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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Há quase quinhentos anos, em 1564, nascia o físico, matemático, astrônomo e filósofo italiano Galileu Galilei, considerado o pai da ciência moderna. Ao longo de sua vida, ele descobriu, entre outras coisas, que a superfície lunar é acidentada e montanhosa (1609) e que Júpiter tem quatro luas (1610). Com isso acabou provando definitivamente a tese de Copérnico de que a Terra não é o centro do nosso sistema solar e sim o Sol. Ocorre que essas afirmações contrariaram a Igreja Católica Romana, que insistia em afirmar que a Terra era o centro do Universo. No ano de 1633, a Santa Inquisição condenou Galileu a viver numa espécie de prisão domiciliar. Criada no século XIII, a Santa Inquisição era uma espécie de tribunal religioso que condenava todos aqueles que eram contra os seus dogmas ou que eram considerados uma ameaça às suas doutrinas. Galileu passou o resto de sua vida preso em uma vila perto de Florença, mas nunca deixou de investigar os céus. Morreu em 1642 e, somente 350 anos após sua morte, em 31 de outubro de 1992, o papa João Paulo II reconheceu publicamente os enganos cometidos pela Igreja. Antes tarde do que nunca!

Mas o que Galileu Galilei tem a ver com a história de Romeu e Julieta de William Shakespeare?

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Curiosamente, Galileu Galilei e William Shakespeare nasceram no mesmo ano: 1564. Ambos viveram na Europa e ambos citaram e, de certa forma, se ocuparam da Natureza e, especialmente, da Lua. Nas peças de Shakespeare, ela sempre aparece. Em uma de suas falas, Julieta até cita as suas fases. Será que Shakespeare, que vivia na Inglaterra, não muito distante da Itália de Galileu, cerca de 1.300 quilômetros, ouviu falar das descobertas de Galileu? Difícil saber. É de se pensar que, se soubesse, teria mencionado a incrível descoberta em alguma de suas peças. Por aí dá para se ter uma ideia de como o mundo daquela época era diferente. As notícias demoravam muito a chegar a quem quer que se interessasse. A comunicação se dava por cartas transportadas por pessoas a pé, a cavalo ou por embarcações. É também curioso a peça de Shakespeare se passar na Itália, na cidade de Verona. A cidade possui um bairro medieval situado às margens do rio Ádige. Ali ainda é possível visitar uma construção residencial do século XIV conhecida como a “Casa de Julieta”.

Esses dois inesquecíveis gênios da humanidade nasceram no mesmo ano, mas William Shakespeare morreu muito antes que Galileu, no ano de 1616.

Faz muito tempo que William Shakespeare escreveu a peça A tragédia de Romeu e Julieta, possivelmente no início de sua carreira literária, entre os anos de 1591 e 1597. A primeira versão impressa surgiu em 1623. Mas não foi Shakespeare quem inventou a história. Seu enredo é baseado num conto chamado “A trágica história de Romeu e

Julieta”, escrito em verso por Arthur Brooke em 1562 e, anos depois, em prosa por um tal de William Painter. E muito antes, na Idade Antiga, já circulavam histórias parecidas de amores impossíveis, como a de Tisbe e Píramo. Este conto da mitologia romana é também uma história de famílias que se odeiam e de amantes que, para poderem viver o amor e fugirem da repressão, tentam simular a morte e acabam morrendo tragicamente. Mas se Shakespeare não a inventou, certamente foi ele quem imortalizou essa história.

Julieta e Romeu viveram a história de amor proibido mais conhecida de todos os tempos da literatura ocidental. Já se sabe logo no início que o caso amoroso não acaba nada bem. Ao contrário, acaba em tragédia. A palavra tragédia exprime um acontecimento que, na maioria das vezes, acaba em morte e desperta compaixão, piedade ou horror. Significa também catástrofe, desgraça e infortúnio. O conceito vem do teatro grego, de tragos, que em grego significa “bode”, e óide, que significa “ode”, canção. Naquele tempo havia um ritual dedicado a Dionísio, o deus grego da natureza, da fecundidade, da alegria e do teatro que na mitologia romana é conhecido como Baco. Nesse ritual, cantava-se e, ao final do canto, um bode era sacrificado. Combinando os nomes, do bode e do canto em grego, resulta o termo tragoide, ou seja, tragédia.

Na tragédia de Julieta e Romeu, tem muita gente envolvida. Além dos dois protagonistas, há membros das duas famílias, ambas ricas e poderosas, os Montecchio e os Capuleto, um príncipe, súditos, empregados e cidadãos.

As famílias são inimigas e há tempos vivem em clima de guerra.

Julieta é uma menina que está prestes a fazer catorze anos. Ela é a única filha do casal Capuleto. No início, parece ser frágil, mimada, destinada a obedecer a todas as vontades dos pais, especialmente às do pai, que, aparentemente, só pensa nela como possibilidade de aumentar sua fortuna casando-a com alguém de posses. Desde que nasceu, Julieta foi cuidada e educada pela Ama, que também a amamentou. A Ama é sua melhor e talvez única amiga e confidente. Julieta vive dentro dos muros da propriedade da família e não sabe nada do que acontece no mundo lá fora. Sai de casa muito raramente. Na verdade, só permitem que ela saia se for para se confessar, para rezar ou pedir conselhos ao Frei, e isso se estiver acompanhada pela Ama. Do jeito que foi criada, tudo leva a crer que Julieta obedecerá ao pai para sempre. Ela mesma acredita nisso. Até conhecer Romeu. Depois que Julieta conhece Romeu, filho do maior inimigo de sua família, ela se mostra uma personagem corajosa, disposta a romper com as velhas regras da sociedade, especialmente com aquela a que as mulheres estavam destinadas: a obediência cega, sem nenhum questionamento. Mas, ao longo da história, desvenda-se uma moça que luta por sua liberdade, que não aceita seu papel de objeto da sociedade e que quer romper com os velhos padrões de comportamento. E o que move Julieta a romper com todas essas barreiras internas e externas? O amor.

É ele, o amor, que faz com que Julieta siga os seus intintos e lute por seus próprios interesses.

Da parte dos Capuleto, além do pai e da mãe de Julieta, da Ama e de seu criado, Pedro, há um tio bastante idoso, que não tem nome e só aparece uma vez na história. Depois, Tebaldo, um primo temperamental, intempestivo, inoportuno e imprevisível que tem um papel importante na peça porque provoca o exílio de Romeu. Há ainda Sansão e Gregório, criados da família, que entram na primeira cena e provocam uma rixa com os rivais.

Romeu é da família Montecchio. É apenas alguns meses mais velho que Julieta e sua família é tão rica e poderosa quanto a dela. Mas, diferentemente de Julieta, Romeu não vive preso dentro de casa, bordando o enxoval e se preparando para o casamento arranjado. Ao contrário, por ser do sexo masculino, pode circular livremente pelas ruas com seus amigos e primos e está sempre se metendo em confusões e em disputas. É bastante sonhador e romântico e, antes de conhecer Julieta, acha que se apaixonou perdidamente por uma menina chamada Rosalina. Da parte dos Montecchio, há ainda o pai de Romeu, um senhor rico e poderoso, a mãe, uma senhora extravagante, Benvolio, primo e amigo de Romeu, e Baltasar e Abraão, criados da família Montecchio.

Além dos integrantes de ambas as famílias, temos Escalus, o príncipe de Verona, que é muito poderoso. Na peça, é uma espécie de mediador entre as famílias inimigas.

Seu poder está acima do bem e do mal. Aliás, naquele tempo, acreditava-se que os príncipes eram escolhidos por Deus. Sua autoridade, portanto, era absoluta e quem ousasse desobedecer poderia ser preso ou morto. No tempo em que Shakespeare escreveu a peça, por volta do ano de 1597, o mundo, em sua maior parte e especialmente a Europa, era governado por monarquias em que reis, rainhas, príncipes mandavam e o povo obedecia, sem discussão.

Além do príncipe, há um jovem fidalgo, parente do príncipe, chamado Páris, que pretende se casar com Julieta. Ele é o tal do pretendente rico que tem total aprovação e simpatia do pai da garota.

Um dos personagens mais importantes é Mercúcio. Ele é parente do príncipe e amigo de Romeu. Mercúcio não vê nenhuma vantagem em ser capturado pelo amor, até porque para ele, o amor sendo cego, jamais consegue acertar o alvo. Mercúcio só quer viver os prazeres da vida e deixar-se levar. Parece até que sente certo ciúme de Romeu. Se Romeu lhe desse ouvidos, a tragédia seria evitada. Irritado com as brigas, antes de morrer, Mercúcio amaldiçoa as famílias rivais. E a maldição acaba se concretizando.

Outro personagem muito importante é o Frei Lourenço. Ele e Mercúcio é que fazem a roda da história girar. Com uma postura racional, o Frei analisa os problemas que se apresentam utilizando-se da razão e não da emoção para buscar soluções que, apesar de parecerem inusitadas, poderiam levar a um final feliz.

Mais um assunto digno de observação é que, assim como nos dias de hoje, nos quais a mobilidade e o convívio social estão sendo prejudicados pela pandemia de Covid-19, na época de Romeu e Julieta as pessoas também estavam proibidas de circularem livremente de uma cidade a outra em razão da peste bubônica. Também conhecida como a Grande Peste, atingiu seu pico entre os anos de 1343 e 1351. Foi a pandemia mais devastadora registrada na história humana, chegando a matar milhões de pessoas. Não fosse por ela, talvez a mensagem do Frei Lourenço, que havia incumbido seu amigo, o Frei João, de levá-la até Mântua, onde estava Romeu, tivesse chegado e evitado o trágico final da história.

Na peça aparecem ainda um boticário muito pobre, dono de um estabelecimento em que se preparam ou se vendem medicamentos. Além dele, há um oficial, músicos e jovens serviçais, guardas e cidadãos de Verona.

Afora todos esses personagens, há o coro, que é formado por um grupo de pessoas que se expressa de maneira coletiva. Sua função no teatro é sempre muito importante. O coro pode cantar e dançar e, embora se mantenha à parte da ação, interage com os atores e chama os espectadores à reflexão. Em Romeu e Julieta, ele aparece em duas passagens. Na primeira, abre a tragédia e anuncia a desventura e o terrível desfecho do drama amoroso em que somos envolvidos. Mais adiante, o coro se manifesta quando Julieta descobre o nome do jovem que a beijou na festa e nos faz lembrar do final e do amor impossível.

Assim, o coro é responsável pela abertura da peça: o prólogo. O prólogo é a primeira coisa que acontece em cena. Geralmente apresenta um resumo, explicação ou comentário do que vai acontecer. Depois do prólogo, existem os atos que, por sua vez, são divididos em cenas. No teatro, podemos pensar em ato como um momento em que as cortinas se fecham para a mudança de cenário. A tragédia de Romeu e Julieta tem cinco atos.

Agora vamos à peça.

Desejo a todos uma boa viagem.

Christine Röhrig

A tragédia de Romeu e Julieta

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