EDITORIAL Junho de 2011
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EXPEDIENTE REDAÇÃO
Editor-chefe: Tania Sandroni Arte: Waldemar Terô Sato Capa: WTS Revisão: Daniel F. Baldini Colaboradores: Professoras Tania Sandroni e Su, Thiago, Bárbara, Clayton Santos, Daniel F. Baldini, Waldemar Terô Sato, Shirley Borges, Aureo Moneiro, Nelson Augusto, Ricardo Tang, Tom B. Marco, Victor Hugo Garcia, Luiz Dias, Gino Olivato, Nelson Octávio Martins, José Alexandre Mello.
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No início, a cidade já era formada pelas mansões dos barões do café, na av. Paulista.
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a década de 1930, a cidade presenciou uma realização urbanística notável, que testemunhava o seu processo de “verticalização”: a inauguração, em 1934, do Edifício Martinelli, maior arranha-céu de São Paulo, à época, com 26 andares e 105 metros de altura! A década de 40 foi marcada por uma intervenção urbanística sem precedentes na história da cidade. O prefeito Prestes Maia colocou em prática o seu “Plano de Avenidas”, com amplos investimentos no sistema viário. Nos anos seguintes, a preocupação com o espaço urbano visava basicamente abrir caminho para os automóveis e atender aos interesses da indústria automobilística que se instalou em São Paulo em 1956. Simultaneamente, a cidade cresceu de forma desordenada em direção à periferia gerando uma grave crise de habitação, na mesma proporção, aliás, em que as regiões centrais se valorizaram servindo à especulação imobiliária. Em 1954, São Paulo comemorou o centenário de sua fundação com diversos eventos, inclusive a inauguração do Parque Ibirapuera, principal área verde da cidade, que passou a abrigar edifício diversos projetados pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Nos anos 50, inicia-se o fenômeno de “desconcentração” do parque industrial de São Paulo que começou a se transferir para outros municípios da Região Metropolitana (ABCD, Osasco, Guarulhos, Santo Amaro) e do interior do Estado (Campinas, São José dos Campos, Sorocaba). Esse declínio gradual da indústria paulistana insere-se num processo de “terciarização” do Município, acentuado a partir da década de 70. Isso significa que as principais atividades econômicas da cidade estão intrinsecamente ligadas à prestação de serviços e aos centros empresariais de comércio (shopping centers, hipermercados, etc). As transformações no sistema viário vieram atender a essas novas necessidades. Assim, em 1969, foram iniciadas as obras do metrô na gestão do prefeito Paulo Salim Maluf. A população da metrópole paulistana cresceu na última década, de cerca de 10 para 16 milhões de habitantes. Esse crescimento populacional veio acompanhado do agravamento das questões sociais e urbanas (desemprego, transporte coletivo, habitação, problemas ambientais ...) que nos desafiam como “uma boca de mil dentes” nesse final de século. No entanto, como dizia o grande poeta da cidade, Mário de Andrade: “Lá fora o corpo de São Paulo escorre vida ao guampasso dos arranhacéus”
O texto foi reproduzido partialmente, sem sofrer nenhuma alteração ou inclusão. Foi obtido de: http://www.sampa.art.br/historia/saopaulo/
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CULTURA
Caminhada Noturna pelo centro de Sampa Todas as quintas-feiras, às 20 horas, um grupo de pessoas saem pelas ruas para conhecer melhor a cidade
Estudantes e interessados, atentos ao discurso de apresentação do guia turístico, momentos antes da saída pelas ruas do centro.
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m frente do Teatro Municipal, um local bastante iluminado, protegido por muitos policiais com suas viaturas estacionadas na calçada, um grande movimento de pessoas que vão e que vem, as luzes fortes das lojas ainda acesas, é o ponto de encontro das pessoas interessadas em fazer uma caminhada para conhecer os detalhes arquitetônicos construídos no auge do desenvolvimento do centro de São Paulo e ouvir histórias pitorescas narradas pelo guia turístico. Com uma bandeira amarela nos ombros, o guia se faz presente para indicar a todos que ali é o local onde se dá o início da caminhada. Aos poucos, alunos e pessoas interessadas vão se formando em grupos na calçada em frente ao teatro. Com câmeras fotográficas em mãos, eles fazem poses e em seguida luzes de flashes se destacam mesclando-se à forte claridade daquele ambiente. Próximo do horário marcado, o guia e sua equipe comunicam aos presentes que está na hora das apresentações e discursos de importantes personagens que acompanharão aquele batalhão de gente ali aglomeradas, curiosas para sa-
ber como será o roteiro e o tema a ser abordado. No horário estabelecido o grupo deixa o local e caminha em direção à praça localizada logo à esquerda do Viaduto do Chá, direção centro, rumo ao Vale do Anhangabaú. Naquele ponto, surge a oportunidade de registrar com as máquinas fotográficas, as paisagens arquitetônicas modernas vistas graças à iluminação pública fortemente estabelecida naquele local. Foi possível perceber que o lugar sofre grande transformação. Muitas obras estão em andamento. O grupo, seguindo a caminhada, alcança a avenida São João. Muitos se perguntaram: Onde começa? A história remonta de 1651, solicitada por Henrique da Cunha Gago e Cristóvão da Cunha aos poderes públicos um terreno para permitir o progresso e desenvolvimento de São Paulo, hoje Praça Antonio Prado. Imponentes, pode-se vislumbrar a torre do antigo Banco do Estado de São Paulo – Banespa e o Edifício Martinelli, ainda estabelecidos no espigão do centro da capital. Dali se vê também a avenida São João, subindo em direção ao Largo Paissandu e ao longe, o mais famoso viaduto paulistano o “minho-
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cão”, mostrando um pouco o seu aspecto sinuoso e agressivo, cortando a paisagem formada pelos edifícios. Seguindo mais um quarteirão, o grupo chegou no Largo São Bento. Além do aspecto histórico do Mosteiro Beneditino, sua arquitetura se impõe diante dos outros edifícios ali existentes, mesmo com a estação do metrô ter sido construído bem ao centro da praça. Ali se pôde perceber também uma atividade social bastante intensa, de um lado estabelecida pelos moradores da redondeza e algumas escolas técnicas e do outro, muitos turistas e estudantes universitários ficam armados de máquinas fotográficas em mãos com os tripé fixados nesses aparelhos digitais. Muitos deles carregando rapidamente à frente do grupo para poder registrar um detalhe interessante descoberto por eles. Depois de passar pelo centro do largo, seguiu-se em direção à rua Florêncio de Abreu. Formada por edifícios não muito altos, a maioria é constituída ainda de compartimentos destinados à loja no plano da rua e na parte superior, moradia. Mas o que chama bastante a atenção é justamente o cuidado em manter, nas fachadas, os detalhes que remetem
Em frente ao teatro Municipal os interessados tem um encontro marcado para um passeio noturno pelo centro velho, todas as terças.
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à origem de seu proprietário. Um fato interessante ocorrido na passagem pela rua, na altura do número 54 sede do FCC (Movimento Social), a manifestação de vários integrantes solicitando que fossem fotografados com a esperança de serem notados. Insistiram para que se pudesse conhecer suas atividades em prol de um grupo social a que pertenciam. Descendo mais alguns quarteirões, acessaram através de uma escadaria escura, íngreme e malcheirosa, a rua 25 de Março. Para o espanto de todos os participantes da caminhada que a esperava vazia, silenciosa e calma encontraram-na repleta de lixo e tomada de catadores de material a serem reciclados. Eram caminhões, carroças de madeira e crianças, mulheres e homens removendo e separando o que se pode aproveitar do que não lhes serviam. O cenário era de montanhas desses materiais espalhados pela rua, formando fardos de papel e papelão e, o que não lhes interessavam outros tantos montes jogados pelas calçadas. Ainda pela 25 de Março seguiu-se até o cruzamento com a Ladeira Porto Geral, por onde dá acesso para o Largo São Bento e, mais à frente, o Viaduto
Integrantes do FCC querem ser fotografodos para divulgação do trabalho deles.
do Chá, retornando ao ponto inicial da jornada, o Teatro Municipal. Era o final da Caminhada Noturna. Certamente, um passeio aos moldes dessa Caminhada, agrega muito mais conhecimento aos participantes por apontar para um prédio ou local
onde ocorreram fatos históricos, do que simplesmente numa sala de aula, o professor apenas conta a respeito do que ele estudou, e muitas vezes, não tem como mostrar sobre o que está dizendo. Enfim, é uma aula, de mais de duas horas, ministrada ao ar livre. s
Famílias inteiras na luta pela vida misturadas com turistas e montanhas de lixos recicláveis e orgânicos, organizados ou espalhados.
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Pelas ruas, há muitas histórias de vida Em cada indivíduo mistérios, em cada segredo, revelações emocionantes
No canteiro central da avenida, Homero vive aparentemente sem preocupações com o futuro. Para ele basta viver o presente.
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manhã daquela sextafeira, 13 de maio, a cidade de São Paulo começa o dia perturbada com muitos acidentes de trânsito, com mortos e feridos, conferindo com os dados estatísticos que, em dia de tempo chuvoso e com pouca claridade natural, existe maior probabilidade para esse tipo de ocorrência. A diminuição da temperatura, somando-se a mais um capricho da natureza, contribui também para manter as pessoas mais sonolentas do que em dias mais quen-
tes. Mesmo incomodada por ser uma sexta 13 e com os acontecimentos que a TV mostra, a curiosidade de Clarice é mais forte do que qualquer outro fato que tente impedi-la de sair de casa. O trânsito está parado na maior parte das ruas por onde passa. O rádio indica mais de 100 km de congestionamento pela cidade, o que para o horário é um número bastante elevado. Mas, com muita paciência ela segue lentamente pelas ruas. A ansiedade aumenta a cada parada do fluxo dos veículos. Depois de mais de uma hora, ela finalmente chega. Pára numa
rua próxima ao local, não tem certeza o que vai encontrar pela frente. Mas se aproxima o máximo possível. Pode notar aquela figura estranha encoberta por plástico preto de saco de lixo, como se fosse uma capa dos heróis das histórias infantis. Até parece que é o líder dos jedais. As longas barbas grisalhas e os cabelos eriçados completam o aspecto misterioso de um homem alto e magro. Ao seu redor, muitas garrafas pets dispostas de maneira organizada como uma coleção de troféus para ornamentar aquele ambiente. A maioria delas está coberta por uma manta pre-
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Local onde se estabeleceu, o homem do interior de São Paulo, convive entre as árvores e o movimento constantes dos carros.
ta também de sacos de lixo. No meio daquele cenário, mesmo de longe, dá para ver um banquinho de madeira e uma espécie de escrivaninha formada por latas de tinta. Sobre ela, um pacote amarrado contendo folhas de papel com anotações. A intenção é dar uma aparência de escritório no canteiro central daquela avenida, protegido apenas pelas copas das árvores altas plantadas pela prefeitura. Parada na calçada da avenida, a uns quatro metros, aguarda a chegada dos colegas de classe, Daniel e Clayton. Enquanto espera, vê uma senhora bem-vestida se aproximar daquele ser misterioso. Eles têm até uma certa amizade pelo comportamento natural de ambos. Eles se cumprimentam, curvando-se levemente um para o outro. A mulher entrega-lhe um pacote que, imediatamente, é aberto como se fosse conferir ou saber do que se trata. Tira uma garrafa que parece ser de café. Coloca o pacote entre as pernas, puxa a tampa da garrafa fortemente com a outra mão que até derrama um pouco do líquido preto e, em seguida, toma alguns goles e põe de volta a tampa, batendo várias vezes, na boca da garrafa. Depois, coloca-a sobre a escrivaninha. Novamente pega o pacote e tira um dos pãezinhos de dentro. Devora-o como se fosse a primeira vez que se alimenta. Enquanto isso, a mulher pega um bloquinho de cima da escrivaninha. Lê-o por alguns
minutos algumas folhas e o põe de volta. Faz um sinal de positivo e, em seguida, balança as mãos, por alguns segundos, num gesto de despedida. Posicionam-se, um de frente para o outro, curvam-se, com muito respeito, como o cumprimento dos japoneses. Sorridente, a mulher atravessa a avenida e entra em um condomínio residencial de classe média. O homem permanece em pé por alguns momentos, acompanhando-a com os olhos. Ele está contente e satisfeito pelo café da manhã e pela visita recebidos. Clarice conclui que, embora estivesse vivendo naquele ambiente e naquelas condições, é uma pessoa de bem. Fica mais tranquila pois, uma senhora acaba de visitá-lo. Certamente, ele também vai recebê-los amigavelmente. A espera pelos amigos está agoniando-a. Impaciente e bastante nervosa, ela resolve antecipar o contato com aquele homem enigmático. Atravessa a avenida e vai até o canteiro central onde ele está. Ele ainda come e sentado no seu banquinho nem percebe a sua aproximação. Pronuncia um bom dia meio baixo e recei osa pois ainda está bastante insegura. Mas pelo barulho dos carros o homem não a ouve. Resolve, então, ficar mais de frente com ele e repetir o cumprimento. Dessa vez ele olha para ela, corresponde ao cumprimento, fica quase em pé, ou seja, meio curvado para frente, estende-lhe a mão direita e com um forte
aperto de mão e um sorriso nos lábios mostra-se bastante receptivo. Depois desse primeiro contato, ele tenta ficar mais ereto mas não consegue. Faz uma careta como que sentindo uma forte dor. Fica com os olhos fixos nela por algum tempo e em seguida, sem pronunciar nenhuma palavra, começa a gesticular com a mão direita e com o indicador quase em riste, “puxando à memória”. Nesse momento, ela dá um passo para trás, acredita que agora será agredida. O homem mesmo curvado ainda é mais alto do que ela, por isso já pensa em sair correndo dali e ficar frustrada por não conhecer aquela história. Ele percebe a reação e imediatamente pára de gesticular e com as mãos abertas pede para que ela fique tranquila pois não é de agredir ninguém. Ele acha que Clarice é da família Itaishii que conhece há muitos anos. Quando ela diz que nem a conhece, senta-se novamente em seu banquinho, suspira fortemente e pergunta se ela quer ficar sentada sobre a pouca grama que ali existe. Como percebe que o homem vai começar a contar algum segredo ou fazer-lhe algum pedido de caridade, ela vê ao lado um pedaço de papelão, puxa-o para mais perto e senta sobre ele. Fica aguardando curiosa sobre o que ele tem para lhe dizer. Pensativo e com o olhar distante, ela nota que naquele rosto há uma tristeza ou algum trauma que o perturba. Vê que seus olhos ficam umedecidos e
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Ele não se importa com a vida que leva.
algumas lágrimas escorrem pelo rosto, e imediatamente, passa as mãos, enxugando-as. Ele começa a falar e, como ela deseja mesmo ouvir, procura não interrompê-lo por nada. Chama-se Homero Costa de Albuquerque Figueiroa, 65 anos, nascido em Lins, interior do Estado de São Paulo. Não sabe quem são seus pais e acha que não tem nenhum parente. Ele se lembra de ter ficado em algum lugar junto com muitas outras crianças, mas não se recorda de mais nada. Quando volta seus pensamentos para o passado, ele se vê sempre como um pedinte, um andarilho, sem casa para morar ou amigo para dividir seus problemas. Sempre viveu em algum banco de praça de qualquer cidade ou um buraco de estrada nos dias de chuva ou de muito frio. Confessa que gosta mesmo de andar pelas estradas. Quase todos os dias caminhoneiros ou mesmo motoristas de carros, jogam-lhe moedas, dinheiro ou
e que havia muito tempo que algum sanduíche embrulhado. Muiele não cuidava do seu corpo. tas vezes, atiram-lhe cobertor, bluDespediu-se, dizendo-lhe que sa, roupa, chinelo e até sapato novo. ia buscar alguns amigos para Ele fica contente com esse tipo de aticuidar do corte dos cabelos tude e, por isso, não se revolta e da barba. Eram três horas com a situação e condições da tarde quando ele voltou que a vida lhe proporciocom o barbeiro e uma mana. Quando a fome apernicure. Homero já de banho ta, ele entra, à noite em tomado mas com as vestes fazendas ou sítios à procura sujas de um andarilho. O de frutas como laranja, mamão, dono da chácara pediu-lhe melão, goiaba, jabuticaba e outras desculpas e solicitou que que ele nem lembra o nome. tomasse um banho rápido Em 1963, já com 17 anos, pois suas roupas estavam quando passa pela região de Ribeisujas demais para serem rão Preto, resolve seguir por uma usadas depois do banho estrada vicinal que dá acesso à e, em seguida, entregoucidade de Cravinhos, SP. Depois lhe um pacote contendo sade andar por algumas horas, a patos, calças, camisas, cuecas e fome é tanta que quase não tinha meias, dizendo para experimenmais forças para continuar sua tar todas as peças que ao menos um caminhada pois também não haconjunto iria lhe servir. De fato, ele via comido nada no dia anterior. encontrou um para o seu tamanho. Chegou então a uma chácara que Sentiu-se uma pessoa renovada. parecia ter muitas frutas. Entrou Ainda faltava o trabalho do para falar com alguém da casa barbeiro e da manicure que tivera para pedir um pouco delas. muita dificuldade, pois as unhas O dono lhe disse que ainda não estavam muito grossas, compridas estavam boas para serem consumie ainda sujas na parte de baixo. das, que eram tomateiros e seus frutos Com os pés, não foi possível faestavam pequenos demais, pediu enzer muita coisa. Como ele antão que entrasse em sua casa e esdava descalço, na maior parte perasse um pouco pois iria preparar do tempo, as solas dos pés ficam um prato de comida. Algum tempo grossas e com rachaduras impregdepois voltou com uma bandenadas de terra. No final ja nas mãos, tendo um prato cheio de arroz, Clarisse estava muito receiosa do dia, lá pelas 6 horas, o andarilho estava complefeijão, um bife em um em se aproximar do mendigo. tamente reformado. prato menor e outro com bastante salaAos poucos os outros integrantes da de alface e pepino. Pediu que ele se daquela família chegaram. A primeira aproximasse da mesa para comer e em foi Regina, a esposa e neta de italiaseguida se retirou. Voltou, minutos denos, depois as 4 filhas Carina, Joana, pois, com uma garrafa de refrigerante. Micheli e Lúcia e os 3 filhos Mário, SanAinda surpreso com a atitude daquele dro e Fábio. Homero foi apresentado senhor que, sem nenhum questionamencomo um amigo que chegou de uma to ou desconfiança, lhe serviu mesmo longa viagem. não sabendo nada a seu respeito. Naquela noite, dormiu em um dos Percebendo que a comida nem fora quartos que estava vazio. No dia seguintocada, pensa que Homero não está com te, todos já estavam tomando café e ele fome ou que não é comida que ele quer, foi convidado para fazer parte daquele somente frutas. Mas, como a sede tammomento importante para aquela famíbém é grande, pois a região é bastante lia. Ainda não estava acostumado com quente, tomou um bom gole do refrigeo acolhimento recebidos de todos, torante e em seguida começou a comer. mou coragem, ficou em pé e improvisou Aquele senhor pediu para Homero um pequeno discurso de agradecimento ficar à vontade e que não precisava se por ter sido bem-tratado e colocou-se à apressar com a comida e, mostrando-lhe disposição para trabalhar na chácara e o chuveiro, sugeriu que ele tomasse um pagar pelos benefícios recebidos. Podia banho. Disse que no banheiro havia tudo ser em qualquer trabalho, pois sentiuque precisava para sua higiene pessoal,
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se na obrigação de retribuir, a qualquer custo, embora não tivesse nenhuma qualificação profissional. Confessou que nunca havia recebido um tratamento e uma atenção como aquela por ser um andarilho. Não se lembrava de ter feito outra coisa senão caminhar. Mas garante que nunca prejudicou ninguém. A única coisa que sabe fazer mesmo é pedir às pessoas qualquer coisa e andar pelas estradas. O chacareiro é o Kazumi, nascido em 1923 na cidade de Kiyoto no Japão. É uma pessoa sábia. O tempo todo observava o mendigo com relação ao caráter, idoneidade, compromisso com a verdade, cumpridor das obrigações, respeito com as pessoas e gratidão. Quando ele fora convidado a entrar na casa, podia muito bem roubar as coisas que quisesse e fugir. Mas ficou sentado onde lhe foi solicitado, esperando pacientemente o prato de comida. Quando chegou com o refrigerante, podia ter comido tudo como um bicho faminto, mas enquanto não recebe a última ordem para comer ou tomar o refrigerante ele não tomou nenhuma iniciativa. Ele era um convidado e não se sentiria bem em fazer o que bem entendesse. Pela segunda vez, deixado na casa sozinho, solicitado para tomar banho e esperar pelos profissionais para complementar sua higiene, ele já estava pronto e aguardava o próximo passo daquele japonês, aparentemente autoritário, mas de bom coração. À noite, enquanto todos dormiam, podia fazer algum mal a qualquer pessoa da casa e simplesmente desaparecer, mas preferiu descansar e aproveitar a oportunidade de uma cama que nunca havia tido e esperar o dia seguinte para retornar ao seu destino. Mas quando foi convidado para tomar o café da manhã com todos, não teve mais dúvidas, precisava mesmo encontrar uma maneira de pagar por tudo que havia recebido. Aquele japonês tem, por princípio, ajudar sempre qualquer pessoa, sem esperar nada em troca. Como Homero insistiu que deveria retribuir de qualquer forma pelo tratamento recebido, Kazumi decidiu dar-lhe um voto de confiança. Sugere, então, que acompanhasse o filho mais velho, Mário, para levar uma carga de verduras em seu caminhão até o mercado municipal de Ribeirão Preto, onde a família tem um ponto comercial, abastecido pelos produtos que eram colhidos na chácara. Quando chegaram lá, ajudou no descarregamento e na orga-
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A atividade mais importante era produção de alevinos, transportados com o caminhão.
nização dos produtos para facilitar a logística de distribuição para os consumidores, à medida que eram solicitados. Nesse dia, orientado por Mário, fez até propaganda, como nas conhecidas feiras livres daqui de Sampa, contribuindo para chamar a atenção dos que passavam. Como consequência, conseguiram vender todos os produtos levados, um fato que raramente acontece. Sempre interessado em todas as atividades rurais e comerciais, Homero foi ganhando confiança da família, pois aprendia com facilidade e executava as tarefas prontamente. Mas, por ser analfabeto, já que nunca teve oportunidade de frequentar uma sala de aula, iniciou seus estudos, à noite, em uma escola para alfabetização de adultos. Um ano depois, já conseguia ler muita coisa, escrevia frases que surgem em sua mente e assinava seu nome completo. Aprendeu com o Mário a dirigir o caminhão, o carro, os veículos agrícolas e sabia executar todas as atividades rurais necessárias para aquela pequena propriedade agrícola. Mas o grande desejo de Kazumi é a piscicultura. Adquiriu um lote de 63.400 m2 e construiu vários tanques para a nova atividade. Os peixes eram destinados à engorda para serem vendidos aos restaurantes e às peixarias do mercado municipal. Para manter essa atividade, Homero é nomeado o motorista do caminhão para o transporte dos peixes e de alevinos adquiridos em criadouros de outros municípios, sempre acompanhado por Kazumi. Passaram-se dez anos desde quando Homero foi àquela chácara. Consideram-no um integrante da família. Para os donos ele é um verdadeiro filho e para os filhos, um irmão. Mas, numa dessas viagens na busca de alevinos, o caminhão que Homero dirigia caiu
com as rodas da frente, num buraco de quase meio metro de profundidade, causando um forte solavanco no veículo que o faz subir muito e bater fortemente de volta para o chão da estrada, sacudindo tudo com violência por várias vezes até que ele conseguiu freiá-lo. Seu patrão, durante a viagem, tinha o hábito de cochilar. Naquele momento, como ele dormia, no primeiro impacto, brusco e forte, sua cabeça é sacudida para frente e para trás, devido aos movimentos para cima e para baixo, causado pela imperfeição da estrada, provocando a quebra cervical, na região do pescoço que o sufoca. Homero vai desesperado em busca de socorro, numa fazenda próximo do local, na tentativa de salvar seu patrão e amigo. Chega a ajuda em alguns minutos mas, não tem mais nada a fazer, ele já estava morto. A maior missão de sua vida foi comunicar a família sobre o ocorrido. Reuniu todos os integrantes e pediu-lhes perdão pela responsabilidade do acidente. No dia seguinte, após o sepultamento, Homero retoma o seu destino que conhecia há tempos. Volta para a rotina das estradas, mas, desta vez, escolheu a região da capital paulista, pois a de Ribeirão Preto guarda muitas dores e lembranças ainda, mesmo depois de passados quase 40 anos e vividos por 10, os melhores de sua vida, no aconchego daquela família de quem ainda tem muita saudade. Hoje em dia é muito raro alguém ajudar outra pessoa, principalmente, um mendigo, e à maneira daquela família? Clarice se despede dele, agradece pela entrevista e percebe que essa conversa durou mais de 1 hora. Os amigos não chegaram. Voltou para casa e descobriu o combinado: entrevistar o mendigo no sábado de manhã. s
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CIDADE
Sampa aproveita as 24 horas mesmo A agitação do dia ainda continua noite adentro, seja com entretenimento e prestação de serviços, como baladas, segurança de empresas, taxistas e até os trabalhadores de grandes empresas.
O Largo São Bento é uma das rotas da Caminhada Noturna, programada àqueles que buscam conhecimento histórico da cidade.
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inda de madrugada, suas ruas começam a receber, aos poucos, todo tipo de pessoas como os ambulantes e trabalhadores vindos dos mais distantes bairros periféricos da capital paulista. Assim, desperta a cidade, somados aos moradores de rua e locais uma quantidade de carros que ocupam todas as ruas centrais, seja em busca de estacionamento ou do escasso ponto para se deixar os veículos seja os que passam pelo local em direção a outros bairros. Esse frenesi continua o dia todo até o início da noite, quando os que chegaram fazem agora o movimento reverso. Desse modo, o mesmo problema enfrentado de manhã, se repete também nesse horário. Mas à noite, embora se possa correr o risco de ser assaltado a qualquer momento, permite às pessoas passarem horas com amigos ou familiares para se relaxarem. Nas ruas próximas à Praça do Patriarca, existem muitos bares e restaurantes que oferecem, além dos pratos tradicionais, muitos outros de diferentes regiões do Brasil.
Para chamar a atenção dos clientes, seus proprietários colocam músicas ao vivo com grupos de samba e pagode. A musicalidade do local e os ruídos dos motores dos poucos veículos que teimam em passar pelo centro, quebram o silêncio da noite. Nas ruas onde existem somente os prédios de escritórios, pode-se ouvir o barulho dos passos e as vozes das pessoas que passam por lá. A poluição sonora é quase nula. No Largo São Bento, o movimento são das pessoas que frequentam os bares e restaurantes, dos estudantes universitários que registram com suas câmeras fotográficas os detalhes do local descobertos por eles, das famílias e casais que ficam sentadas nos bancos ali instalados, conversando e de crianças e jovens jogando bola ou fazendo suas peraltices. As luzes artificiais das ruas e prédios provocam, por onde se passa, um novo olhar aos visitantes. Pode-se ver as fachadas dos prédios iluminadas com cores diferentes das que se acostuma observar com as luzes naturais. Até se tem a sensação de que o lugar
que se vê de dia, fica modificada à noite. Cria-se uma imagem plástica do conjunto arquitetônico formado pela simetria dos traços de cada edifício em harmonia com as luzes das praças e ruas. Não é comum observarmos bolsões de edifícios modernos, construídos de forma que cause atração de pessoas trabalhadoras, indo ou vindo, seja por meio de ônibus ou com seus próprios carros. Se há alguns anos tudo funcionava em função do velho centro, hoje muitas dessas concentrações ocorrem em diversos bairros mais periféricos, como a região da Avenida Paulista, da Avenida Faria Lima, da Berrini entre outras, justamente, pela supervalorização imobiliárias das áreas consideradas mais nobres. Dessa forma, as construtoras vão em busca de outras áreas menos valorizadas para a construírem seus projetos arquitetônicos, o que acabam provocando novas valorizações onde esses projetos são implantados. Aliás, para essas incorporadoras, não importa se no seu entorno existe um bairro inteiro de favelas. Elas
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Assim como o velho centro, outros pontos da cidade, chamam a atenção dos que passam por eles, pelo estilo moderno e imponente.
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Cidade
A zona do crake, bairro da Luz, essa cena pode ser vista a qualquer hora do dia
fazem grandes obras, com toda infraestrutura internamente, de maneira que não ocorre interferência do ponto de vista dos moradores da favela nem dos moradores do condomínio luxuoso. É verdadeiramente um mundo à parte onde cada grupo social vive à sua maneira sem que ocorra nenhum conflito entre eles. Esse tipo de construção, podemos ver com frequência no bairro do Morumbi, nas imediações da Avenida Giovanni Gronchi. O lado perverso é o problema social que existe também em qualquer cidade populosa, formado pelo grande contingente de moradores de rua que improvisam, com jornais e papelão, suas camas ou uma espécie de cobertor sempre em baixo de alguma marquise; dos catadores de materiais para reciclagem e dos Sem Tetos que praticam a ocupação clandestina dos prédios vazios ou públicos. Na rua 25 de Março, por exemplo, o que chama a atenção também, dos que passam por lá, é a quantidade de jovens e crianças fazendo suas algazarras nas calçadas ou sentadas nos degraus das portas de entradas dos prédios e cortiços. Há também uma grande quantidade de lixo de todo tipo jogado e espalhado pela rua e calçada, misturado com os carros que circulam por aquela via pública. Essa rua gera no visitante bastante curiosidade e, certamente, indignação e aversão. Logo que se chega lá, o que se vê e se fica impressionado é a quantidade de lixo removido. A rua se transforma em um grande campo de separação de materiais. Montanhas formadas pelos fardos de papel e papelão já preparados
para serem recolhidos pelos caminhões que estão estacionados para recolhê-los. O que ficam são outros tantos montes de lixo, esperando o serviço de coleta das companhias conveniadas da prefeitura. O aspecto visual da rua é o de um lixão onde tudo que se descarta se deixa ali. Evidentemente, as muitas lojas da rua rejeitam as embalagens dos produtos vendidos durante o dia. Os catadores se servem desses materiais para fazerem a separação ali mesmo na rua. Pode-se notar crianças, jovens, mulheres e homens de todas as idades trabalhando. Eles, seguramente, pertencem ao grupo social formada pela classe pobre que encontraram nessa atividade, o seu ganha pão, uma alternativa para a própria sobrevivência e a de seus familiares. Essa situação fica bastante diferente, durante o dia, cujo movimento é de pessoas que tem interesses diversificados pela quantidade de produtos popu-
lares variados oferecidos pelos lojistas a preços que a classe menos favorecida consegue comprar. É um grande atrativo para os comerciantes que atravessam seu estado de origem em busca desses produtos para depois serem levados para suas cidades e revendidos aos seus habitantes. Pode ser considerado como um ponto comercial muito importante que movimenta a economia local. Essa rua, além dos sábados, é movida por sazonalidade, como as datas tradicionalmente festivas, o Natal, o Carnaval, as festas juninas, o dia dos pais, o dia das mães etc. Na verdade, os comerciantes sempre procuram encontrar uma data para ser comemorado com o intuito de atrair ou motivar os clientes a procurarem os produtos adequados para cada data comemorativa e, consequentemente, aumentar seus lucros. O resultado dessa motimentação que ocorre durante o dia, acabam descartadas nas ruas as embalagens dos produtos vendidos. Isso é um bom sinal para o comércio e para os catadores de materiais reciclados mas é péssimo para o restante da sociedade que precisa conviver com uma grande quanidade de lixo que até impede passar livremente pela calçada pela quantidade de materiais descartados e deixados de forma inadequada. Embora o problema dos lixos e da sujeira espalhados pelas ruas, o que de fato deveria ter maior atenção é a situação dos indivíduos que sobrevivem à custa dos efeitos das drogas, que qualquer pessoa a qualquer momento do dia pode adquirí-la, consumir no local ou vendê-la sem constrangimento. As autoridades policiais fazem suas rondas diárias mas parece ignorar o que ocorre ao seu redor. s
As pessoas dali parece viver num mundo à parte. Foram fotografados às 11 horas
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No trânsito parado, ligue os alertas e passe Os carros oficializados em Sampa ultrapassam todos os outros, principalmente em dias de grandes congestionamentos. Mas eles têm o apoio da lei para circular pela cidade?
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as ruas e avenidas paulistanas, programadas pela Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), para oferecer maior fluidez aos veículos, todos os dias, nos horários de picos, ocorrem longos congestionamentos. Em vésperas de feriados, dias de chuvas intensas, quando ocorre a quebra de um veículo, ou até mesmo quando um simples acidente que toma uma ou mais faixa das vias, a situação para os motoristas fica ainda mais complicada. Mas, parece que para esse tipo de problema, alguns motoristas encontraram uma maneira de escapar. Diante dos olhos de outros cidadãos que, ao perceberem as fortes luzes em seus retrovisores e a sirene disparada, imediatamente se apertam para abrir caminho, permitindo sua passagem, eles avançam pelo corredor criado entre os carros apertados. Não se trata aqui de veículos oficiais como por exemplo Ambulâncias, Viaturas Policiais, Viaturas do Corpo de Bombeiros e sim de carros de uso particular. Todos que os vêem pedindo passagem não tem como perceber que tipo de veículo está atrás. Só é possível notar depois que ele passa. Certamente, fica uma questão na mente dos que deram passagem: Era a Polícia Especial ou algum motorista que engana a todos e que está desrespeitando as leis de trânsito? Avenida Raimundo Pereira de Magalhães, 5948, ponto bastante conhecido dos moradores do bairro de Pirituba, São Paulo, especialmente pelos aficionados em aparelhos de sons automotivos, a Gaspareto Som, gerenciada por Fernando e seu pai Guido Gaspareto. Eles estão acostumados a atender todos os tipos de cliente. Desde donos de carros antigos e
Não importa onde está o congrestionamento, a qualquer momento ele exige a passagem.
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CIDADE
Carro personalizado e os dispositivos sonoros e visuais instalados externa e internamente.
conservados até donos de carro novos, muitos deles com dinheiro e interesse em sofisticar o interior de seus veículos. No dia 7 de maio às 10 horas da manhã, estaciona em frente a loja um Astra ano 2011. O dono, Antonio da Silva, 45, entra na loja, olha os aparelhos de som que estão à mostra nas vitrines, chama o gerente, pede informações sobre algo que não têm exposto: Lâmpadas estroboscópicas e sons diferentes como as buzinas eletrônicas do tipo de ambulância. O gerente explica que esses acessórios a loja não comercializa, nem instala, pois não deseja se envolver em complicações. Apenas instalam em veículos oficiais pois, a responsabilidade recai também em quem presta esse tipo de serviços aos usuários. Conhece e até indica colegas que não se negam a instalar. Mas ele e o pai, por princípios, não fazem isso por dinheiro nenhum. Contrapondo aos princípios de Fernando e seu pai, Almir dono da Almir Som, loja localizada no Bairro Santa Ifigênia, na avenida Duque de Caxias, 227, comercializa e instala acessórios e aparelhos automotivos. Mesmo que o cliente tenha adquirido o produto em outro lugar, o serviço de instalação também é prestado sem qualquer problema. E vão além disso, sugerem vários modelos e marcas de cornetas, sirenes com variações de sons, até daquelas que simulam os sinais sonoros e luminosos dos carros oficiais que ele possui disponível na loja, cujo preço negocia e inclui a instalação. Se o cliente deseja um modelo que ele não tem na loja, sabe onde é possível encontrar e manda buscar para fazer a instalação do conjunto comple-
to. Tem consciência da ilegalidade, se instalado em carros de uso particular, mas declara que a responsabilidade maior recai sobre o usuário. Na rua Cancioneiro, 210, Chácara Santo Antonio no estacionamento Stop & Park o manobrista Mario declara que existe muita gente com esses acessórios proibidos instalados nos veículos. Vai até o local no meio de outros carros estacionados, apontando um. É um carro de rally, modificado e com faróis diferentes na parte frontal. O manobrista diz que, internamente, ele tem dispositivos instalados mas o dono levou as chaves. Sabe de outro cliente que, um vez por semana, deixa seu veículo estacionado. É um carro de uso particular com luzes estroboscópicas instaladas na parte inferior externa. Mas não sabe se tem dispositivos sonoros no seu interior pois quando chega, ele estaciona como um carro comum. No comércio virtual, encontram-se conjuntos completos de todos os tipos de aparelhos. As informações colhidas até esse ponto estão relacionadas sob o ponto de vista dos comerciantes e prestadores de serviços. Por essa razão, conversamos com dois policiais: O cabo Sandro e o soldado André, eles fazem ronda à pé na rua Vitória, a algumas quadradas da delegacia de polícia do bairro de Santa Ifigênia. Sandro declara que as sirenes e as luzes instaladas nesses veículos são equipamentos auxiliares para a locomoção mais rápida nas vias da cidade, principalmente, em operações especiais, e que são instalados em carros particulares cujos integrantes são policiais à paisana, envolvidos em alguma ação que requer urgência para se chegar
a algum objetivo de ordem policial. Os sinais luminosos não possuem nenhuma padronização de cores, assim como, do lugar onde devem ser instalados. Os sinais sonoros não lembram aqueles usados em ambulâncias, caminhões e viaturas do corpo de bombeiros ou viaturas policiais, mas são semelhantes. O policial André afirma que é preciso facilitar a passagem desses carros, e diz ainda que o proprietário que causar obstrução pode ser preso e ter seu veículo guinchado e recebe uma multa grave. Por esses fatos, é dar passagem, não custa nada. Sinalizar com a seta do carro, à esquerda ou à direita, para indicar a sua intenção e se mover com cuidado para a direção indicada, facilitar, é melhor para todos. Ninguém deve atrapalhar o trabalho da polícia. Adverte que, caso um civil seja identificado utilizando equipamentos semelhantes aos de uso da polícia, o veículo é apreendido, o motorista multado, preso e processado pela utilização indevida de acessórios auxiliares para locomoção rápida pelas vias congestionadas. O ex-policial Elisvaldo que trabalha atualmente como gerente de logística em uma editora, confessa que policiais militares e civis utilizam esses equipamentos nos carros. O policial precisa tê-los para se locomover rapidamente pela cidade caso esteja em alguma operação urgente ou, por exemplo, para não ficar parado em um congestionamento caso seja reconhecido por algum bandido. “O civil que burla a lei de trânsito camuflado de policial, além de não estar praticando uma atitude cidadã e cívica, está enganando o policial de trânsito assim como os outros motoristas que estão com as mesmas dificuldades, numa via em que os carros não conseguem seguir em frente”, diz o ex-policial. Concorda que a melhor atitude é manter-se calmo e não obstruir a passagem, pois não é possível saber, naquele momento, se o carro é de um civil ou de um policial. Aconselha anotar a placa. Depois discar para o 190 e solicitar informações apenas se o número anotado é oficial. Se for oficial desconsidere mas se for de um veículo comum denuncie às autoridades, informando que o proprietário está fazendo uso de equipamentos exclusivos dos órgãos ou entidades oficiais. s
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Uma onda tecnológica Devido a uma série de evoluções, revoluções, reconstruções, enfim, viajamos “no loop da montanha-russa” cujas variáveis existentes possibilitam às indústrias de qualquer segmento uma invenção ou uma reinvenção de produtos ou sistemas novos ou melhorados, num processo de aceleração contínua.
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odemos ilustrar com o que ocorreu e continua evoluindo, especificamente com a indústria gráfica. Os artistas e trabalhadores gráficos procuraram transferir as imagens e textos para o papel desde os primórdios da tipografia, litografia etc. até os dias atuais com as técnicas de impressão utilizando hoje como suporte outras alternativas como o plástico, tecido, vidro etc. graças aos sistemas de impressão como a rotogravura, flexografia, serigrafia etc. sempre aprimorados de forma evolutiva, com a finalidade de melhorar o workflow e, em conseqüência, obterem mais rentabilidade, maior produtividade, melhoria contínua da qualidade e ganho de mercado de acordo com o nicho onde cada indústria está inserida. E, com tanta tecnologia envolvida para as equipes operacionais é impossível memorizar suas atividades de maneira que mantenham todo o trabalho executado no mesmo padrão, diante de equipamentos rápidos nos processos, bastante evoluídos e automatizados. Diante da deficiência humana, naturalmente, foram desenvolvidos métodos de controle de qualidade auxiliados por aparelhos com determinadas finalidades para indicar ao operador o resultado do trabalho em andamento. Evidencia neste ponto a necessidade de um padrão de qualidade dos trabalhos em todas as etapas do processo produtivo. Evidentemente, quando falamos em tecnologia, não estamos fazendo uma comparação com épocas diferentes, mas considerar a tecnologia na sua temporalidade. Desse modo, quando entrei para o mundo da indústria gráfica, não tinha a menor idéia de como eram impressos os
jornais ou revistas adquiridas nas bancas. Fiz um teste na Folha de S. Paulo de datilografia e aprovado, me encaminharam para a escolinha instalada na própria empresa. Ficava fascinado com os equipamentos que iam codificando tudo que se datilografava numa longa tira colorida de papel em rolos. Depois de algum tempo, aprendi ler os códigos perfurados e ficava encantado com as linhas de textos obtidos pelo processo de revelação semelhante ao da fotografia. Com o passar dos anos sentia necessidade de um método que pudesse manter constante o resultado desse processo, como temperatura e
“A força que impulsiona essas mudanças é a aplicação do conhecimento científico para a criação de novas tecnologias”. Nicolau Sevcenko.
tempo de utilização do revelador, banho no tanque do fixador, banho em água corrente e secagem do papel fotográfico. Foi necessário ter essa preocupação pelo fato da ocorrência da perda de qualidade de um grande trabalho devido a diferença da intensidade dos primeiros textos produzidos em relação às correções (emendas) e a parte final. Após a criação desses métodos, pudemos visualizar a constância na qualidade na produção de textos e não vivenciamos mais o drama da perda da negrura das letras mantendo, visualmente, com a mesma intensidade.
A onda da fotocomposição, finalmente, foi perdendo sua força com o surgimento de uma “tsunami” chamada digital. Mas a transição entre uma tecnologia e outra foi um grande trauma vivido. Tínhamos todos os trabalhos em fotolito. A grande questão era a possibilidade da reprodução em arquivos digitais, principalmente dos anúncios. Foi necessário executar um trabalho de convencimento diretamente com os clientes e agências de publicidade. Os que se recusassem, tínhamos que transformar os fotolitos em arquivos digitais seja escaneando as provadas, seja refazendo digitalmente a peça publicitária. Novamente deparamos com uma situação inusitada. Não tínhamos nenhuma referência do mundo digital, e tampouco, informações ou experiência que pudesse nos indicar qual o melhor caminho que deveríamos tomar para transformar todo o processo analógico conhecido, para a forma inteiramente digital. Procurávamos informações com o pessoal da gráfica, de agências ou amigos. No entanto, ninguém nos dava orientação precisa de forma que pudéssemos resolver os problemas encontrados. O mais agravante é que os clientes também não tinham a menor noção do que estávamos fazendo com suas peças publicitárias. As primeiras publicações totalmente digitais não foram um desastre no seu todo. Mas em alguns casos bastante decepcionantes pelos resultados obtidos na impressão. Os clientes muito mais surpresos ao visualizar na revista o seu anúncio e incrédulos com o novo processo. Encorajavam-nos para a desistência da utilização do digital e nos pressionavam para retrocedermos para o fotolito na maneira tradicional: fotocomposição, past-up, fotografia das
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Processo automático para revelar fotolito.
páginas, geração de fotolito, montagem dos fotolitos, heliográficas, chapas e impressão. Depois de algumas edições, decidimos que os arquivos tinham que ser em jpg ou tif, cmyk e uma resolução de 300 dpi, por questões como troca de fontes, falta de vínculos, resolução das fotos etc. Mas diante de uma tecnologia que nos mostrava indícios de substituir de vez o processo analógico pelo aparecimento de softwares e sistemas complexos para a diagramação diretamente na tela do computador, escaneres potentes para a captura de imagens, arquivos PDF, CTP etc. modernizar todo o processo produtivo desde a produção de textos até a revista impressa era um caminho sem volta. Evidentemente, o ser humano aprecia manter-se na zona de conforto. Qualquer mudança é motivo para rejeição imediata. Mas ela foi acontecendo em doses homeopáticas. Primeiramente na redação. Os jornalistas se opuseram veementemente. Depois o departamento de arte, de fotolito e montagem etc. Nos dias atuais o DTP e redação convivem em harmonia. São parceiros inseparáveis. De um lado na produção de textos e do outro na produção de arquivos digitais de páginas diagramadas e enviados para a gráfica por intermédio da internet. Pouco se fez com relação a métodos de controle de qualidade para a fotocomposição e produção de fotolitos de forma que onde quer que fossemos era o padrão conhecido. Muito pelo contrário, cada empresa adotava ou criava um padrão para a sua equipe sob orientação do fabricante do equipamento adquirido. Mas, havia uma divergência entre usuários até entre os do mesmo fabricante. Neste ponto, novamente podemos afirmar que essas divergências existiram e ainda persistem, pelo descaso ou desconhecimento de uma entidade que
oriente os usuários desse segmento, em cada etapa do processo produtivo. Mais recentemente, a tecnologia digital, no campo da fotografia, captura imagens sem controle de qualidade, embora com tanta tecnologia aplicada nas câmeras digitais. Como conseqüência, ocorre uma banalização da imagem. Parece que todos são verdadeiros produtores profissionais na elaboração de uma composição fotográfica. Aliás, os usuários não se preocupam em ler as instruções operacionais da câmera para obter os recursos por ela oferecidos. Acreditam que basta colocar o objeto em frente da câmera e com um clique o arquivo da imagem fica pronto. Não deixa de ser uma verdade. Depois, descarregam no HD do micro e começam o processo de confecção de um anúncio ou enviam para as agências ou editoras para a divulgação do seu produto. E a análise técnica desses arquivos, onde foi parar? No ambiente do DTP ocorre, lamentavelmente, também um descaso ou
ários que se importam com a luminosidade ambiental que nos ajudam ou dificultam e nos provoca grande influência na obtenção de um bom resultado final. Com relação às provas, também existe um enorme buraco negro conhecido por todos os usuários e que é discutível a fidelidade de todas as provas já produzidas em relação aos processos de impressão off-set planográfico ou rotativo. Custa-nos acreditar a respeito dessa possibilidade. O que está diante dos olhos de todos são os fatos existentes e reais. Os insumos e suportes das provas são totalmente diferentes da impressão final. Como poderão ter um resultado idêntico? No meu conceito o semelhante, o próximo ou o parecido não poderão jamais ser concebidos como exatamente iguais. Nessa mesma linha de pensamento, se um determinado DTP possui todos os equipamentos com os padrões e ambientes ajustados e o do cliente não, aliás, é exatamente o que ocorre, de qual prova estamos falando?
Análise da qualidade do fotolito depois do processo de revelação química.
uma economia “burra” no investimento em tela do micro para o tratamento de imagem. São produtos essenciais para a análise e correção de cores. Os empresários preferem telas baratas e não as que têm características adequadas para esse fim. E, com esses produtos é impossível obter um resultado com qualidade dentro de um padrão preestabelecido. Os olhos humanos visualizam diferentemente entre os indivíduos. Outro fator preponderante mas poucos são os usu-
De qualquer forma, é muito importante para o segmento a preocupação de pessoas que lutam para a existência e manutenção de cartilhas, regras e premiações no sentido de que os que estão envolvidos possam seguir essas orientações e melhorar o ambiente tão conflitante na questão de padrões da pré-impressão, impressão e acabamento. Somente dessa maneira podemos falar em qualidade em todos os processos da indústria gráfica. s