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cena 3
De manhã bem cedinho, Frei Lourenço entra na Igreja de São Pedro carregando um cesto cheio de ervas que acabou de colher no jardim. É possível ouvir seus pensamentos: – Riscando a noite de luz, a madrugada ri com olhos embaçados para a noite escura. A escuridão manchada recua como que embriagada diante da marcha do dia e das rodas do Titã. Preciso encher o cesto de ervas malignas e de flores antes que o sol avance, com o olhar de fogo, para saudar o dia. A Terra é a mãe e o túmulo da natureza. O sepulcro é também o ventre que lhe dá a origem. E de seu ventre também nascem filhos de todas as espécies que mamam em seu peito. Cada um com sua virtude, são diferentes entre si. Como é grande o poder que há nas ervas, nas plantas, nas pedras. Não existe nada que seja tão mau a ponto de não gerar algum benefício, assim como não há nada de tão bom que, desviado de seu fim legítimo, não acabe fazendo mal à própria essência e ao nascimento. A própria virtude se transforma em vício quando mal aplicada e, às vezes, o vício enobrece. Debaixo da película dessa florzinha tem um veneno e uma virtude medicinal. Se aspirada, agrada o corpo com seu perfume; se bebida, mata e paralisa os sentidos e o coração. Dentro de nós, como nas ervas, também moram duas potências inimigas: o bem e o mal. Quando o mal domina, o verme da morte logo devora a planta.
Romeu surge, apressado. – Bom dia, padre. – Benção! Quem está falando comigo a essa hora? Oh, rapaz, alguma coisa deve estar preocupando-o muito para arrancar você tão cedo da cama. Algo me diz que alguma coisa grave fez você levantar tão cedo ou então que nem se deitou. – Sim, acertou... – Ah! Que Deus o perdoe! Você estava com a Rosalina? – Rosalina, padre? Que pergunta! Já esqueci esse nome e a dor que causava. – Que bom, filho. Então, onde estava? – Vou contar logo de uma vez. Fui à festa do nosso inimigo, onde fui ferido por quem também feri. A nossa cura depende da ajuda da sua medicina, padre, porque, como vê, o meu pedido estende-se à minha inimiga também. – Seja mais claro, meu filho. Confissões enigmáticas resultam em absolvições duvidosas. – Padre, que o amor do meu coração foi se fixar logo na bela filha do Capuleto. E o dela no meu. Já está tudo combinado, só falta agora o senhor nos dizer a hora e o lugar do nosso casamento. Depois eu conto em mais detalhes, sem mudar nada, onde nos vimos, como nos falamos e como resolvemos casar. Só que agora o meu desejo é que o senhor nos case hoje mesmo. – Por São Francisco! Que mudança é essa? Rosalina era tão adorada e já caiu assim tão depressa no esquecimento? Para os jovens o coração não diz nada, quem manda
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são os olhos. Ai! Jesus, Maria! Quantas lágrimas não derramou, inundando o seu rosto só por causa do amor de Rosalina? Quanta água jogada fora por um amor que não sente agora! O sol ainda não dissipou o nevoeiro dos seus suspiros. Ainda ouço as suas queixas nos meus ouvidos. Se ainda for quem é, todas essas lágrimas foram derramadas por Rosalina. Mudou tanto assim? Lembre-se do ditado: as mulheres caem quando os homens são fracos. – Mas o senhor era contra o meu amor por Rosalina. – Não contra o amor, contra o exagero. – Disse para enterrá-lo. – Sim, mas não numa cova, para depois trocar por paixão mais nova. – Não me censure, padre, minha amada me ama como eu a amo, e isso não acontecia com Rosalina. – Me conta o que está acontecendo. Tenho boa razão para pensar que essa união poderá transformar em amor o rancor que existe entre as duas famílias. – Por favor! Rápido. Estou com muita pressa – diz Romeu, aflito. – Calma! Quem muito corre, muito tropeça.