/editor2/Cadernos/num1/normas.pdf.

http://arquivomunicipal.cm-


Agenda Cultural Externa

Congresso Internacional de História da Antiguidade Clássica. Diálogos Interdisciplinares Call for papers até 30 de Janeiro de 2015 A comissão organizadora propõe,

no

sentido

de

inverter a tendência para o isolamento

dos

estudos

sobre Antiguidade Clássica, grega

e

romana,

a

realização de um congresso focado

em

abordagens

interdisciplinares.

Visa-se

produzir um tratamento inovador sobre questões, no geral, ancoradas em campos bem individualizados do saber: a história, a arqueologia e os estudos clássicos. Este Congresso irá ser realizado dos dias 20, 21 e 22 de Maio de 2015, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, no Museu Monográfico de Conímbriga e no Museu Nacional de Machado de Castro, respectivamente. Desta forma, incentivam a apresentação de propostas de conferências partilhadas, resultantes da pesquisa conjunta de proponentes de áreas científicas distintas (com a duração de 40mn). Também serão consideradas propostas individuais, desde que configurem uma clara leitura interdisciplinar (com a duração de 20mn). As propostas deverão ser enviadas até dia 30 de Janeiro de 2015 e poderão ser em Português, Inglês, Francês, Espanhol e Italiano, perfilhando as seguintes temáticas: - Acção Política - Sociedade e Cultura - Vida Quotidiana - Religião, Mito e Práctica - Novas Tecnologias aplicadas à História da Antiguidade Clássica Para

saber

mais

sobre

este

Congresso:

http://cechfluc.wix.com/cihac#!call-for-papers/c9og

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Agenda Cultural Externa

Congresso de Humanidades Digitais em Portugal: construir pontes e quebrar barreiras na era digital Call for papers até dia 15 de Março de 2015

O Congresso de Humanidades Digitais em Portugal convida os interessados a enviar propostas de comunicação ou cartaz que demonstrem ou discutam as potencialidades das Humanidades Digitais para a interdisciplinaridade dentro das Humanidades e com outras áreas de conhecimento, bem como para a produção de um conhecimento mais acessível e aberto. As comunicações serão organizadas em seis blocos temáticos: - Espaço: Exploração de dados georreferenciados nas Humanidades; - Corpora: Recolha, anotação e pesquisa de grandes volumes de informação textual; - Mundos virtuais: Recriação e exploração de ambientes humanos presentes e passados; - Edição e preservação digital: Edições críticas electrónicas e preservação do património; -

Visualização:

Construção

de

interpretações

visuais

de

dados

nas

Humanidades; - Ferramentas: Apresentação e discussão de software aplicado às Humanidades; Pedem-se propostas de comunicação (15 minutos) ou cartazes para este Congresso que irá ter lugar na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, nos dias 8 e 9 de Outubro de 2015. As propostas deverão ser enviadas até 15 de Março de 2015, através da plataforma EasyChair (https://easychair.org/conferences/?conf=hdpt2015).

Todas

as

propostas

passarão por um sistema de blind peer review, sendo os resultados dessa avaliação enviados para os proponentes até ao dia 15 de Maio de 2015. A Comissão

Organizadora

pode

ser

contactada

através

do

endereço:

congressohdpt@gmail.com. Para

mais

pormenores:

http://www.ft.lisboa.ucp.pt/resources/Documentos/CEHR/Ns/Nov2014CongressoHumanidadesDigitaisPT.pdf

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Políbio e a Causa da Terceira Guerra da Macedónia

Políbio e a Causa da Terceira Guerra da Macedónia Mário Carreiro

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Licenciando na FLUL; Investigador do IPAEHI;

Políbio é uma fonte de extrema importância para a análise da Terceira Guerra da Macedónia e, de um modo geral, dos acontecimentos da primeira metade do séc. II a. C., época em que Roma expandiu a sua influência sobre a bacia oriental do Mediterrâneo. Representa talvez até a mais importante fonte literária, não só devido à sua contemporaneidade

em

relação

aos

acontecimentos narrados (Políbio teria entre trinta a quarenta anos quando começou a guerra),

como

também

proximidade pessoal realidade

política

atendendo

à

que manteve com a

da

época

mediante

o

desempenho de funções políticas quer ao serviço das poleis aqueias quer, posteriormente, ao serviço de Roma.

Um outro aspecto que faz de Políbio um importante recurso histórico para este tema é o facto de ter sido uma das fontes em que posteriores historiadores, tais como Diodoro Sículo, Tito Lívio e Plutarco, se basearam. Quiseram os fados que parte da sua obra histórica se dissipasse na noite dos tempos, tendo-nos esta chegado em estado fragmentário, sobretudo por via de manuscritos dos sécs. XVI e XVII, o que impede o investigador de usufruir completamente

do

legado

do

historiador

arcádio. Para o historiador contemporâneo, o texto de Políbio não está, naturalmente, isento de escolhos: Políbio teve um conhecimento muito próximo dos acontecimentos que estava a narrar e a sua própria vida foi drasticamente afectada por eles; mais do que em outras partes da sua narrativa, Políbio tem aqui um envolvimento pessoal que constitui para o historiador actual uma preciosidade e, ao mesmo tempo, deve pô-lo de sobreaviso. De facto, como colocou H.-I. Marrou, “é ingénuo imaginar que um testemunho seria tanto mais precioso para o historiador quanto mais de perto aderir ao acontecimento” (MARROU, 1991, p. 50).

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Políbio e a Causa da Terceira Guerra da Macedónia

Do mesmo modo, o analista estratégico que observa uma batalha já passada encontra-se numa posição mais vantajosa do que o general que a observa em decurso, do cimo da colina mais próxima, não somente porque pode contemplar o evento de todos os lados, mas também porque já conhece as consequências do mesmo. No caso de Políbio, o problema não reside na proximidade temporal, pois ele escreveu as suas Histórias num momento muito avançado da sua vida, várias décadas depois da dissolução do poder dos Antigónidas, quando a Macedónia era já uma província romana. Escreveu já em pleno conhecimento daquilo que Roma se haveria de tornar, como é manifesto na introdução da sua obra: “Poderá alguém ser de tal forma indiferente ou permanecer como se não quisesse saber por que meios, e sob que espécie de política, quase todo o mundo habitado foi conquistado e colocado sob o domínio único [= ἀρχή] da cidade de Roma, e isso num período de quase cinquenta e três anos? Ou quem, uma vez mais, pode estar de tal forma absorvido noutras matérias de contemplação ou estudo, que julgue alguma delas superior em importância ao conhecimento preciso dum evento para o qual o passado não oferece precedente?” (1.1.5-6). Políbio estava, portanto, a observar “à distância” a guerra com Perseu. O problema parece, contudo, residir no papel que ele próprio desempenhou na história da Grécia e de Roma. F. Walbank afirma que o historiador criou uma narrativa ex euentu, isto é directamente a partir da sua própria experiência e sem fontes intermediárias (pelo menos declaradas), não tendo passado pela fase de reflexão e análise destas (WALBANK, 2003, pp. 102-105). Tudo isto torna o seu testemunho suspeito – e não sem fundamento – de partidarismo pró-romano. Em primeiro lugar, era filho de Licortas, que fora estratego (στρατηγός, líder eleito por um período de um ano) da Liga Aqueia por duas vezes: em 185/184 a. C. e em 182/181 a. C. (o ano grego começava na primeira lua nova após o solstício de Verão, pelo que se divide por dois anos diferentes no nosso calendário). Ele próprio, devido à sua condição social, dedicou-se à política. É possível que tenha acompanhado o pai na embaixada aqueia a Roma em 181 a. C. e foi hiparco (ἵππαρχος, magistrado mais importante a seguir ao estratego) da mesma Liga em 169/168 a. C., já em plena Terceira Guerra da Macedónia. Em segundo lugar, quando a guerra terminou em 168 a. C., várias figuras importantes da Liga Aqueia foram expatriadas para Roma a fim de serem alvo dum julgamento por suspeitas de cumplicidade com Perseu e para servirem de penhor da lealdade da Liga. Políbio foi um deles. Não obstante ter adoptado sempre uma posição a favor duma aliança com Roma, não fora suficientemente pró-romano aos olhos dos Romanos e dos seus compatriotas. Ficou aos cuidados de Emílio Paulo, o cônsul que derrotara Perseu, sendo tutor dos seus filhos e continuando posteriormente junto dum deles: Cipião Emiliano. Pertencendo ao famoso “Círculo dos Cipiões”, contactou com o estoico Panécio e teve acesso à biblioteca de Emílio Paulo, em grande parte constituída pelos rolos que este trouxera como despojos de guerra da biblioteca de

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Perseu e que conteria as obras dos grandes historiadores do passado. Tudo isto terá, certamente, influenciado a sua forma de encarar o devir histórico.


Políbio e a Causa da Terceira Guerra da Macedónia

Por último, quando, em 151 a. C., os expatriados gregos foram libertados sem que o dito julgamento tivesse tido lugar, Políbio regressou à Grécia com funções de legado do populus romanus para negociar a política de alianças com as poleis gregas nas vésperas do derradeiro conflito com a moribunda Cartago. Em 147 a. C., assistiu, junto do amigo Cipião, ao cerco de Cartago e, em 146 a. C., à destruição de Corinto e à dissolução da “sua” Liga Aqueia às mãos de http://www.theoi.com/Ther/LeonNemeios.html Lúcio Múmio. Quando empreendeu a escrita das suas Histórias, Políbio vivia em Roma há mais de vinte anos. Como diz o Col. Edwards na introdução à tradução de W. R. Paton das Histórias, “expatriation loosened the links with Greece, and tightened the connexion with Rome” (Intro., p. X). Quando deu início à sua empresa historiográfica, Políbio comportava em si o aristocrata grego (a sua família era originária da aristocracia local de Magalópolis, na Arcádia, uma polis tradicionalmente oligárquica) que nunca simpatizou com saudosismos e demagogias democráticas e o romano que contemplava a rápida ascensão da Urbe e testemunhara a destruição e mitigação de grandes potências e poderosas dinastias. Políbio sabia bem que a época das poleis gregas independentes terminara em Queroneia (338 a. C.) e que desde então as confederações helénicas haviam sobrevivido por meio dum malabarismo diplomático entre as potências verdadeiramente influentes da época: as monarquias que se formaram depois da morte de Alexandre em 323 a. C.. Após testemunhar a rápida ascensão de Roma e o declínio dos reinos helenísticos, Políbio percebeu que, se os Gregos pretendiam manter alguma da sua autonomia, teriam de virar a sua política de alianças para Roma. Foi o que tentou fazer como legado do populus romanus após 151 a. C.. Licortas, seu pai, também o havia percebido e foi, sem dúvida, este que inspirou a visão pró-romana do filho. Ademais, Políbio fora educado no seio do pan-helenismo. Ao contrário dos seus dois grandes predecessores, Heródoto e Tucídides, não pretendeu fazer uma descrição não interrelacionada das várias nações conhecidas a fim de engrandecer um evento singular, como aquele, nem estudar as causas imediatas dum evento particular, como este, mas sim uma história universal – não uma descrição universal, mas uma compreensão universal – do período em que vivia, um período em que todo o Mediterrâneo se interligou numa complexa teia política: “Até este tempo, a história do mundo foi como que uma série de feitos desconectados [= σπόραδες πράξεις], tão largamente distantes na sua origem e resultado, como nas suas localizações. Mas, a partir deste momento, a História torna-se num todo conectado [= σωματοειδῆ]: os assuntos da Itália e da Líbia estão envolvidos com os da Ásia e da Grécia e a tendência geral é para a unidade [= τέλος ἁπάντων]” (1.3.3-4).

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Políbio e a Causa da Terceira Guerra da Macedónia

O arcádio tentou trazer o sonho de Alexandre Magno para a historiografia. A sua preferência por Roma deveu-se ao facto de ver nesta o potencial de concretização do projecto pan-helénico: “Pois foi a sua vitória sobre os Cartagineses nesta guerra e a sua convicção de que o passo mais difícil e mais essencial no sentido do domínio universal [= ὅλων ἐπιβολή] havia sido dado que encorajou os Romanos a, pela primeira vez, lançarem as suas mãos sobre o resto […]” (1.3.6). Porquê a bárbara Roma? Dois pontos cruciais da sua historiografia é a noção de decadência dos Gregos, incapazes, portanto, de cumprir o ideal civilizacional, e a percepção de que Roma já não era bárbara. Roma havia-se tornado culta e civilizada, helenizada; poderia ser, para Políbio, o farol do ideal pan-helénico. Vimos, portanto, que o problema de Políbio enquanto fonte está mais relacionado com o seu ponto de vista – o seu partidarismo, digamos assim – do que com uma pouco ponderada narrativa feita em cima do acontecimento. O historiador teve bastante tempo para cogitar o devir histórico em causa. Consequentemente, é ingénuo pensar que, ao lermos Políbio, estamos a ler uma parte desinteressada, um mero cativo que, fato profugus, encontrou forma de passar a escrito as suas vivências, indiferente quanto aos infortúnios das partes envolvidas. Pelo contrário, ele maravilha-se perante o sucesso romano: “[…] nunca antes ela [= τύχη, a Fortuna] fizera uma tal maravilha [= ἔργον] ou encenara uma tal contenda [= ἀγώνισμα] como aquele que nós testemunhámos” (1.4.5). E é com esta problemática em mente que avançaremos nesta reinterpretação do próprio verbo de Políbio.

O MAPA POLÍTICO Antes de mais, é preciso lançar um olhar sobre o xadrez político em que a Macedónia se inseria quando Perseu subiu ao trono em 179 a. C.. Após a derrota de Filipe V na Segunda Guerra da Macedónia (201-197 a. C.), este viu-se privado da maior parte das suas possessões externas. Filipe foi obrigado a abandonar a Trácia e a Samotrácia, a hegemonia antigónida sobre as cidades da Beócia e do Peloponeso, mesmo se pouco consolidada, foi definitivamente destruída, e, talvez o pior de tudo, foi forçado a desmantelar a sua frota, o que o impediria de lançar um ataque efectivo sobre qualquer das potências vizinhas (Pérgamo, Rodes e especialmente os Romanos).

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Políbio e a Causa da Terceira Guerra da Macedónia

Cartago, a quem Filipe se aliara durante a Segunda Guerra Púnica (218-202 a. C.), fora igualmente reduzida a uma potência de média envergadura sujeita aos ditames de Roma depois da derrota http://www.theoi.com/Ther/LeonNemeios.html infligida pelo Africano em Zama (202 a. C.) e do exílio de Aníbal Barca, seu maior general e fonte de recursos, que se refugiou primeiro na Síria, depois em Creta e por fim na Bitínia. Antíoco III da Síria, aliado de Filipe antes da derrota deste em Cinoscéfalas (197 a. C.), fora derrotado

mais

tarde

pelos

Romanos

nas

Termópilas (191 a. C.) e na Magnésia (190 a. C.) e o seu poderio militar ficou bastante reduzido com a Paz de Apameia (188 a. C.). O plano de Filipe e Antíoco para, aproveitando a morte de Ptolemeu IV Filopator em 203 a. C., vítima duma conjura palaciana, e da puerícia de Ptolemeu V Epifânio,

Serpente/Dragão

partilharem entre si os

territórios asiáticos

tomados aos Lágidas viu-se frustrado com a derrota de Filipe às mãos dos Romanos. Antíoco acabará por se apoderar de tais possessões em 195 a. C.. Selêuco IV, que sucedeu ao pai Antíoco após a morte deste em 187 a. C., era um rei a braços com o pesado tributo imposto pelos vencedores nos acordos de Apameia. Contraiu, mais tarde, uma aliança com Perseu, direccionada sobretudo contra Pérgamo, o que apoia a hipótese do envolvimento do Atálida Êumenes II, rei pergameno, no seu assassinato em 175 a. C..

Antíoco IV sucedeu-lhe, mas as perturbações no Oriente e uma outra guerra contra Roma ocuparam a maior parte dos seus esforços. Embora o reino dos Selêucidas ainda fosse uma potência imponente e longe daquele estado moribundo que Pompeio haverá de encontrar nas suas campanhas, já não tinha capacidade para se impor perante o crescimento de Roma. Os Antigónidas não podiam contar com uma grande ajuda vinda da Síria. A Grécia propriamente dita dividia-se em formações políticas de carácter federativo, às quais é aplicado o termo koinon (gr. κοινόν), visando, deste modo, fortalecer o papel das poleis face às grandes potências externas.

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Políbio e a Causa da Terceira Guerra da Macedónia

De entre estas federações, que eram várias e de múltiplos tipos, destacam-se três: a Liga Aqueia, formada pelas cidades do Peloponeso quando estas se livraram dos tiranos impostos pela Macedónia graças à acção de Arato de Sícion, ainda no reinado de Antígono II Gónatas (276-239 a. C.); a (Segunda) Liga Beócia, que reunia as cidades beócias em torno de Tebas; a Liga Etólia, que se formara ainda no séc. IV a. C., mas que ganhou especial pujança durante a conquista romana da Grécia graças às suas sucessivas alianças com os Romanos contra os reis da Macedónia. A maioria destas ligas possuía antecedentes anteriores a Queroneia, mas foi no período de lutas entre os sucessores de Alexandre Magno que, perante a instabilidade política, se tornaram novamente necessárias. Estas ligas de cidades viviam, contudo, em constantes perturbações internas com as lutas entre as facções de tendência mais democrática e as facções de tendência mais oligárquica. Um tal binómio não era novidade no meio político helénico. As cidades gregas sempre foram problemáticas para qualquer tentativa de domínio efectivo – a sua fragmentação sempre dificultara a imposição de autoridade – o que demonstra que a incapacidade dos Antigónidas de se imporem efectivamente sobre estas ligas de cidades não se traduz necessariamente numa fraqueza inerente ao seu reino. Como coloca G. Shipley, “even Philip II took twenty years to defeat the Greeks” (SHIPLEY, 2000, p. 152). As potências estrangeiras, nomeadamente Roma, sempre aproveitaram os conflitos intestinos destas poleis para o jogo diplomático. No Egeu insular, Rodes apresentava-se como a principal potência naval e comercial, embora fosse característica a sua neutralidade, pois era do seu interesse económico que nenhuma potência lhe colocasse um embargo. Para norte e oeste, a Macedónia fazia fronteira, respectivamente, com a Ilíria e com a Liga Epirota, ambos seus aliados na guerra contra os Romanos. Outros povos a circundavam nos Balcãs, uns mais hostis, outros com tendência a estabelecerem relações amigáveis com os Antigónidas. Na Ásia Menor, destaca-se o reino de Pérgamo. O controlo sobre o Helesponto (o braço de mar que conecta o Egeu ao Ponto Euxino) sempre fez de Pérgamo um ponto estratégico para quem pretendesse dominar as comunicações entre a Europa e a Ásia. Por outro lado, a longa sobrevivência de Pérgamo num panorama político tão instável e constantemente sob ameaça de potências vizinhas só foi possível graças a uma contínua política de aliança com Roma. Esta longa aliança valeu-lhe benefícios ao nível territorial sobretudo após as derrotas de Filipe e de Antíoco, permitindo-lhe surgir como uma potência regional realmente competitiva no controlo do Egeu. Quando Filipe morreu (179 a. C.), os Pergamenos eram governados pelo rei Êumenes II, que inicialmente seguira a política pró-romana do pai Átalo I. No fim do seu reinado a sua lealdade a Roma parece ter vacilado, o que fez com que os Romanos optassem por apoiar o seu

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irmão Átalo II na luta pelo trono.


Políbio e a Causa da Terceira Guerra da Macedónia

Como se pode ver, a Terceira Guerra da Macedónia foi precedida por mais de um século de convulsões políticas, fronteiras que mudam incessantemente e alianças que se formam com a mesma celeridade com que terminam.

O QUE DIZ POLÍBIO? Tal como Plutarco reiterará mais tarde (Aem. P., 8), Políbio aponta para Filipe como a verdadeira mente por detrás dos preparativos para a guerra, a verdadeira causa desta. De facto, Políbio compara Filipe V a Filipe II e Perseu a Alexandre Magno, quando também este último efectivou no seu reinado o plano de invasão da Pérsia da autoria do seu pai, Filipe II. Também agora a guerra apenas teria ocorrido no reinado de Perseu devido à morte de Filipe V: “Eu mantenho que Filipe, filho de Demétrio, primeiramente concebeu a ideia de entrar na última guerra contra Roma e preparou tudo para o propósito, mas, em virtude da sua morte, Perseu foi o executor do desígnio” (22.18.10). No livro 22 (22.18.6), Políbio estabelece a importância da compreensão das verdadeiras causas dum conflito e faz a distinção entre causas (gr. αἰτίαι), pretexto (gr. πρόφασις) e princípio (gr. ἀρχή) duma guerra, desenvolvendo uma lógica já utilizada por Tucídides para narrar a guerra do Peloponeso. Assim, Políbio aponta como pretextos, por um lado, o contra-ataque de Perseu em resposta à invasão da região mineira da Macedónia por Abrúpolis, rei dos Trácios Sapeus e aliado de Roma (Perseu conseguiu expulsá-lo do seu próprio domínio na Trácia) e, por outro, a invasão macedónia da Dolópia, região montanhosa sob o domínio da Liga Etólia, também aliada de Roma. Já a conjura (gr. ἐπιβουλή) forjada contra Êumenes II de Pérgamo por Perseu em Delfos constitui para Políbio o princípio da guerra. Contudo, “nenhum deles foi a sua causa” (22.18.9). Vejamos o que diz Políbio acerca da sucessão ao trono da Macedónia. No livro 23, conta-nos uma versão diferente sobre a sucessão daquela que é contada por Plutarco na Vida de Emílio Paulo. Confirma, de facto, o assassinato ou execução de Demétrio, filho de Filipe, mediante um dolo da parte do irmão, mas apresenta um motivo bastante mais complexo do que a simples ambição de Perseu: “[…] os Romanos trataram-nos [i. e. Filipe e Perseu] com desprezo, mas concederam a Demétrio todo o favor que haviam demonstrado” (23.7.4).

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Políbio e a Causa da Terceira Guerra da Macedónia

Isto criou um fosso entre Demétrio e Perseu, pois um apresentava-se como um sucessor favorável a Roma e outro como um potencial inimigo. Os Romanos, na sua política de apoiar a ascensão de monarcas estrageiros que lhes fossem favoráveis, deram o seu apoio a Demétrio como sucessor de Filipe. Ademais, aparentemente os Macedónios olharam para Demétrio como um sucessor desejado, pois, atendendo à hostilidade de Filipe e de Perseu, viam-no como o único meio de impedir uma futura guerra com Roma. Posto isto, os apoios externos e internos a Demétrio comprometeriam não só a ambição de Perseu, mas também a própria autonomia plena da Macedónia, pela qual Filipe se esforçava.

Restava então a Perseu uma só solução a fim de assegurar a sua sucessão: matar Demétrio. Políbio parece ilibar Filipe da conspiração contra o filho. No discurso que coloca na boca de Filipe quando este se encontrava no leito de morte (23.11), fá-lo elogiar as virtudes da concordia fratrum, apelando, assim, à reconciliação dos dois filhos. Políbio atribui a conjura somente a Perseu, mas não será difícil crer que também o pai pudesse estar implicado nela, visto que a proximidade entre Demétrio e os Romanos punha em causa o seu projecto de reconstruir o império que perdera. No fim do seu reinado, Filipe procedera à liquidação dos filhos dos inimigos que já tinha mandado executar, o que é um forte indicador de que o partido anti-Filipe, possivelmente apoiado por Roma e vendo em Demétrio a garantia deste apoio, representava uma crescente força política. Quando Filipe morre e Perseu sobe ao trono (179 a. C.), este depara com uma situação instável. A recente morte do irmão, cuja culpa lhe era atribuída, e a intransigência do falecido pai levaram-no a procurar rapidamente estabilizar a situação e promover a sua popularidade dentro e fora do reino. Perdoou alguns dos que haviam sido presos e exilados no reinado do pai, ofereceu-lhes protecção e restituiu-lhes as propriedades confiscadas (25.3.2-3). No que toca à corte, procurou transmitir a imagem de um monarca moderado e comedido, fazendo-se acompanhar por outros que o imitavam (25.3.5-8). Procurava, assim, “parecer bem” aos olhos não só dos Macedónios, mas também de todos os Gregos. No que toca às relações internacionais, renovou o acordo que o pai estabelecera com Roma depois da sua derrota (25.3.1), tentando assegurar para si o apoio que Roma dera inicialmente ao seu irmão através de uma mostra de amizade política. No Egeu, financiou a recuperação da frota de Rodes (25.4.9-10), procurando aliar-se a uma potência naval, pois a frota macedónica fora arrasada após a Segunda Guerra da Macedónia e a sua reconstrução poderia ser entendida pelos Romanos como um acto hostil. A estabilidade das relações com Roma requeria que Perseu procurasse apoio naval através de uma aliança. Na Ásia, manteve a aliança com os Selêucidas, casando com Laódice, filha de Selêuco IV Filopator, pouco antes da morte deste (175 a. C.), de modo a criar uma forte oposição ao crescente poder do reino de Pérgamo. Como já foi referido, os Selêucidas eram antigos aliados dos Antigónidas, mas desde a Paz de Apameia (188 a. C.) encontravam-se numa situação de fragilidade devido às ruinosas guerras que tiveram com os Gregos pelo controlo das confederações helénicas, com os Atálidas pelo controlo do Helesponto e com os Lágidas do

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Egipto pelo controlo do Corredor Sírio-Palestiniano, sempre com Roma a apoiar o inimigo.


Políbio e a Causa da Terceira Guerra da Macedónia

O reacender do antagonismo da parte de Roma surgiu, segundo Políbio, quando Perseu resolve também aliar-se aos Gauleses Bastarnas, um povo que habitava a norte da Macedónia, junto às margens do Danúbio, apoiando-os na guerra destes contra os Dardânios. Os legados dos Dardânios, povo aliado de Roma que ocupava a costa oriental do Adriático, queixaram-se então da situação ao senado em Roma, sobretudo por se verem impotentes contra uma potência como a Macedónia: “Uma delegação dos Dardânios chegara agora, denunciando os Bastarnas […] e também mencionando que Perseu e os Gálatas estavam aliados a esta tribo” (25.6.2-3). O senado envia então Aulo Postúmio Albino para a Macedónia a fim de investigar a situação. Este confirma a versão dos Dardânios. Em consequência disto, Quinto Márcio Filipo e Aulo Atílio Serrano dirigem-se, em 172 a. C., enquanto legados do populus romanus, para a Grécia a fim de assegurarem a lealdade das poleis gregas a Roma, em caso de guerra. As principais cidades beócias enviaram legados para negociarem a entrega consensual destas nas mãos dos Romanos. Este tipo de entrega manteria ainda alguma coesão entre as poleis beócias, mas poderia constituir o risco de uma futura insurreição organizada contra a hegemonia romana. Por isso, os legados Márcio e Atílio procuraram, ao invés, fomentar desentendimentos entre os enviados beócios a fim de quebrar a já frágil unidade da Liga Beócia e assegurar a entrega individual das poleis que a compunham. Este cenário seria, aparentemente, mais favorável a Roma: “[…] convinha muito mais ao seu propósito manter a cidades beócias separadas” (27.1.3). As intrigas provocadas pelos legados romanos imediatamente acenderam os conflitos no seio das cidades beócias entre os partidários da aliança com Roma e os partidários da aliança com Perseu. Tebas e Téspias, entre outras, após alguma hesitação, deram o seu apoio a Roma. Outras cidades, como Coroneia e Haliarto, recusaram fazê-lo.

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Posteriormente dirigiram-se a Argos para negociar com os representantes da Liga Aqueia. Estas imediatamente aceitaram a proposta romana e enviaram tropas para a Eubeia com o fito de assegurar essa posição estratégica e controlar as cidades beócias. Os Aqueus viriam, contudo, a negar o apoio a Roma após as primeiras vitórias de Perseu contra os Romanos, quando Gaio Popílio e Gneu Octávio, legados do procônsul Aulo Hostílio Mancino (cônsul em 170 a. C., portanto isto terá decorrido durante o seu proconsulado de 169 a. C.), se dirigiram ao Peloponeso para pedir os reforços acordados. Esta súbita alteração de lealdade evidencia a fragilidade da influência romana e a popularidade de que os Antigónidas ainda gozavam no seio das cidades gregas. O já referido Aulo Postúmio foi enviado, juntamente com Tibério Cláudio e Marco Júnio, como legado para assegurar o apoio das cidades do Egeu insular e da costa ocidental da Ásia Menor. A mais importante destas, Rodes, sob a égide do seu prítane (gr. πρύτανις) Hagesíloco, acaba por ceder o seu apoio a Roma, não obstante o anterior evergetismo de Perseu para com os Rodésio. Dá mostra imediata de preparativos prontos a servir a causa romana, o que agradou aos legados: “Pois Hagesíloco […] havia previamente, quando se tornou evidente de que os Romanos estavam prestes a declarar guerra a Perseu, exortado o povo em geral para que fizessem causa comum com os Romanos e ordenou o equipamento de quarenta naus, para que […], permanecendo num estado de prontidão, pudesse ser capaz de agir imediatamente da forma que eles [i. e. os Romanos] decidissem” (27.3.3). O facto é que Roma e os seus aliados na região representavam, naquele momento, uma ameaça maior para Rodes do que a Macedónia. A proximidade de Pérgamo, que constituía o mais poderoso aliado de Roma na região, fazia deste reino um concorrente de Rodes no controlo do Egeu e da Jónia. Era conveniente para os Rodésios manter o status quo e para tal seria necessário penderem as suas amizades políticas para o lado dos Romanos. Os legados regressam então a Roma, tendo quebrado o frágil equilíbrio político das confederações gregas, assegurando a ineficácia destas como potenciais aliadas de Perseu. Sabendo disto através dos seus legados junto dos Gregos, Perseu tomou medidas imediatas, enviando missivas às cidades gregas com o idêntico propósito de congregar apoios no seio destas: “Perseu, depois da sua conferência com os Romanos, enviou idênticas missivas para os Gregos […]” (27.4.1). Os Aqueus e os Rodésios recusaram, pois temiam represálias dos Romanos, mas algumas das cidades beócias (Coroneia, Tisbas e Haliarto) optaram por uma aliança com Perseu. Estas pediram-lhe que enviasse tropas para as auxiliar na guerra contra as cidades leais a Roma, entre as quais a mais importante era Tebas. Ele não o fez, argumentando que isso quebraria o tratado estabelecido com os Romanos no início do seu reinado, segundo o qual, não podia oferecer apoio militar contra os aliados de Roma:

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“Perseu, depois de os ter ouvido [i. e. os enviados das cidades beócias], respondeu que lhe era impossível enviar auxílio armado para quem quer que fosse, dadas as suas tréguas [= ἀνοχαί] com Roma” (27.5.7-8). Roma havia conseguido não só desfazer a unidade da Liga Beócia, mas ainda gerar um status belli entre as cidades beócias. Tendo tomado conhecimento da acção de Perseu, os senadores em Roma mandam chamar os legados macedónicos Sólon e Hípias. Políbio conta que estes, ao tentarem conciliar o senado, acabaram por se limitar a advogar o caso de Perseu na alegada conspiração orquestrada em Delfos contra Êumenes II de Pérgamo. O senado acabou por expulsar os legados de Itália e instigou, por meio dum senatus consultum, Públio Licínio Crasso e Gaio Cássio Longino, cônsules então incumbentes (171 a. C.), a declararem oficialmente guerra a Perseu, ficando o primeiro encarregue de conduzir a campanha da Macedónia. Políbio refere, contudo, que o senado já havia tomado esta decisão antes da reunião com os legados de Perseu (27.6.3). No âmbito das alianças, há ainda a destacar a questão do rei Gêncio da Ilíria. Tal como Plutarco (Aem. P., 9), Políbio dá a entender pela progressão do seu discurso (29.3-4) que a aliança com o rei ilírio só foi estabelecida após as primeiras vitórias de Perseu, quando este se encontrava numa situação favorável, não constituindo, portanto, uma das causas da guerra, mas sim uma tentativa de invasão da Itália. No entanto, W. Harris rejeita as teses de Políbio e Plutarco: “An invasion of Italy was a logical absurdity, since Perseus had no navy” (HARRIS, 1979, p. 229). Talvez por não ter frota terá tentado aliar-se a quem a tivesse. Há que ter em conta que os Ilírios eram famosos pela pirataria. Pompeio virá, mais tarde, a encarregar-se duma exaustiva campanha contra estes a fim de assegurar as rotas marítimas. Eram, portanto, possuidores de grandes recursos navais. Não se sabe qual o poderio naval de que Gêncio disporia, mas, para que Perseu se tenha empenhado tanto em consolidar com este um pacto contra Roma, é possível que fosse elevado e que o Antigónida visse nele o garante de uma frota, que Rodes lhe recusara. Em todo o caso, uma aliança com este reino serviria para proteger a Macedónia de eventuais incursões dos aliados de Roma situados a norte.

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Políbio e a Causa da Terceira Guerra da Macedónia

CONCLUSÕES P. Pédech, no seu comentário à obra de Políbio, sintetiza a tríade lógica que este emprega relativamente à Terceira Guerra da Macedónia: “1º La vraie cause (αἰτία) de la guerre, c’est la pensée de Philippe, qui plusieurs années avant sa mort, y était fermement décidé et en avait fait les préparatifs; Persée ne fut que l’exécuteur de son projet. 2º Le renversement d’Abroupolis, l’invasion de Persée dans la Dolopie et son voyage à Delphes forment les prétextes (προφάσεις). 3º L’attentat contre Eumène, le meurtre des ambassadeurs béotiens et quelques incidents du même genre sont les commencements (ἀρχαί)” (PÉDECH, 1964, p. 125). Em suma, Políbio afirma que a guerra de Perseu teve como autor Filipe V e foram os preparativos deste que representaram a verdadeira causa da guerra. Já vimos que o historiador encontrava-se numa situação muito específica quando iniciou a redação das Histórias. Os factores que apresenta como pretextos e princípios eram demasiado superficiais para representarem uma causa válida para a aberturas das hostilidades. Restava-lhe somente culpar os Antigónidas, atribuindo a Filipe a responsabilidade pela criação das condições necessárias para a guerra e fazendo de Perseu o mero executor da empresa paterna. E é exactamente essa situação em que o arcádio se encontrava no momento da redação que, segundo W. Harris, justifica a culpabilização de Filipe: “He [i. e. Polybius] found himself with the impossible choice of blaming Perseus or the Senate” (HARRIS, 1979, p. 228). Perante tais opções e tendo em conta a situação do historiador, integrado na sociedade romana, só poderia optar por culpar os Antigónidas. Visto que Perseu, tal como ele próprio atesta, sempre adoptara medidas no sentido de evitar um conflito com Roma, a culpa teria de recair forçosamente sobre Filipe. Contudo, parece-nos que esta causa apresentada resulta duma interpretação forçada dos eventos. Tudo indica que Filipe reconstituiu as forças do seu reino, certamente prevendo a inevitabilidade dum conflito. O seu rancor para com os Romanos é evidente pela sua possível cumplicidade na morte de Demétrio, herdeiro que Roma apoiava, e pelas purgas levadas a cabo contra os seus opositores internos, certamente partidários de uma política pró-romana. Aparentemente, tudo isto corrobora a tese de Políbio.

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Políbio e a Causa da Terceira Guerra da Macedónia

No entanto, desde a morte de Filipe (179 a. C.) até ao início do conflito (171 a. C.) decorreram oito anos e isto é muito tempo. Durante esse período, Perseu tomou sucessivas medidas para apaziguar os Romanos. O próprio Políbio não consegue esconder que Perseu sempre procurou até ao último momento fugir à guerra. A renovação do tratado com Roma logo no início do seu reinado, o estabelecimento de boas relações com aliados do populus romanus, a recusa de auxiliar os Beócios com tropas, temendo violar o acordo com Roma, o pedido aos Rodésios para que actuassem como moderadores em caso de conflito e, inclusive, já durante a guerra, o facto de ter tentado entrar em negociações com os líderes romanos, mesmo após a sua vitória contra o cônsul P. Licínio, propondo uma paz com idênticas condições às que Filipe acordara em 197 a. C.. Ainda que Filipe tenha projectado uma guerra contra os Romanos, tal projecto não foi seguido pelo seu filho. Filipe pode ter criado os meios e os recursos, mas não criou as razões. A causa da guerra não pode ter origem em Filipe ou Perseu, o primeiro por ter morrido oito anos antes da abertura de hostilidades, o segundo por não ter seguido a política do pai e ter procurado manter a paz a todo o custo. A referida comparação com Alexandre Magno é forçada: este atravessou os Dardanelos dois anos depois do assassínio de Filipe II; também Perseu teria executado o plano de Filipe V alguns anos depois da morte deste. A causa também não proveio da aliança com Gêncio, rei ilírio, para uma suposta invasão da Itália porque isso decorre já durante a guerra. O apoio que Perseu prestou aos Gauleses Bastarnas na guerra contra os Dardânios, aliados de Roma, pode explicar um incremento da já existente antipatia política dos Romanos, mas é insuficiente para explicar uma guerra aberta entre as duas potências. Torna-se imperativo indagar as causas do conflito noutro lado. Quem começou então a guerra e porquê? A causa política da guerra deve ser situada sobretudo a sul da Macedónia. O confronto tornou-se inevitável quando os Romanos enviaram os legados Q. Márcio e A. Atílio para a Grécia. Ao destabilizarem o já de si frágil equilíbrio político grego, deram origem a um efeito “bola de neve” que se alastrou por toda a Hélade. Forçando as poleis beócias e aqueias a colocarem-se sob a égide de Roma e instigando-as a atacarem as que resistiam, conduziram ao confronto entre aquelas que o fizeram e aquelas que se recusaram a fazê-lo. A escolha de cada cidade deveu-se não só a factores externos, mas sobretudo a factores internos: as disputas entre as várias facções políticas no seio de cada polis. As cidades que não se colocaram sob a esfera de influência romana viram-se forçadas pela necessidade de protecção a procurar apoio em Perseu. Este, assistindo a um atentado contra a influência da Macedónia sobre as cidades gregas, viu-se obrigado a agir e aliar-se às cidades que se mantiveram leais a si, ainda assim procurando evitar antagonizar os Romanos, recusando o envio inicial de tropas para a Beócia. A situação alastrou-se posteriormente para oriente (Rodes, Pérgamo, Síria, etc.), mas foi entre a Beócia e o Peloponeso que a inevitabilidade do conflito surgiu e foram os Romanos os seus autores. Podemos, assim, dizer – não sem ironia – que a Terceira Guerra da Macedónia começou como uma guerra entre Gregos, na Grécia.

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Políbio e a Causa da Terceira Guerra da Macedónia

Está visto que, através do testemunho de Políbio, podemos ter uma ideia do panorama político que levou à Terceira Guerra da Macedónia, mas as palavras do historiador traem as suas próprias conclusões. O ponto crucial foi a destabilização na Beócia e no Peloponeso e, pelo que tudo leva a crer, o sinal de partida foi dado pelos Romanos através da acção dos legados Q. Márcio e A. Atílio, não por Perseu. Poder-se-ia ainda ir mais longe e tentar perceber o que levou os Romanos a tomarem tal rumo, mas isso excederia em larga medida a proposta deste artigo. Os factores económicos oferecem uma hipótese atractiva, mas não deixam de ter inúmeros problemas ainda por resolver. As motivações dos Romanos para a guerra continuam a ser motivo de grande controvérsia, se é que se pode sintetizar uma realidade tão complexa e variada. Quanto ao caso da Terceira Guerra da Macedónia, há a dizer o óbvio: que as conclusões que aqui extrapolámos são, como tudo, discutíveis e revogáveis. O estado lacunar do documento, como se disse, impede o usufruto completo do testemunho de Políbio e o investigador moderno está sujeito às limitações que a carência de fontes lhe impõe. Terminamos com as palavras de lamento de um historiador da Antiguidade e filósofo crítico da História, respeitantes àquela que é talvez a maior chaga de quem se empenha em compreender o Mundo Antigo: “Os documentos conservados nem sempre são (a experiência sugere que se escreva, antes: não são nunca) aqueles que nós desejaríamos e aquilo que conviria que fossem. Ou então não existem – ou não existem o bastante. É este o caso geral em História da Antiguidade: na maior das vezes, trabalhamos com fontes literárias sempre demasiado sumárias, para mais em segunda ou terceira mão […]. As raras fontes primárias de que dispomos são os documentos arqueológicos, as inscrições, os papiros, descobertos ao acaso das explorações, por força, pois, de uma selecção arbitrária” (MARROU, 1991, p. 69). Fontes

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Guilherme de Vasconcelos Abreu: breve nota biográfica sobre o primeiro sanscritista português

Guilherme de Vasconcelos Abreu:

breve nota biográfica sobre o primeiro sanscritista português 1 Ricardo Louro Martins

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Nos fundamentos e primeiros contactos de missionários portugueses com a Índia e com o sânscrito, que geraram as primeiras traduções e gramáticas das línguas do sub-continente, diznos Guilherme de Vasconcelos Abreu que não se fez «nada [...] que tenha verdadeira

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importância como estudo de sânscrito ou de coisas relativas ao sânscrito feitas por Portugueses. [Mas] podiam-no ter feito!» (Abreu, 1903: 17) De facto, o fundamento do estudo do sânscrito começa com o primeiro sanscritista português digno desse título, Guilherme Augusto de Vasconcelos Abreu (1842-1907), cuja carência de fontes biográficas, salvo pelas suas notas manuscritas, referências na documentação existente do Curso Superior de Letras e obra, levam a que não se possa concluir com a exactidão desejada o seu percurso de vida. (Santos, 2010: 7) De qualquer modo, sabe-se que nasceu em Coimbra a 20 de Junho de 1842, filho de Guilhermina Cândida de Vasconcelos Abreu e de Vítor Madaíl Abreu. Terá obtido o grau de bacharel na Faculdade de Matemática da Universidade de Coimbra, frequentando depois a

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Este breve artigo resulta, em boa parte, da conferência “Estudos da Língua Sânscrita em Portugal” apresentada no seminário Os Estudos Orientais e os Orientalismos em Portugal, a 29 de Maio de 2014, na Universidade Católica Portuguesa.

Mestre em História das Religiõess pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Investigador do IPAEHI;

Escola do Exército, cujo curso de artilharia não completou. De seguida terá realizado o curso de engenheiro naval, passando desde esse momento a exercer esta profissão. Foi um estudioso de matérias praticamente desconhecidas em Portugal, mas que, ao contrário do que vem acontecendo, atraíram na época a atenção de figuras poderosas como o Marquês de Ávila e Bolama, seu admirador e grande impulsionador do aperfeiçoamento dos seus estudos no estrangeiro. A 16 de Março de 1875, o Ministro dos Negócios Estrangeiros, João de Andrade Corvo, encarregou-o, através da publicação de uma portaria, da missão de aperfeiçoamento dos estudos de Sânscrito e Filologia Oriental em França, Inglaterra e Alemanha, estudos estes que Vasconcelos Abreu já havia iniciado, como autodidacta, em Portugal. Esta missão foi ao encontro do interesse que os estudos orientais e de linguística e mitologia comparadas tinham entre os orientalistas de várias academias europeias na segunda metade do séc. XIX. (Santos, 2010: 65) Segundo o próprio Vasconcelos Abreu, o estudo da mitologia comparada revelar-se-ia como a chave para a renovação intelectual portuguesa, indispensável para o conhecimento do «estado moral e social dos indígenas das colónias». (Abreu, 1878a: 5) O estudo das culturas orientais seria desta forma útil ao Governo, para que este compreendesse os povos da Índia, e mesmo os de África, que tinha então sob a sua tutela, servindo de apoio à governação, procurando repetir o que fazia o Império Britânico. (Abreu, 1878a: 5-6)

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Guilherme de Vasconcelos Abreu: breve nota biográfica sobre o primeiro sanscritista português

É sob este pretexto de interesse nacional que Vasconcelos Abreu parte para Paris em 1875, chegando a essa cidade em meados de Maio. Na capital francesa, apesar de não lhe ser possível frequentar o semestre de Verão de Filologia Oriental, frequenta o curso de História da Literatura Antiga da Índia na École des Hautes Études, (Abreu, 1878a: 3) ministrado por Abel Bergaigne (1838-1888), de quem se torna discípulo e admirador. Indianista francês já conhecido de Vasconcelos Abreu a partir da leitura de artigos publicados na Mémoires de la Société de Linguistique de Paris, sociedade que desde 1868 publicava artigos segundo o método histórico-comparativo que muito inspirará e influenciará Vasconcelos Abreu. (Abreu, 1878: 3) Quando Bergaigne soube que Vasconcelos Abreu nunca havia falado com alguém que lhe tivesse tirado dúvidas de sânscrito, pediu-lhe que este lhe entregasse algumas das suas traduções – em Portugal Vasconcelos Abreu havia já traduzido excertos do Rāmāyaṇa e capítulos do episódio de Nala (Abreu, 1878a: 6; Santos, 2010: 44-45) – e propôs-lhe a tradução de alguns textos, como o Kathānaka de Vetāla e o Hitopadeśa. (Abreu, 1878a: 4) Devido à sua rápida progressão, Bergaigne depositou grandes esperanças em Vasconcelos Abreu e considerou que este deveria partir para a Alemanha, onde se encontravam os pioneiros dos estudos orientais. Nesta altura Vasconcelos Abreu, que já havia lido Martin Haug (18271876), indólogo e grande especialista no estudo dos sacrifícios hindus, aceitou e comunicou a Bergaigne a sua intenção de seguir para Munique, para se encontrar com Haug. Bergaigne achava, no entanto, que Vasconcelos Abreu deveria antes conhecer Albrecht Weber, mas prevaleceu a vontade do português. (Abreu, 1878a: 3, 5-6; Vicente, 2010: 22) Ainda neste ano e durante a sua permanência em Paris, o ministro Mendes Leal nomeou Vasconcelos Abreu membro do júri da exposição do Congresso Internacional de Ciências Geográficas de Paris, (Abreu, 1878a: 6) na qual este obtém valiosas informações sobre os povos e os territórios orientais. É neste contexto que Vasconcelos Abreu faz sugestões ao governo e às academias portuguesas. Assim, tal como fazia a Inglaterra, Portugal deveria procurar uma acção civilizadora na Índia, para que não perdesse, com desonra, as suas colónias. (Abreu, 1878a: 13) Para isto era necessário promover a renovação intelectual da Índia portuguesa, favorecendo o espírito crítico, onde os administradores teriam de conhecer os administrados, e para tal, eram indispensáveis os estudos históricos e linguísticos. (Abreu, 1878a: 13.) Portugal deveria ser forte na Índia, não pela força, intolerância e vandalismo, mas sim pela sua capacidade de ser civilizador, tolerante e respeitoso. Para além do interesse político, existia também, claro está, o interesse científico, o qual Vasconcelos Abreu nunca deixou de recordar, já que a Índia poderia fornecer muitas respostas relativamente às origens do direito, da filosofia, das religiões, das línguas clássicas da Europa, e das migrações de povos. Vasconcelos Abreu recorda que é por este motivo que toda a Europa estudava naquele momento a Índia, mesmo aquelas nações que não tinham interesses materiais nela. (Abreu, 1878a: 14 e ss.) Determinado defensor do método comparativo em todas as áreas, diz-nos que «a análise comparativa é o elemento destruidor de tudo quanto há de falso, e o preparador de tudo quanto há de justo», (Abreu, 1878a: 11) frase que, por si só, bastaria para justificar e valorizar o estudo

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das línguas e culturas orientais.


Guilherme de Vasconcelos Abreu: breve nota biográfica sobre o primeiro sanscritista português

É depois do Congresso que Vasconcelos Abreu parte para Munique (Abreu, 1878a: 21) onde, a partir de Setembro, recebe aulas de Martin Haug, primeiro particulares e depois colectivas, na Universidade de Munique, o qual descreve como amigo que muito admirou pela sua «grande alma» e «grande ciência». (Abreu, 1878a: 21) Martin Haug (1827-1876) foi um orientalista alemão, docente na Universidade de Bonn e na Universidade de Puna, antes de se tornar professor de sânscrito e de filologia comparada em Munique. (Abreu, 1878: 22) Até ao final desse ano, terminou, auxiliado por Haug, a tradução do Hitopadeśa. No ano seguinte continuou a receber aulas de Martin Haug sobre a História da Literatura Sânscrita, o Atharvaveda e os Sacrifícios Hindus, bem como a História da Civilização Assíria e respectivos pontos de contacto com a Egípcia, etc., (Abreu, 1878a: 22; Santos, 2010: 66-67) período durante o qual traduziu também alguns hinos do Ṛgveda e do Atharvaveda. Martin Haug endereçou uma carta ao governo português, datada de 13 de Novembro de 1875, onde atestava que Vasconcelos Abreu, que assistira às suas aulas de sânscrito com frequência, possuía grandes dotes científicos para prosseguir os estudos de Filologia Oriental, demonstrando grandes progressos, e que este possuía as qualidades necessárias para tornar-se num grande sanscritista, honrando o governo português, que merecia, aliás, todo o crédito pela oportunidade que lhe deu de ir estudar para a Alemanha. (Abreu, 1878a: 22) Vasconcelos Abreu estudou em Munique até Março de 1876, regressando a Paris no final de Abril, após uma grave doença durante o Inverno, (Abreu, 1878a: 55) facto que o obrigou a interromper os seus estudos. Era seu objectivo permanecer em Munique por mais quatro ou cinco anos, orientado por Martin Haug, para estudar não só sânscrito, mas também o avéstico, o marāṭhī, o hebraico, assiriologia e gramática comparada. Contudo, a doença que ambos sofreram e a morte de Martin Haug, fizeram com que regressasse mais cedo a Paris. Ainda devido à doença retirou-se para a Normandia, onde traduziu excertos do Mahābhārata. Voltou a Paris em Outubro, onde continuou os seus estudos de forma autodidáctica, assistindo a algumas aulas de forma livre, não só de sânscrito, mas também de egiptologia, assiriologia e antropologia. (Abreu, 1878b: 3-4) Já nesta altura começou a dar aulas de sânscrito particulares em Paris, (Abreu, 1878b: 5) traduzindo entretanto o Śakuntalā de Kālidāsa. O esperado regresso de Vasconcelos Abreu a Portugal dá-se em Julho de 1877, tendo apresentado três relatórios sobre as suas viagens e estudos, (Aguilar, 1939: 177; Coelho, 1900: 53) na sequência dos quais resultou a criação por decreto-lei, a 15 de Setembro desse mesmo ano, do curso de língua e literatura sânscrita, védica e clássica no Curso Superior de Letras. Nestes relatórios, lamentou várias vezes a inexistência de um meio intelectual português semelhante àquele que encontrou em Paris. Já que, como ele próprio declarou: «o meio intelectual é a primeira condição para o estudo. É este meio o que infelizmente nos falta. Nós vivemos isolados». (Abreu, 1878b: 5) E da mesma forma com que o sânscrito não deveria ser ensinado de modo isolado, mas acompanhado de outras línguas, especialmente daquelas românicas e clássicas, (Abreu, 1878b: 37) também Portugal se deveria afastar desta inevitável «anarquia intelectual» que então vivia. (Abreu, 1878b: 8)

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Guilherme de Vasconcelos Abreu: breve nota biográfica sobre o primeiro sanscritista português

A 18 de Setembro do mesmo ano, é nomeado provisoriamente professor de sânscrito, sem que nunca tenha alcançado a nomeação efectiva. A 13 de Abril de 1898, foi apresentado um projecto-lei na Câmara de Deputados no qual foi pedida a extinção do curso de sânscrito, não tendo sido aprovado. Mas em 1901, com a reforma do Curso Superior de Letras, a cadeira de sânscrito deixa de fazer parte das cadeiras obrigatórias que constituíam o Curso, passando assim a ser facultativa. Vasconcelos Abreu fica sem alunos e deixa de leccionar, deixando inclusivamente de fazer parte do Conselho do Curso a 28 de Julho de 1902. Com o falecimento de Vasconcelos Abreu a 6 de Fevereiro de 1907, fica vaga a cadeira de sânscrito no Curso Superior de Letras, a qual se torna difícil de reocupar por falta de um professor com os conhecimentos adequados. É neste contexto que surge, a 13 de Abril desse ano, o Monsenhor Sebastião Rodolfo Dalgado, que se oferece para leccionar a cadeira, sendo nomeado a 13 de Maio e regendo-a até 1922, ano em que falece. (Santos, 2010: 70) Da produção científica de Vasconcelos Abreu, não podemos deixar de destacar aquela que ainda hoje se apresentaria, se mais estudada, como uma lufada de ar fresco no panorama dos Estudos Orientais em Portugal. São elas as Investigações sobre o Caracter da Civilisação Árya-Hindu, os Passos dos Lusíadas: Estudados à Luz da Mitolojía e do Orientalismo, os Principios elementares da Grammatica da lingua Sãoskrita, o Curso integral de antiguidades Aricas, o Curso de litteratura e lingua sãoskrita, classica e vedica, a Importancia capital do Sãoskrito como base da glotologia arica, Os Contos, Apólogos e Fábulas da Índia: influência indirecta no Auto da Mofina Mendes de Gil Vicente, e as Questions vèdiques. Também as sugestões – por vezes lamentos – que Vasconcelos Abreu desenvolve nestas obras, permanecem tristemente actuais, como a importância de se estudarem as línguas, em Portugal, de forma científica, para que se gerem discípulos e não autodidactas (incluiríamos também “alunos”, no seu sentido passivo), e que estes possam vir a ser verdadeiros mestres (i.e., que gerem discípulos). Diz-nos também que não são as modificações de programas ou as descobertas filhas do acaso que elevam o nível intelectual de uma nação, mas sim o método na investigação, a organização do trabalho, (Abreu, 1878b: 35) e que o primeiro passo para tal acontecimento, passava (e passa) precisamente pela introdução do estudo da língua e literatura sânscritas no quadro do ensino público. (Abreu, 1878b: 13) O sanscritista destaca repetidas vezes as semelhanças existentes entre o sânscrito e as línguas clássicas e modernas da Europa, (Abreu, 1878b: 15) sem o qual nunca se poderia ter chegado a compreender uma família linguística indo-europeia, nem a sua origem proto-indo-europeia, por este preservar elementos que desapareceram noutras línguas. (Abreu, 1878b: 21-22) Recorda-nos que na Índia «vinte anos de ciência bastaram para vencer mais de três mil anos de esmagamento moral», (Abreu, 1878a: 11) já que a Inglaterra, depois da queda da Companhia das Índias, lançou no Hindustão a forte semente da civilização da Europa ocidental, permitindo o cultivo religioso por parte dos missionários, mas também permitindo a ciência, criando escolas do ensino primário, secundário e superior. (Abreu, 1878a: 7)

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Guilherme de Vasconcelos Abreu: breve nota biográfica sobre o primeiro sanscritista português

Estávamos portanto, segundo entendia, perante uma grande revolução social e religiosa na Índia. (Abreu, 1878a: 7) E dá-nos o exemplo do Ṛgveda, cujo acesso só estava permitido à casta sacerdotal, que foi tornado acessível pelos ingleses a todo o público indiano e, obviamente, europeu. (Abreu, 1878a: 8) Vasconcelos Abreu valoriza a necessidade de se estudarem as fontes sânscritas, pois só através delas poderemos chegar a ter real conhecimento sobre os «alvoreceres da inteligência da nossa raça: a raça árica», (Abreu, 1878a: 28) já que os Vedas detêm a fase anterior àquela onde os sacerdotes se tornaram superiores aos deuses, e de onde surgiu a «idolatria monstruosa da Índia». (Abreu, 1878a: 29, 34-35) Vasconcelos Abreu, ainda que tenha sido pioneiro nos estudos sânscritos no nosso país, e sobrevalorizasse a ideia da transmissão académica, quase discipular, ele mesmo não deixou discípulos directos. Aquilo que nos disse Vasconcelos Abreu sobre os primeiros missionários citámos

no

início

portugueses, e que

deste

artigo,

aplica-se

facilmente a nós mesmos, ainda que esquecendo todos os esforços e todos os impulsos, mais ou menos assertivos e mais ou menos emotivos, dos nossos sanscritistas, pois não temos feito nada que tenha verdadeira “importância” para o estudo do sânscrito, mas podíamos tê-lo feito. Será então de esperar, e mais que esperar saber fazer chegar, uma mudança na forma de perceber os estudos orientais em Portugal, e que essa mudança possa honrar aqueles que de entre nós têm procurado entender e propagar, de forma genuína, os estudos orientais. Mas esse impulso tem de vir de cima e nascer de uma certa unidade, que seja alheia às políticas, sempre passageiras, que tingem de uma cor ou de outra a Universidade. Esse impulso não deve ser esperado das mãos dos anacoretas que se mantêm na solidão, por vontade própria ou imposta, e que vão disparando de forma autónoma, e poucas vezes acertada, num alvo que não chegam a encontrar, ainda que o pretendam adivinhar. Portugal foi pioneiro no estudo da língua, mas não fomos capazes, ou melhor, fomos na maioria dos casos impedidos, de lhe dar uma sólida continuidade. As justificações são várias, importando sobretudo o atraso económico do país no séc. XIX, e mais tarde as políticas do governo de Salazar, pouco interessada na valorização ou estudo de outras culturas. O golpe militar de 1974 não trouxe um maior interesse pelas culturas orientais, e a europomania dos últimos anos, como a apelida Luís Filipe F. R. Thomaz, pouco favorece estes estudos. (Thomaz, 2012b: 15-16) Faltam infraestruturas de ensino e bibliotecas especializadas, que não atirem para outro cais aqueles que querem aprender uma língua oriental. Tudo isto tem inibido o ensino e sobretudo a investigação no âmbito académico nestas áreas, gerando como resposta trabalhos medíocres fora dele, isentos de se justificarem perante os especialistas que contamos entre nós. (Thomaz, 2012a)

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Guilherme de Vasconcelos Abreu: breve nota biográfica sobre o primeiro sanscritista português

Encerramos este artigo com as inspiradoras palavras de Vasconcelos Abreu: «A quem tenha olhos de ver, a luz dos factos expostos mostra, por certo, que o estudo da samscritologia interessa muito superiormente: por ser, não só em si assunto sério de saber, mas por si instrumento seguro de investigação científica em criações novas da 2.ª metade do século XIX, tão extraordinárias no campo sociológico como extraordinárias as descobertas que mais assombram no campo das ciências físicas, químicas e biológicas, nestes últimos cem anos. Por via do sámscrito, meus senhores, reconstituiu o grande Eugénio Burnouf a língua avéstica [...], e [por via do sânscrito] depois surgiu a glotologia [indo-europeia] [...], a mitologia comparada [indo-europeia] [...], a ciência das religiões, o estudo comparado do direito greco-itálico, e mais largamente, direito árico, e tudo isto é psicologia sociológica – a parte mais interessante da evolução humana.» (Abreu, 1903: 18) Bibliografia Abreu, Guilherme de Vasconcelos (1878a), Investigações sobre o Caracter da Civilisação Árya-Hindu, Lisboa: Imprensa Nacional. Abreu, Guilherme de Vasconcelos (1878b), Importancia Capital do Sãoskrito como Base da Glottologia Árica e da Glottologia Árica no Ensino Superior das Lettras e da História, Lisboa, Imprensa Nacional, Abreu, Guilherme de Vasconcelos (1881), Curso de litteratura e lingua sãoskrita, classica e vedica:, vol I: Manual para o estudo do sãoskrito classico, Lisboa:, Imprensa Nacional. Abreu, Guilherme de Vasconcelos (1903), Samscritologia e seu Valor, Lisboa: Imprensa Nacional. Aguilar, Manuel Busquets (1939), O Curso Superior de Letras (1858-1911), Lisboa: ed. Autor. Coelho, F. Adolfo (1900), Le Cours Supérieur de Lettres: Mémoire, Paris: Aillaud. Santos, Fernanda Maria Cardoso (2010), Marginália nas colecções das Bibliotecas: o fundo Guilherme de Vasconcelos Abreu na Biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Tese de Mestrado em Ciências da Documentação e da Informação: Ramo de Biblioteconomia e Documentação, Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Thomaz, Luíz Filipe F. R. (2012a), «Estudos Árabo-Islâmicos e Orientais em Portugal», Von Kemnitz, Eva-Maria (coor.), Estudos Orientais, Lisboa: Universidade Católica Editora. Thomaz, Luíz Filipe F. R. (2012b), «A parábola do orientalista falhado e as economias na Universidade», Brotéria, 2/174, Lisboa. Vicente, F. Lowndes (2010), «Orientalism in the Margins: the interest in Indian Antiquity in nineteenth century Italy», Res Antiquitatis 1, Lisboa: Centro de História do Além-Mar, FCSH-UNL.

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Sabores com História ... A primeira referência história à pesca do atum no nosso país data do ano 151 da nossa era, no actual território do Algarve, sendo os cónios (povo ibérico submetido pelos romanos) quem se encarregavam da pesca. com vísceras de vários peixes e mariscos, depois de rigorosamente confeccionado, constituindo um manjar muito apreciado no entanto apenas acessível aos mais abastados. Esta pesca foi prosseguida pelos romanos e pelos árabes (responsáveis pela evolução tecnológica das pescas posteriormente),que nos legaram alguma da tecnologia e terminologia. Em 1249, data da conclusão da conquista do território nacional aos mouros, o rei D. Afonso III decide reservar para a coroa todos os direitos sobre a pesca do atum, sob a chancela das "Pescarias Reais". Com D. Fernando (meados do séc. XIV, cerca de um século depois) estabeleceram-se no Algarve os primeiros sicilianos e genoveses. Foram estes povos italianos que iniciaram os portugueses na arte da pesca do atum, com grande sucesso, uma vez que se tornou imediatamente numa actividade extremamente próspera, matendo-se assim até ao séc. XVII.

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Os Judeus no Império Persa: Um olhar Intertextual sobre o ex+ilio e o domínio aqueménida

Os Judeus no Império Persa

Um Olhar Intertextual sobre o exilio e o domínio aqueménida Hans Vogel

1

1

Estudos superiores e pós-graduação em História e Literatura Bíblica, Mestre em História na especialidade em História Antiga pela FLUL.

O CONTEXTO HISTÓRICO O povo de Israel esteve, ao longo da sua história, em contacto com povos do próximo Oriente antigo. Com a conquista de Jerusalém pelos neo-babilónios em 588-587 a. C. terminou a independência política de Judá. Estes acontecimentos foram intensamente marcantes na literatura bíblica. 2 Crónicas 36, 17-21 resume os eventos e explica as causas teológicas do exílio: “Então, Deus enviou contra eles o rei dos caldeus (...). Incendiaram o templo de Deus, destruíram

as

muralhas

de

Jerusalém

(...).

Nabucodonosor levou cativos para a Babilónia todos os que escaparam à espada, e teve-os ali como escravos (...), até ao começo da dominação persa.

Fig. 1: O domínio do império neo-babilónio.

(...).” É interessante notar que o rei babilónio, igualmente chamado de caldeu, foi visto como instrumento divino para punir a desobediência dos judeus:

1. 1 O fim do exílio e a importância do império persa A destruição da capital do reino de Judá e a deportação para o exílio na Babilónia foram uma tragédia para os judeus. Não obstante, durante os cerca de setenta anos na terra dos caldeus, o retorno prometido pelo profeta Jeremias nunca deixou de ser esperado. A conquista persa em 539 a. C. trouxe as mudanças desejadas. O império da Pérsia também chamado de aqueménida assumiu um papel fundamental na história do povo de Judá e possibilitou aos israelitas reencontrar a sua identidade religiosa e cultural. A Bíblia é bastante favorável para com o rei que permitiu o fim do cativeiro na Babilónia, bem como para com os seus sucessores. Os soberanos aqueménidas governaram durante o século VI a. C. até ao final do século IV a. C. no próximo Oriente antigo, numa área que abrangia três continentes e em muitas áreas culturais e administrativas ultrapassaram os reinos anteriores. Apesar desses factos históricos, o período persa continua na esfera da negligência na percepção histórica da Europa. Porque será que a história secular do Ocidente parece ter algumas dificuldades com o reino mundial da Pérsia?

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Os Judeus no Império Persa: Um olhar Intertextual sobre o ex+ilio e o domínio aqueménida

Fig. 2: O domínio do império persa

1. 2 A dificuldade das fontes Os estudos persas confrontam-se com a dificuldade do acesso às fontes sobre este reino. Chegaram aos tempos atuais inscrições aqueménidas. Em Persépolis foi encontrado um arquivo com cerca de 30000 tábuas em diferentes línguas. Estes documentos encontram-se atualmente no Instituto Oriental da Universidade de Chicago e a maioria ainda aguarda investigação. A situação política do Irão e a tensão com o Ocidente não facilitam os estudos arqueológicos no terreno. Outro obstáculo da análise é que durante muito tempo os textos que determinaram a história da Pérsia antiga foram secundários, ou seja, sobretudo gregos. As fontes helénicas dão informações importantes para a perceção da cultura e história do reino mundial persa, no entanto é preciso reconhecer que estão condicionadas pelo conflito grecopersa. Os escritores gregos mais antigos mostraram curiosidade e até admiração pelos persas, porém em geral e sobretudo mais tarde dominaram os preconceitos do dualismo greco-bárbaro. De facto, os autores helenos posteriores não se mostraram favoráveis para com o grande rival no Oriente. É necessário lembrar que a história da Antiguidade é determinada pelas fontes clássicas e são exatamente a Grécia e a Roma antiga que estabeleceram a perceção histórica dos persas até aos tempos atuais. Por outro lado, os contactos entre os gregos e os judeus não parecem ter sido importantes durante o tempo dos persas, não indo além de trocas comerciais, atestadas pela arqueologia. Este artigo concentra-se sobretudo nos aspetos históricos do assunto em questão. Não é intenção entrar em questões de crítica das fontes, nem das bíblicas, nem das seculares. O autor tenta seguir a máxima hermenêutica: “É o contexto que explica o texto,” e é precisamente o contexto dos judeus que regressaram da Babilónia que irá ocupar a maior parte deste estudo. A abordagem a seguir é cronológica, ou seja, tenta-se seguir o rumo da história, procurando-se também penetrar na perceção do mundo antigo, ou seja, na mundividência das civilizações em destaque.

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Os Judeus no Império Persa: Um olhar Intertextual sobre o exilio e o domínio aqueménida

É necessário estar consciente de que os textos do próximo Oriente antigo, sejam eles bíblicos ou de outra origem, 2

são frequentemente narrativas biográficas selectivas e

Edwin Masao Yamauchi, Persia and the Bible, Grand Rapids, Baker Books, 1996, p. 73.

3

contêm interpretações teológicas, sem no entanto deixarem de ser históricas. As fontes em destaque merecem ser estudadas e interpretadas à luz do seu

Heródoto. Histórias – Livro 1 tradução do grego de José Ribeiro Ferreira e Maria de Fátima Silva, Lisboa, Edições 70, 1994, (73.2 e 124-130), pp. 106, 143-147.

próprio contexto do próximo Oriente antigo. Noutras palavras, a abordagem é intertextual, com a finalidade de esclarecer o contexto dos textos.

4 5

Idem, (191.6), p. 187.

“Textos do Oriente Antigo”, in Atlas Bíblico - Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Lisboa, Edições Zairol, 1996, pp. 308-343, p. 342.

2. O IMPÉRIO PERSA DE CIRO II ATÉ Fig. 3: Em Persépolis foi encontrada a ata da fundação em ouro, na qual Dario I anuncia a extensão geográfica do seu reino e pede a proteção ao deus Ahura-Mazdá. Este documento foi redigido na escrita cuneiforme nas línguas da Pérsia antiga, de Elam e da Babilónia. Atualmente encontra-se em Teerão no Irão.

DÁRIO I Os persas têm uma história antiga que recua muitos séculos antes da era em estudo, no entanto foi com Ciro II que os persas se tornaram um império poderoso no mundo antigo.

2. 1 “Eu, Ciro, rei, o aqueménida” Esta inscrição foi redigida em três línguas. O nome Ciro vem do grego Kuros, que em pérsio antigo era Kurush e a transliteração em hebraico era Kôresh. Heródoto relata no seu primeiro livro “Histórias” a revolta de Ciro II, o persa, contra os medos e de como o suserano persa submeteu o rei da Lídia. Os povos entre o Cáspio e a Índia também foram conquistados e depois o rei Ciro voltou-se contra a Babilónia. O rei dos caldeus era Nabónido, porém este havia colocado seu filho Baltasar no trono. O livro bíblico de Daniel, no capítulo 5, verso 2, narra o episódio do banquete do rei na Babilónia. Baltasar mostrou pouco respeito e logo a seguir aconteceu a grande mudança. Heródoto relata como os persas conquistaram a grande cidade da Babilónia, entrando pelo canal na cidade: “(...) sem que o povo, no centro da urbe, de tal se tivesse apercebido. Deu-se o caso de aquele ser um dia de festa; e estavam precisamente a dançar e a divertir-se, quando tomaram conhecimento - e de que maneira - do sucedido. Foi assim que Babilónia foi tomada pela primeira vez.” Contudo, os novos governantes persas respeitaram a cultura e religião das terras conquistadas e muitas vezes foram bem recebidos pelos povos. Um cilindro de argila, de cerca de vinte e três centímetros, com quarenta e cinco linhas, em acádico cuneiforme, foi encontrado na área do templo de Marduk, na Babilónia. A primeira parte do referido texto explica a razão teológica da queda da Babilónia: O culto de Marduk não foi respeitado, por isso este deus procurou um governante digno e encontrou Ciro que era bom e lhe entregou a Babilónia. Depois da conquista “Todos os habitantes da Babilónia, bem como do inteiro país da Suméria e Acad (...) inclinaram-se para ele (Ciro) (...). Felizes, aclamaram-no como um senhor através de cuja ajuda todos tinham regressado da morte à vida (...). ‘Eu sou Ciro, rei do mundo, grande rei, rei legítimo, rei da Babilónia, rei da Suméria e Acad, rei dos quatro cantos (da terra), filho de Cambises (...)’”.

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Os Judeus no Império Persa: Um olhar Intertextual sobre o exilio e o domínio aqueménida 4

Vide SUET. Dom. 1. é particularmente interessante reparar na forma como Suetónio trata a adoração de Ísis, pois este autor considera este culto como uma «vã superstição».

A tolerância religiosa, étnica e cultural de Ciro fez com que as populações recebessem com entusiasmo o novo rei, pois esta atitude de inclusão e abertura caraterizou uma nova conciliação. No entanto, é preciso ter cuidado em não transferir conceitos modernos para o mundo antigo. Na antiguidade não existiu a divisão entre a religião e o estado, entre o sagrado e o profano, pelo contrário a religião fez parte da perceção do mundo de então.

5 6

Vide TAC. Hist. 4.2, tradução de Berenice Xavier, 1937.

Vide TAC. Hist.1.4: …evulgato imperii arcano posse principem alibi quam Romae fieri.

7

Vide SUET. Ves. 25, tradução de João Gaspar Simões.

Fig. 4: O cilindro de Ciro encontra-se atualmente no Museu Britânico em Londres.

Não obstante, Ciro foi muito hábil em ganhar os povos conquistados para a sua causa; ele respeitou as crenças religiosas dos povos conquistados e, mais ainda, utilizou as convicções destes povos para justificar teologicamente as suas conquistas. Não é possível tirar conclusões acerca da fé pessoal de Ciro, no entanto, se os filósofos gregos, em geral, não questionaram a existência dos deuses do panteão, é mais do que provável que o soberano persa tenha respeitado bem as tradições religiosas. Ciro foi um sábio político que garantiu a cada povo uma vasta liberdade administrativa e religiosa. Ele pretendeu cooperação cultural e integração das múltiplas diversidades do seu imenso domínio. A tolerância religiosa e cultural dos persas tornou-se uma realidade importante no império, pelo menos para os povos que aceitaram o poder político dos aqueménidas.

2. 2 O contexto dos judeus no império persa Os judeus fizeram parte dos conquistados e rapidamente se tornaram num elemento importante na política persa. Perante o panorama histórico, convém lembrar o contexto bíblico do exílio do povo de Judá. Ainda no início do cativeiro, os judeus exilados na Babilónia tinham recebido uma carta da parte do profeta Jeremias - que não foi para a Babilónia - na qual se tinha previsto o regresso dos deportados para Jerusalém: “Quando se cumprirem os setenta anos na Babilónia, Eu vos visitarei, a fim de realizar a promessa que fiz de vos trazer de novo a este lugar. Eu conheço bem o vosso desígnio que tenho acerca de vós, desígnio de prosperidade e não de calamidade, de vos garantir um futuro de esperança oráculo do Senhor. (Jeremias 29, 11).”

Naquela altura do exílio, outro mensageiro, Ezequiel, encontrava-se entre os expatriados nas margens do rio Cabar (Ezequiel 1, 2). Ali, este profeta recebeu a ordem da parte de Deus de ir ter com os exilados que se encontravam em Tel-Abib, nas margens do rio Cabar (Ezequiel 3,15). Uma passagem igualmente importante para os exilados encontra-se no capítulo 37 do livro de Ezequiel. Nesta passagem está registada a visão do vale dos ossos secos. Segundo a previsão de Ezequiel, esses ossos mortos voltarão a ter carne e espírito, ou seja, vida.

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Os Judeus no Império Persa: Um olhar Intertextual sobre o exilio e o domínio aqueménida

Esta mensagem - da nova vida - estava dirigida aos israelitas que estavam desanimados no exílio e foram considerados ‘espiritualmente mortos’. Durante o reinado dos reis da Babilónia, os judeus exilados estavam com a esperança viva de que as promessas de Jeremias e Ezequiel se cumprissem. O Salmo 137 reflecte bem o estado do espírito dos exilados: “Junto aos rios da Babilónia nos sentámos a chorar, recordando-nos de Sião” (versículo 1). “Cidade de Babilónia devastadora, feliz de quem te retribuir com o mesmo mal que nos fizeste” (versículo 8). Os exilados devem também ter conhecido o texto do livro de Isaías, o qual pronuncia a queda da Babilónia: “suscitarei contra eles os habitantes da Média” (Isaías 13, 17). Também o livro de Jeremias, no capítulo 51, lembra a grandeza da Babilónia, lamenta a sua queda e a impossibilidade da sua “cura” (versículo 6) e é o próprio Senhor que convocou os reis medos, porque: “Ele quer destruir a Babilónia. É a vingança do Senhor, a vingança do seu templo” (versículos 11 e 28). Os judeus estavam à espera do cumprimento das promessas, aguardavam que o seu destino fosse mudado. Para os autores bíblicos, o surgimento de uma nova potência os medos e persas -, estava nos planos do Senhor. Nos capítulos 44 e 45 de Isaías, o próprio Deus diz: “Digo a Ciro: És o meu pastor; e ele cumprirá em tudo a minha vontade. Digo a Jerusalém: Serás reedificada! E ao templo: Serás reconstruído.” (44, 28). “Eis o que diz o Senhor a Ciro seu ungido (messias), a quem tomei pela mão direita (...)” (45, 1). Segundo este o livro bíblico, Ciro assumia um papel muito especial nos planos de Deus. Apesar de Ciro ser chamado o ungido, não se pode tirar a conclusão de que ele se tornou adorador exclusivamente do Senhor (Yahwé). Entretanto, é bem provável que o rei persa tenha tratado os judeus da mesma maneira que tratou os adoradores de Marduk. É necessário lembrar o contexto em que o cilindro de Ciro foi editado. As suas conquistas foram rápidas e o novo rei não somente foi um estratega brilhante como também conseguiu ganhar os povos conquistados para a nova ordem.

2. 3 O regresso dos judeus no reinado de Ciro Dando continuidade à narração de 2 Crónicas 36, o versículo 23, o último deste livro bíblico, apresenta o texto que Ciro mandou publicar numa forma mais curta. O livro de Esdras começa com a mesma mensagem, porém mais extensa: “No primeiro ano de reinado de Ciro, rei da Pérsia, para que se cumprisse a palavra do Senhor, pronunciada por Jeremias, o Senhor inspirou Ciro, rei da Pérsia, o qual mandou publicar em todo o seu reino, de viva voz e por escrito o seguinte decreto: “Assim fala Ciro, rei da Pérsia: O Senhor, Deus do céu, deu-me todos os reinos da terra e encarregou-me de lhe construir um templo em Jerusalém, cidade de Judá (...).” (Esdras 1, 2-4). Segundo Esdras 1, os vizinhos dos judeus exilados apoiaram os retornados com ofertas e Ciro devolveu os utensílios que Nabucodonosor tinha retirado do templo em Jerusalém (1, 7-11). No início de Esdras 6 - no decreto de Ciro encontrado por Dario -, pode-se ler que as despesas da reconstrução são pagas pela casa do rei (versículo 4). O cilindro de Ciro, que atesta a política religiosa tolerante do rei da Pérsia, está em consonância com os livros bíblicos de 2 Crónicas 26 e Esdras 1. É possível que Ciro se tenha identificado com os judeus e o seu Deus, assim como se tinha identificado com os adoradores de Marduk, na Babilónia. Parece que o soberano persa

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conseguiu ganhar a lealdade dos povos através da identificação com os seus cultos.


Os Judeus no Império Persa: Um olhar Intertextual sobre o exilio e o domínio aqueménida

É possível apontar para duas pistas que poderiam sustentar a identificação de Ciro com o judaísmo. A primeira é a religião persa e a segunda é a necessidade de a Pérsia ter súbditos leais na Palestina. Uma das poucas fontes que menciona a religião persa é a de Heródoto: “Os persas,

6 7

Heródoto, Op. cit., (131,1) p.147.

Edwin Masao Yamauchi, Op. cit., p. 129.

quanto sei, observavam as seguintes práticas: não têm por hábito erguer aos deuses estátuas, templos ou altares, (...). Esta atitude deve-se, suponho eu, ao facto de não atribuírem aos deuses (...) uma natureza próxima da humana.”

Alguns autores modernos indicam pontos de 6

identificação entre a crença monoteísta de Zaratustra (Zoroastro em grego) e a fé judaica, todavia é impossível chegar a uma conclusão porque as fontes antigas não mencionam Zaratustra e somente mais tarde o Zoroastrismo se tornou religião influente naquela região. A segunda pista é a necessidade de a Pérsia ter súbditos fiéis na Judeia. A Palestina encontrava-se nas portas do Egito e Ciro precisava dum povo leal na fronteira com a potência do Sul. É provável que a política de liberdade religiosa e cultural de Ciro tenha tido como influência este motivo político.

2. 4 A interrupção das obras em Jerusalém Os primeiros três capítulos de Esdras relatam o regresso dos judeus do exílio, e o começo da reconstrução do templo em Jerusalém, sob a liderança de Zorobabel (Esdras 3, 2 e 8). Foi grande a alegria no lançamento dos fundamentos do templo (Esdras 3, 11). No entanto, a reconstrução do templo foi frustrada pela oposição (Esdras 4:4-5), devido a uma carta do rei Artaxerxes. “A restauração do templo de Deus em Jerusalém foi interrompida até ao segundo ano do reinado de Dario, rei da Pérsia” (Esdras 4, 23 e 24). É de notar que os nomes dos reis persas que aparecem no capítulo 4 de Esdras não correspondem à cronologia dos soberanos conhecidos pela história secular. O versículo 6 menciona o ‘reinado de Assuero’ e o versículo 7 cita ‘Artaxerxes, rei da Pérsia’. O sucessor de Ciro II foi Cambises II, porém o nome Cambises não aparece na Bíblia. A história secular relata que Cambises conquistou o Egito e é bem provável que o novo rei não tenha tido interesse num bom relacionamento com os judeus em Jerusalém, porque já não via a necessidade estratégica da Palestina. No fim do reinado deste rei, os acontecimentos foram bastante turbulentos. Enquanto Cambises esteve a conquistar a África, uma revolta do medo (mago) Gaumata na Pérsia fez voltar Cambises, todavia este veio a falecer em circunstâncias obscuras. Depois de muitas lutas, Dario I, parente de Cambises, assumiu o poder.

2. 5 Dario I prossegue a política da tolerância religiosa e cultural O nome Dario vem do grego Dareios, que é utilizado na tradução grega da Bíblia hebraica, a Septuaginta; em hebraico é Daraywesh e em pérsio antigo Darayavaush.7 Segundo o relato do livro de Esdras, foi Dario que mudou a situação do judaísmo na Palestina: “A restauração do templo de Deus em Jerusalém foi interrompida até ao segundo ano do reinado de Dario, rei da Pérsia.” (Esdras 4, 24). Nesta altura, os profetas Ageu e Zacarias levantaram a voz e criticaram a reconstrução parada do templo (Esdras 5, 1; Ageu 1 e Zacarias 4, 9-10). Os judeus em Jerusalém tinham passado algumas dificuldades. Ageu menciona a procura do próprio conforto e a seca (Ageu 1, 4 e 6). É provável que vindos do bem-estar da Babilónia, os judeus tenham tido alguma dificuldade em se adaptar às condições mais inóspitas da Palestina.

35


Os Judeus no Império Persa: Um olhar Intertextual sobre o exilio e o domínio aqueménida

Também é possível que as ‘teologias’ entre os judeus não fossem unânimes acerca da

Fig. 5: Persépolis capital da Pérsia, fundada por Dario I (521-485 a. C.) e destruída por Alexandre o Grande (332 a. C. ).

necessidade de reconstrução do templo em Jerusalém. No entanto, as exortações de Ageu e Zacarias deram frutos e as obras no santuário foram retomadas, sob liderança de

Zorobabel

e

Josué

(Esdras

5,2).

Contudo, pouco tempo depois, o novo esforço de reconstrução foi interrompido pelo governador da satrapia ‘da outra margem do rio (Eufrates)’ (Esdras 5, 3). Um relatório foi enviado ao rei Dario I que incluiu uma carta dos anciãos da Judeia (Esdras 5, 7-17). Perante estes acontecimentos mencionados no livro de Esdras, é necessário ter em consideração o contexto histórico do império persa, pois naquela altura Dario enfrentou dificuldades no Egito. Parece que em Jerusalém aconteceram mais mudanças políticas do que é revelado numa leitura superficial do relato bíblico. É possível que Dario I tenha interpretado como perigosas as profecias messiânicas de Zacarias acerca do governador de linhagem davídica Zorobabel (4, 14) e do sumo-sacerdote Josué (6, 11-13) e, como consequência, Zorobabel desapareceu, assim como Ageu e Zacarias, resultado trágico para a esperança de sucessão real davídica, pois o soberano persa controlava bem as suas províncias. Os relatos bíblicos não são explícitos, no entanto o contexto indica que Dario I retirou a autonomia política aos judeus, afastando Zorobabel do lugar de governador. Porém, seguindo a política persa iniciada por Ciro II, Dario I ofereceu a autonomia religiosa ao povo de Judá, permitindo a continuação da reconstrução do templo, com a condição da lealdade do povo judaico. No decreto dele é de notar que o rei exigiu no culto uma oração de intercessão por ele e pelos seus filhos (Esdras 6, 10) e os judeus responderam com uma forte lealdade para com o governo persa. Neste contexto, convém observar que a partir da interrogação do governador da satrapia ‘da outra margem do rio’, os anciãos judeus assumiram a liderança na reconstrução do templo (Esdras 5, 5 e 9; 67 e 14). Finalmente, no sétimo ano do reinado de Dario I - depois de vinte e três anos -, a reconstrução do templo foi concluída e a inauguração foi celebrada. O Salmo 126 reflete bem a alegria do povo: “Quando o Senhor mudou o destino de Sião, parecia-nos viver um sonho. A nossa boca encheu-se de sorrisos e a nossa língua de canções.” (versículos 1 e 2a).

2. 6 A organização administrativa de Dario I Com Dario I, o reino mundial da Pérsia recebeu uma organização administrativa eficiente. A constituição político-administrativa estava baseada na herança da Assíria e Babilónia, no entanto foram realizadas reformas no estado; não obstante, os muitos povos conservavam a suas tradições linguísticas, culturais e religiosas. A Palestina também foi incluída nesta estrutura

36

política e social.


Os Judeus no Império Persa: Um olhar Intertextual sobre o exilio e o domínio aqueménida

O autor do Atlas Bíblico regista que:

8

A Palestina no período persa (559-332 a. C.) estava incluída na satrapia chamada ‘Além do Rio’ (Esdras 4, 10; 8:36; Neemias 2, 79). Em hebraico a expressão era ‘eber nahara e em aramaico ‘abar nahara, um termo derivado da prática administrativa assíria (ebir-nari) (...). A subdivisão de medinha (província) é descrita no terceiro capítulo de Neemias que refere os chefes de pelekh (‘distrito’, ‘parte’, Neemias 3,1415). O pelekh divide-se ainda em semidistritos (Neemias 3, 9). Segundo tal classificação, Judá estava organizada pelo menos em cinco distritos.9

9

tornou-se

acontecimentos bíblicos.

o

narrados

palco

dos

nos

livros

“O Período Persa”, in Atlas Bíblico - Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Lisboa, Edições Zairol, 1996, pp. 134-137, p. 136.

10

Mário Curtis Giordani, História da Antiguidade Oriental, Petrópolis, Vozes, 1963, pp. 284-285.

A medinha yehud, ou seja a província de Judá,

Juan Francisco Rodriguez Neila, “Os Medos e os Persas”, in Grande História Universal, vol. IV - Os Grandes Impérios Orientais, Coordenação deste volume Maria Helena Trindade Lopes, Alfragide, Ediclube, 2006, pp. 126-141, p. 133.

11

Figura 6 - Satrapias do império persa no tempo de Dario I.8

A lealdade do judaísmo para com Dario I e o interesse dos persas nos assuntos religiosos dos

Rüdiger Lourenz, Faranak Djalali, “Médio Oriente II - Persépolis”; in Património Universal da Humanidade, Lisboa, Filmes Unimundos, 1999, [filme em formato DVD].

povos subjugados, suscita atenção para com a postura religiosa do próprio imperador. Os persas cultuavam uma divindade suprema Ahura-Mazdá, ou Ormuzd. (...) e segundo a inscrição de Behistum, Ahura-Mazdá é inimigo do mal, da violência, da mentira.10 Na crença em AhuraMazdá não se trata de um monoteísmo exclusivo, idêntico ao judaísmo, não obstante esta religião revelar uma alta exigência ética. É de notar a rejeição da mentira. Dario I deve ter reconhecido alguns pontos de identificação com o Senhor que os israelitas adoravam. No relato bíblico de Esdras, Dario I é apresentado como o rei justo, que termina a obra iniciada por Ciro - a reconstrução do templo em Jerusalém. Neste contexto é revelador observar outras fontes acerca de Dario I. Escavações recentes realizadas em Persépolis mostram que: “Dario era um rei justo, que graças ao espírito de tolerância e de uma administração eficiente, conseguiu manter unido um império composto por 28 etnias. (...) Devemos o conhecimento dos temas sociais durante a sua soberania ao seu legado artístico e às inscrições do seu túmulo: “Não quero sentir as injustiças que se cometem aos fracos. Gosto do que é correcto e não sinto nada pelos mentirosos. Súbdito! Não penses que aquilo que o forte faz está sempre correcto, valorizo os esforços do fraco.”11 Na capital dos persas, Persépolis, foram encontradas muitas tábuas de argila. Os textos nelas inscritos revelam que os trabalhadores, oriundos de diferentes povos, eram livres e pagos e entre eles houve mulheres com altos cargos. Dario I era um rei reto para com os súbditos leais, todavia duro para com os revoltosos no seu império. Um dos conflitos mais lembrados na história das civilizações clássicas são as guerras pérsicas dos gregos. Dario I puniu duramente a rebelião dos iónios na Ásia menor. Atenas tinha apoiado os iónios e, em 490 a. C., a Pérsia tentou castigar Atenas e invadiu a Ática, porém os persas perderam a batalha em Maratona contra os helenos.

37


Os Judeus no Império Persa: Um olhar Intertextual sobre o exilio e o domínio aqueménida

12

Edwin Masao Yamauchi, Op. cit., p. 187

13

Mário Curtis Giordani, Op. cit., p.277.

3. O IMPÉRIO PERSA DE XERXES ATÉ AO FIM Dario I faleceu quatro anos depois da derrota na Grécia; sucedeu-lhe o filho Xerxes.

14

3. 1 O reinado do rei Xerxes

15

Xerxes é a tradução grega do antigo nome persa Khsayarsan e em hebraico é ‘ahasweros, o

Vide Apêndice 1 - Os Persas vistos pelos Gregos. Edwin Masao Yamauchi, Op. cit., p. 241.

Assuero.12 O ambiente político do império da Pérsia foi difícil no início do reinado de Xerxes. O Egito e também a Babilónia tinham-se revoltado; todavia o rei persa subjugou severamente 13

estas rebeliões. O próprio Xerxes liderou as tentativas de conquistar a Grécia. No início teve sucesso e até incendiou a Acrópole de Atenas, mas depois as derrotas dos persas foram grandes em Salamina, Plateias e Micale. Estas batalhas ocuparam o interesse dos escritores gregos 14 durante muito tempo. Na primeira parte do seu reinado, Xerxes não esteve interessado nos

judeus em Jerusalém. O livro de Esdras menciona o reinado de Assuero (4, 6) no contexto da acusação que fez interromper a construção do templo. Porém, conforme relata o livro de Ester, capítulo 10, o rei Assuero mudou positivamente a sua atitude para com os judeus. A Xerxes sucedeu Artaxerxes.

Fig. 7: Maquete do palácio de Susa, cenário do livro de Ester. Este modelo encontra-se na École Biblique et Archéologique Française de Jerusalém e conforme o arqueólogo desta instituição, as descobertas arqueológicas confirmaram a descrições do palácio que se encontram no livro de Ester.”

3. 2 Esdras e Neemias no reinado de Artaxerxes I Artaxerxes é a forma grega do pérsio antigo Artazsaça. Este monarca reinou durante quatro décadas e teve de enfrentar uma revolta grave no Egito. Os persas sempre foram atraídos pela riqueza do ocidente e o soberano aqueménida não quis aceitar a perda do país do Nilo, por isso era imprescindível poder contar com uma província fiel no ‘corredor’ sírio-palestino. O relato bíblico em Esdras 6 termina com a dedicação do templo e a celebração da Páscoa. Estes acontecimentos aconteceram em 515 a. C.. O capítulo 7 recomeça: “Após estes acontecimentos, no reinado de Artaxerxes, rei da Pérsia, chegou Esdras (...).” (Esdras 7:1). Esdras foi para Jerusalém no ano 458 a. C., tinham então passado 57 anos desde a inauguração do templo. O texto em Esdras 7, 11-12 e 14 narra: Esta é a cópia da carta que o rei Artaxerxes enviou a Esdras, sacerdote e escriba, versado no conhecimento do texto da Lei do Senhor e das suas prescrições, a respeito de Israel: ‘Artaxerxes, rei dos reis, a Esdras, sacerdote e escriba, versado na Lei do Deus do céu, saúde! Ordenei que deixassem partir contigo todos os do povo de Israel (...) porque foste enviado pelo rei e os seus sete conselheiros para fazer uma inspecção em Judá e em Jerusalém e ver como está a ser observada a Lei do teu Deus, que tens nas tuas mãos.’

38


Os Judeus no Império Persa: Um olhar Intertextual sobre o exilio e o domínio aqueménida

A missão oficial que o rei persa deu a Esdras foi a de ensinar a lei, ou seja, a Tora. É de notar que a “Lei do Senhor” era simultaneamente a legislação persa para a província de Judá. Segundo Sasse, não existiu uma lei persa para todo o império, mas era prática legislativa dos persas aplicar as leis locais e regionais dos povos subjugados. A administração aqueménida continuou a 16

mostrar uma grande competência de ajustamento às culturas e religiões dos povos subjugados.

Esdras voltou com os outros retornados e iniciou a sua reforma religiosa e civil, reorganização que foi aprovada e apoiada pelo governador da satrapia “da outra margem do rio” (Esdras 8, 36). A atuação de Esdras, baseada na lei, era rigorosa, porque estava em jogo a identidade religiosa e ética do povo judeu. Provavelmente, depois da missão de Esdras e antes de Neemias

16

Markus Sasse, “Unter persischer Herrschaft”, in Geschichte Israels in der Zeit des Zweiten Tempels, Koblenz, Neukirchen, 2004, pp. 34-71, p.63.

17

“O Período Persa”, in Atlas Bíblico, Op. cit., p. 134.

18

Mário Curtis Giordani, Op. cit., p. 277.

se ter tornado governador de Jerusalém, o profeta Malaquias levantou a sua voz e criticou duramente a falta da integridade dos sacerdotes (Malaquias 1, 6), a infidelidade nos casamentos (2, 14) e condenou a injustiça perante os fracos (3, 5). A situação do povo em Jerusalém não estava muito famosa e, em 445 a. C., Neemias, copeiro de Artaxerxes, obteve a autorização e o apoio real para a sua viagem a Jerusalém e para a reconstrução dos muros da cidade (Neemias 2, 1). Conseguiu mobilizar o povo judeu para a tarefa e realizou a obra em pouco tempo, apesar da oposição dos adversários (Neemias 3 a 6). Neemias tornou-se governador da região de Judá (5, 14), resolveu injustiças sociais entre os ricos e pobres, conseguindo a abolição das dívidas e o apoio para os desfavorecidos. Ele próprio renunciou aos direitos materiais de governador. Jerusalém foi repovoada e Neemias conseguiu que os levitas e sacerdotes se tornassem elementos importantes na reforma ética e religiosa. Depois da catástrofe do exílio, os judeus afirmaram de novo a sua identidade. Mesmo sem identidade política própria, encontraram “sobretudo uma nova consciência da necessidade de preservar o povo hebreu e a sua forma de viver contra as influências externas.”

17

3. 3 Os últimos reis dos aqueménidas Após a morte de Artaxerxes I, a sucessão dos reis aqueménidas não foi fácil - o império persa tinha vivido os seus melhores dias. As crises internas, as revoltas e os conflitos externos aumentaram. Na análise de Giordani as causas principais da queda do domínio persa foram “o enfraquecimento do poder central, as reacções nacionais e a decomposição geral.”18 A visão universal e as altas exigências morais de Ciro II e Dario I já não sustentaram o reino mundial dos aqueménidas, porém, apesar da fraqueza interior, a maior ameaça veio da Europa. No entanto, não é objetivo destas páginas prosseguir o percurso da história. Pode afirmar-se que contudo a cultura ocidental teve e ainda tem dificuldades em valorizar o contributo persa para o percurso civilizacional. Porém, os autores bíblicos dão-nos outra perspetiva. A visão universal dos aqueménidas, a sua tolerância para com os assuntos culturais e religiosos dos diferentes povos, são notáveis e surpreendentemente atuais no mundo em vias de globalização do século XXI. Portanto, é também necessário lembrar a forte componente moral dos dois aqueménidas mais notáveis: Ciro II e Dario I. Conjuntamente, é de salientar que a Pérsia, com a sua visão mundial de tolerância, juntamente com as exigências éticas, contribuiu de forma significativa para a nova identidade do judaísmo.

39


Os Judeus no Império Persa: Um olhar Intertextual sobre o exilio e o domínio aqueménida

19

Menciona-se neste lugar A inscrição egípcia de Udahorresne, que oferece uma visão mais positiva acerca de Cambises, do que a de Heródoto, os textos da comunidade judaica de Elefantina do Egito, e os papiros encontrados na Palestina do Vadi ed-Daliye, da comunidade samaritana.

EXCURSO 1 - Os persas vistos pelos gregos Os contatos entre os judeus e os gregos não foram muitos durante o império persa. No entanto, a visão que se estabeleceu entre os helenos acerca dos aqueménidas tornou-se a perceção ocidental da Pérsia e determinou a redacção da história. Razão para fazer um breve excurso. O conflito com a Pérsia marcou profundamente os helenos. Uma testemunha de duas batalhas foi Ésquilo, autor de várias tragédias. Figura 8: O rei Dário I num relevo em Persépolis.

Este autor demonstra com a sua primeira peça de teatro “Os Persas”, um esforço em tentar compreender o inimigo. O cenário é persa e todas as personagens são persas. Uma das cenas marcantes é quando o mensageiro aqueménida conta à rainha, mãe de Xerxes, o terror da derrota da batalha de Salamina. O oposto estereotípico entre a cultura grega - com menos recursos, mas livre - e a persa - mais poderosa, mas despótica - é enfatizado. Na peça de Ésquilo, o próprio rei persa reconhece o seu erro. A segunda parte da peça é dedicada à diferença entre Dario, o rei bom, e o déspota Xerxes. Todavia, este ponto de vista não correspondeu à perceção persa da realidade porque Xerxes seguiu as pisadas do seu pai. Outro autor grego importante é Heródoto. Ele nasceu na Ásia Menor em 484 a. C., então dominada pela Pérsia. Este autor viajou pelo médio Oriente e escreveu as “Histórias das Guerras Pérsicas”. O conflito entre os helénicos e os aqueménidas mereceu grande interesse por parte deste historiador clássico. Ciro e Dario são admirados por ele, Cambises não é nada elogiado, pelo contrário e a apresentação de Xerxes é diferenciada. No entanto, nestes autores nota-se claramente a perspetiva dualista, os gregos são civilizados e os persas são bárbaros, visão que determinou o olhar sobre o império persa até aos dias de hoje. Xenofonte (ca. 430-354 a. C.) foi aluno de Sócrates e serviu como mercenário a Ciro II. “Anábase” (A Retirada dos Dez Mil) relata a experiência de Xenofonte como comandante. Outra obra, relacionada com a Pérsia, é a “Ciropédia”, uma história idealizada de Ciro I. Xenofonte, sendo heleno, eleva Ciro I. ao nível dum herói; o soberano ideal não é grego, mas sim um persa. Entretanto, a opinião negativa dos gregos acerca dos persas era cada vez mais fundamentada. Menciona-se aqui apenas a comédia de Aristófanes “Os Acarnenses”, peça que mostra vivamente os preconceitos gregos acerca dos persas. Aristóteles, tutor de Alexandre o Grande, utilizou a oposição para com a Pérsia como argumento na sua “Retórica”. Não se pretende com este trabalho avaliar e comparar aprofundadamente as civilizações grega e persa, porém uma abordagem intertextual apresenta uma luz mais diferenciada acerca dessas duas culturas opositoras do mundo antigo. Também era importante analisar outras fontes que dão testemunho acerca dos persas, sobretudo fontes encontradas no 19

Egito e na Palestina, no entanto também esta tarefa fica fora do âmbito destas páginas.

40


Os Judeus no Império Persa: Um olhar Intertextual sobre o exilio e o domínio aqueménida

EXCURSO 2 - Cronologia da história e cultura judaica, persa e grega : a. C. judaica persa grega 20 21 538

522 520

515 494 490

- Ciro I (539-530): Conquista da Babilónia, Decreto de Ciro I - Cambises (530-522) - Conquista do Egipto - Dario I (522-486) - Revoltas contra Dario na Babilónia

- Zorobabel e outros voltam a Jerusalém (Esdras 1) - Ageu fala (Ageu 1) - Recomeço da reconstrução do templo (Agéu 1, 15) - Zacarias fala (Zacarias 1) - Inauguração do Templo

- Xerxes I [Assuero] (486465/4) [Eventos do livro de Ester?]

483481 480

- Xerxes I chefia expedição contra a Grécia

479 472 469? 460 458 450 449 445433 424 404

- Artaxerxes I (465-425) - Revoltas no Egipto contra a ocupação persa

- Esdras vai a Jerusalém (Esdras 7) - Malaquias

- Os persas conquistam a Lídia e ocupam a Iónia - Ésquilo (525-456)

20 21

Markus Sasse, Op. cit., p. 34.

José Ribeiro Ferreira, “Cronologia da história e cultura grega”, in Civilizações Clássicas I - Grécia, Lisboa, Universidade Aberta, 1996, pp. 361-381, pp. 365-380.

- Os iónios são vencidos pelos persas - Os persas são vencidos em Maratona -Os gregos preparam-se contra os Persas - Saque da Ática pelos persas - Batalha naval de Salamina e vitória decisiva dos gregos sobre os persas - Vitória grega sobre os persas em Plateias - São representados os Persas de Ésquilo - Vitória grega sobre frota persa e fim da ameaça persa no Mar Egeu - Acordo de paz entre Atenas e Pérsia

- Neemias em Jerusalém: reconstrução e reformas

- Dario II (424-404) - Artaxerxes II (404-359) O Egito revolta-se contra a Pérsia - Paz entre Pérsia e Grécia - Artaxerxex III (359-330) - Arses (338-336) - Dario III (336-331) - Vitórias gregas e fim do Império Persa

387 333331

- Xenofonte apoia Círo II o jovem (Anabase) - Aristóteles educa Alexandre (343- ...) - Filipe II rei da Macedónia (359-336) - Alexandre rei (336-323)

Bibliografia Fontes A Bíblia para todos, Lisboa, Sociedade Bíblica, 2011. Bíblia Sagrada, Lisboa [et. al.], Difusora Bíblica, 2000.

“O Período Persa”, in Atlas Bíblico - Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Lisboa, Edições Zairol, 1996, pp. 134-137.

Heródoto, Histórias - Livro 1º, tradução do grego de José Ribeiro Ferreira e Maria de Fátima Silva, Lisboa, Edições 70, 1994.

Sasse, Markus, “Unter persischer Herrschaft”, in Geschichte Israels in der Zeit des Zweiten Tempels, Koblenz, Neukirchen, 2004, pp. 34-71.

“Textos do Oriente Antigo”, in Atlas Bíblico - Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Lisboa, Edições Zairol, 1996, pp. 308-343.

Yamauchi, Edwin Masao, Persia and the Bible, Grand Rapids, Baker Books, 1996.

Obras Ferreira, José Ribeiro, “Cronologia da história e cultura grega”, in Civilizações Clássicas I - Grécia, Lisboa, Universidade Aberta, 1996, pp. 361-381. Giordani, Mário História da Antiguidade Oriental, 1963.

Petrópolis,

Curtis, Vozes,

Filme em formato DVD Lorenz, Rüdiger e Djalali, Faranak, “Médio Oriente II Persépolis”; in Património Universal da Humanidade, Lisboa, Filmes Unimundos, 1999.

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Comentário Crítico ao Filme: Der Medicus (2013)

Comentário Crítico ao Filme: Der Medicus (2013), de Philipe Stölzl Francisco Isaac

1

Mestre em História Medival pela FLUL; Investigador do IPAEHI; Investigador não-doutorado do CITCEM-UP;

1

O filme Der Medicus/O Médico estreado em Portugal em Agosto de 2014 (na Alemanha saiu em Dezembro de 2013) conta a vida de um jovem barbeiro que deseja conhecer melhor a arte de curar, estimulado pela ideia de aprender essa nova “arte” junto de Ibn Sina, médico na corte do Xá de Isfahan na Pérsia. Com participações de Ben Kingsley (Vencedor de um Oscar pelo desempenho como Gandhi no filme com o mesmo título), Stellan Skarsgard e Tom Payne. O filme, inspirado em larga medida no livro The Physician/O Médico, retrata com muita exactidão certos pormenores da vida e quotidiano medieval, assim como de alguns acontecimentos históricos do século XI. Em certos pontos abandona quase por completo o desenvolvimento de certos processos e momentos da época em que se encaixa, como a queda de Isfahan, o Avicenna Histórico e o Avicenna do filme, o retrato da Inglaterra medieval, entre outros. Com um encaixe de cerca de oitenta milhões de dólares, tirando da equação os Estados Unidos da América e a Grã-Bertanha – locais onde o filme nunca chegou a ser estreado -, Der Medicus/O Médico conquistou, na sua maioria, o público alemão, espanhol e português. A diversidade de cenários, o enredo e a trama bem delineados desde o início e a participação de Ben Kinglsey são alguns dos elementos que tornam o filme apetecível e interessante. À falta de filmes que exprimam ou capturem bem a Idade medieval europeia – a japonesa está muito bem retratada em diversos filmes nipónicos realizados a partir de meados do século XX – Der Medicus/O Médico apresenta certos aspectos a considerar: o retrato da população de baixo estrato social logo no início do filme; o ofício de um barbeiro medieval; a dificuldade em atravessar a Europa até atingir a Pérsia; a convivência das diferentes religiões e povos debaixo do mesmo “tecto”; a horda Seljúcida e os perigos dos extremismos que marcaram o século XIXII; o ofício de Médico e o seu desenvolvimento durante essa época e o impacto e as causas da Peste (febre bubónica) numa cidade medieval. O filme demorou dois anos a ser concluído, tendo custado 30 milhões de dólares aos estúdios UFA Cinema, que logo nos primeiros dez dias após a estreia teve mais de um milhão de espectadores. Como já referimos anteriormente o filme teve na Europa a sua maior taxa de espectadores, partilhando o mesmo fenómeno que o livro que o inspirou – este não teve sucesso nos Estados Unidos da América, em contrapartida, na Europa, rapidamente se transformou num Best-Seller.

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Comentário Crítico ao Filme: Der Medicus (2013)

Fig 1: Rob Cole (Tom Payne) no bairro Judeu em Londres;

A trama tem início em Inglaterra do século XI, num pequeno aldeamento nos arredores de Londres. Rob Cole (Tom Payne) descobre algo que vai mudar para sempre o seu destino, levando-o mesmo a uma viagem longa, árdua e extremamente perigosa até ao Próximo Oriente. Mas até que esse momento chegue, Rob terá que travar uma luta pela sua sobrevivência. Entre a sua infância e até ao momento da sua partida para a Pérsia, Rob Cole acompanhará um barbeiro (Stellan Skarsgard), que tomará o seu lugar como “professor” e pai. Este será o primeiro dado em ter em conta neste filme, o ofício de barbeiro em início do século XI, pois este vai muito para lá do corte de cabelo ou de barba: é um curador ambulante, tendo curas e receitas para diversas maleitas que assolavam a população (desde a comum dor de dentes à amputação de certas partes do corpo para evitar gangrena); era também um tipo de jogral cativando e entusiasmando o seu público. O filme expõe claramente a aventura de ser um barbeiro, na qual existem também perigos e consequências pelo seu papel de healer de maleitas. Rob Cole, num dado momento, fica a conhecer a comunidade judaica e a sua sabedoria na arte de “curar”. Com a sua curiosidade, disparou as questões comuns de “como?”, “onde?”, ficando a conhecer o nome de Ibn Sina e da cidade de Isfahan na longínqua Pérsia. Com o objectivo traçado de aprender a arte de curar, Rob Cole parte em viagem. Começa nas colinas de Dover, saindo em busca do Egipto, onde fará escala para mais tarde atingir Isfahan. Compreendemos que os realizadores não desejassem alongar em demasiado a trama, tirando a possibilidade ao espectador de observar a Europa em plena Idade Média. De Inglaterra podemos retirar alguns dados interessantes: o vestuário; os banhos; alguns ofícios como o de pedreiro, carpinteiro ou o trabalho agrícola. A única crítica negativa nesta secção que mencionamos é o facto de a Igreja assumir um papel extremista com o barbeiro, acusando-o de ser feiticeiro e praticar bruxaria, exultando ao público para que se afaste e condene esta prática, ou na hora da

44

morte de um ente querido de Rob Cole, a forma como o clérigo se impõe decretando a morte e a impossibilidade de cura para esse mesmo parente próximo de Rob.


Porque Razão foi Domiciano Assasinado? Uma Perspectiva Histórica

Na viagem entre o Egipto e a Pérsia é marcante algo tão próprio e característico do deserto que o espectador deixa por vezes passar em claro: a rota caravaneira. Talvez, indo no espírito da Rota da Seda, o autor do livro, Noah Gordon, decidiu que Rob Cole deveria acompanhar uma caravana na sua viagem para Isfahan. No filme, neste cenário desértico que tanto é belo como mortal, podemos observar as relações entre diferentes credos que são sempre vincadas por uma tolerância. Para além disso, ficamos a perceber quais os riscos de percorrer grandes distâncias nestes territórios de ninguém: desde as hordas de Seljúcidas, uma tribo nómada das estepes do Turquistão; à escassez de provisões, principalmente de água; e os perigos da natureza, com as tempestades de areia e a transição entre um assolador calor diurno a uma gélida noite. O filme não falha nessa dinâmica, tão bem empregue e aplicada, que deixa a ideia das dificuldades inerentes ao percurso e comunicação entre espaços geográficos diferentes. Este tipo de memória histórica é muito bem captada pelo filme. É em Isfahan que toda a trama vai ter lugar: a entrada para a “escola” ou madrasa de Ibn Sina; as dificuldades em combinar os seus desejos e curiosidades pessoais com a ética moral e social; a “guerra” entre o Xá e os mullahs da cidade; e o desejo de conquista dos Seljúcidas. Entre o filme e o livro, vão-se desenvolver diferenças tanto nos pormenores como na trama, mas que não retiram impacto e credibilidade a nenhum dos dois. Numa tentativa de não revelar a trama e o argumento todo, vamos observar alguns aspectos entre a história real e a história do filme. O primeiro e mais importante é a questão de Ibn Sina, professor e hakim (tradução do árabe para Homem sábio ou médico) de Rob Cole. Este Ibn Sina é inspirado em larga medida em Avicenna, um homem que desenvolveu diversos estudos na área da astronomia, astrologia, geografia, teologia e, claro, na medicina. Avicenna viveu entre o século X-XI, tendo inclusive vivido em Isfahan entre 1024 e 1037, data da sua morte. No filme, Isfahan é conquistada pelos Seljúcidas, precipitando o fim da madrasa de Ibn Sina e o fim deste também. Ora, Isfahan só veio a ser conquistada pelos Seljúcidas em 1050, tendo-se tornado capital daquela horda (que virá a ser uma das principais dinastias do Médio Oriente durante o século XI-XII). Existe uma discrepância entre ambos os momentos, mas entende-se que é criado para dar outra dinâmica ao filme. Talvez o objectivo do argumentista foi de evidenciar o mal dos extremismos para as coexistências entre sociedades, pois é observável durante o filme que é possível diferentes religiões viverem em paz, ainda por mais, para Ibn Sina todos merecem ser curados sempre que possível, independentemente da sua religião ou credo. Apesar de terem decorrido acções de destruição entre e sob as diferentes religiões, também existiram momentos de paz e de cooperação cultural, social e política entre os diferentes “mundos”. A mensagem nesse sentido é bem indexada ao filme, culminando com outra questão interessante de observar: a dicotomia entre o dever de um Hakim e a curiosidade humana. Rob Cole, no seu processo de aprendizagem, vai querer descobrir, cada vez mais, os segredos por detrás do corpo humano, levando-o a cometer um crime que é transversal a todos os credos (na altura), a necromancia quando tenta realizar uma autópsia.

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Comentário Crítico ao Filme: Der Medicus (2013)

Motivado pela mesma questão que o levou a ir atrás do barbeiro, Rob cede à sua curiosidade e vai para além do que Ibn Sina não conseguiu ir. Aqui, o realizador e o argumentista do filme trazem outra mensagem subliminar que ainda está muito presente nos dias de hoje: o problema da dinâmica entre a ciência e religião. O desenvolvimento científico em relação ao corpo humano encontrou alguns entraves tanto no Cristianismo,

Islamismo

ou

Judaísmo.

A

profanação do corpo humano, “obra” de Deus, era observado como um dos maiores crimes que alguém poderia cometer. Leonardo da Vinci no século XV teve problemas nesse campo, mas conseguiu obter sempre ajuda dos seus patronos para realizar as suas sessões de anatomia e

Fig 3: Rob Cole (Tom Payne) a ser levado para julgamento

dissecação de corpos. Esta “arte” foi regular durante a medievalidade europeia e no mundo árabe, mas levou a grandes discussões teológicas assim como a fanatismos por parte de alguns clérigos ou devotos. Rob Cole assume esse risco quando realiza essa prática, indo contra a ira do grupo extremista que vivia em Isfahan, neste caso representado pelos mullahs da cidade. O filme em si tem um desenvolvimento final interessante e que até ao último momento deixa a assistência em dúvida sobre o que vai e o que pode acontecer tanto ao destino de Rob Cole como de Isfahan, porém não devemos revelar mais nenhum dos seus “mistérios”. É um filme bem conseguido, com um grande dinamismo, prendendo o espectador quer pelos seus cenários, representações ou trama. O argumento e enredo estão bem construídos, não sendo vagos ou fracos, conseguindo entusiasmar quem vê e quem vive este filme. A actuação de Ben Kingsley ou de Stellan Skarsgard são tónicos fortes dando outra expressividade e forma a todo o processo cinematográfico. Isto, não descurando o jovem e menos conhecido Tom Payne que, no seu primeiro grande papel, interpreta com grande personalidade Rob Cole. É um filme com qualidade e interesse, deixando bem vincada a importância do Cinema como veículo de uma memória história que, não perdida, é por vezes esquecida e colocada de lado. Convido o leitor a sentir e viver primeiro o filme e só depois ler a obra de Noah Gordon, dando a indicação de que ambas podem partilhar o mesmo cordão umbilical mas os seus destinos, embora sejam similares, nunca serão iguais. Der Medicus/O Médico é um excelente momento cinematográfico, que proveio da Alemanha, dando o mote de como fazer um bom filme acerca da medievalidade europeia ou do Médio Oriente. Relembrar que a Idade Média não é uma época de trevas e retrocesso, mas uma época igual a todas as outras com os seus brilhantismos e decadências – é o problema da tradução directa e adaptação à nossa realidade Medieval, da questão do Dark Ages, algo que só pode ser

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atribuído à Inglaterra de inícios da sua medievalidade, devido à falta de documentação existente sobre essa época.


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Video-jogos e História: Darksiders e o Imaginário Biblíco

Video-Jogos e História:

e o Imaginário Biblíco Francisco Isaac

“But what follows War but Ruin!” – “Book of the Horsemen”, Darksiders Darksiders, videojogo lançado em Janeiro de 2010, trouxe uma novidade para o mundo dos videojogos: o Mundo Bíblico com todas as suas ideias e concepções. Concebido pela Vigil Games e distribuído pela Nordic Games, o videojogo obteve excelentes críticas abrindo caminho para uma venda total de 1 milhão de cópias. Se nas questões de técnicas – estilo de combate dinâmico e agradável, ou as vozes dadas às personagens encaixarem-se na perfeição -, estéticas – os cenários diversificados ou a concepção artística das múltiplas personagens – e do plot o jogo atinge quase a perfeição, as questões do Imaginário Bíblico não ficam atrás, quer seja pela sua criatividade ou pela sua interpretação desse mesmo extenso imaginário que a Bíblia e outros textos (como o Talmude, a Cabala, entre outros) contém.

Fig. 1: Guerra o protagonista de Darksiders

O videojogo em si trata do Apocalipse antecipado, por motivos desconhecidos, e a chegada de um dos Cavaleiros do Apocalipse, Guerra, ao planeta Terra para participar na Guerra entre o Céu e o Inferno. Porém, algo não está correcto já que nenhum dos outros Cavaleiros surge, indicando que Guerra foi ludibriado a participar e, consequentemente, a iniciar todo o processo apocalíptico que levará numa primeira instância à morte de quase toda a população humana. Derrotado, humilhado e rechaçado, Guerra é levado a julgamento pelos seus crimes perante umas forças primordiais, que devem manter o Equilíbrio de toda a criação, composta por anjos, demónios e, claro, o Homem. Céu e o Inferno, que no início entraram numa guerra sem fim, a dada altura celebraram uma trégua, que por coincidência, levou ao aparecimento dos primeiros humanos. A Guerra Final entre ambos os lados só deveria iniciar quando o Homem tivesse capacidade para participar e sobreviver à destruição que provirá desse conflito. No Final da Guerra seria restabelecido o Equilíbrio entre os três diferentes reinos e renovando o pacto estabelecido à muitos ions atrás. Guerra terá agora que provar a sua inocência, algo que só será possível quando encontrar e expuser os verdadeiros culpados da conspiração que consumou o planeta. Este agora povoado por diferentes seres: monstros e bestas do Inferno, anjos renegados do Paraíso e por outros seres mais incríveis e complexos de que não fazíamos ideia de existirem. O jogo é complexo na sua história e enredo, com diversas reviravoltas e revelações desconcertantes. Durante este processo todo, Guerra terá de trabalhar com alguns demónios (como Vulgrim ou Samael), anjos

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(Uriel ou Azrael) e outros seres (Ulthane ou Ruína), para atingir o seu objectivo principal, provar a sua inocência.


Video-jogos e História: Darksiders e o Imaginário Biblíco

Fig. 2: A cidade em ruínas

O videojogo é passado em diversos cenários, sendo Nova Iorque, destruída e em ruínas, o local onde tudo acontece. Vemos paisagens onde a natureza aplicou o seu domínio, preenchendo com as suas vagens e raízes todos os antigos edifícios. Locais envoltos em fogo, lava e cinza culminados com um manto negro e até desertos extensos que surgiram por via das cinzas dos mortos. Guerra fará jus ao seu nome, aniquilando tudo o que se colocar no seu caminho. Neste jogo encontraremos diversos aspectos que merecem a nossa atenção, que nomeamos desde já: o nome de alguns anjos e demónios; a função e objectivos dos diferentes seres no videojogo comparando com a sua missão na própria Bíblia e a simbologia por detrás de alguns objectos e números no videojogo e na Bíblia. Personagens do videojogo que os seus nomes coincidem com a Bíblia e outros textos religiosos são diversas e de mais diferente raça. No que concerne ao Reino dos Anjos: Abaddon, Azrael e Uriel. O primeiro, no videojogo, é o líder as hostes da Cidade Branca, ou seja, o Paraíso ou a Jerusalém Celeste. Acaba por ser o grande antagonista do jogo, pois foi ele que iniciou a Guerra entre os três reinos, tomando o lugar do The Destroyer/O Destruidor, ser esse que se pode transformar num dragão, estando agora ao serviço das forças do Inferno. No Novo Testamento, Abaddon é referenciado como o “anjo do poço sem fundo” (Revelações 9:11). Abaddon é uma entidade fora do comum, poderoso e com uma missão, de presidir e guardar aquele poço sem fundo. É referenciado também como o Destruidor (do grego Apollyon). Enquanto na Bíblia não temos uma clara ideia se Abaddon é um ser do bem ou do mal, os textos gnósticos apresentamno como um ser que tem como missão inicial o recolher da argila para moldar Adão (ver o Evangelho de Bartolomeu ou Discurso de Abbaton, este de Timóteo I de Alexandria). Voltando à Bíblia, Abaddon é o anjo e rei de uns seres que teriam o corpo de gafanhotos mas com um formato monstruoso, misturando diferentes tipos de animais nesses gafanhotos. Darksiders aproveitou essa dualidade e vazio em termos do Bem e Mal para transformar Abaddon no maior dos campeões do Paraíso mas também o maior inimigo de toda a criação.

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Video-jogos e História: Darksiders e o Imaginário Biblíco

Fig. 3: Azrael e Abbadon

Azrael, no videojogo, é também um anjo importante, já que ele é o Anjo da Morte. Em Darksiders, Azrael, sem ter noção do erro que estava

a

cometer,

acaba

por

participar no partir de todos os sete último

selos,

exceptuando-se

que

concerne

o aos

Cavaleiros do Apocalipse, levando ao inicio da Guerra Final. Apesar do mal que causou, Azrael admite a culpa e auxilia Guerra a levar a cabo a sua missão. No que diz respeito ao Azrael Bíblico, não o encontramos, pois esta figura não é aceite nem pelo Catolicismo e nem pelo Protestantismo. Porém, para a Igreja Ortodoxa, Azrael tem um papel importante. Em 2 Esdras, Azrael é um escriba e juiz que recebeu uma lista de Leis Divinas, no qual teria de fazer impor (Apocrypha: 2 Esdras Cap. IV) ao seu povo. Também nesses textos apócrifos 2 Esdras, Azrael subiu aos céus mas sem consumar a morte, subindo para a morada celeste ainda vivo. A questão da associação à personagem Azrael como o Anjo da Morte pelos criadores do videojogo poderá provir do Islão. Contudo, em nenhum momento do Corão o Anjo da Morte é apelidado de Azrael. Essa confusão é explicada pelo facto de alguns escritores islâmicos terem ido buscar à figura judaica Azriel (que significa o Ajudante de Deus) o nome para anexar ao Anjo da Morte. Por último, Uriel, a anjo que no jogo tenta a todo o custo levantar a honra do Reino dos Anjos, assumindo, erradamente, que o grande responsável da queda de Abaddon foi Guerra. Uriel surge em diferentes textos, o mais proeminente no 2 Esdras, onde assume com Rafael, Miguel e Gabriel a posição de Arcanjo. Também surge no Livro de Enoch, como um dos arcanjos ao serviço de Deus. O nome de Uriel, significa a “Luz de Deus”, e no Livro de Enoch (10:1-4) será o mesmo anjo a revelar a Noé que o Mundo estará prestes a ser engolido pelos mares e oceanos. A Uriel do videojogo, parece ter pouco a ver com a do Imaginário Biblico-judaico, porém, é ela que trará a Luz de Deus, e manterá a Honra do Reino dos Céus intacta. Todos estes anjos são concebidos da mesma forma: cabelos brancos, perfeitos e belos, com armaduras de um tom dourado. A concepção artística destes seres angelicais vai de acordo com as ideias préconcebidas pelos diferentes artistas desde o fim da Antiguidade até aos dias de hoje, dando destaque à Idade Moderna. Em oposição, os demónios, são representados como seres monstruosos, disformes e grotescos que vivem da destruição e do massacre. Neste videojogo temos alguns demónios, mas a sua maioria são ideias originais dos criadores de Darksiders (caso do The Griever ou Silitha). Contudo, existem alguns que foram inspirados no Imaginário Bíblico e outros textos religiosos. O demónio a que damos maior destaque, é Samael, anteriormente braço-direito do Principe das

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Mentiras foi rechaçado para uma prisão, de forma a não intervir na missão de Abaddon.


Video-jogos e História: Darksiders e o Imaginário Biblíco

Fig. 4: Samael e Guerra

Samael acaba por estabelecer um acordo com Guerra, que em troca de dos corações dos Quatro Escolhidos, irá encontrar forma de o anti-herói atingir o seu objectivo. Samael é referido principalmente nas fontes judaicas, como o Talmude (I, 110) ou na Cabala (trad. Arthur Waite p. 274). É o quinto dos arcanjos, e é “Severidade de Deus”, ou o Anjo da Guarda de Esau, filho de Isaac. Por outro lado, na Ascensão de Isaías (Cap. I, II, IV, VII, XI), Samael é o falso profeta que inveja e acusa falsamente Isaías, que também era chamado de Malkira (O Rei dos Malditos) ou Belkira. Por fim, na Ascensão de Moisés (As Lendas dos Judeus, cap. VII) Samael é o Anjo da Morte, que recolhe a alma de todo o Homem, descrito como um ser angelical muito diferente dos seus irmãos, gigante e com uma certa arrogância. Se observarmos no videojogo, Samael, é um ser que apesar da sua forma monstruosa com tez encarnada e preta, tem umas asas ao contrário, como se tivesse sido um anjo que renegou e caiu em desgraça. Como Gabriel, Miguel, Rafael ou Uriel, também tem o sufixo El, que remete para a Palavra Deus em hebraico. Em Darksiders é talvez a personagem com mais interesse e envolto em maior mistério, leva a grandes desenvolvimentos no enredo da história do videojogo. Em pouco, o Samael do videojogo liga-se ao Samael do imaginário bíblico-judaico, porém tem uma importância interessante como arcanjo de Deus. Vimos algumas personagens e o seu papel na história do videojogo e o seu papel nos textos judaico-cristãos, e devemos passar agora para a análise de alguns símbolos e números do videojogo em comparação com os textos bíblicos, e não só. O número três (3) que é importante para o Cristianismo, pois representa a Divina Trindade, aparece em alguns momentos: os três reinos da criação (Paraíso, Homem e Inferno) ou as três forças que mantém o equilíbrio da Criação.

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Video-jogos e História: Darksiders e o Imaginário Biblíco

A própria figura de Guerra é interessante já que é um ser nem humano, nem demoníaco ou angelical. É um dos Cavaleiros do Apocalipse, os que farão o julgamento e a execução de todos os que forem “malditos”, repondo o equilíbrio para uma renovação do pacto entre todas as forças. Na Bíblia, os quatro Cavaleiros do Apocalipse, têm o papel de iniciar a destruição e a guerra no planeta. Cada quebrar dos selos, significa a entrada de um novo cavaleiro. O quebrar do segundo selo significa a entrada de Guerra, que “a este cavaleiro foi dado o poder de tirar a paz da Terra e para levar a que todos os homens se matem entre si. A ele foi lhe dado uma grande espada.” (Apocalipse 6:3-4). No videojogo, Guerra, quando chega à terra assiste a uma destruição, que em parte foi perpetuada pelo próprio pois a sua presença leva a um intensificar da luta entre hostes adversárias. É o cavaleiro do cavalo vermelho, a que no videojogo é chamado de Ruína, envolto em chamas, seguindo a mesma linha de pensamento. Por fim, os sete selos referenciados na Bíblia são também usados em Darksiders, pois só quando estes forem quebrados é que o Apocalipse poderá acontecer. No videojogo, o quebrar dos selos para um fim que não o que estava destinado, leva a acontecimentos terríveis que condenam toda a humanidade ao sofrimento e à sua morte. O videojogo, não seguindo totalmente os textos cristãos e judaicos, inspira-se largamente em diversas questões e ideias dadas pelos mesmos, tendo dado aos apaixonados em videojogos um novo mundo e realidade a explorar, entusiasmando a investigar as suas raízes e origens. Podíamos alongar-nos a cerca de outros pormenores e questões, como a participação de um monstro chamado Tiamat, inspirado na deusa primordial da Mitologia Suméria, Acádia e Assíria, mas vamos deixar as restantes questões para uma próxima vez quando falarmos de Darksiders 2. Darksiders é um jogo fascinante e estimulante, potenciando algumas imagens e ideias do cristianismo e judaísmo numa realidade diferente, a dos videojogos.

É em 1957, ainda com todas as consequências dos eventos militares bem presentes na geração de então (não era preciso ser muito velho para ter «vivido» duas guerra mundiais!), que o jovem Stanley Kubrick, em fase de afirmação, aceita o convite de Kirk Douglas feito através da sua companhia de produção Bryna, para dirigir e escrever Paths of Glory, baseando-se no romance homónimo de Humphrey Cobb (de 1937).

Fig. 5: Fome, Peste, Morte e Guerra, os Quatro Cavaleiros do Apocalispse

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30 ANOS DA SUA FUNDAÇÃO (1985-2015) O Instituto Luso-Árabe para a Cooperação celebra 30 anos da sua Fundação. Constitui como objectivos principais do estudo, a divulgação e a prossecução de todas as acções tendentes ao desenvolvimento da cooperação de natureza cultural, económica, social e técnica, entre Portugal e os Países Árabes, sem quaisquer interferências político-religiosas e com total respeito pelas opções de cada um dos Povos, na intenção de salientar tudo aquilo que os une e de incrementar os laços antigos que desde há muito Portugal com eles estabeleceu. No âmbito das Comemorações do 30º aniversário do Instituto Luso-Árabe para a Cooperação, o Instituto tem a honra de vos convidar para assistir ao Colóquio “O Mundo Árabe e Islâmico na Actualidade: Visão no feminino” que se realiza no próximo dia 27 de Janeiro, pelas 17 horas, no Auditório da Reitoria da Universidade Nova de Lisboa, no Campus de Campolide. Contamos com a vossa presença num ano de Grande importância para o Instituto Luso-Árabe para a Cooperação, celebrando com a História, Geografia, Diplomacia, Literatura e Cultura.


As Grandes Datas Fevereiro a Março de 2015 Fundação da Universidade de Coimbra

Regicídio

1 de Março de 1290 – 725 anos.

1 de Fevereiro de 1908 – 107 anos

D. Dinis assina, em Leiria, o documento Scientiae thesaurus mirabilis, que cria a Universidade de Coimbra.

O rei Carlos I de Portugal e o seu filho mais velho Luís Filipe são assassinados no Terreiro do Paço em Lisboa.

Estreia de Rigolleto 9 de Março de 1851 – 164 anos Estreia, em Veneza, da ópera Rigoletto, uma das obras mais afamadas do compositor italiano Giuseppe Verdi.

Conquista de Santarém

Dobragem do Cabo da Boa Esperança 3 de Fevereiro de 1488 – 527 anos Bartolomeu Dias desembarca em Mossel Bay, apôs se tornar o primeiro europeu a dobrar o Cabo da Boa Esperança. Delenda est Carthago 5 de Fevereiro de 146 a.C. – 2161 anos Final da Terceira Guerra Púnica, culminando com a destruição de Cartago

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Domingo como dia de descanso 7 de Março de 321 – 1694 anos

15 de Março de 1147 – 868 anos. D. Afonso Henriques conquista Santarém aos Mouros.

O imperador Constantino decreta que o dies Solis (domingo) passa a ser o dia de descanso no Império Ascensão ao trono de Afonso VII 8 de Março de 1126 — 889 anos Afonso VII de Leão e Castela é proclamado rei.

Leonardo da Vinci 15 de Abril de 1519 – 496 anos. Nascimento do polímata Leonardo da Vinci, na cidade italiana de Anchiano, uma das mentes mais geniais da história do mundo.


Roteiro Histórico: Avis - A Imponência de outrora / As potencialidades de Agora

Roteiro Histórico: Avis A imponência de outrora /As potencialidades de agora Semião Pólvora Fig. 1: Inscrição com data da Fundação da Vila e da Ordem

Vindo pelas estradas de Estremoz ou de Alter do Chão, podemos desfrutar de uma visão de uma rara beleza. As ruínas do Convento de Avis, pela sua dimensão e altivez, acrescentam uma imponência que surpreende o visitante. A vila de Avis desenvolveu-se, como outros concelhos após a reconquista cristã, de acordo com o modelo medieval cristão. Ainda hoje podemos observar algumas provas desse modelo. Assim, lá temos as portas da muralha, ou melhor o que resta delas, já que deram origem a ruas que se abrem para fora da vila medieval, sendo a mais característica a rua da Porta do Postigo (evidentemente virada a nascente). As outras portas deram origem a ruas que se abrem para o exterior da vila muralhada, mas todas elas são de fácil identificação. Destaca-se o arco da “barreira do Convento”, que correspondia à porta virada para Évora e que era a que dava mais fácil acesso ao Rossio, onde até há meio século ainda existiam as ruínas da igreja de S. Sebastião. Para além desta construção religiosa poucos são os vestígios fora do perímetro muralhado da vila medieval. Destacam-se hoje as três torres que resistiram ao tempo e às vicissitudes, do lado nascente ainda são visíveis alguns lanços de muralha do século XII/XIII. Junto de uma das torres na chamada Porta de S. Roque lá está a inscrição numa lápide onde se pode ler que Avis foi fundada em princípios do século XIII (1214) por Fernão Anes que foi mestre da ordem de Avis até 1219, tendo o primeiro foral desta vila sido concedido por D. Afonso II. Das seis torres iniciais restam três, que mesmo assim conferem a esta localidade uma certa imponência e que nos dão uma noção da importância que Avis possuiu ao longo dos séculos, bem patente na Ordem de Avis ligada à regra de S. Bento. Ainda existem vestígios da permanência dos Cavaleiros da Ordem de Avis, com destaque para a chamada Rua das Lages, que mais não era do que um largo corredor que dava acesso às celas dos cavaleiros monges. Vale a pena percorrer estes espaços e imaginar as cerimónias que se terão realizado no “Largo do Convento”, um vasto terreiro situado em frente de igreja do Convento e com acesso às instalações dos referidos Cavaleiros da Ordem de Avis.

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Roteiro Histórico: Avis - A Imponência de outrora / As potencialidades de Agora

Outros vestígios que atestam a origem medieval desta vila ainda ali estão à vista do visitante. Destacamos a Rua da Mouraria, encostada à muralha exterior, assim como a Rua dos Mercadores. Tanto mouros como mercadores (a maior parte judeus) não tinham os mesmos direitos que os cristãos residentes, daí a sua localização fora do perímetro amuralhado, não fosse o Diabo tecê-las. A Rua dos Mercadores faz parte de um conjunto de três ruas que ainda hoje é designada pelos avisenses como “os arrabaldes”, isto é, qualquer coisa que se situa fora de portas, na periferia, que não faz integralmente parte, que está mais ou menos à margem. A igreja matriz e a igreja do Convento são os dois mais importantes edifícios religiosos existentes

e

destacam-se

pela

sua

grandiosidade. Merecem também destaque as ruínas do Convento, construção filipina que não foi concluída já que a dinastia espanhola terminou abruptamente dando origem a uma guerra, a qual teve também profundas

repercussões

no

tecido

arquitectónico da maior parte das povoações alentejanas. Avis não fugiu a essa regra e D. João IV mandou derrubar três das seis torres para refazer a defesa da vila. Lá estão os vestígios dessa remodelação na parte da muralha virada a oeste e que parecia ser a

Fig. 2: Igreja do Convento

mais vulnerável.

Também nesta vila podemos observar vestígios da acção pombalina contra os Távoras no que resta de um brasão de armas, praticamente picado na totalidade, já que o Marquês tudo fez para varrer da face da Terra qualquer vestígio dos seus inimigos políticos. Merece destaque também o pelourinho, em mármore, encimado por uma águia, colocado junto da igreja matriz. Fora do perímetro da vila, mas ainda dentro da cerca do Convento, existe uma gruta, chamada “Lapa de S. Bento”, a qual, segundo Leite de Vasconcelos, terá origem pré-histórica. A dita gruta todos os anos fica submersa pelas águas da albufeira do Maranhão, só podendo ser visitada nos meses de Verão e Outonos pouco chuvosos, antes da águas iniciarem a sua anual subida. Mas olhando para a actualidade aí está a Avis de agora. Emoldurada pelas águas da albufeira do Maranhão, - agora mais limpas e aprazíveis, fruto da existência das Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) construídas nos últimos trinta anos e que libertaram os nossos rios e albufeiras das perigosas e degradantes descargas poluidoras que tanto mal faziam – tem um ar convidativo e transmite-nos a vontade de desfrutar deste espelho líquido.

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Roteiro Histórico: Avis - A Imponência de outrora / As potencialidades de Agora

Os desportos náuticos são ali uma realidade e muitos são os visitantes que se deslocam a esta albufeira com esse fim, nomeadamente praticantes de alta competição estrangeiros que aqui encontram óptimas condições nos meses de Inverno e não só, com destaque para a prática do remo. Também a pesca desportiva tem vindo a desenvolver-se devido à existência de variadas espécies de peixes de água doce. O turismo é, portanto, uma das principais actividades económicas que aqui se tem vindo a desenvolver. Devemos referir que estas actividades do sector terciário podem crescer muito mais, assim os avisenses tenham engenho e arte.

Bibliografia Melo, Olímpio de; Ordens Militares Portuguesas e outras

condecorações,

Imprensa

Nacional,

Lisboa, 1922; Leite

de

Vasconcelos;

Diccionário

de

Chorografia de Portugal, Porto, 1884

Fig. 3: Rua das Lajes

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O projeto A Sua Casa, A Sua Energia pretende ser uma iniciativa de referência nacional na promoção da eficiência energética no setor residencial. Desenvolvido ao abrigo do PPEC – Plano de Promoção da Eficiência no Consumo da Energia Elétrica, uma iniciativa promovida pela ERSE – Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, pretende contribuir de forma decisiva para a redução do consumo elétrico no sector doméstico. Disponibilizando informação especifica sobre medidas de melhoria na sua habitação e alterações comportamentais que o ajudam a poupar energia sem abdicar do seu conforto, este projeto é o apoio que precisa para mudar. Clique aqui para saber mais.

Contatos Instituto Superior Técnico Tagus Park Av. Prof. Dr. Aníbal Cavaco Silva 2744-016 Porto Salvo casaenergiapt@gmail.com


REVISTA DA ASSOCIAÇÃO PARA ESTUDOS HISTÓRICOS INTERDISCIPLINARES Revista nº7 Outubro-Dezembro

Revista nº6 Julho-Setembro

Revista nº4 Setembro-Dezembro

D. João da Silva 2.º Marquês de Gouveia O labor da sua embaixada a Madrid Ibn Fadlan e os vikings do Volga

Ibn Fadlan e os Vikings do Volga

Palavras Animadas Animais em Pedras Rúnicas

O Cão no Sagrado Medieval, Representações e Ilustrações

Algumas Situações Temidas pelos Antigos Egípcios

A Manía de Héracles A Loucura que a todos atinge

Outras Conversas com Byung-goo Kang

Outras Conversas com José das Candeias Sales

Marvão de Supresa em Supresa

Ilhas Afortunadas - Espólio do Naturalista Francisco Furtado

Problemas de Interpretação da

A Mitologia Comparada a Índia e as novas iniciativas do IPAEHI

Instituto PAEHI - Prometheus Associação para Estudos Históricos Interdisciplinares Convidamos todos os interessados a participar com artigos para a Revista Férula; Para mais informações: conselho.cientifico@instituto-prometheus.org/inst.prometheus@gmail.com

Revista nº2 Dezembro

Revista nº5 Abril- Junho

REVISTA DA ASSOCIAÇÃO PARA ESTUDOS HISTÓRICOS INTERDISCIPLINARES

Revista nº3 Março 2013

O Institutionum Disciplinae: uma proposta de análise comparada

Controvérsias sobre a Causa do Prior do Crato

Matrix,

a Herança Clássica num êxito cinematográfico

Outras Conversas com Ana Leal de Faria

Os Aventureiros no Mar Tenebroso

O Itinerário de João dela Câmara

Lisboa

da cidade-fronteira à cidade-capital 1147- 1383

A Núbia do Neolítico à XXV Dinastia

Roteiro Histórico do Egipto Breve Resenha Histórica do Fundamentalismo, Fanatismo e Radicalismo

Outras Conversas com Pedro Estácio

Um Breve Olhar sobre Lisboa Antiga

A CIDADE MEDIEVAL ISLÂMICA

As Ralações da História Uma visita... Museu São João de Deus História e Psiquiatria

Outras Conversas... com Paulo Fontes



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