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cena 1
Agora voltamos à praça pública e chegam Mercúcio, Benvolio, acompanhados por um grupo de jovens. Mas Benvolio logo sente cheiro de confusão e diz para irem embora dali: – Eu te peço, Mercúcio: vamos embora. Está quente demais, os Capuleto estão na cidade. A gente pode topar com eles, e aí é encrenca na certa. Em dias quentes como hoje, o sangue ferve mais rápido.
Mas Mercúcio não se abala. – Você parece aqueles sujeitos que põem a espada no balcão quando entram no bar dizendo “Tomara que eu não precise dela”, e aí, depois do segundo copo, sem motivo algum, são capazes de ameaçar o balconista. – Será mesmo que sou desse tipo? – Vai – provoca Mercúcio –, você é dos mais esquentados de toda a Itália. Tem o pavio curto. – Como assim? – Se existisse outro como você, não iam durar muito porque logo um mataria o outro. Você é capaz de brigar com um homem por achar que tem um fio a mais ou a menos de barba. Quem mais inventaria um pretexto assim? Já brigou com um sujeito na rua só porque ele tossiu e acordou o seu cachorro. E não teve aquela do alfaiate, só porque ele vestiu um casaco novo, antes da Páscoa? E aquele outro,
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você invocou com ele só por ter amarrado os sapatos novos com cordões usados? Sendo quem é, vai me ensinar a ter cuidado? – Por minha cabeça, vem vindo um Capuleto – avisa Benvolio. – Por meu calcanhar, eu não estou nem aí.
Nesse momento, chega Tebaldo, acompanhado de um grupo de jovens. Tebaldo avisa que vai falar com Mercúcio e Benvolio. – Bom dia, posso trocar uma palavra com um de vocês? – diz Tebaldo. – Só uma palavra com um de nós? Acrescenta alguma coisa, tipo, uma palavra e uma estocada – provoca Mercúcio. – Estarei sempre disposto a isso e você me dará ocasião – responde Tebaldo. – Você pode também buscar ocasião sem que lhe seja dada. – Mercúcio, você está afinado com Romeu... – Afinado? Como! Acha que somos músicos? Se pensa assim, prepara os ouvidos para ouvir só desafinos. Aqui está o arco da minha rabeca que vai fazer você dançar. Dança aí!
Preocupado, Benvolio intervém: – Estamos numa praça pública. Está cheia de gente. Vamos para um lugar mais afastado ou vamos embora. Aqui há muitos olhos em cima de nós.
– Os olhos foram feitos para ver. Que vejam. Daqui, não dou um passo – Mercúcio responde.
Nesse momento chega Romeu, e Tebaldo diz: – Fiquem em paz, porque chegou meu homem. – E se volta para Romeu: – Ah, Romeu, pelo sentimento que você desperta em mim, só posso chamá-lo de canalha. – Tebaldo, a razão que tenho agora para amar você é muito maior que a raiva por essa saudação. Não sou canalha. Tchau. Estou vendo que não me conhece – Romeu responde e tenta ir embora para evitar briga. – Isso não desculpa as ofensas que me fez. Pode voltar e se preparar para lutar – desafia Tebaldo.
Mas Romeu continua tentando evitar confusão: – Eu nunca ofendi você. Gosto mais de você do que imagina. Logo mais vai descobrir o porquê. Gosto tanto do nome Capuleto como do meu próprio nome, pode ter certeza.
Romeu tenta acalmar os ânimos de todos, mas Mercúcio não quer saber e continua provocando: – Ó calma, desonra, maldita submissão! Alla stoccata!1 Vamos decidir isso logo de uma vez... – E sacando a espada, grita: – Tebaldo, o caçador de ratos, quer correr? – Está querendo o quê? – pergunta Tebaldo. – Ó rei dos gatos. Não quero nada além de uma das suas nove vidas, que tomarei a liberdade de tirar, deixando as outras oito para tirar depois, dependendo do seu
1 Termo de duelo que indica a ação de tocar ou ferir com a ponta da espada ou do florete. (N. da E.)
comportamento. Está querendo sacar a espada pelas orelhas? Anda logo ou a minha espada vai fazer um carinho nelas.
Tebaldo entra na provocação e também saca a espada. – Pois não. – Por favor, Mercúcio, guarda a espada – pede Romeu.
Mas Mercúcio continua desafiando Tebaldo: – Anda, vamos, o seu melhor golpe!
Eles começam a lutar. Desesperado, Romeu diz: – Benvolio, vamos obrigá-los a parar. Tenham vergonha na cara, vamos deixar isso para lá! Mercúcio! Tebaldo! O príncipe proibiu as brigas nas ruas de Verona. Tebaldo! Mercúcio!
Romeu tenta conter Mercúcio e se coloca entre os dois lutadores. Mas, nesse instante, Tebaldo golpeia Mercúcio por debaixo do braço de Romeu e sai com seus amigos. – Estou ferido. Que a peste caia sobre as duas casas. Morto! E ele foi embora, sem nenhum arranhão? – grita Mercúcio. – Como! Está ferido? – Benvolio pergunta assombrado. – Um arranhão, foi só um arranhão. Mas já basta. Onde está meu empregado? Vá buscar um médico.
O empregado sai correndo em busca de socorro. – Coragem, homem! O ferimento não deve ser profundo – diz Romeu tentando acalmar Mercúcio. – Não, não é tão fundo quanto um poço, nem tão largo quanto porta de igreja. Mas é o suficiente. Amanhã você vai me encontrar bem sério. Sou apimentado demais para esse
mundo. Que a peste caia sobre as suas casas. Fui ferido de morte pelo arranhão de um cão, um rato, um camundongo, um gato. Um idiota que luta seguindo as regras da aritmética! Por que diabos você foi se meter entre nós? Fui ferido por baixo do seu braço. – Era pelo seu bem – explica Romeu. – Benvolio, me leva para alguma casa. Estou sentindo que vou desmaiar – pede Mercúcio e pragueja: – Que a peste caia sobre as duas casas! Vou virar pasto dos vermes. Já tenho a minha parte. Sobre as duas casas!
Benvolio leva Mercúcio embora.
Preocupado, Romeu lamenta: – Esse nobre homem, parente próximo do príncipe, meu mais querido amigo, foi ferido mortalmente por minha causa. A minha reputação foi manchada por Tebaldo. Tebaldo, que foi meu parente por uma hora. Ah, doce Julieta, a sua beleza fez de mim um covarde e suavizou o aço em meu peito.
Benvolio volta gritando: – Romeu, Romeu, Mercúcio está morto! Foi para o céu esse bravo espírito que há pouco desprezava tudo quanto era da terra. – A fatalidade desse dia vai se espalhar por outros dias. Esse é o começo da desgraça, outros irão terminá-la.
Tebaldo retorna à praça e logo é avistado por Benvolio. – O furioso Tebaldo está de volta.
Inconformado com a morte do amigo, Romeu desafia:
– Vivo! Em triunfo! E o bom Mercúcio morto? Vai para o céu, clemência branda! Que a fúria dos olhos de fogo seja minha guia! Agora Tebaldo, toma de volta o “canalha” que você acabou de me dar, porque a alma de Mercúcio está só um pouco acima das nossas cabeças, esperando pela sua companhia. Ou você, ou eu, ou nós dois temos de ir com ele. – Coitado de você, que era seu amigo aqui, agora vai fazer companhia a ele lá – responde Tebaldo. – Vamos ver então.
Os dois lutam e Tebaldo cai mortalmente ferido.
Vendo isso, Benvolio fala, preocupado: – Romeu, foge depressa! Tem gente vindo aí. Tebaldo está morto. Não fica aí atordoado, o príncipe vai condenar você à morte se o encontrar aqui. Foge, depressa! – Sou o bobo da fortuna, do destino – diz Romeu. – Foge! Vai, anda!
Romeu foge correndo e um grupo de gente se reúne para ver o acontecido. – Para que lado fugiu o que matou Mercúcio? Tebaldo, o assassino, onde está? – alguém pergunta.
Nesse momento, chega o príncipe acompanhado de seu séquito. O senhor Montecchio e o senhor Capuleto também aparecem, acompanhados de suas esposas. – Onde estão os que começaram essa briga? – o Príncipe quer saber.
E Benvolio responde:
– Posso explicar como começou essa fatalidade. Ali, deitado, morto pelo jovem Romeu está o homem que matou o seu parente, o bravo Mercúcio. – Tebaldo? Meu sobrinho, filho do meu irmão? Marido, o seu sangue foi derramado. Se for justo, vinga o nosso
sangue, fazendo correr o do Montecchio. Ah, sobrinho querido – lamenta a mãe de Julieta. – Quem começou? – pergunta o Príncipe.
E Benvolio continua relatando o que aconteceu: – Tebaldo aqui foi morto por Romeu. Romeu falou com ele, tentou evitar a briga, pediu para ele pensar bem, que
não tinha motivo, que o Príncipe havia proibido, tudo na melhor das intenções, com voz mansa, sem se alterar. Até chegou a ficar de joelhos, com humildade, mas não conseguiu frear a fúria de Tebaldo que, surdo aos seus apelos, apontou a espada para o peito do ousado Mercúcio. E Mercúcio desafiava corajosamente a morte com uma das mãos enquanto a outra apontava a espada para o peito de Tebaldo. Romeu gritava: “Parem, amigos! Parem!”, e se colocava entre eles e, mais rápido que sua língua, seu braço ágil desviava as pontas das espadas. Mas por baixo do braço dele, um golpe de Tebaldo atingiu em cheio a existência do valente Mercúcio. Depois disso, Tebaldo fugiu, mas logo voltou, e deu de cara com Romeu, que acabara de ver o amigo morto. Os dois se pegaram mais rápido que um raio e, sem que desse tempo de separá-los, Tebaldo caiu sem vida. Daí Romeu fugiu. Se nisso houver maldade, não quero continuar vivendo.
Mas a mãe de Julieta não quer saber e acusa: – Ele é parente dos Montecchio. Está mentindo para proteger os seus. Foram no mínimo vinte para tirar apenas uma vida. Justiça, Príncipe! Romeu matou Tebaldo. Romeu não deve viver.
– Matou quem antes matou Mercúcio.
Quem paga o preço dessa preciosa vida? – indaga o Príncipe. E o pai de Romeu responde:
– Príncipe, não Romeu. Ele era amigo de Mercúcio. O crime dele só antecipou o resultado que a lei impõe: a morte de Tebaldo, por desobedecê-la.
E depois de refletir um pouco, o Príncipe sentencia: – Por essa ofensa, Romeu será imediatamente exilado de Verona. Eu próprio sou vítima do ódio entre as famílias. O meu sangue também corre por causa dessas disputas ferozes. Mas vou aplicar uma pena tão dura para que todos se arrependam da perda que estou sofrendo hoje. Ficarei surdo a desculpas, pedidos, lágrimas e súplicas. Façam Romeu partir, a ordem é expressa! E se ele demorar, garanto que essa terá sido sua última hora. Levem o corpo. A clemência com assassinos é assassina também.