Caderno de Conceitos - Moderna para Sempre

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CONCEITOS


DE ONDE VEIO A FOTOGRAFIA?


Observe as imagens a seguir:

Militão Augusto de Azevedo Rua Direita, São Paulo, 1862

Geraldo de Barros Fotoforma, Estação da Luz, São Paulo, 1950


Com qual delas você mais se identifica? Por quê? A primeira é uma fotografia de registro, que serve como um documento para a posteridade. Foi feita por Militão Augusto de Azevedo e integra uma obra chamada Álbum Comparativo da Cidade de São Paulo – que apresenta registros da capital paulista em diferentes épocas. O século XIX, no Brasil, marcou o auge da atuação dos chamados fotógrafos documentaristas. Eles eram profissionais que, geralmente contratados pelo governo local, “eternizavam” por meio de suas imagens as construções e as cidades que estavam à beira do desaparecimento por causa das intensas reformas urbanas do período.

“A câmera começou a duplicar o mundo no momento em que a paisagem humana passou a experimentar um ritmo de transformações vertiginosas: enquanto um número incontável de manifestações da vida biológica e social está sendo destruído, em breve espaço de tempo, surge um instrumento capaz de registar o que está desaparecendo.” [Susan Sontag, em Ensaios sobre Fotografia] A segunda imagem, por sua vez, explora os processos fotográficos em busca de uma nova linguagem – a fotografia modernista, sobre a qual falaremos no próximo capítulo.


O NASCIMENTO DA FOTOGRAFIA


Foi só depois de séculos de pesquisas e experimentos que chegamos à fotografia como a conhecemos hoje. Pode-se dizer que a câmara obscura, cujo princípio remonta à Antiguidade, está na origem da atual máquina fotográfica. Tratase, grosso modo, de um compartimento fechado que, por meio da luz que entra por um orifício, tem a imagem invertida do exterior projetada em uma de suas paredes. Muitos artistas do Renascimento chegaram a usar a câmara obscura para auxiliá-los no processo de composição de suas obras, antecipando de certa forma o que mais tarde viria a ser o pensamento fotográfico. Mas, neste caso, os registros – feitos geralmente em pintura, desenho ou gravura – eram resultado da interpretação, ou da subjetividade, dos artistas sobre as imagens projetadas. Um registro mais direto dessas imagens foi possível graças à utilização de substâncias sensíveis à luz. A grande questão, no entanto, era impedir que ele esmaecesse e desaparecesse com o tempo. Somente em 1826 o francês Joseph Nicéphore Nièpce conseguiu fixar em uma superfície essa imagem produzida pela luz, o que marcou tanto o nascimento da fotografia propriamente dita quanto o surgimento da figura do fotógrafo e a viabilização do equipamento por ele utilizado – a câmera fotográfica. Em termos de linguagem, a fotografia nasce apoiada em conceitos que já eram defendidos pelos artistas do Renascimento, como os de perspectiva de ponto de fuga – que, por meio de cálculos matemáticos, visam à representação de objetos, pessoas e paisagens em superfícies planas ou bidimensionais.


Ao longo de décadas de desenvolvimento técnico, a fotografia alcançou diversos resultados. Resultados estes que dependeram de vários fatores: do tipo de câmera que era utilizada e da maneira como a foto era revelada (com a utilização deste ou daquele produto químico) até o suporte em que a imagem era fixada (como um papel ou a superfície de uma placa de vidro ou de metal). No século XIX, uma invenção marcaria uma mudança brusca no campo da fotografia: as câmeras portáteis Kodak, fabricadas pela norte-americana Eastman Kodak Company. Elas já vinham carregadas com um filme negativo de 100 poses e a revelação e a ampliação das fotos eram realizadas pela própria indústria. Muitas pessoas, assim, poderiam fotografar sem se preocupar com as etapas de revelação e ampliação em laboratório. O fotógrafo, porém, não teria mais a liberdade de modificar – química ou fisicamente – a imagem final. Alguns fotógrafos do início do século XX produziam obras que quebravam certas barreiras entre a fotografia e o desenho, a pintura e a gravura. Para tal, costumavam acoplar filtros à lente das câmeras ou fotografavam em dias muito nublados, o que favorecia a criação de um véu de luz diferenciado na composição. Outros procedimentos comumente adotados por eles eram a colorização da imagem por meio de produtos químicos e o desfoque proposital dos registros. Este estilo de fotografar foi chamado de pictorialismo.


Veja alguns exemplos:

Constant Puyo Montmartre, ca. 1906 Impress茫o em brom贸leo Metropolitan Museum of Art, EUA

Robert Demachy Struggle, ca. 1904 Goma bicromatada


Peter Henry Emerson A Rushy Shore, 1887–1988 Platinotipia

Peter Henry Emerson Confissões, 1887 Platinotipia

Você já parou para pensar que a maneira como vemos o mundo real faz parte, em grande medida, de um conjunto de crenças e construções pessoais? Confira também o trabalho destes outros fotógrafos pictorialistas: Alfred Stieglitz www.bit.ly/1cW3SoP Edward Steichen www.bit.ly/1g9WQon www.bit.ly/1fj4SGA


Agora observe esta foto, registrada pelo francês Eugène Atget:

Uma Vitrine na Avenue des Gobelins, Paris, 1927 Metropolitan Museum of Art, EUA


Descreva o que você vê. Preste atenção nos detalhes. Você consegue ver todos os planos? Consegue “atravessar” a rua com o seu olhar? A princípio, poderíamos dizer que o artista retratou a vitrine – e os manequins – de uma loja. Mas, se observarmos com mais atenção – assim como fizeram os artistas surrealistas que se inspiravam na obra de Atget –, notamos que o reflexo do vidro dá a impressão de que os manequins ocupam a calçada da rua, feito pessoas sem expressão. Atget chamava seus trabalhos de “documentos”, mas com isso não se referia à fotografia de caráter documental. Muitas de suas fotos eram oferecidas a artistas como fonte de inspiração. E para você? Quais são as suas fontes de inspiração? Ao observar pelo “olho” da câmera fotográfica – seja analógica, seja digital – criamos um recorte pessoal do mundo. Nosso olhar se concentra em detalhes que podem alterar o caráter das coisas que estamos acostumados a ver todos os dias.

A qual geração você pertence – à da fotografia digital ou à da fotografia analógica, que usava rolos de filmes em negativo e produzia fotos impressas em papel?


FOTOGRAFIA MODERNA


“Mas onde começa a ilusão da imagem e onde termina sua realidade?” Lançado pelo curador da exposição Moderna para Sempre, Iatã Cannabrava, esse questionamento é bastante interessante para que possamos pensar a fotografia modernista produzida entre os anos 1940 e 1960 no Brasil. Observando a imagem abaixo, de Geraldo de Barros, quais são as semelhanças e as diferenças entre o que vemos nela e o que comumente entendemos como fotografia?

Geraldo de Barros Sem Título, Cemitério do Tatuapé, 1949


Repare que o artista fez um desenho sobre o negativo da imagem original – o registro fotográfico de um pedaço de chão fincado por duas placas de madeira. Desconstruindo e ressignificando esse registro inicial, Barros faz com que a composição sugira a presença de uma ave de rapina no local fotografado. O trabalho de Barros condiz com os pressupostos modernistas, que puseram em xeque a definição da fotografia como representação da realidade.

“No começo do século XX, seguindo a torrente de mudanças que ocorriam no campo da cultura, a fotografia artística alinhou-se aos movimentos modernistas, redefinindo suas bases estéticas. Tratava-se simultaneamente de pôr abaixo o esteticismo pictorialista e dotar a fotografia de um projeto inteligente, atuante e contemporâneo às aspirações revolucionárias da arte moderna.” [Helouise Costa e Renato Rodrigues da Silva, em Fotografia Moderna no Brasil] Nos anos 1920, experiências internacionais – como os fotogramas de Man Ray [link para www.bit.ly/KHpPS3] e Moholy-Nagy [link para www.bit.ly/1dPIlUL] e as colagens e fotomontagens dos dadaístas – inauguraram uma série de pesquisas que exploravam a fotografia como linguagem. No Brasil, esse movimento de renovação ganhou espaço com o Foto Cine Clube Bandeirante, criado em São Paulo, em 1939, por um grupo de fotógrafos e pesquisadores de fotografia.


O crescimento do clube se deu de forma vertiginosa – assim como a capital paulista dos anos 1940, conhecida então como a metrópole econômica do país. Influenciado pelas teorias da Gestalt [link para www.bit.ly/1d1aDWv], Barros entrou para o grupo em 1949. Ele ousou nos jogos de luz e sombra e rompeu com o processo fotográfico tradicional. Através de experimentos baseados em montagens fotográficas, múltiplas exposições da mesma chapa, superposições e desenhos sobre o negativo, o artista questionou os limites e alargou as possibilidades da fotografia. Observe – em imagens que compõem uma de suas séries mais conhecidas, a Fotoforma – um pouco do pensamento visual que Barros desenvolveu nos anos 1950. Perceba as diversas técnicas utilizadas para atingir o resultado visual desejado.

Abstrato, Estação da Luz [série Fotoforma], 1949 fotografia [superposição de imagens no negativo]

Fotoforma, Pampulha, Belo Horizonte, 1951 fotografia [superposição de imagens no fotograma], 3/15


Fotoforma, Estação da Luz, São Paulo, 1950 fotografia [cópia a partir de negativo recortado, prensado entre duas placas de vidro]

Em 1952, Barros passou a integrar o Grupo Ruptura, ao lado de Waldemar Cordeiro, Luiz Sacilotto e Lothar Charoux, entre outros. E em 1966, com Wesley Duke Lee, Nelson Leirner, Carlos Fajardo, Frederico Nasser e José Resende, criou o Grupo Rex. Outros grandes pioneiros da fotografia moderna brasileira – que também fizeram parte do Foto Cine Clube Bandeirante – foram José Yalenti e German Lorca. Sócio fundador do grupo, Yalenti iniciou sua produção no período do pictorialismo, mas em seguida desenvolveu uma rica pesquisa na qual explorou a potência da luz na fotografia. Em suas imagens, o artista evidenciou determinadas linhas, volumes ou planos de objetos e paisagens. Explorando a geometria de arquiteturas e reforçando o olhar do artista como parte fundamental da composição, ele se dedicou especialmente ao estudo da forma.


Olhando para a imagem abaixo, não temos a sensação de que a escadaria – registrada em alto-contraste – beira o irreal?

José Yalenti Evanescente, 1945

“Os enquadramentos em ângulos tortuosos e insólitos desnudam a função da fotografia como forma do exercício do olhar.” [Arlindo Machado, em A Ilusão Especular – uma Introdução à Fotografia]


German Lorca Pernas, 1970

A obra de German Lorca também contesta a ideia da fotografia como representação da realidade. Segundo ele, a fotografia é, antes, a “codificação” da realidade em imagem. Conhecido por suas referências imagéticas ao surrealismo, Lorca tece relações entre imagens e nos propõe um olhar investigativo sobre a forma.

“Perceber a fotografia como uma linguagem que não precisa limitar-se a denunciar ou referendar o espaço-tempo e permitir que, ao esvaziar o referente do seu sentido mais imediato, ela


se liberte para pesquisar novas possibilidades semânticas foram alguns preceitos que pautaram esses modernistas tardios.” [Eder Chiodetto, em O Elogio da Vertigem – Coleção Itaú de Fotografia Brasileira]

Você também pode ler: COSTA, Helouise; SILVA Renato Rodrigues da. Fotografia moderna no Brasil, São Paulo, Cosac Naify, 2004. CHIODETTO, Eder. O elogio da vertigem – Coleção Itaú de fotografia brasileira, catálogo Maison Européenne de la Photographie, Paris, 2012. MACHADO, Arlindo. A ilusão especular – introdução à fotografia, Brasiliense/Funarte, 1984. SONTAG, Susan. Ensaios sobre fotografia, Rio de Janeiro, Arbor, 1982.


GLOSSÁRIO DE TERMOS FOTOGRÁFICOS

Ampliação É a imagem fotográfica finalizada em um suporte – geralmente o papel – e também o nome do processo seguido para a sua obtenção. Para fazer uma ampliação é necessário o uso de um equipamento especial, o ampliador, que projeta o negativo sobre a folha de papel fotográfico, aumentando seu tamanho. O papel fotográfico possui uma camada de emulsão sensível e é colocado em banhos químicos que revelam a imagem projetada, resultando, então, numa ampliação. As primeiras “câmeras solares” – ancestrais dos modernos ampliadores – foram difundidas a partir de meados da década de 1860, mas, ainda assim, tiveram uso muito limitado. Filme negativo Matriz fotográfica que apresenta as cores ou os tons invertidos em relação ao tema original. Na fotografia em preto e branco, as áreas claras do negativo se convertem nas áreas escuras da ampliação, e vice-versa. O mesmo fenômeno ocorre na fotografia colorida, com a diferença de que as cores vistas no negativo são transformadas em suas cores complementares.


Fotograma É a unidade do filme fotográfico processado, ou seja, do negativo. Um filme de 36 poses, por exemplo, gera 36 fotogramas. O termo serve igualmente para denominar a fotografia obtida sem o auxílio da câmera, mas pela colocação de um objeto opaco ou translúcido diretamente sobre o material fotossensível. Fotomontagem Termo genericamente empregado para designar a associação de duas ou mais imagens, ou fragmentos delas, para gerar uma nova. São diversos os processos capazes de gerar imagens dessa forma. O mais simples deles é a colagem. Outros são a montagem a partir dos negativos fotográficos – no caso da fotografia analógica – e a manipulação da imagem por meio de um programa de computador – no caso da fotografia digital. Goma bicromatada Processo artesanal em que o fotógrafo produz os próprios papéis fotográficos. Esses papéis eram recobertos por uma camada de goma bicromatada – composta da mistura de goma arábica com dicromato de potássio –, na qual podiam ser adicionados pigmentos de qualquer cor. Surgido em 1894, foi um dos processos mais apreciados pelos fotógrafos pictorialistas, permanecendo em voga até a década de 1920, por virtude de possibilitar o uso da cor e um grande controle sobre a formação da imagem – e por gerar registros cujo acabamento podia evocar tanto o aspecto de uma gravura quanto o de um desenho a carvão ou pastel. Impressão em bromóleo Este processo – que consiste basicamente no branqueamento de fotografias em papel de brometo e seu posterior revestimento


com um pigmento oleoso – produz um acabamento com textura semelhante ao da pintura a óleo e foi um grande sucesso entre os fotógrafos pictorialistas até a década de 1920. Posteriormente foi adotado por alguns integrantes do movimento fotoclubista no Brasil.

Platinotipia Processo de produção de positivos sobre papel, criado pelo inglês William Willis em 1873. Utiliza, como materiais fotossensíveis, sais de ferro e platina precipitada, resultando numa imagem impregnada na fibra do papel e dotada de fina e rica gradação tonal. É, sem dúvida, o processo mais estável empregado durante o século XIX. Produzidos industrialmente entre 1873 e 1937, esses papéis foram sendo gradativamente abandonados a partir da década de 1920, em virtude do aumento do preço da platina, voltando a ser adotados por fotógrafos que, nos anos 1960, os produziam artesanalmente. Revelação Processo que torna visível, por meio de soluções químicas, a imagem que foi gravada no negativo e no papel fotográfico. A revelação pode ser realizada de diversas maneiras e o controle deste processo é determinado pelo fotógrafo – resultado então de sua interpretação pessoal. Note que a revelação fotográfica é um processo utilizado somente na fotografia analógica, e não na digital.

Fontes: Caderno técnicas fotográficas/atividades. Caixa de Cultura Fotografia: história e técnica. São Paulo: Itaú Cultural, 1999.


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Núcleo de Educação e Relacionamento Gerência Valéria Toloi Coordenação Samara Ferreira Concepção do Material Claudia Malaco Paula Pedroso Raphael Giannini


Homem Guarda-Chuva [Umbrella Man], 1954, de German Lorca imagem da capa: Passarela – Largo Ana Rosa [Walkway, Ana Rosa Square], ca. 1950, de Ademar Manarini

Alvará de Funcionamento de Local de Reunião – Protocolo: 2012.0.267.202 – Lotação: 742 pessoas Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB) – Número: 131137 – Vencimento: 9/9/2014

itaú cultural avenida paulista 149 são paulo sp 01311 000 [estação brigadeiro do metrô] fone 11 2168 1777 fax 11 2168 1775 /itaú cultural itaucultural.org.br atendimento@itaucultural.org.br


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