André Furtado, Carla Chagas e Kety Fernandes Nassar
Conselho editorial
Maya de Paiva (até fevereiro de 2025), Mayra Oi Saito,
Tayná Menezes e Vitor Narumi
Produção e edição de texto; pesquisa
Heloísa Iaconis e Icaro Mello
Produção editorial
Pamela Rocha Camargo
Supervisão de revisão de texto
Tatiane Ivo
Revisão de texto
Karina Hambra (terceirizada)
Projeto e produção gráficos
Guilherme Ferreira
Fotos
Agência Ophelia (terceirizada), André Seiti e Coleção Ana Mae Barbosa
Colaboração
Clarissa Diniz, Maya de Paiva e Vitor Narumi
Depoimentos
Daniella Zanellato, José Minerini Neto, Lilian Amaral, Liliana Dell Agnese, Regina Machado e Sabrina Ribeiro
São Paulo, 2025
Sumário
Editorial
Ana Mae Barbosa: água mole em pedra dura por Clarissa Diniz
Mediação cultural: entre a curadoria, o museu e a escola por Maya de Paiva, em colaboração com Vitor Narumi
Anatomia de um propósito por Heloísa Iaconis
Um legado de generosidade por Icaro Mello
Uma rede de educadores depoimentos de Daniella Zanellato, José Minerini Neto, Lilian Amaral, Liliana Dell Agnese, Regina Machado e Sabrina Ribeiro
O retrato do pai pelos jovens artistas palestra de Paulo Freire na Semana de Arte e Ensino na USP (1980)
Álbum de fotos
Pelos passos de Ana Mae
Colares, viagens, manifestos
“[...] a arte é o esforço do ser humano para representar o mundo ao seu re-
dor e representar também os ritmos constantes da vida.
”
Ana Mae Barbosa no programa Roda Viva (TV Cultura), em 1998, reverberando a visão do poeta e crítico de arte britânico Herbert Read (1893-1968)
Ao fazer uma revisão da Abordagem Triangular, livrando-se dos traços prepotentes do termo metodologia, 1 Ana Mae Barbosa afirma-se como uma acolhedora de mudanças – sempre a postos, com sua inteligência crítica e criativa. Inquieta e em curso, como o tempo, a arte, a gente. No exercício contínuo de reorganização do pensamento, ela conta com o auxílio de suas ex-orientandas (referidas aqui no feminino, como escreve Ana, por serem maioria, sem, contudo, excluir sujeitos com outras identificações). E é essa conexão que ganha protagonismo nas páginas a seguir. Daniella Zanellato, José Minerini Neto, Lilian Amaral, Liliana Dell Agnese, Regina Machado e Sabrina Ribeiro festejam a orientadora Ana Mae, mestra que combina na prática o incentivo à autonomia, o ímpeto realizador, a sensibilidade para a escuta, a elaboração coletiva de conhecimento e os jeitos de habitar (e, não raras vezes, transformar) os labirintos acadêmicos. Seis depoimentos que revelam percursos de formação docente constituídos de muito estudo, confiança e carinho. Uma professora a formar mais agentes de uma educação que se cumpre como um modo de libertação.
Libertação do indivíduo, como ensinou Paulo Freire, de quem Ana foi aluna em Pernambuco, quando frequentou um preparatório a fim de passar no então exame anual para lecionar na rede pública. Dali em diante, mesmo período em que a ela se agarrou o ofício de arte-educadora, a nossa homenageada nunca abriu mão do diálogo com a pedagogia freiriana. Essa conversa, refletida na ética de trabalho e nas trocas dessas duas referências do nosso educar, é representada, nesta publicação, pela conferência de Freire na Semana de Arte e Ensino na Universidade de São Paulo (USP), em 1980, feita a convite de Ana e cuja transcrição, perdida por décadas, foi encontrada durante as pesquisas para 1. Nas palavras de Ana Mae: “Hoje, depois de anos de experimentação, estou convencida de que metodologia é construção de cada professor em sua sala de aula e gostaria de ver a expressão Proposta ou Abordagem Triangular substituir a prepotente designação Metodologia Triangular. Problemas semânticos nunca são apenas semânticos, mas envolvem conceituação” (BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino da arte: anos 1980 e novos tempos. 8. ed. São Paulo: Perspectiva, 2010. p. 26-27).
a Ocupação Ana Mae Barbosa. “Como é, Paulo, você aceita?” E ele aceitou encarar o frio da capital paulista, apesar do cansaço, para falar de assuntos e pessoas de grande valia.
Maya de Paiva e Vitor Narumi também não fugiram do desafio de compartilhar questões a respeito de temas que lhes são caros: a mediação cultural (apreendida em sua práxis educativa), a atividade no campo da curadoria e o caráter político-social dessas tarefas, em sintonia com o que diz Ana Mae. Já os textos de Heloísa Iaconis e Icaro Mello abordam a experiência de, no lugar de jornalistas (adeptos, por profissão e desejo, da ambiguidade interdisciplinar, 2 pertencentes a demais saberes), terem sido interlocutores curiosos e comovidos dos relatos de Daniella, Neto, Lilian, Liliana, Regina e Sabrina. Assinando as linhas de teor propriamente curatorial, Clarissa Diniz enfatiza a atuação múltipla e corajosa de Ana, uma esperança ativa na luta pelo direito de aprender com as artes, cerne da cidadania plena.
Há, ainda, à disposição de quem nos lê, um compilado de marcos e eventos que compõem a trajetória particular e colaborativa de Ana Mae, a qual se entremeia com a história da arte-educação. E não podemos nos esquecer da apreciação visual: fotos da professora em momentos diversos e dos seus colares (símbolos da sua construção identitária, do seu apreço pela interculturalidade, das suas viagens e dos seus afetos), além do projeto gráfico de Guilherme Ferreira, completam esta publicação dedicada à mulher que defende a qualidade humanizadora da leitura das imagens artísticas. A estas folhas, somam-se, como componentes essenciais da Ocupação Ana Mae Barbosa, a mostra (aberta ao público até 13 de julho de 2025, na sede do Itaú Cultural) e um site com conteúdos exclusivos (itaucultural.org.br/ocupacao), uma trinca de possibilidades para celebrar a educadora que entende, por ela e pelos outros, que ainda não fomos terminados, que vamos mudando.
2. Em entrevista ao programa Roda Viva (TV Cultura) de 12 de outubro de 1998, Ana Mae Barbosa ressalta a necessidade de existir uma “tolerância à ambiguidade interdisciplinar”. Para ela, “a salvação da aprendizagem universitária está na interdisciplinaridade”.
Como Riobaldo, personagem de Guimarães Rosa3, Ana tem nos ensinado que isto, o estado constante de movimento e formação, é o mais importante e bonito no mundo.
Itaú
Cultural
3. Narrador-protagonista do romance Grande sertão: veredas (1956), de João Guimarães Rosa.
Ana Mae Barbosa: água mole em pedra dura
por Clarissa Diniz
Foi na capital pernambucana que Ana Mae Barbosa cursou o magistério e teve, na Escolinha de Arte do Recife, o primeiro contato com a educação artística. Já na década de 1950, ela compreendeu a importância da arte para a produção de conhecimento. A partir daí, dedicou-se a investigar, na teoria e na prática, as dinâmicas pedagógicas e o exercício criador, colaborando na definição do campo da arte-educação.
Ela fundou escolinhas de arte, desenvolveu projetos arrojados de formação de educadores, organizou simpósios, ocupou-se da concepção de políticas educacionais e culturais, tornou-se docente universitária no Brasil, foi professora visitante em diferentes universidades estrangeiras, construiu linhas de pesquisa, orientou centenas de estudantes, envolveu-se com associações nacionais e internacionais de arte-educação, atuou como diretora de museu, publicou dezenas de livros... Em meio a essas tantas atividades, Ana Mae mantém o compromisso em favor do ensino de arte nas escolas, a fim de que as crianças e os adolescentes de seu país tenham assegurado o seu direito à educação não apenas para as artes, mas principalmente com elas.
Marcada por formas colaborativas do fazer, sua atuação plural produziu diálogos críticos e politicamente engajados com educadores e artistas ao redor do mundo. Não à toa, em entrevista para Elisabete Oliveira, concedida em 2009, sobre o que destacaria de sua trajetória, Ana respondeu: “Apontar e trabalhar a relação entre arte-educação e política: política cultural, política de gênero, política racial e política de dominação, política/poder”.
Ana Mae Barbosa deixa-nos saber que, ao longo de 70 anos de trabalho, seu lema tem sido “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”: uma metáfora bonita para a nossa homenageada, cuja vida é uma alegre, criativa, coletiva e, sobretudo, persistente luta pela arte-educação.
Clarissa Diniz (ela/dela), cocuradora da Ocupação Ana Mae Barbosa, pesquisadora, educadora e crítica de arte. Graduada em artes plásticas pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), é mestra em história da arte pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e doutora em antropologia cultural pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Mediação cultural: entre a curadoria, o museu e a escola
por Maya de Paiva, em colaboração com Vitor Narumi
Qual é a importância da mediação em uma instituição cultural? E qual é o papel de uma equipe educativa na relação com os públicos e as outras equipes institucionais? Essas perguntas são frequentes em espaços culturais, sobretudo porque há uma variedade de entendimentos a respeito desse campo de atuação e, portanto, uma diversidade de práticas, estruturas e recursos para o seu estabelecimento e a sua profissionalização.
Diante disso, a Ocupação Ana Mae Barbosa reafirma a relevância da arte-educação para uma formação crítica e emancipatória dos sujeitos, bem como a necessidade de um processo formativo constante e da valorização das pessoas que trabalham nesse setor. A trajetória e o pensamento de Ana Mae são fundamentais não só na defesa do ensino de artes nas escolas, mas também na consolidação da atuação de arte-educadores em outras circunstâncias: na universidade, no ensino não formal e – por que não? – na concepção, na pesquisa e na curadoria de uma exposição.
Propomos este relato como pessoas mediadoras que vêm realizando, nos últimos meses, um mergulho no universo sensível, denso e multicultural de Ana Mae Barbosa. Essa experiência tem proporcionado ricas reflexões sobre o nosso próprio fazer pedagógico-político-artístico, dentro e fora do Itaú Cultural (IC). É inspirador notar que, há décadas, essa “mãe” da arte-educação elabora estratégias teórico-práticas que até hoje fundamentam nosso ofício. O seu trabalho como diretora do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC/ USP), por exemplo, representa um marco para a estruturação de equipes educativas em museus; o seu desejo de borrar as fronteiras entre os ambientes museal e escolar continua nos inspirando. Não por acaso, é no MAC que foi sistematizada, com o núcleo educativo, a Abordagem Triangular, que se tornou a base do ensino de arte no Brasil, comprovando a complementariedade entre escola e equipamento cultural.
Ora, então por que não assumir que os espaços culturais são, em si mesmos, também educativos? Ao promover o encontro de pessoas de contextos diversos e reflexões críticas sobre o eu e o mundo, além de enaltecer e difundir a produção artístico-cultural de um povo, esses espaços se tornam locais privilegiados de formação, partilha e construção de conhecimento. Quem atua na arte-educação reconhece a
potência formativa desses encontros, sendo papel nosso mediar essa experiência e colaborar no acesso e na criação de saberes de maneira coletiva. É nessa relação de ensino-aprendizagem horizontalizada e dialógica – e aqui cabe ressaltar a influência direta de Paulo Freire –que reside a preciosidade do nosso trabalho, tanto para quem visita os espaços culturais quanto para o exercício de repensar a educação e as próprias instituições.
Assim como a nossa homenageada, entendemos que a “mediação cultural é social”, 1 capaz de aguçar os sentidos para a arte, a história, a imaginação e a reflexão crítica. Com isso em mente, Ana Mae propõe uma reconfiguração do destaque dado à educação nas organizações museais. Já em 1989, ela afirmava: “As atividades do arte-educador e do curador são complementares: interpretar uma exposição é tão importante quanto instalá-la! São atividades que têm como suporte teorias estéticas, conceituação de espaço e de tempo”. 2 É uma proposta radical que se aponta com essa afirmação, ainda mais considerando a hierarquização tradicional de ambas as funções. Nesse sentido, a participação ativa da equipe de Mediação Cultural e Relacionamento do IC na realização, na pesquisa e na curadoria desta homenagem a uma das maiores referências da arte-educação nos parece uma maneira justa de honrar e concretizar o seu legado.
Por fim, cabe ressaltar que este texto parte da vontade de materializar uma das provocações de Ana Mae em relação à falta de produções escritas por arte-educadoras em publicações de exposições.3 Por isso, em
1. BARBOSA, Ana Mae. Mediação cultural é social. In: BARBOSA, A. M.; COUTINHO, R. G. (org.). Arte/educação como mediação cultural e social São Paulo: Editora Unesp, 2009. p. 13-22.
2. BARBOSA, Ana Mae. Arte-educação em um museu de Arte. Revista USP, São Paulo, n. 2, p. 126, 1989. Disponível em: revistas.usp.br/revusp/article/ view/25467/27212. Acesso em: 27 dez. 2024.
3. BARBOSA, 2009, p. 20.
diálogo com a natureza reflexiva das nossas mediações cotidianas, aqui lançamos algumas considerações sobre temas que nos são caros, convidando quem nos lê a pensar respostas e rumos conosco. A obra de Ana nos convoca a seguir lutando a favor da mediação cultural e acreditando no caráter político-social do nosso trabalho, perspectiva que está demarcada, aliás, nas escolhas curatoriais e de pesquisa da Ocupação Ana Mae Barbosa. Entendemos que há um longo percurso para o reconhecimento pleno da arte-educação no país e, por esse motivo, concebemos a mostra como uma possível contribuição nessa caminhada coletiva.
Maya de Paiva (ela/dela), cocuradora da Ocupação Ana Mae Barbosa, atriz, mediadora cultural e pesquisadora travesti pernambucana. Bacharela em filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), estuda na Escola de Arte Dramática (EAD) da mesma instituição e desenvolve trabalhos teóricos e artísticos que mobilizam teatro, performance e filosofia, construindo reflexões sobre corpo, colonialidade e transfeminismos. Desde 2019, realiza também pesquisa, curadoria e mediação em instituições culturais.
Vitor Narumi (ele/dele), cocurador da Ocupação Ana Mae Barbosa, artista, produtor e mediador cultural transmasculino nascido em Mogi das Cruzes (SP). Bacharel em artes visuais pelo Centro Universitário Belas Artes, realizou também o Mestrado Profissional em Artes da Cena: Laboratório em Artes e Mediação Cultural, da Escola Superior de Artes Célia Helena e da Escola Fundação Itaú. Desde 2017, atua como artista, oficineiro e na área de arte-educação em museus.
Anatomia de um propósito
por Heloísa Iaconis
Da pré-adolescência, guardo em mim lembranças da descoberta de Tarsila do Amaral e Andy Warhol. Àquela altura, era eu aluna de um educador que se punha de tal modo a serviço da vocação para o ensino das artes que fez parecer natural o fascínio curioso por uma lua modernista ou por 32 pinturas de uma lata de sopa. Uma vez por semana, na sala-ateliê, conhecer, apreciar, discutir obras me colocava em contato com um sentimento que, até hoje, define a minha relação com o fazer artístico e o estudo: uma alegria compromissada. Trata-se de um estado de graça que só se sustenta com análise crítica, ampliando, em simultâneo, as possibilidades do sentir e do pensar. Nessa época, com as aulas do Batata (eis o apelido com o qual o professor se apresentava para as crianças), fui a museus, experimentei pintar paisagens com nanquim, procurei trabalhos de Tomie Ohtake pelas ruas de São Paulo, reinventei a avó que nunca tive (a mãe do meu pai, que, tendo morrido meses antes do meu nascimento, se conecta comigo por meio das telas que ela criou – herança a óleo). Cresci amiga do estranhamento causado pelo não entender e do prazer vindo da busca pela reunião de sentidos. Tudo isso por ter sido aluna de José Minerini Neto, o nome por trás da alcunha divertida e, principalmente, da formação acolhedora e preciosa que reavivo aqui. Quando menina, eu mal atinava que Neto, assim como outros mestres (a começar em família: a minha tia, professora de geografia e excelência há mais de cinco décadas), estava me ensinando a ver com olhos que perguntam. E que ele havia aprendido essa postura com Ana, sempre Ana.
Quinze anos depois, quinze anos mais velha, reencontro Neto, agora em uma entrevista para esta publicação. A conversa gira em torno de Ana Mae Barbosa, que o orientou no doutorado. Neto, como vocês podem ler nas páginas a seguir, frisa que, com ela, compreendeu que toda e qualquer expressão artística deve ser percebida com o mesmo grau de respeito. Entregue à escuta dessa e de demais falas, acabo por me dar conta de algo certo: foi ele quem me provocou para uma disposição respeitosa diante de toda e qualquer criação artística. Ana Mae, cuja existência é dedicada à luta por uma educação com as artes, tem formado professores igualmente empenhados no ofício de batalhas e encantos. E eu, como tantas outras pessoas, sou em muito resultado dos esforços de
gente que se fez e faz a partir das lições da nossa homenageada. Não por dedução ou reincidência no terreno dos clichês, mas sim em virtude da experiência com processos de aprendizagem (como estudante e também educadora), observo emocionada esse exercício contínuo de compartilhar conhecimentos a favor de uma arte-educação emancipatória em Neto e não apenas nele. Em Daniella, Lilian, Liliana, Regina e Sabrina. Em Ana, sempre Ana.
Os bate-papos que estruturam estas folhas me colocaram ora em comoção, ora em pontos de interrogação, interessada em explorar cada referência. Em contato com depoimentos de gerações de docentes (incluindo, aliás, a transcrição da palestra de Paulo Freire na Semana de Arte e Ensino), noto que se abre à nossa frente a anatomia de um propósito. Temos uma organização – composta de sujeitos diversos e, portanto, coletiva – do objetivo maior: o educar como prática libertadora, apta ao combate às opressões e desigualdades, capaz de garantir a todos o direito às leituras (da palavra, da imagem e do mundo), ao entendimento político, à argumentação, ao grito e ao sublime. As vozes que se unem nesta publicação (e, ainda, no espaço expositivo e no site que, juntos e diferentes, constroem a Ocupação Ana Mae Barbosa) estão em harmonia com essa intenção vital, dando materialidade, em suas trajetórias, ao projeto de cidadania ampliado e difundido pela persistência firme e generosa de Ana, sempre Ana.
Preferindo a realização em grupo, Ana Mae cumpre-se como uma constelação, não como uma estrela só. Nessa esfera celeste, celeste porque humana, ela educa o outro para as artes e para o educar. E esse outro, como missão, educa mais um (também para as artes e, em alguns casos, para o educar). Configuram-se, desse jeito, com rigor e paixão, conjuntos de indivíduos prontos para, mais do que transmitir saberes, afetar aqueles que chegam depois. Conjuntos, correntes, colares (estes tão valiosos para Ana), aos quais fui apresentada em idade garota pelas mãos de Neto. Ou melhor, do Batata. Por ter sido aluna dele (que, por sua vez, foi aluno de Ana Mae Barbosa), sinto as ideias dela como medulares de quem sou (inclusive, educadora) bem antes de me deparar com elas (no contexto da universidade e, agora mais detidamente,
em razão da mostra em cartaz no Itaú Cultural). Primeiro, o imaginário e a sensibilidade desenvolvidos com Tarsila e Warhol; mais tarde, a tarefa de pesquisa e ordenação intelectual. Constato que, na verdade, a nossa mestra sempre esteve presente em mim. E, ao reparar nisso, os meus olhos que perguntam se molham, agradecidos a Neto e Ana, sempre Ana.
Heloísa Iaconis (ela/dela), jornalista, professora, pesquisadora na área de literatura e gente da escrita e do aprender. Formada em jornalismo e em letras pela Universidade de São Paulo (USP), atua tanto no campo da cultura e das artes quanto na educação. No Itaú Cultural, participou da produção de conteúdos para edições da Ocupação em homenagem a nomes como Manoel de Barros, Lydia Hortélio, Alceu Valença, Sueli Carneiro, Maria Bethânia, Machado de Assis e Oswald de Andrade.
Um legado de generosidade
por Icaro Mello
Descobrir o outro é desvendar um pouco de si – seja por meio do estudo de uma obra intelectual ou artística, da pesquisa em acervos pessoais ou, especialmente, da conversa, do diálogo e do ensino-aprendizagem. Nessas trocas, construímos pontes das mais diversas: afetivas, históricas, epistemológicas. São pontes que conectam, mas também que dissolvem a rigidez de territorialidades, estratificações e distanciamentos, criando – em seu lugar ou alhures – outros conjuntos de significados, de pertencimentos e de identidades. Da mesma maneira que o contato com a arte nos transforma, seja pela potência transcendental da imaginação ou pela consciência de que, como sujeitos, não caminhamos sozinhos pelo mundo – nossas alegrias, tristezas, conquistas e sonhos são compartilhados –, o contato com as pessoas nos amplifica e nos sintoniza, mesmo quando nos antagonizamos com o outro.
Devaneios à parte, isso tudo ganha um potencial ainda maior com o compartilhamento – e não apenas de seu resultado, mas de seu processo. Livros, exposições, artigos de jornal, documentários e entrevistas, entre muitos outros, conseguem abrir uma pequena fresta para toda a riqueza que as pessoas se dispõem a dividir com os outros. Abrir as portas e as janelas da própria vida para que os outros conheçam seu percurso é um imenso processo de generosidade, e eu tive o privilégio, em tantos anos de experiência profissional com cultura e arte, de encontrar diversas pessoas dispostas a serem conhecidas. Entendo que meu compromisso, como agente cultural, produtor, jornalista e historiador, é compartilhar a dimensão humana de cada um daqueles que tenho a honra de conhecer: a pessoa que tem sonhos, crenças, dilemas e contradições, que vai ao mercado, que fica doente, que se cura e que, no meio desse mosaico todo, constrói e muda a sociedade.
Essa generosidade me parece ainda mais latente em pessoas educadoras. Sua disponibilidade e disposição para compartilhar sua vida e seu trabalho dividem espaço com seu profundo interesse em conhecer o outro e o que o trouxe até aqui. Enquanto essa disposição é perceptível nos produtos culturais resultantes de pesquisas e entrevistas, o interesse em conhecer o outro reside apenas, num primeiro momento, no entrevistado e no entrevistador.
Apesar de não ter construído minha trajetória na educação, minha formação (escolar, acadêmica e profissional) foi fortemente marcada pela perspectiva de inúmeros educadores: desde meus próprios professores e amigos até intelectuais, como Ana Mae Barbosa. Conheci o trabalho de Ana Mae durante a faculdade, influenciado por um grande professor do Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP), um dos poucos, naquela época, declaradamente preocupados com a formação de professores. O encanto foi imediato.
Anos mais tarde, por iniciativa do Itaú Cultural, fui chamado para reformular um curso de história da arte oferecido para colaboradores da organização. O modelo anterior convidava professores da área para apresentar um panorama da história da arte brasileira. Como havíamos inaugurado o Espaço Olavo Setubal, que traz um recorte da Coleção Brasiliana Itaú, tínhamos uma oportunidade incrível de elaborar um programa que dialogasse diretamente com os alunos e a instituição. Para isso, revisitei e me encantei novamente com a obra de Ana Mae, de tal maneira que acabei me tornando professor do curso.
Uma década depois, tenho o prazer de trabalhar em uma exposição em homenagem à educadora e de conhecê-la pessoalmente. E, ainda mais transformador, de conhecer o impacto causado por seu trabalho e sua vida. Todas as entrevistas que realizamos para esta publicação deixaram evidentes a paixão, o afeto e a admiração que as pessoas sentem por Ana Mae. Seu trabalho transforma seus alunos e orientandos; e, como um micélio, seu legado se espalha.
A dimensão visível das trocas que construímos na Ocupação Ana Mae Barbosa você encontra nesta publicação, no espaço expositivo e no site do projeto. Já o que não conseguimos traduzir em palavras, convido vocês a conhecerem investigando, construindo seus caminhos e compartilhando-os em conversas com outras pessoas.
Icaro Mello (ele/dele), produtor de conteúdo, editor, poeta, escritor, pesquisador e jornalista. É formado em história pela Universidade de São Paulo (USP) e graduando em filosofia na mesma instituição. No Itaú Cultural, ajudou a produzir edições da Ocupação em homenagem a Abdias Nascimento, Antonio Candido, Aracy Amaral e Sueli Carneiro, entre outros.
“Só um fazer consciente e informado torna possível a aprendizagem em Arte.”
Ana Mae Barbosa no livro A imagem no ensino da arte: anos oitenta e novos tempos (1991)
Uma rede de educadores
depoimentos de Daniella Zanellato, José Minerini Neto, Lilian Amaral, Liliana Dell Agnese, Regina Machado e Sabrina Ribeiro
Falar de Ana Mae Barbosa para um professor é o prelúdio de um sorriso e de uma deliciosa conversa. Sua percepção da importância da arte-educação – área da qual foi pioneira no Brasil – nos remete imediatamente ao pensamento de Paulo Freire, em especial no que se refere aos papéis transformadores e emancipatórios da educação. Com uma abordagem pautada pelo diálogo, pela experiência e pela autonomia do aluno, Ana Mae nos lembra de que a arte não deve ser apenas contemplativa, mas uma ferramenta para a reflexão crítica e a transformação social.
O potencial transformador – e de conexão entre os sujeitos – das propostas de Ana Mae nos provocou uma reflexão: por onde se ramifica a rede formadora que ela construiu? Para tentar responder a essa pergunta, entrevistamos seis pessoas educadoras que foram suas orientandas em pesquisas de mestrado e doutorado e que desenvolveram uma parceria com Ana Mae que transcendeu os limites da academia, construindo laços de afetividade e uma visão de mundo – e do futuro desse mundo – cheia de coragem, esperança e força.
Conheça, nas próximas páginas, um pouco do percurso de cada uma dessas pessoas, das suas pesquisas e do seu afeto profundo pela nossa homenageada.
Daniella Zanellato
(ela/dela)
Professora de arte do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), é licenciada em artes visuais pela Faculdade Belas Artes de São Paulo, mestra em educação pela Universidade de São Paulo (USP) e doutora em artes pela mesma instituição. Foi consultora da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e do Ministério da Educação (MEC). Atuou na formação de professores nas licenciaturas da USP e da Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp) e no Laboratório Didático de Educação Especial da USP (Ladesp/Feusp).
Eu fui orientanda de doutorado de Ana Mae Barbosa na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, durante o período da pandemia de covid-19. Nesse processo, aconteceram alguns entrecruzamentos nas nossas vidas que foram significativos para fortalecer ainda mais o vínculo de orientanda e orientadora. Muito antes de ser orientanda, fui aluna dela. E, antes de ser aluna, já buscava trabalhar, nas minhas aulas de design, caminhos que pudessem dialogar melhor com os alunos. A Abordagem Triangular faz isso, traz esse diálogo de uma maneira bem próxima, perpassado pela arte, pelo design. Ela faz essa leitura do meio, da imagem com o contexto e também com a produção, seja arte, seja design.
É interessante porque é como se a arte-educação estivesse sempre presente na minha trajetória. Durante a minha graduação em desenho industrial, em 1997, que teve um formato ainda bem bauhausiano, já estava envolvida com arte-educação, pois trabalhava como professora da educação infantil e do ensino fundamental. A terminologia “arte-educação” amalgamou algo que eu vivenciava e não sabia que existia terminologicamente nas suas múltiplas manifestações, mas já ziguezagueava, como diz Ana Mae, pelas diferentes esferas de interdisciplinaridade. Depois descobri, fazendo licenciatura em artes e com o desenho industrial – e já tendo contato com a terminologia da arte-educação –, que o design e a arte, para mim, não eram campos distintos.
Encontrei Ana Mae numa conferência que ela deu no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp), por volta de 1999 ou 2000. Fui com a minha mãe. Ana chegou ao palco com uma força, foi muito impactante. Eu me lembro dela entrando com um brilho, um magnetismo – e sempre falo isso para ela –, que parecia que eu estava num encontro de alma com ela. Foi um momento muito forte, fiquei completamente deslumbrada, encantada com a forma como ela trazia os desafios que havia pensado e enfrentado em arte e como encontrava formas de dialogar com aqueles desafios. Foi um dos principais encantamentos que tive, não com respostas, mas com questionamentos e reflexões que ela fazia ali. É como se ela estivesse dialogando especificamente comigo em meio a uma multidão que ocupava, em pleno sábado ensolarado, o Masp. Iniciei a minha carreira como professora e, depois, como consultora de educação em programas de formação nas áreas de arte e cultura com a Unesco, viajando pelo Brasil inteiro e conhecendo diferentes projetos. Nessas imersões, em programas vinculados à Unesco, mas também ao Unicef e ao MEC, comecei a identificar que algumas discussões com relação à arte se faziam mais presentes em algumas regiões. E, nessas regiões, alguns diálogos sobre diversidade e educação inclusiva aconteciam de forma mais ou menos fluida. Naquele momento, eu me aproximei de Ana Mae pelo contato com a Abordagem Triangular, mas foi uma proximidade teórica e acadêmica.
Abri espaço, numa vida profissional que era bastante intensa, como professora universitária e consultora de cultura e educação para formalizar a busca pela pós-graduação. Fiz o mestrado com Cassia Sofiato, na USP, na área de educação inclusiva e com um projeto que se vinculava à arte, numa relação escola-museu. Nesse processo, consegui uma bolsa sanduíche para uma imersão de seis meses na Espanha, na Universidade Autônoma de Madrid. Conversando com Ana Mae, perguntei se ela poderia me indicar uma professora para que eu fosse à Espanha como auxiliar. Ela me passou os contatos e fez todas as cartas de intenção, uma apresentação que me permitiu não só vivenciar um programa de pós-graduação naquela universidade como também participar, como professora, de um programa do bacharelado, com a docente Pilar Pérez Camarero.
Quando virei orientanda de Ana Mae, no doutorado, já existia uma relação de trabalho. E eu havia sido sua aluna no curso de pós-graduação em design. Quando voltei da Espanha, estava acontecendo uma celebração dos seus 80 anos de idade e 60 anos como educadora. Uma grande festa foi feita na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), no Recife, junto a um congresso de arte-educadores. Nele, apresentei três trabalhos em homenagem a Ana Mae e uma performance, que havia feito com um coletivo. Com Rita Nogueira, arte-educadora que trabalha com a relação museu-escola, apresentei também um artigo sobre a nossa vivência na Espanha.
O ingresso no doutorado com ela aconteceu em 2017, nesse meu retorno da Espanha, numa situação política bastante desestabilizada no Brasil. A escolha que fiz por ela – e ela por mim – veio de uma conversa que tivemos em sua casa. Ela disse: “Tenho um tema sobre um evento que aconteceu em 1980 e é bastante interessante porque é desafiador: a Semana de Arte e Ensino. Acho que é um assunto que, se você aceitar ser a minha orientanda, vou abrir uma vaga na ECA para concorrência”.
Quando ela disse isso para mim, achei curioso porque não foi um convite, foi uma informação.
Sempre localizei em suas publicações os caminhos teóricos que me intrigavam e me estimulavam intelectualmente, mas foi na figura dela que encontrei a parceira, a cúmplice, a amiga de todas as horas e os aconselhamentos que se ampliam a uma orientadora acadêmica, a um percurso de orientação de um doutorado. Esse caminho de compreender quem era a pessoa Ana Mae na ditadura, realizando a Semana de Arte e Ensino, um evento para 800 pessoas, mas que chegou a 2,5 mil inscritos, com mais de 3 mil pessoas circulando pela USP – tanto que não coube na ECA, foram utilizados também os prédios da Psicologia, da Poli [Escola Politécnica] e da FAU [Faculdade de Arquitetura e Urbanismo].
Na Semana de Arte e Ensino, a gente encontra bases da Abordagem Triangular que Ana Mae iria experimentar apenas três anos depois, quando aconteceu o Festival de Campos do Jordão, em 1983. Já identificamos, ali, as bases desse pensamento de contextualização do fazer, pois foi o úni-
co movimento nacional que agregou diferentes perfis vinculados à arte e à educação: professores de arte, artistas e educadores como Wesley Duke Lee, Hans-Joachim Koellreutter, Aloísio Magalhães e Paulo Freire.
As nossas orientações, antes da qualificação, passaram por vários momentos. Antes da pandemia, levava tudo impresso, pois ela sempre falou que gostava de ler. Ela gravava e fotografava tudo que era possível, e tem uma boa memória para nomes e datas. Em contrapartida, tive um desafio muito grande na parte documental. Liguei para vários acervos buscando elementos que trouxessem dados documentais e iconográficos sobre a Semana de Arte e Ensino, e foi uma dificuldade imensa de localizá-los.
Normalmente, fazíamos uma leitura. Ela pedia para eu trazer todo o material escrito e ia fazendo as suas observações à mão. Acho interessante porque a escrita de Ana Mae, dialogando com o texto, é dinâmica como o seu pensamento, fazendo uma desconstrução repleta de digressões, que a gente tem de estar muito atenta para conseguir compreender. Acho essa uma questão bastante importante, pois ela abre a sua casa para as pessoas se sentirem à vontade. Por exemplo, o meu convívio com ela me permite hoje, como docente, na minha relação com os alunos, trazer esse diálogo próximo que considera não só as potencialidades, não só essa vivência acadêmica – que muitas vezes é competitiva, é dura. Trabalhamos por uma sociedade mais justa, mais democrática, mais equânime, mais humanizada – mas tudo isso começa nos momentos de diálogo e reflexão com nossos alunos. E isso acontecia nessas orientações.
Quando Ana Mae precisa valorizar, incentivar, ela o faz, assim como quando precisa sinalizar algo. Se ela quiser que você faça uma leitura, vai indicar o livro, independentemente do idioma. Ana Mae sempre me desafiou com perguntas e problemas difíceis, e é isso que me mantém estimulada, porque ela faz com que eu movimente estruturas que, muitas vezes, acredito que haviam encontrado um lugar de acomodação interna. É como se ela viesse, desacomodasse, movimentasse, separasse, soltasse, desestruturasse e falasse: “Olhe novamente para tudo isso e me diga o que você está vendo”.
Com seu olhar, Ana Mae tem uma capacidade de trocar, de estar presente. Uma presença de espírito, de momento reflexivo e de cumplicidade, que é transformadora e intrigante. Porque, numa simples troca de olhares, a gente entende o que tem que pesquisar mais, investigar mais, tratar de uma maneira mais específica.
José Minerini Neto (ele/dele)
Professor e pesquisador vinculado à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP) e autor de material educativo na área de arte e ensino. É doutor em artes visuais e mestre em estética e história da arte também pela ECA/USP, com licenciatura plena em educação artística. Membro-fundador do coletivo Arteducação Produções. Participou da fundação do programa educativo do Centro Cultural Banco do Brasil São Paulo (CCBB/SP), no qual contribuiu com a formulação e o desenvolvimento das primeiras oficinas educativas, assim como com a organização e realização de materiais educativos e de encontros para educadores.
Quando eu era adolescente, na escola, a minha professora de educação artística teve um problema e pediu que eu cuidasse de uma atividade para ela. Já gostava muito de artes, sempre estimulado pela minha família. Aquilo ficou comigo e, quando chegou a época da faculdade, quis fazer algo vinculado à arte, mas não para ser artista, e, sim, professor. Tive a opção de fazer arquitetura e também artes plásticas e desenho, porém minha decisão foi por cursar o que se chamava de educação artística.
Nasci e cresci no interior de São Paulo e tive o apoio dos meus pais. Quando saí de casa para a faculdade, minha mãe ficou fragilizada, e acabei indo para uma perto, em Araras, há 30 quilômetros da minha cidade. Assim, eu tranquilizei o coração da minha mãe – e sei que, para uma mãe, é difícil ver um filho saindo.
Fui o primeiro a sair de casa, com 19 anos, embora não fosse o mais velho. Queria construir uma autonomia de pensamento, viver outras culturas. Sempre fui muito curioso – e curiosidade faz parte da vida de um professor, sobretudo daquele que trabalha com arte e cultura.
Em 1996, saiu a nova Lei de Diretrizes e Bases, e a educação artística, que era atividade escolar, passou a ser disciplina e área de conhecimento – e isso mudou tudo. Porque, como atividade escolar, não reprovava, não tinha
nota, era basicamente aula de educação artística no período da ditadura militar, ao qual não interessava formar seres pensantes. E a aula de arte inevitavelmente leva você a um posicionamento crítico, porque arte é sobretudo pergunta. E a gente sabe que cada resposta que se dá a uma obra de arte faz surgir uma nova pergunta ou uma série de outras perguntas.
Todos nós que trabalhamos com arte sabíamos que era uma área de conhecimento, mas como iríamos colocá-la dentro da escola? Eu havia lido em 1991, logo que foi lançado, o livro de Ana Mae Barbosa chamado A imagem no ensino da arte, um de seus clássicos. Pensei: “Como faço isso?”.
Também no ano de 1996, eu havia conhecido a Abordagem Triangular, que não era assim que se chamava, era “Metodologia Triangular”. Em 1997, saíram os parâmetros curriculares e, em 1998, o Colégio Objetivo me chamou para escrever o material de arte para atender à nova legislação. Percebi que não estava preparado para isso, precisava estudar.
Aí chegou o convite da USP para fazer um curso de aprofundamento sobre a Abordagem Triangular no Núcleo de Apoio à Cultura e Extensão (Nace). O curso era de seis meses e reuniu um grupo de professores tão interessados que, quando acabou, nós pedimos mais. Ana Mae e Paulo Freire toparam – e depois de novo e de novo. Resultado: fizemos quatro cursos em dois anos. Segundo Ana Mae, o último foi uma das experiências mais interessantes que ela teve sobre a pedagogia da autonomia, de Freire, porque falávamos: “A gente quer isto, isto e isto, com os professores tal e tal”. E ela respondia: “Beleza! Vocês correm atrás?”.
Quando passei a me entender, no Nace, como arte-educador, eu já tinha a felicidade de trabalhar numa escola que sempre respeitou a criatividade e a arte. Num desses cursos do núcleo, em 2000 ou 2001, pedimos para fazer um projeto de pesquisa. Saí de lá com um projeto em história da arte, que era o que me interessava naquele momento.
Em 2003, surgiram os cursos interunidades na USP. Um deles foi o Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte, do Museu de Arte Contemporânea (MAC), da Escola de Comunicações
e Artes (ECA), da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU). Eu me inscrevi na segunda turma e fui aceito com aquele projeto que criei no Nace. No mestrado, estudei história da arte e minha orientadora, Daisy Peccinini, falou para irmos por outro caminho. Passei então a pesquisar a artista plástica e arte-educadora Regina Silveira.
Enquanto eu me preparava para fazer a defesa do mestrado, assisti à defesa de uma tese de doutorado sobre crítica de arte na Bienal de São Paulo. Ana Mae estava na banca e falou: “Não tem a história da educação na Bienal de São Paulo”. Pensei: “Você acabou de me dar um presente”. Escrevi um projeto sobre esse tema, me inscrevi e ela me aceitou. Da história da arte, cheguei à história da arte-educação.
Como bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), fui à Teachers College, na Universidade de Columbia, em Nova York, tentar entender a pedagogia de John Dewey – o filósofo da educação pragmática, ou seja, “vamos aprender pela prática” –, que havia influenciado o Brasil na década de 1930, na Escola Nova. Porque Anísio Teixeira, educador inicialmente superelitista, entendia que a educação não era para todo mundo, mas para uma elite pensante, com o resto da sociedade sendo composto de operários, para fazer a sociedade funcionar em harmonia. Mas ele vai para a Teachers College e se torna aluno de John Dewey, que lhe diz: “A educação tem que ser democrática, tem que ser para todo mundo”. Anísio Teixeira volta, reconhece que estava errado e se torna signatário do “Manifesto da Escola Nova”. E, quando ele traz para cá esse pensamento de Dewey, de você experienciar para aprender na prática, de algum modo, acaba influenciando o ensino da arte.
Ana Mae, por sua vez, vai aos Estados Unidos para estudar, faz o mesmo caminho de Anísio Teixeira, fuça nos arquivos de John Dewey e percebe que o fazer artístico, na aula de arte, terá sentido somente se for uma experiência completa, por meio da qual o aluno se torna capaz de seguir o seu trajeto, sendo respeitado nos caminhos e resultados que atingir. Eu não posso usar o meu olhar de adulto, com formação univer-
sitária, para analisar o trabalho de uma criança ou adolescente. Tenho que olhar os meus objetivos pedagógicos e respeitar o caminho que cada aluno percorreu até chegar àquela experiência completa que se revela como obra de arte.
No doutorado, Ana Mae me soltou no mundo: “Vá pesquisar, vá fazer. Quero a tese”. Ela leu o meu projeto, fez alguns comentários e trabalhei com 700 documentos inéditos, nunca analisados, nos arquivos da Bienal de São Paulo, do Museu de Arte Moderna (MAM/SP) e do MAC/USP. Passei três anos e pouco imerso em arquivos, levantando muito mais que os 700 documentos e sabendo que um dia ela iria me cobrar a tese. Os quatro anos se passaram, a gente sempre se comunicando. Saí de lá sem fumar –um benefício disso –, e escrever uma tese sem fumar é o maior desafio.
Foi um processo de abertura, descoberta e experimentação absolutamente freiriano e deweyano. Você faz, percorre o seu caminho, o seu trajeto. Quando terminei, percebi que aquilo era o que sempre fiz nas minhas aulas, com os meus alunos, só que com a rigidez acadêmica. Quando li A imagem do ensino da arte, de Ana Mae, me conscientizei de que não era só fazer artístico. Na verdade, eu já trabalhava com conhecimento em arte, mas intuitivamente. No livro, ela traz uma consciência da arte como área de conhecimento e, consequentemente, como transformadora de mundo, a partir de Paulo Freire. Ana diz que a arte não é um babado cultural, não é um enfeite, ela é central na vida. E nos chama a abordar a arte de diversos modos, como cultura artística, e entendendo que não existe um pensamento hegemônico. Toda e qualquer obra de arte deve ser tratada com o mesmo grau de respeito. E eu levo isso para as minhas aulas.
Por fim, é impossível não pensar em Ana Mae como uma figura humanista, no sentido de que o ser humano está em primeiro lugar. Se o ser humano está em primeiro lugar, é inevitável que você pense nas coisas mais nobres relacionadas a ele. O que tem de nobre no humano? A arte. E o que tem de mais nobre para se fazer com a arte? Educação.
Lilian Amaral (ela/dela)
Artista visual, pesquisadora e curadora independente. É licenciada em artes pela Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), com mestrado em artes pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), doutorado em artes pela ECA/USP e pela Universidade Complutense de Madrid, na Espanha, e pós-doutorado em arte e cultura visual pela Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás (FAV/UFG) e em arte, ciência e tecnologia pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista (IA/Unesp). Pesquisadora no campo da museologia urbana contemporânea, com ênfase em curadoria e processos colaborativos, arte pública, preservação do patrimônio material e imaterial, educação patrimonial e cidades criativas.
Nasci artista, muito sensível ao coletivo, ao social. O meu campo de atuação é arte pública contemporânea em perspectiva relacional. Trabalho com memória, imaginário, patrimônio – não o patrimônio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), que já está definido como tal, mas aquele que depende da vivência, do reconhecimento, da mobilização. Na minha vida, a arte sempre foi algo socialmente compartilhado, embora eu já tenha sido, na minha formação, aquela artista de ateliê.
Nos anos 1970, eu era muito jovem, minha mãe era professora da rede estadual e municipal de ensino, alfabetizadora. Ela era uma pessoa que chamava atenção nas escolas porque seus alunos sempre aprendiam a ler antes de todos os coleguinhas. A coordenação pedagógica e a direção perguntavam: “Diva, qual é o método que você utiliza?”. Minha mãe não tinha muita consciência. Ela fez magistério e trabalhava com fundamentos pedagógicos, claro, mas empíricos também. Qual era esse empirismo que agilizava a apreensão e a aprendizagem dos alunos? Imagens. Ela trabalhava com alfabetização visual, ligando a imagem com a alfabetização letral. Os alunos, em função disso, agilizavam seu processo de memorização associativo-cognitivo.
Quando fui fazer faculdade, a minha mãe também foi. Ali ela entendeu que trabalhava com alfabetização visual. E ela fez um curso com Ana Mae, organizado pelo Governo do Estado de São Paulo para dar formações para educadores da rede pública. Ela chegou em casa muito animada, por ter conhecido uma pessoa genial.
Quando eu estava na Faap, houve um encontro vinculado à arte, ao ensino e à ação cultural no Centro Cultural São Paulo (CCSP). Era um momento de emergência da ação cultural e Ana Mae, depois o professor e curador Teixeira Coelho, foram os responsáveis por criar cursos de especialização na ECA/USP. Eu estive com os dois, mas a minha relação mais profunda foi com Ana Mae, porque ela é arte-educadora. Teixeira era um teórico, mas ambos se complementavam. No CCSP, eu vi uma pequena multidão em torno de algo – imagine um torrão de açúcar com muitas formiguinhas em volta: era Ana Mae com um grupo de educadores muito encantados com a possibilidade de falar com ela no momento em que estava ocupada em pensar a criação da Associação dos Agentes Culturais do Estado de São Paulo.
Pude me encontrar com Ana Mae em muitos lugares e conviver com ela. Trabalhamos por quase 20 anos juntas na criação e na ocupação de várias unidades do Sesc, tendo levado para o Sesc Vila Mariana, por exemplo, a Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas (Anpap), em 1997. Trouxemos para São Paulo, junto com a criação dessa unidade no Sesc, um curso que foi muito importante, porque os anos 1990 foram um período divisor no campo da arte-educação no Brasil. Nesse mesmo período, Ana Mae era diretora do Museu de Arte Contemporânea da USP (MAC/USP). Ela levou para dentro do museu um tipo de cultura que era negada como cultura e valor estético.
Já em 1996, na 23a Bienal de São Paulo, coordenei a equipe educativa. O trabalho que fizemos com as escolas públicas e particulares foi lindo. Quando as crianças iam, o professor já estava sensibilizado, e elas chegavam para usufruir de uma experiência que havia sido preparada previamente, ativada no espaço com a relação professor-mediador e desdobrada na escola e no território. Nós colocamos um ônibus que
saía todos os dias da Bienal para a USP. E, no Paço das Artes, nós montamos um ateliê de outdoor.
Nessa época, eu ainda não era orientanda de Ana Mae. Quando enfim perguntei se toparia orientar o meu doutorado, conhecendo a minha trajetória, ela se interessou, mas disse: “Só tem uma condição: viajar, por pelo menos seis meses, porque nada substitui uma experiência estética. Quem trabalha no campo da arte e do ensino tem que ter uma experiência intercultural”.
Nada substitui o experienciar: sabemos que ir a uma exposição é diferente de vê-la numa tela, num livro. É um exercício de humildade, atenção e tradução.
Hoje temos uma realidade diversa na pós-graduação, muito em razão do encorajamento dado por Ana Mae a essas jovens estudantes que foram sendo fortalecidas desde cedo, empoderadas com seus esforços e que nunca perderam de vista onde os pés estavam plantados. O caráter poroso, horizontal, mais democrático, é marca, sim, da presença dessa pensadora que deve ser abraçada. Temos que aproveitar e fazer fila para abraçar essa mulher.
Liliana Dell Agnese
Professora do Centro Estadual de Educação Tecnológica
Paula Souza, técnica em decoração de interiores pelo Colégio
Industrial Iadê – Instituto de Arte e Decoração, licenciada em educação artística pela Faculdade de Belas Artes de São Paulo e em pedagogia pela Universidade Anhembi Morumbi, pós-graduada em psicopedagogia institucional pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), mestra em design pela Universidade Anhembi Morumbi e doutoranda em design pela mesma instituição.
Eu sempre gostei de arte. Aos 7 anos de idade, todo mundo pedia de presente um jogo ou uma boneca, e eu pedi para o meu pai um cavalete para pendurar os meus quadros e tintas.
Minha mãe queria que eu fosse médica, então fui estudar biomedicina no colegial técnico. Depois me rebelei. Cheguei a fazer um ano de medicina, mas desmaiei no primeiro cadáver que cortei. Eu me voltei para a arquitetura e fiz curso técnico de design de interiores.
Fiz arquitetura até o oitavo semestre, faltavam dois para eu me formar, e comecei a trabalhar na Prefeitura de São Paulo. Mas pensei: “Eu não dou para isso”. Então tranquei e fui para a Faculdade de Belas Artes de São Paulo fazer artes plásticas. No primeiro ano em artes plásticas, fiz educação artística. Da educação artística, já sabia que iria para a história da arte, que eu amava.
Saí da faculdade, ganhei uma bolsa, prestei um concurso e fui dar aula de artes numa escola estadual. Levei muita bronca da diretora porque não podia nem molhar o chão. Fui ensinar a fazer um vitral, pintar com papel de seda, molhei o chão e foi o maior escândalo. Notei que isso não iria dar certo. Então decidi prestar um concurso público, para uma escola técnica do Centro Paula Souza, em 1996. Passei e fui trabalhar no eixo de design, pois tinha experiência em arquitetura.
Em determinado momento, fiz um trabalho no Museu da Casa Brasileira, com Frederico Barbosa, filho de Ana, e levei os meus alunos. Eu dava uma monitoria e explicava toda a arquitetura francesa. Nessa circunstância, eu encontrei Ana Mae, e ela falou: “Você precisa ser minha aluna”. Respondi que iria à ECA um dia, mas quando fui ela já tinha se aposentado. Continuei dando aula no curso de design. Tempos depois, achei que deveria me aprimorar, pois estava muito parada, e resolvi fazer pedagogia. Em seguida, cursei psicopedagogia e, por acaso, soube que Ana Mae estava na Faculdade Anhembi Morumbi. Não tive dúvidas e fui lá prestar um concurso para a pós-graduação.
Na entrevista me sugeriram outro orientador. Eu disse que estava lá por causa de Ana Mae e que, se não fosse com ela, não faria o mestrado. Disseram que não havia possibilidade. Voltei para casa chorando e pensando em tentar no ano seguinte, mas me chamaram depois de duas semanas: ela leu o meu currículo e me aceitou.
Durante o mestrado, falei para ela que tudo o que eu fazia era por meio da história da arte. Ela me apresentou uma autora chamada Annie Smith, que também partia da mesma perspectiva. Nesse período, nunca deixei de dar aulas, por achar importante ter a prática. Em todas as aulas, eu estava lá com a história da arte, para o desespero de alguns estudantes.
No doutorado, eu me aprofundei em Annie Smith, em como ela usa o design para questionar aquilo que hoje nós falamos em educação, uma educação por projeto. Você dá um projeto ao aluno para que ele pense qual é a solução. A partir daí, unimos – e isso agora é um assunto de grande interesse de Ana Mae – a arte, o design e a educação. Por que o design? Porque o designer, para fazer um produto, se utiliza de perguntas: Como vou fazer este objeto? De que material? De que forma? Para qual público-alvo? Como vou criar cor? Nós, na educação, não estamos interessados em que os estudantes se tornem designers profissionais, mas sim em que eles usem ferramentas dessa área.
Nós, doutorandos, temos muito respeito por ela, e sua orientação não é uma imposição, é um diálogo. Tenho paixão por ela. Só faço doutorado
com Ana Mae pela pessoa que ela é. Primeiro vem a pessoa – maravilhosa, magnânima. Ela percebe o que você não sabe e lhe dá caminhos para chegar até lá. Eu não conseguiria fazer o doutorado tendo como orientadora uma pessoa autoritária, e Ana Mae é o oposto disso.
Sempre tive a tendência de acolher o aluno e contar tudo que sei para ele. Esse modo de pensar teve uma ressonância muito grande durante todos estes anos em que Ana Mae faz a mesma coisa conosco. Brinco que só pode dar aula quem gosta de gente.
Algo que acho extremamente importante para nós, arte-educadores, e também para ela, é a leitura de imagens. Mas o que é ler uma imagem - qualquer imagem? Uma pichação ou um grafite, por exemplo, transmitem algo, assim como a literatura. Uma imagem conta uma história, muitas vezes oculta. Uma narrativa de determinada época e lugar. Por isso a importância da contextualização.
Regina Machado (ela/dela)
Professora livre-docente aposentada do Departamento de Artes Plásticas da Escola de Comunicações e Artes Universidade de São Paulo (ECA/USP) e contadora de histórias para adultos e crianças. É mestra em teatro e educação pela Universidade de Nova York e doutora em arte e educação pela ECA/USP. Formou grupos de narradores e é criadora e curadora do Encontro Internacional Boca do Céu de Contadores de Histórias.
O meu pai era artista múltiplo, aquarelista, pianista, e minha mãe era professora, então a minha casa era um lugar em que se respirava a importância da arte.
Por acaso, encontrei uma pessoa que tinha estudado comigo na escola, e ela me falou de um curso, de seis meses, na Escolinha de Arte de São Paulo. Era com Ana Mae Barbosa. Fiz esse curso aos 18 anos, e eu não tinha a menor ideia de quem ela era. Ao final, ela me convidou para continuar ali, ao lado dela, e continuo até hoje, depois de mais de 50 anos.
O curso tinha pessoas incríveis. Ana Mae me falou que, no ano seguinte, eu seria assistente de Madalena Freire1, que eu também não conhecia –ela tinha 22 anos. Fui assistente dela e de Joana Lopes – que era a mais revolucionária arte-educadora do teatro que existia –, imagine trabalhar com essas pessoas. É o tesouro na vida de uma pessoa.
Tínhamos aula na salinha de Ana Mae, pois a Escolinha era uma casa e não era grande. Havia um lugar para a diretora, que era a mesa dela, e a gente ficava estudando em volta, anotando. Era um fascínio. O tipo de coisa que ela pedia para lermos, e a sorte imensa que tive dali para a
1. Pedagoga e arte-educadora, filha de Elza e Paulo Freire. Criou a abordagem conhecida como pedagogia da paixão, uma perspectiva educacional que enfatiza o amor e o comprometimento no processo de ensinar e aprender, valorizando o educador como um mediador e instigador do desejo pelo conhecimento.
frente: ia direto na biblioteca dela pegar livros que não tinham sido traduzidos – e não foram até hoje. Ela emprestava e depois eu devolvia.
A parte prática era outro fascínio, porque ela sempre foi uma pessoa visionária. Além dos textos seminais que ela dava para a gente ler, os mais importantes da época, havia a parte prática: fazíamos ateliê com os alunos da Escolinha. Ela convidava para dar palestras pessoas que na época já eram superimportantes, como os professores e críticos de literatura Antonio Candido e Davi Arrigucci Jr. Nós não tínhamos ideia de quem estávamos escutando.
Em algum período, do qual não me lembro, fomos visitar a Escolinha de Arte do Brasil, no Rio de Janeiro. Conheci Noemia Varela2 e Augusto Rodrigues3. Ali se formava uma ideia ampla do que é aprender: Ana Mae dava aula teórica e ao mesmo tempo orientava, pois a gente tinha umas lições que eram muito avançadas para a época. Ela era extremamente viva, como é até hoje, extremamente alegre, gentil. E, acima de tudo, a qualidade dela que mais levo para o resto da vida é que ela acreditava no nosso potencial. A confiança que Ana tinha de que aquilo que nos estava sendo oferecido iria frutificar.
Muito tempo depois, tive esta intuição de pensar no quanto aprendi com ela o que é pesquisar. É a base do meu trabalho. É descobrir estratégias para colocar nas pessoas essa vontade de aprender. Pesquisar é isso, você ter curiosidade.
2. Professora, crítica literária e tradutora brasileira consagrada por sua dedicação à educação, especialmente ao ensino de literatura e às questões relacionadas à leitura crítica. Sua abordagem enfatizava a importância da leitura atenta e interpretativa, considerando tanto o contexto histórico quanto os elementos estéticos das obras literárias.
3. Artista plástico, fotógrafo, ilustrador, cartunista, escritor e educador. Em 1948, funda a Escolinha de Arte do Brasil, a partir da qual se multiplicam dezenas de Escolinhas pelo país.
Eu me lembro do estímulo de você perseguir um conceito e basicamente se perguntar o porquê. Trabalho muito com a pergunta. E de onde vem isso? Vem de Paulo Freire. Não porque o li, mas porque Ana Mae, que aprendeu com ele, de algum modo transmitia isso. Sem explicar, sem dizer essa ideia da curiosidade. Acho que era uma transmissão silenciosa, não é um método. A Abordagem Triangular é isto: não é o “faça algo”, é um convite silencioso para você pesquisar.
Também fui descobrindo, com os meus orientandos, uma série de coisas que uso que são imaginativas, para sair daquela chatice da academia, e que aprendi com Ana Mae. Por exemplo: ter alegria em pesquisar. Ela tinha essa alegria, essa paixão pelas coisas que estava pesquisando. Mas também tinha um método – algo de que ela nunca falou, mas que recebi como herança.
Ela sempre esteve no lugar da intenção, da abertura para o novo. Nunca foi autoritária nem arrogante; é ciente do próprio saber. E, ao mesmo tempo, é corajosa. Quando ela encontrava pessoas de outros países, estava pouco se lixando se falava a língua deles direito ou não. Para mim, isso é uma enorme qualidade; não é alguém interessada em aparecer para o outro, mas em defender as coisas em que ela acredita. Já eu ia falar inglês e tremia – essas bobagens de colonizado...
Quando ia sair da USP, ela batalhou por um cargo para que eu ficasse no departamento. Eu disse: “Não quero, já me convidaram na Antropologia”. Saí batendo a porta, falando: “Isto aqui é um lugar cheio de teia de aranha. A academia é uma coisa que acaba com a gente”. Ela disse que eu precisava do emprego e me enfiou lá. E eu precisava fazer o doutorado, porque já havia feito o mestrado nos Estados Unidos. Fui para lá estudar teatro e educação.
Fiz o doutorado em dois anos, porque se não fizesse não entraria no departamento. Era o requisito, precisava terminar em dois anos. Não tinha outra pessoa para ser minha orientadora, e eu jamais pensaria em outra pessoa. Tinha que ser ela.
Em 1985, eu estava dando aula em tudo que era lugar: em colégios; para professores fora de São Paulo; na Fundação Armando Alvares Penteado (Faap)... Fiquei pouquíssimo tempo nisso, mas ia observando alunos de diferentes cidades. E o meu doutorado foi uma reflexão com base na minha experiência.
Eu dava curso a semana toda e estava começando a descobrir a maravilha do universo dos contos na versão oral. Juntei tudo isso no trabalho para escrever, pesquisar mais a fundo e sistematizar algo em que acredito muito: como trazer a palavra encantada para o universo das formas artísticas? Os contos na versão oral não são histórias para crianças, mas um instrumento de aprendizagem, uma forma artística como qualquer outra. E Ana Mae me incentivava assim: “Faça! Vá Fazendo”.
Ela não tem a menor preocupação ao escrever como acadêmica, e isso é genial. O que importa é a intenção. Como não está querendo agradar, já parte de um lugar autêntico. É sempre uma postura política.
Penso que ela acredita numa coisa muito profunda, que talvez nem ela saiba dizer exatamente o que é, mas que direciona uma retidão. É uma pessoa íntegra. E a generosidade dela é o resultado da integridade.
Onde ela foi buscar essa integridade, essa autossuficiência? De algum modo está na constituição dela como ser humano.
Sabrina Ribeiro (ela/dela)
Artista visual, educadora e pesquisadora surda. Formada em artes visuais pela Faculdade Paulista de Artes Visuais (FPA), pós-graduada em arte e educação pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) e mestra em design pela Universidade Anhembi Morumbi. Atua como pesquisadora em artes visuais, arte-educação, história da arte, produção artística, curadoria, acessibilidade cultural e cultura e arte surdas.
Trabalho na Pinacoteca do Estado de São Paulo. Comecei lá como estagiária quando fazia faculdade. Pude aprender muito. Já pensava que queria ser educadora em museu ou uma professora de arte para crianças surdas. Eu me desenvolvi, adquiri conhecimento na área de artes e passei a entender melhor algumas metáforas, alguns termos do vocabulário artístico que são difíceis.
Estava pensando em fazer um mestrado na área de design, arte e tecnologia na Faculdade Anhembi Morumbi. Minha orientadora foi Priscila Arantes, que não é arte-educadora, e sim da área de curadoria de exposições, de história da arte. Então escolhi Ana Mae como co-orientadora, já que ela tem muita experiência nessa área e combinava com o meu perfil. Foi uma oportunidade de ter esse contato com ela e entender como é a Abordagem Triangular.
Na época do meu mestrado, por causa da pandemia de covid-19, o nosso contato foi por videochamadas. A primeira vez que a encontrei pessoalmente foi na Bienal junto a um grupo de alunos. Demos um abraço. Fiquei muito admirada. Havia um intérprete de língua brasileira de sinais (Libras) mediando a comunicação, então foi uma experiência muito boa. Estava animada por encontrá-la.
A minha pesquisa de mestrado foi sobre a cultura surda dentro dos museus: sobre fala, mediação e Libras. A pessoa surda, quando chega ao museu, precisa sempre de um intérprete? Não! Se tiver um educador surdo, alguém que se comunica em Libras, existe uma comunicação
direta. Essa presença é uma resistência, dá visibilidade à pessoa surda e mostra que ela pode ocupar qualquer lugar. Ela sempre vê um ouvinte dentro desses espaços, mas não um surdo. A gente precisa falar disso e sobre arte surda. A pessoa surda tem que poder olhar e pensar: “Eu também sou capaz de criar, também posso ser artista”.
Voltando a falar sobre Ana Mae, acho que há uma relação forte entre o que ela escreve e a pessoa dela. Ela está sempre muito preocupada com como a escola e o museu vão trabalhar questões educacionais. Consegui me apropriar da abordagem de Ana e aplicá-la na minha prática, atingindo também as pessoas surdas.
Agora quero fazer doutorado; não tenho um tema definido, mas quero focar na arte surda, pois acho importante a sua valorização. Às vezes, as pessoas ouvintes são capacitistas, pensam que o surdo não pode fazer, não consegue se expressar. Não é verdade. É preciso respeitar o sujeito surdo e a sua arte, para que todo mundo possa conhecer a nossa potencialidade.
“Não podemos entender a cultura de um país sem conhecer sua arte.”
Ana Mae Barbosa no artigo “Educação e desenvolvimento cultural e artístico” (1995)
O retrato do pai pelos jovens artistas
palestra de Paulo Freire na Semana de Arte e Ensino na USP (1980)
Pernambuco, Recife, anos 1950. A jovem Ana Mae Barbosa começa a fazer um curso preparatório visando ser aprovada no exame anual para lecionar na rede pública. À época, ela já dava aulas em um trabalho temporário. Engana-se, porém, quem achar que a moça era apaixonada pela profissão: a docência representava só um jeito de ganhar dinheiro para pagar a sua formação universitária (em Direito, a única carreira aceita por sua família). Contudo, o preparatório que passou a frequentar tinha como organizadores, simplesmente, Paulo e Elza Freire. No primeiro dia do curso, Paulo logo pediu que os educandos escrevessem uma redação para expor o motivo pelo qual desejavam se tornar professores. Ana Mae, sincera, relatou que estava ali obrigada pela avó (só iria para a universidade se pudesse arcar com os custos extras). Na aula seguinte, o educador devolveu os textos, menos o dela. “Com você, quero falar em particular”, disse. Marcaram uma reunião. Depois de uma conversa de três horas, a aluna convenceu-se de que educar e aprender poderiam ser um processo de liberdade. Em 1956, vieram as duas aprovações, ambas em segundo lugar: no sistema público de ensino e na faculdade de Direito. Mas, àquela altura, Ana já tinha sido convertida por Paulo Freire à área da educação.
São Paulo, Cidade Universitária, 1980. A convite de Ana Mae Barbosa, Paulo Freire, que acaba de retornar do exílio, é o responsável pela conferência de abertura da Semana de Arte e Ensino na Universidade de São Paulo (USP), falando para um auditório lotado (e com transmissão em tempo real para outro espaço no câmpus). Provocado por Ana e pelo poeta Haroldo de Campos, Paulo deu à fala o título de “O retrato do pai pelos jovens artistas”, e aproveitou a oportunidade para celebrar a sua amizade com a ex-aluna. Confira a seguir a transcrição da palestra, encontrada durante as pesquisas para a realização da Ocupação
Ana Mae Barbosa.
Nas próximas páginas: Paulo Freire e Ana Mae Barbosa na conferência de abertura da Semana de Arte e Ensino na Universidade de São Paulo (USP), 1980 | foto: autoria desconhecida | Coleção Ana Mae Barbosa
Palestra de Paulo Freire na
Semana de Arte e Ensino na Universidade de São Paulo (USP), em 1980
Professor Paulo Freire:
A presença de vocês nesta manhã, friorenta como outras manhãs de São Paulo, comprova facilmente a nós, que o tema proposto para esta Semana, a preocupação de discutir os problemas do arte-educador, da arte-educadora, que essa temática é uma temática intensamente viva, e na linguagem que constumo desenvolver em meus trabalhos, eu diria que é um tema gerador no campo geral da educação.
Eu gostaria, inicialmente, antes tentar uma conversa, mais que uma conferência, que é uma coisa que eu não sei fazer. Eu gostaria de pedir desculpas, primeiro, pela fragilidade da minha voz, que não está sendo ajudada sequer pela tecnologia, e evidentemente, que a minha voz normalmente não é assim, é mais a expressão de um certo cansaço em que eu ando nesses quase três meses de reinserção na realidade brasileira, e que de um lado eu tenho uma profunda curiosidade e necessidade de reaprender o Brasil o mais depressa possível, e de outro, a curiosidade também de muitos grupos, jovens sobretudo, mas não exclusivamente, do Brasil todo, de São Paulo, que gostariam de me rever e de me conhecer, de maneira que as solicitações que eu venho recebendo além das atividades normais, na PUC, tem me levado, um pouco, a um certo desgaste; e por outro lado, a medicação de que eu tenho necessitado me deixa assim um pouco como quem ainda não acordou, como se eu estivesse ainda dormindo. Hoje, agora, por exemplo, nesse começo de encontro, eu estou mais ou menos como um carro velho, no inverno, que custa a pegar, e estou sentindo dificuldade e com todas essas luzes até que não
seria difícil dormir. É que a medicação me deixa um pouco sonolento, um pouco preguiçoso, é uma coisa que não me agrada, mas é o fato.
Estou certo de que vocês compreenderão isso e, inclusive, compreenderão que, logo que o nosso papo se termine, eu saia quase correndo para casa.
Em março deste ano, eu estava participando de uma reunião muito simpática, muito estimulante para mim, que era a inauguração de um centro de estudos numa escolinha a que me sinto afetivamente, mas não só afetivamente, senão que também pedagogicamente muito preso, muito ligado. E, Ana Mae estava lá também.
Eu conheço Ana Mae, desde quando Ana Mae era, no Nordeste nós costumamos dizer, uma meninota, virando mulher, e Ana Mae participou de um curso de que eu fiz parte como professor, possivelmente naquele época mais professor do que aluno-professor, e a curiosidade de Ana Mae me estimulava inclusive nas aulas, resultado que tornamo-nos amigos, e por coincidência, eu também era amigo e tinha já uma profunda admiração por João [Alexandre Barbosa], que está aí, talvez eu pudesse dizer que um dos bons títulos dele numa cultura machista, e não marxista, como a nossa, seria a de que ele é o marido dela, e não ela a mulher dele. Mas a admiração que eu também tenho por João é tão grande, quanto a que eu tenho por Ana Mae, e de quem eu me considero aluno também.
Eu me lembro de que, então, na mesma noite, ou no dia seguinte ao tal encontro, Ana Mae me procura e me faz um desafio, exatamente baseada numa afirmação que eu havia feito, de uma coisa que é óbvia, no tal encontrinho, e a afirmação tinha sido a seguinte, a de que os pais, em casa, como os professores na escola, indiscutivelmente aprendem de seus filhos, como os professores de seus alunos e de suas alunas, aprendem mesmo quando não saibam que aprendem, e pior ainda mesmo quando neguem. Eu até diria que o processo da aprendizagem do educador através do educando e pelo co-educando independe da consciência que o educador tenha disso, e independe da vontade do educador, e portanto supera a ideologia que o educador possa ter, segundo a qual ele não tem nada a aprender com o educando.
E, Ana Mae, então me propunha o desafio que era para hoje, e a gente estava bastante longe ainda, e eu assumi esse encontro sem, de maneira nenhuma saber, naquela época, e eu não poderia saber, que hoje, nesta hora, eu teria um seminário importantíssimo na PUC, e acontece que não estou lá porque não posso estar, desde que estou aqui, mas o que não era possível em março, era saber que hoje teria um seminário que tenho na PUC, de manhã.
E, então, Ana Mae me dizia: “Como é, Paulo, você aceita?” Ana Mae me falou deste sonho, o que ela tratava com carinho já enorme, mas creio, sem adivinhar o êxito que esse sonho ia ter, quer dizer, eu não tenho dúvida nenhuma de que naquela época tu não pensavas que ias ter um comício deste no primeiro encontro. E ela me dizia: “Como é, Paulo, você aceita vir então a esse encontro?” – e me lembro então que ela realmente não imaginava, não contava com essa multidão e eu disse: “Olha, Ana Mae, eu me sinto meio inibido diante de multidões. Eu gosto mais de conversar”. Ela disse: “Não, não tem problema, vai ser uma coisa pequena”. E, quando chego aqui agora que olho dali de fora e vejo que a Ana Mae se equivocou completamente. E estou contentíssimo que haja havido esse equívoco. Teria sido triste se a gente chegasse aqui e encontrasse realmente 20 pessoas curiosas, entende?
E a proposta de Ana Mae era: “Por que você não vem cá, não vem à USP, num certo dia da semana conversar um pouco com os participantes em torno de como e do que você aprendeu com os seus filhos de modo geral e filhas e com os filhos que mais especificamente se dedicam também à arte?”
De modo geral, quando me fazem assim um desafio, eu tomo como um desafio e por isso mesmo eu tomo distância do desafio, penso um minuto, dois e depois eu respondo. Mas me lembro que, dessa vez, meio entusiasticamente, talvez demasiado otimista, bati no ombro dela e disse: “Aceito, aceito”. Também naquela época não sabia que hoje estaria aqui quase dormindo, fazendo força para falar.
Muito bem, desculpem esta conversa tão longa para introduzir, mas é bom também porque, ao mesmo tempo, essa conversa vai me despertando. Essa introdução vai me reanimando.
Bem, em primeiro lugar, eu tenho a impressão, eu não sei, que talvez devesse estar aqui falando desse processo no qual eu venho aprendendo com os meus filhos, talvez devessem ser eles e não eu, propriamente. E eles, porque na verdade são os filhos e as filhas, os juízes dos pais e não os pedagogos, nem os vizinhos, os filósofos, os vizinhos, mas são os nossos filhos, as nossas filhas, aqueles e aquelas distanciando-se um pouco da infância, da adolescência e assumindo-se como gente, que podem valorar, que podem avaliar, e juntamente com os pais, aquilo que nós tentamos ser.
Mas, de qualquer maneira, já que eles não podem estar aqui, eu estou, um pouco autoritariamente, como é bem o gosto do Brasil, então eu tento falar da democracia que eu experimentei em casa.
Eu tenho a impressão de que não há como escapar, não há como negar a participação em um certo momento, evidentemente não deliberativa, ou não deliberada, a participação do filho na reformulação dos pais e, em certo sentido, eu até diria que os filhos reinventam os pais, recriam os pais. E o que é terrível é quando os pais resistem a ser reinventados pelos filhos. Uma coisa é o moço que se enamora da jovem e vice-versa e se casam e já aí, um reinventa o outro também, um refaz o outro, é a impressão que eu tenho com meus 36 anos de presença reinventiva com Elza e sendo recriado por ela, em grande parte eu acho que até ela me recriou mais do que eu a ela, se bem que, na falsa modéstia, eu também fiz umas invenções nela.
Mas o que eu acho fantástico é, em primeiro lugar, a aceitação inicial disso, de que se eu junto meu corpo e algo mais do que o meu corpo, as minhas expectativas, as minhas esperanças, os meus receios, os meus fantasmas aos fantasmas de uma mulher, aos sonhos de uma mulher, aos desejos de uma mulher, evidentemente que vai haver recriações de sonhos, vai haver recriações de fantasmas, ampliações, etc, mas agora,
essa soma, ou esta presença com, que e bem mais isso do que soma, vai dar em multiplicações.
E a vinda dos outros que não foram consultados? Mas, bem, então, evidentemente, quando vão chegando os filhos, indiscutivelmente seria um absurdo não pensar que a presença dos filhos que chegam, não viesse estimular e propor novas invenções e que se vão dando inclusive entre os dois primeiros, o casal. Mas depois, é a presença dos filhos na vida desse casal que vai ampliando o espaço afetivo do que se chama lar.
De maneira que, evidentemente; só a chegada dos outros seres, é já uma proposta, não é uma advertência, é um chamamento para a reinvenção dos dois. Mas, depois vêm os filhos as filhas e vêm as diferenças com eles e com elas e vêm os nossos equívocos e os nossos acertos enquanto educadores envolvidos, indiscutivelmente, em um esforço diário, constante, de educação que só não é programada, mas de educação no sentido assim mais global possível em que se da o ato de conhecimento, a curiosidade da criança, por exemplo, em busca, em função dos seus níveis distintos de idade, a superação de estar em torno de si e descobrir e de começar a descobrir o mundo e ampliar sua curiosidade que vem a par com o desvelamento das coisas encobertas que a curiosidade procura desvelar.
Tudo isso vai constituindo um mundo também de descobertas para o pai e para a mãe. O exercício da linguagem, as primeiras experiências de expressão de si e do mundo que a criança vem trazendo e ao fazer isso, na verdade, ela reinventa a mãe e o pai. Eu diria a vocês, com uma experiência relativamente grande, que é a de 36 anos (puxa!), de casado, e hoje, eu casava com a Elza de novo, só não sei se ela casava comigo, mas a experiência de ter uma filha com 34, que é uma arte-educadora, para mim é excelente; de ter um filho mais moço de 21 e de continuar a conversar com eles como adulto e também como meninos, porque uma das coisas boas nessa reinvenção de nós próprios, por exemplo, é quando nós temos, adultos, a capacidade de descobrir a criança que nós fomos, na criança que está diante de nós.
E, vejam bem, eu já poderia dizer que isso é um pouco arte, quer dizer, mas isso também é filosofia; isso é pedagogia. Para mim, uma das coisas mais dramáticas e trágicas é o adulto que mata em si, o menino que foi e não busca ser o menino que não pode ser. É o fim, é o desastre. Uma das sugestões que eu dou a todo mundo, sobretudo mais moço do que eu, é não deixar morrer esse menino ou essa menina porque se se mata o menino ou a menina que se foi, começa já a não se perguntar. Se começa já a não se perguntar, a não se indagar, a não se sensibilizar com as coisas, com os fatos, com as pessoas, e meus queridos amigos, ai de quem já não se espanta. Quando perdemos a capacidade de nos espantar, já estamos mortos sem saber. E, vejam bem, mais uma vez de novo eu tenho a impressão que há algo, eu não sou capaz de desenvolver isso, cabe a vocês, mas há algo de espanto na arte. Talvez, até pudesse dizer que uma das matérias da arte é o espanto. É a capacidade de espantar também, no sentido, eu estou usando essa palavra, não sei se ela, com 16 anos de ausência, às vezes eu me perco um pouco do ponto de vista da nossa própria língua, que eu acho que mantive perfeitamente bem, mas espanto aqui no sentido exato de uma curiosidade. vivíssima, o espanto que não me deixa cochilar sequer, mesmo cansado, o espanto que não me deixa de braços cruzados por uma coisa que me provoca, por uma coisa que me desperta, que me desafia.
Meus amigos e minhas amigas, apesar da juventude com que, ou em que nos casamos, Elza e eu, pensávamos assim; naquele tempo talvez não com um pouco da clareza que temos hoje e que teríamos de ter, porque senão era um desastre. Se dizer que de três anos para cá a coisa continuasse a mesma coisa que quando eu tinha 23 anos, eu não teria me espantado. Mas foi depois que começamos a ouvir o choro noturno, a atender aos primeiros protestos dos filhos, das crianças. Foi a prática mais uma vez, foi a prática de ser pai e a prática de ser mãe que nos fez pai e mãe. Porque essa é outra coisa de que eu estou absolutamente convencido: ninguém é; alguém se torna, ou não se torna. Eu não aposto muito nessas histórias de instinto materno e paterno, eu não aposto muito nisso. Eu acho que a gente se faz, se contitui na prática que não é exclusiva; a do pai diante do filho, a da mãe diante do filho, mas é uma prática comum em que o filho também se constitui filho.
Mas o que eu acho formidável inclusive nisso, é que no fundo esta é uma prática em que se estabelece a relação de autoridade com liberdade, da autoridade com a liberdade que precisa inclusive assumir-se como tal e constituir-se como liberdade. E o que eu acho muito bom, dialeticamente, é como a liberdade do filho exercitando-se a si em sua relação com a autoridade do pai e da mãe, se prepara para amanhã ser autoridade também; o que vale dizer, e mais uma vez me desculpe, não, nem peço desculpa, a insistência, porque eu sublinho uma vez mais o aspecto artístico desse processo, que seria aparentemente, exclusivamente racional e político, e não é.
Quer dizer, é o filho que se vai e a filha que se vai experimentando, enquanto liberdades, e ao fazê-lo se preparam para ser amanhã, autoridades paterna e materna. Eu, na verdade, não acredito em nenhuma autoridade que não se gere no corpo da liberdade. Não cabe aqui, no encontro hoje, um tipo de reflexão talvez dessa ordem, de forma mais ampliada, mas me parece que cabe aqui dentro da relação entre o pai, a mãe, o filho, etc, que é uma relação de mútuo aprendizado.
E é agora nesse ponto que eu gostaria de insistir um pouquinho mais. Eu, que dizia, que não gostava de dar conferência, já estou falando demais. Evidentemente que não há, no processo de aprendizagem, uma das dicotomias, das separações, mais absurdas que nós temos sido levados a fazer em nossa deformação universitária, que por sua vez não são deformações de uso exclusivo da universidade, porque elas sobretudo se geram no contexto mais global, que é o contexto social; é a separação entre o ato de ensinar e o ato de aprender, separação, segundo a qual, quem ensina, ensina e quem aprende, aprende. O que vale dizer, em outras palavras, que quem ensina sabe e quem aprende não sabe. A compreensão dessa separação explica inclusive o papel que a Sociedade empresta às Escolas, enquanto formadoras de especialistas que se preparam a ensinar a quem não sabe. E durante o processo em que esses futuros especialistas se forma, eles, por sua vez são preparados por quem se julga sabendo mais do que eles e eles também sem saber. É uma coisa engraçada, é um treco, que é pura ideologia, no fundo.
E esse é um dos papéis fundamentais que a sociedade dá à escola, para que a escola, entre outras coisas, evidentemente, reproduza o que se dá socialmente no sistema de que a escola é um subsistema. Na verdade, porém, essa separação é puramente ideológica, ela se explica pela ocultação de uma verdade e por outro lado multiplica esta ocultação. Por isso mesmo, que o papel de uma educação, pelo menos progressista, seria de desocultar, a de desvelar, porque na verdade, o processo de aprendizagem não admite esta ruptura. Como totalidade, ele é simultaneamente aprender e ensinar, de tal maneira que quem ensina: primeiro, sabe que não sabe tudo; segundo, sabe, por isso mesmo, que pode saber mais; terceiro, sabe que quem aprende, sabe algo; quarto, que este algo que quem aprende já sabe, pode ser desconhecido por quem ensina. Quer dizer, não há então, e se vocês me permitem, num parênteses, eu contaria a vocês muito rapidamente uma experiência que eu tive uma vez no Chile, numa zona camponesa, em que um grupo de camponeses, imediatamente à discussão, disse a mim – o que acontecia muito aqui no Brasil – pedia desculpa porque eles estavam falando, porque na verdade eu é que devia falar, porque eu é que sabia. E eu, então, aceitei que eu sabia e que eles não sabiam, e então propus um jogo. O jogo era o seguinte: que eu iria ficar no quadro-negro, que eu faria uma pergunta a eles e que se eles não soubessem, eu faria um gol para mim, e depois um deles tinha o direito de fazer uma pergunta a mim e se eu não soubesse, era gol para eles, e os caras animaram-se, mesmo adultos, afinal de contas eu fiquei muito feliz porque vi que aqueles camponeses guardavam neles o menino que eles tinham sido, quer dizer, não acharam ridículo de jeito nenhum um jogo desses. E a primeira pergunta eu fiz e propositadamente, com certo humor, eu disse: “o que é amaêutica socrática?” Claro, para mostrar, inclusive, eles não perceberam isso, mas eu queria a mim mesmo, ali, era criticar o intelectualismo vazio que nós alimentamos de baixo de tetos bonitos. Claro que ninguém sabia que diabo era amaêutica socrática e, até mesmo eu talvez não soubesse. E bateram assim um no outro, rindo muito e disseram: “Nosotros non sabemos”. Eu disse: “muito bem, então um gol para mim, e agora são vocês”. Então um deles fez uma pergunta sobre como semear um tipo de semente, uma coisa qualquer, e eu não sabia pirocas daquilo, então eu disse: “não, não sei”. Então riram muito, e gol
deles. Eu fiz uma outra pergunta do tipo primeiro, umas perguntas extravagantes: o que era epistemologia, por exemplo. Ninguém sabia, quá, quá, quá... aí, dois a um. Outra pergunta sobre enfermidade de animais, e eu também nada. Resultado: vocês, claro, vocês já devem estar percebendo que houve um empate de dez a dez, e esse jogo, eu me lembro, deu a convicção a eles, a segurança de que eles tinham algo a ensinar também e tinham mesmo. E daí, então, a reunião marchou com absoluto sucesso, com absoluto êxito e nunca mais houve falhas porque eu soubesse e eles não soubessem.
Agora, evidentemente que, quando a gente discute isso em termos de criança, o que acontece é que a experiência do adulto já deu a ele, inclusive a capacidade de organizar o pensamento, de fazer abstrações, etc., já deu a ele, em toda a sua prática, uma série de conhecimentos que a criança não tem ainda. Mas o que acontece aí agora, é que o adulto vai ter que, desde que não tenha morto o menino que foi, ele vai ter que ir até o nível da criança e viver com ela a curiosidade da criança e partir com ela para o desvelamento das coisas ocultas.
Isso se dá em casa, isso se dá na escola e, lamentavelmente, eu não tive tempo, apesar de que Ana Mae tivesse me convidado para isso em março até hoje, eu pensei até em fazer uns seminários com meus filhos, para que eles me ajudassem, mas não deu. Mas de fazer um rol, assim, de coisas. Mas eu me lembro, por exemplo, de quantas vezes a própria linguagem metafórica de meus filhos despertou em mim, um mundo de coisas e me fez sensível mais ainda à poesia, por exemplo, nunca me esqueço de que a minha segunda filha, quando tinha quatro anos, três anos, chegou um dia em casa e me disse: papai, eu tenho um colega na minha classe – acho que ela estava no jardim – e gosto muito dele, ele tem os cabelos macios como espuma de mar. Eu nunca esqueço esse verso de minha menina de quatro anos e que ficou mulher e não escreve poesia. Exatamente a poetisa dela desapareceu por n coisas, mas me lembro muito e seria capaz, se voltasse para Recife com ela, hoje, seria capaz de ir à rua, ir ao pedaço da rua onde ela me disse isso. E vocês dirão: – Mas, Paulo, isso todos os pais e mães ouvem. – Claro que todos os pais e mães ouvem isso, sobretudo aqueles pais e aquelas mães que
têm uma condição de vida onde se come e onde se veste, mas também no outro lado, no outro mundo, as crianças são capazes disso também.
O que eu acho fundamental é até que ponto nós, os pais, sejamos capazes de sentir isso, de aproveitar inclusive expressões assim, não para fazer um seminário sobre poesia com a criança de quatro anos, ou de comprar um livro de um bom poeta brasileiro para ela ler, quando nem sequer ela lê ainda. Mas eu diria aprendendo o gosto, inclusive, o gosto da metáfora. A criança ensina a gente a não perder o gosto da metáfora, que é um negócio que eu considero absolutamente importante na linguagem.
Mas a criança ensina também, me parece, e as minhas me ensinaram, que a linguagem não se esgota na fala, mas que ela é sobretudo, tomada numa concepção total, ela é toda a expressão do ser consciente e sensível de si em relação com o mundo e a expressão do mundo por ela, por [aquele] ser. Então, o gesto, a mímica, o uso do corpo, o andar, a forma de andar, eu acho que são de uma riqueza extraordinária que um educador não pode, de um lado, deixar de descobrir o que o uso mais livre do corpo por parte dos seus filhos possa trazer a ele, adulto, como contribuição à superação de certas inibições que o adulto tem do uso do seu corpo, do outro, o estímulo a essa expressividade corporal. É preciso superar completamente, definitivamente, uma visão mais ocidental do corpo, senão sinônimo depositário do pecado é uma coisa que eu acho horrível.
Mas a relação ainda entre o pai e o filho, etc., a mãe, o aprendizado de forma mais geral em que o filho pode situar o pai, o da sua compreensão da realidade, da sua compreensão do mundo, até especificamente a contribuição que os filhos podem trazer aos pais, reinventando-os do ponto de vista da sua sensibilidade, no caso, a arte.
Então, exatamente eu deixei essa última parte, em que eu tenho uma contribuição também muito pouca para dar, eu repito, eu vim aqui muito mais com a humildade e a coragem de um homem que, fazendo daqui a dois ou três dias, 59 anos, continua tendo dez. Foi assim que eu vim, com abertura total, de maneira nenhuma pensando que eu ia trazer uma contribuição a este encontro que eu acho formidável.
Mas, por exemplo, eu tenho, a filha mais velha dedica em São Paulo toda a sua vida e trabalhou junto com Ana Mae e tem uma enorme admiração por Ana Mae, e à Ana Mae ela deve também muita coisa da sua formação no campo pedagógico e se dedica, desde, faz muito tempo, a trabalhar com crianças na perspectiva deste encontro. Às vezes, quando eu leio certos relatórios que ela escreve e suas colegas, cada um faz o seu, mas quando leio os dela, eu me sinto gostosamente superado pela filha. Isso é uma coisa também gostosa quando o pai começa a perceber superado pelo filho, pela filha. Quando o pai começa pouco a pouco a ser o pai de fulano e não mais fulana a filha do pai, porque até agora maciçamente meus filhos são filhos de Paulo Freire, mas não há dúvida nenhuma que daqui a pouco eu passo a ser o pai deles e isso é inclusive um tempo pelo qual eu vivo ansiando. E, em muitos aspectos, pelo que eu leio, a minha filha já dá saltos que na verdade eu não dei, sobretudo porque essa é uma das minhas deficiências, eu nunca trabalhei a este nível no campo de educação, a não ser informalmente.
Mas tenho também dois filhos homens que se dedicam à música. Um pôs a música, no momento, entre parênteses, ao voltar ao Brasil, ele preferiu resolver os seus problemas de escolaridade no Brasil; mas o outro, que mora na Suíça, ainda é professor de violão clássico em dois conservatórios de música da Suíça e que, recentemente, passou um mês conosco e, por sinal, deu um concerto lindíssimo em Mogi das Cruzes. Eu fui até lá e lá, assim, era possível que se perguntasse: quem era este velhote barbudo que estava junto do Joaquim, e eu era o pai exatamente do Joaquim, e não o Joaquim o meu filho.
Com eles, por exemplo, vocês não imaginam as horas de deleite e de aprendizagem que eu tive na Suíça. Ainda em Genebra, quantas vezes, dez, onze, meia-noite, estávamos os três, o segundo filho é percusionista, enquanto que o outro faz violão clássico, estávamos os três conversando sobre música, sobre rítmo, sobre música popular, música erudita, e para mim era um mundo. Eles me traziam pelas mãos e eu devo proclamar as minhas inocências e deste mundo eu tinha as minhas intuições e eles tinham o seu conhecimento. E, então, em certo sentido, eu me sentia deleitado com o que me diziam, com o chamamento que me faziam para uma
compreensão não racionalista da música, mas também não para uma compreensão, com aspas, que fosse eminente ou exclusivamente sensitiva da música, mas da música inclusive como recriação do mundo também.
E, me lembro de como um dia, o mais velho, que ensina violão, me dizia: –Olha, velho, eu estou fazendo uma experiência com um grupo de alunos, porque eu estou absolutamente convencido do que o que se anda fazendo aí em matéria de ensino, não só ao nível do violão, mas ao nível de tudo nas universidades, do ponto de vista da separação entre prática e teoria, é um absurdo. Eu digo: eu também estou convencido disso, há uma porção de tempo. Eu digo: mas, o que é que tu estás tentando fazer deste ponto de vista na tua atividade como professor de violão clássico? A mim me interessa saber que solução tu dás. Ele disse: por exemplo, eu acho um absurdo que se apanhe um aluno e se faça um discurso para ele, introdutório, em torno de certos aspectos da teoria musical e que depois de x tempo, você diga ao aluno, bem agora compre o seu instrumento e venha para cá com ele. Eu digo: e como é que você faz? E ele me disse: olha, em primeiro lugar, eu pego seis, sete, oito alunos e reúno todos no primeiro dia, comigo, e olha, nós vamos trabalhar depois individualmente, porque na verdade, como professor de violão, em princípio, preciso estar trabalhando um a um, mas durante alguns dias a gente vai trabalhar junto, então venha cada um com seu instrumento e eu digo, eu falo um pouco a eles sobre a música em geral e depois então eu digo: olha, seria interessante que cada um de vocês, hoje, fosse para casa agora e apanhasse o seu instrumento e fizesse uma experiência com ele, e me diziam: mas, como é que pode, eu nunca peguei nisso. Mas é exatamente quando a gente nunca fez uma coisa, um dia faz pela primeira vez, e é exatamente isso que precisa ser feito, então você pegue seu instrumento em casa e trabalhe com o seu instrumento, e na próxima aula, cada um de nós aqui vai mostrar a todos, como é que cada um de nós se experimenta com seu instrumento, quer dizer, qual é a possibilidade que a gente vai tendo de ir deixando aparentemente de ter no instrumento a mediação da nossa expressão, para que o instrumento se torne o corpo mesmo. E eu disse: meu filho, e depois disso? Ele disse: olha, meu velho, um negócio fantástico, sabe? Os caras chegam, pegam o instrumento e mostram como é que trabalharam, e eu pego depois o meu e mostro como é que eu trabalho, e
após isso, então a gente discute sobre a prática posta sobre a prática de que se falou, então aí eu monto certas análises teóricas que vão possibilitar que a prática posterior seja melhor. E dizia ele: meu pai, eu acho que aí a gente vê a unidade da prática e da teoria, a um nível muito pequenininho ainda, que é o da aprendizagem do violão clássico.
Olha, se vocês me disserem: mas Paulo, que diabo você aprendeu disso? Tudo indica que na sua idade você já estava convencido de que a unidade da prática com a teoria tem que ser buscada e que não pode ser feita por decreto, evidentemente, e que ela tem uma série de implicações porque isso é sobretudo um ato político, porque isso é o que a educação é.
Mas, o que é que isso trouxe? O que é que essa conversa aberta e curiosa, nada dogmática, de um jovem, na época ele tinha 21 anos, me trouxe do ponto de vista da minha prática de pedagogo? Primeiro, eu reconheci que ele não chegou a essa conclusão porque eu tivesse feito nenhum seminário com ele sobre prática e teoria. A sua conclusão me parece que teve uma raiz mais ampla do que essa, e de que não estivéssemos ambos, ele e eu, eu até diria, os três, porque o outro filho também fazia parte desse papo, não estivéssemos os três mais ou menos lúcidos.
A raiz talvez maior da busca, ou da prática dele na busca da prática na teoria no ensino do violão, a fonte maior tivesse sido possivelmente todos os anos de prática vividos dentro de casa, em que tentamos sempre uma coerência entre o que se dizia e o que se fazia, porque na verdade, seria bom afirmar isso, não é um discurso o que ajuiza a prática, mas é a prática a que ajuiza o discurso. De maneira que, a mim não me interessa, por exemplo, às vezes um discurso muito bonito e muito profundo ou progressista, me interessa mais a prática de quem faz esse discurso, que é analisando essa prática que eu vou saber se o discurso é coerente com ela ou não. Então me parece que havia uma certa raiz geral, longínqua, que a gente talvez pudesse aprofundar numa espécie assim de análise da experiência anterior de nossa formação comum em casa.
Por outro lado, também a mim me interessou enormemente a análise que ele fazia, porque se dava em um campo que não era especificamen-
te o meu campo, quer dizer, um campo sobre o qual eu não teria pensado se ele não estivesse neste campo trazendo a mim a contribuição.
Em terceiro lugar, com a sua prática ele mostrava como era possível fazer a unidade da prática e da teoria no seu campo também, e foi por causa disso também que nós pudemos, ou pelo menos tentamos, se bem que não tenhamos tido muito êxito, tentamos aprofundar um pouco esse aprendizado mútuo, porque, em seguida a essa conversa que foi riquíssima, perguntei a eles se aceitariam fazer uma leitura comigo juntos, uma leitura de texto, para compreender melhor esse problema da unidade entre o contexto teórico e o contexto concreto, que era a leitura de Karel Kosík, “Dialética do concreto”, e eles então toparam e nós passamos, pelo menos, algumas seções, que foram possíveis, em que nós discutimos juntos alguns dos capítulos ou algumas das colocações que nos pareciam mais fundamentais do Kosík nesse livro, que eu considero extraordinário.
Bem, para terminar, porque eu acho que já falei muito, talvez dizendo pouco. Para terminar, eu diria a vocês que eu não sei se meus filhos, não tivemos ainda, o fato talvez de eu ainda estar me sentindo muito moço, muito saudável, apesar de que, no momento, eu não ando lá muito bem, mas isso é um acidente puro, o fato de que eu não estou ainda com a preocupação da ameaça da morte, eu ainda não fiz assim uma espécie de pausa com eles para fazer uma espécie de balanço, de avaliação, que talvez até nem seja necessário. Eu não sei se eles; eu tenho a impressão de que eles falando, teriam muito mais coisa a dizer do processo de minha aprendizagem com eles do que eu.
Mas posso afirmar a vocês, com absoluta paz, que tenho sido refeito constantemente por meus filhos em todos os pontos, e talvez pudesse, para concluir, falar a vocês de uma das críticas mais contundentes que eu recebi recentemente de um deles, eu preferia no caso não localizá-lo, mas uma crítica que eu acho formidável.
Um dia jantávamos juntos em um restaurante, ele e eu, e em um certo momento ele disse: velho, tu sabes que eu tenho uma admiração bem grande
por ti, quando eu leio teus trabalhos e às vezes tenho que me deter muito, me perguntando, etc, para compreender melhor, finalmente eu acho que você, do ponto de vista de uma pedagogia do adulto, é formidável, agora do ponto de vista dos meninos, não. E ele disse: do ponto de vista do adulto você é formidável, um pedagogo excelente, me perdoem que eu esteja repetindo mas é o jeito do meu filho; mas do ponto de vista da criança, você não é lá muito bom. Eu disse: então me clarifica, se bem que eu saiba que já não tem mais o que fazer. E ele disse: mas os netos são outra coisa, sabe? Então ele disse: o problema que eu te colocava é o seguinte: partindo de um ponto absolutamente fundamental e importante, que é a liberdade do filho, tu apostaste demasiado na nossa liberdade e em certo momento e em muitos momentos, eu – dizia ele – pessoalmente eu, particularmente eu, me senti inseguro para usar a liberdade na qual tu apostavas, e em muitos momentos eu precisava muito mais. da tua definição, da tua opção a que eu buscasse. Eu disse: eu concordo, quer dizer, evidentemente que agora o passado ninguém modifica, você só modifica o presente para criar o futuro nesta modificação, o passado se compreende, não se transforma, e a única saída que você tem, a resposta que eu tenho é cínica, não é cínica de maneira nenhuma, mas é realista, você tem agora que se preparar para, no caso de seus filhos, não apostar talvez tanto quanto eu apostei. Agora, se eu tivesse que refazer as experiências, eu continuaria apostando, isto é que é terrível, entende? Isto porque estou absolutamente convencido e quem sabe se daqui mais um tempo ele mesmo vai reconhecer que foi bom, ainda que doloroso, que eu tivesse apostado mais.
Agora, o que é interessante de observar é que temos cinco filhos; dois fazem essa análise crítica e três me dizem que repetiriam o tipo de aposta que nós fizemos.
Contando isso, o que eu queria para terminar é mostrar a vocês como isso é um processo permanente em que, na verdade, o educador, o pai, a mãe, o professor, só não aprendem conscientemente quando se recusam a fazê-lo, e quando se recusam a fazê-lo, perdem uma contribuição excepcional.
É a mesma coisa que eu diria a vocês que terão, na sua grande maioria, aqui que são um auditório de gente moça, de gente jovem,
possivelmente, mais estudantes do que filhos, o de não se fecharem para seus estudantes, para seus alunos, qualquer que seja a idade deles e enquanto educadores, não nos esqueçamos jamais disso: nós somos políticos e artistas e jamais técnicos. Muito obrigado.
(aplausos)
São quinze para às onze e Ana Mae me pergunta como é que eu ando de resistências para um tipo de conversa mais. Eu proporia que vocês apanhassem alguns núcleos dessa exposição que eu fiz despretensiosa, repito, e discutissem entre vocês, com Ana Mae e com outros participantes do encontro e compreendessem que eu devesse sair. Eu agradeço enormemente. Eu agradeço enormemente e espero que daqui mais um mês eu não esteja assim tāo molão e em outra oportunidade a gente conversa.
(aplausos)
Professora Ana Mae:
Nós lhe agradecemos muitíssimo, por esse desnudamento do seu processo de aprendizagem doméstico, que foi uma lição maravilhosa da integração dos processos emocionais e intelectuais.
Álbum de fotos
Ana Mae Barbosa ensina que o mundo nos forma por meio da imagem. E isso inclui, é certo, as pessoas e as suas histórias. Neste pequeno álbum, reunimos algumas fotos de diferentes períodos da vida da professora que, como ninguém, incentiva a leitura das representações visuais.
Ana Mae aos 20 anos, 1956 | foto: autoria desconhecida | Coleção Ana Mae Barbosa
Ana em retrato de formatura na Faculdade de Direito do Recife, 1960 | foto: autoria desconhecida | Coleção Ana Mae Barbosa
Ana Mae em aula de pintura corporal no curso de prática do ensino da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), 1981 | foto: autoria desconhecida | Coleção Ana Mae Barbosa
Ana Mae em Birmingham, na Inglaterra, 1982 | foto: autoria desconhecida | Coleção Ana Mae Barbosa
Conferência de Ana Mae em congresso da Sociedade Internacional de Educação pela Arte (InSEA) no Egito, 1989 | foto: autoria desconhecida | Coleção Ana Mae Barbosa
Ana trabalhando no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC/USP), 1989. Na ocasião de sua despedida do museu, a professora Christina Rizzi a presenteou com uma carta e algumas fotos, incluindo esta | foto: autoria desconhecida | Coleção Ana Mae Barbosa
Ana, em visita a uma escola na Coreia do Sul, 1995 | foto: autoria desconhecida | Coleção Ana Mae Barbosa
Ana Mae no Festival Latino-Americano de Artes sem Barreiras, realizado no Sesc Pompeia, em São Paulo, 1998 | foto: autoria desconhecida | Coleção Ana Mae Barbosa
Ana Mae recebendo o Prêmio Edwin Ziegfeld, em Ohio, nos Estados Unidos, 2006 | foto: autoria desconhecida | Coleção Ana Mae Barbosa
Ana Mae contemplada com o Prêmio Itaú Cultural 30 Anos na categoria
Aprender, voltada para ações na área de educação além da escola formal, 2017 | foto: André Seiti/Itaú Cultural
Ensaio fotográfico para a Ocupação Ana Mae Barbosa, 2025 | foto: André Seiti/Itaú Cultural
“É a qualidade estética que unifica a experiência enquanto reflexão e emoção.”
Ana Mae Barbosa no livro Tópicos utópicos (1998)
Pelos passos de Ana Mae
Conhecer a trajetória de Ana Mae Barbosa é, em simultâneo, dar-se conta da jornada do campo da arte-educação no Brasil e acompanhar uma vida-carreira em tudo voltada para a liberdade de pensar e a democratização do letramento visual. Além disso, o percurso da professora confirma a realização de um trabalho constante, coletivo e firme, capaz de suscitar debates em diferentes anos e espaços. Há mais de sete décadas, por todos os continentes, os passos de Ana são também os caminhos de um projeto educacional que visa à emancipação do sujeito e ao reconhecimento da leitura da imagem artística como uma tarefa humanizadora. A seleção de fatos apresentada a seguir [feita com base na pesquisa de Sidiney Peterson Lima e Rodrigo Ferreira e em dados do memorial de Ana Mae e do site da Sociedade Internacional de Educação pela Arte (InSEA)] procura colocar em ordem cronológica alguns dos marcos da história da nossa homenageada, salientando a abrangência de suas ideias e práticas não só no quesito tempo, como ainda nas dimensões territorial e biográfico-formativa.
1955
Professora primária concursada (2ª colocação) da Secretaria de Educação de Pernambuco.
1956
Estágio de especialização em alfabetização no Instituto de Educação do Rio de Janeiro.
1958
Estágio na Escolinha de Arte do Recife.
1959
Professora-regente de classes de atividades artísticas para crianças na Escolinha de Arte do Recife.
1960
Diretora da Escolinha de Arte do Recife.
Graduação em direito (bacharelado em ciências jurídicas e sociais) pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
1961
Curso de iniciação musical com a professora Cecília Conde.
1962
Curso de pedagogia da plástica, na Universidade de Buenos Aires, na Argentina.
1963
Curso de teatro de fantoches com os professores Ilo Krugli e Pedro Touron.
Curso de trabalho espontâneo em madeira com o professor Ilo Krugli
1965
Organizadora da Escolinha de Arte da Universidade de Brasília (UnB), que não chegou a ser aberta em razão da repressão da ditadura militar.
1968
Fundadora e diretora da Escolinha de Arte de São Paulo.
1970
Organizadora da I Semana de Arte-Educação de São Paulo, na Escolinha de Arte de São Paulo.
1971
Docente voluntária da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP).
1972
Especialização em educação de adultos na Secretaria de Educação de New Haven (Estados Unidos).
Professora assistente da Universidade de Yale, nos Estados Unidos.
1973
Professora de cursos intensivos de arte e educação na Escolinha de Arte do Brasil, no Rio de Janeiro.
1974
Mestrado em arte-educação pela Faculdade Estadual do Sul de Connecticut, nos Estados Unidos.
Professora titular da ECA/USP.
1977
Assistente de arteterapia no Hospital de Boston, nos Estados Unidos.
1978
Doutorado em educação humanística pela Universidade de Boston, nos Estados Unidos.
1980
Organizadora da Semana de Arte e Ensino na USP.
1982
Professora visitante da Escola de Arte-Educação da Politécnica de Birmingham, na Inglaterra.
1983
Organizadora da 14ª edição do Festival de Inverno de Campos do Jordão, em São Paulo
1985
Congresso Regional da InSEA, em Bath (Inglaterra).
1986
Diretora do Museu de Arte Contemporânea da USP (MAC/USP).
Pesquisadora visitante da Universidade do Texas, em Austin (Estados Unidos).
1987
26o Congresso Mundial da InSEA, em Hamburgo (Alemanha).
1989
Conferência Regional da InSEA, no Cairo (Egito).
1990
Livre-docência pela ECA/USP.
Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA).
1991
Presidente da InSEA.
1992
Professora visitante da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos.
1993
Professora visitante do Centro Bellagio, da Fundação Rockefeller (The Rockefeller Foundation – Bellagio Center), na Itália.
1994
1o Congresso Nacional de Arte Infantil, em Madrid (Espanha).
Palestra de abertura do 28o Congresso da InSEA, em Montreal (Canadá).
1995
3o Congresso Asiático da InSEA, em Taichung (Taiwan).
1996
1o Congresso de Arte-Educação da Colômbia, em Bogotá.
Professora sênior aposentada da ECA/USP.
1997
Professora visitante na Universidade de Miami, nos Estados Unidos.
1999
Medalha Augusto Rodrigues, Movimento Escolinhas de Arte do Brasil.
Membra honorária da InSEA.
Prêmio Internacional Sir. Herbert Read, concedido pela InSEA e pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
2005
Professora da Universidade Anhembi Morumbi.
2006
Prêmio Edwin Ziegfeld, da InSEA, recebido em Ohio (Estados Unidos).
2008
32o Congresso Mundial da InSEA, em Osaka (Japão).
Congresso Ibero-Americano de Educação Artística: Sentidos Transibéricos, em Beja (Portugal).
2011
330 Congresso Mundial da InSEA, em Budapeste (Hungria).
2014
Jornadas Olga Cossettini –Arte-Educação e Meio Ambiente, em Rosário (Argentina).
Conselheira honorária pelo Conselho Latino-Americano de Educação pela Arte (Clea).
2016
Homenagem no V Congresso Internacional Sesc de Arte/ Educação, realizado pelo Sesc Piedade (PE) em parceria com a UFPE e a Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).
Medalha Procer de la Independencia Juana Maria de Lara, Paraguay Bicentenario (1811-2011).
Prêmio Jabuti pelo livro Redesenhando o desenho: educadores, política e história (2015), 1o lugar na categoria Educação e Pedagogia.
Título de doutora honoris causa pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
2017
Prêmio Itaú Cultural 30 Anos, na categoria Aprender.
2018
Comenda Noemia Varela, concedida pela Universidade Federal do Piauí (UFPI).
Construindo a Coesão Social por Meio da Educação Artística, seminário da InSEA em Walvis Bay (Namíbia)
Título de doutora honoris causa pela UFPE.
2021
Congresso Regional Latino-Americano da InSEA em Cusco (Peru), no formato on-line.
Medalha do Mérito Museológico Waldisa Rússio Camargo Guarnieri, da Secretaria de Cultura e Economia Criativa de São Paulo.
2022
Professora emérita da ECA/USP.
Título de doutora honoris causa pela Universidade Nacional das Artes, em Buenos Aires (Argentina).
2023
Prêmio Arte Educadora, concedido pela Organização Paulista de Arte Educação (Opae).
Prêmio Yêdamaria, concedido pela Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA).
2024
Prêmio da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas (Anpap).
Prêmio da Federação de Arte/ Educadores do Brasil (Faeb).
2025
Reconhecimento pelas contribuições para a formação de estudantes, na qualidade acadêmica dos cursos e na reputação da Universidade Anhembi Morumbi, concedido pela instituição.
Ocupação Ana Mae Barbosa, no Itaú Cultural.
Colares, viagens, manifestos
Quase 700 são os colares que compõem a coleção de Ana Mae Barbosa. Peças biografáveis a partir das quais podemos mapear viagens, experiências e encontros, esses objetos evidenciam o interesse pessoal, estético e afetivo da professora pela diversidade. A dimensão intercultural, noção basilar da obra e das ações de Ana, funciona como elo desse conjunto, reforçando uma percepção atenta à pluralidade de saberes, tecnologias e visualidades. Além dessa construção identitária, é possível pensar os colares também geograficamente: uma vez que muitos deles foram comprados ou ganhados em ocasiões acadêmicas nos mais variados locais, esses itens representam o quanto a nossa homenageada se dedica a estudar, ouvir e falar sobre arte-educação no mundo inteiro. Com os colares, Ana Mae manifesta, no próprio corpo, a sua vocação obstinada.
Colar produzido por Ana Mae Barbosa
Colar de pérolas da década de 1950 muito usado por Ana em sua juventude, quando ainda morava no Recife
Um dos colares preferidos de Ana Mae, recebido como presente ao final de um seminário no estado do Arizona, nos Estados Unidos, em 1992
Objeto indígena adquirido por Ana Mae Barbosa no estado do Pará e usado como colar. Sobre ele, a educadora diz: “Este não é um colar, é um manifesto!”
Acessório comprado por Ana Mae nos Estados Unidos e usado como colar
Acessório para cintura adquirido por Ana Mae em Manaus, no Amazonas, e usado como colar
Colar criado pelo artista plástico e arte-educador Sebastião Pedrosa, dado por ele de presente
a Ana Mae Barbosa
Ana Mae costuma fazer combinações de colares. Neste conjunto, o colar mais grosso é da Guiné-Bissau e o outro, com cordão fino e ornamentos quadrados, da Nigéria
Colar comprado em um brechó nos Estados Unidos. Sobre ele, a educadora diz: “Eu gosto é do desbunde!”
Colar de Dubai (Emirados Árabes Unidos) adquirido em viagem para uma edição do Congresso da Sociedade Internacional de Educação pela Arte (InSEA), em 1988
Colar adquirido na primeira viagem de Ana Mae à Colômbia, para o I Congresso de Arte-Educação da Colômbia, realizado em Bogotá, em 1996
Objeto adquirido por Ana Mae na China e usado como colar, embora ela tenha descoberto, durante a viagem, que era originalmente feito para adornar a porta das casas
presenteado a Ana Mae por Elvira Vernaschi, uma de suas ex-orientandas
Colar
Colar feito com peças compradas no Texas, nos Estados Unidos. Além de combinar colares, Ana Mae também os produz, reunindo itens de diversos lugares do mundo
A educadora refere-se a este colar como uma peça dos seus tempos no Recife, período que compreende sua formação e o começo de sua carreira
“Aprender é um processo contínuo e interminável. Enquanto houver curiosidade, há o que aprender.”
Ana Mae Barbosa em vídeo do Prêmio Itaú Cultural 30 anos (2017), do qual foi uma das vencedoras
Ficha técnica
OCUPAÇÃO
ANA MAE BARBOSA
Concepção e realização
Itaú Cultural
Curadoria
Clarissa Diniz e
Equipe Itaú Cultural
Assistência e pesquisa curatorial
Rodrigo Ferreira Consultoria
Frederico Barbosa, Regina
Machado, Rejane Coutinho e Sidiney Peterson Lima
Pesquisa
Mariana Barca e Yure de Abreu
Projeto expográfico
Thereza Faria
Projeto de acessibilidade
Equipe Itaú Cultural
FUNDAÇÃO
ITAÚ
Presidência do Conselho
Curador
Alfredo Setubal
Presidência da Fundação
Eduardo Saron
Comunicação Institucional e Estratégica
Gerência executiva
Ana de Fátima Sousa
Coordenação de estratégias
digitais e gestão de marca
Renato Corch
Edição de fotografia
André Seiti e Letícia Vieira
Redes sociais
Jullyanna Salles e Daniele
Cavalcante (estagiária)
Coordenação de comunicação institucional
Alan Albuquerque
Comunicação institucional
Caroline Sant’Ana e William Nunes
Eventos
Caroline Campos, Gabriela
Araújo e Simoni Barbiellini
ITAÚ CULTURAL
Superintendência
Jader Rosa
Mediação Cultural e Relacionamento
Gerência
Tayná Menezes
Coordenação
Mayra Oi Saito
Produção executiva e pesquisa
Fabiano Hilario, Maya de Paiva (até fevereiro de 2025), Vítor Luz e Vitor Narumi
Programação
Mônica Abreu Silva
Equipe de Mediação Cultural
Ana Beatriz Carvalho, Bianca
Martino, Edinho dos Santos, Edson Bismark, Julia Fernandes dos Santos, Matheus Maia, Maya de Paiva (até fevereiro
de 2025), Mônica Abreu Silva, Rafael Rodrigues, Vítor Luz e Vitor Narumi
Equipe de Relacionamento
Fabiano Hilario, Fefa Ferreira, Matheus Paz, Victor Soriano e
Vinícius Magnun
Formação e Fomento
Gerência
Valéria Toloi
Produção executiva e pesquisa
Fernanda Ferreira
Criação e Plataformas
Gerência
André Furtado
Coordenação de criação
Carla Chagas
Coordenação de produção
Kety Fernandes Nassar
Captação de áudio
Tomás Franco (terceirizado)
Captação de imagem
Karina Fogaça e Teia
Documenta (terceirizada)
Edição e finalização de áudio
Ana Paula Fiorotto
Edição de imagem
Karina Fogaça
Produção audiovisual
Paula Bertola
Edição e produção de conteúdo
Heloísa Iaconis e Icaro Mello
Projeto gráfico
e comunicação visual
Guilherme Ferreira
Produção editorial
Pamela Rocha Camargo
Supervisão de revisão de texto
Tatiane Ivo
Revisão de texto
Karina Hambra (terceirizada)
Informação e Difusão Digital
Gerência
Tânia Rodrigues
Coordenação da Enciclopédia
Luciana Rocha
Equipe
Matias Monteiro e Renan de
Figueiredo (estagiário)
Coordenação de documentação
Felipe Albert
Equipe
Fernando Galante e Nathalia Burato (até janeiro de 2025)
Infraestrutura e Produção
Gerência
Gilberto Labor
Coordenação de produção de exposições
Vinícius Ramos
Produção
Carlos Eduardo Ferreira, Carmen Fajardo, Érica Pedrosa, Fernanda
Tang, Iago Germano, Rodrigo
Augusto Baptista (estagiário),
Victoria Oliveira e Wanderley Bispo
Consultoria Jurídica
Gerência
Julia Baptista Rosa
Coordenação
Daniel Lourenço
Advogados responsáveis
Barbara Acerbi (estagiária), Carlos Eduardo do Nascimento e Matheus Matos Paz
AGRADECIMENTOS
Amanda Tojal, Ana Amália
Barbosa, Arquivo Central da Universidade de Brasília (UnB), Beatriz Correa, Bené Fonteles, Bruno Marcitelli, Christina
Grevy, Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São
Paulo (ECA/USP), Escolinha de Arte do Brasil, Escolinha de Arte do Recife (EAR),
Everson Melquíades, Fabiana
Vidal, Felipe Albert, Fernando Azevedo, Folha de S.Paulo, Guto
Lacaz, Instituto de Arte Tear, Instituto Paulo Freire, Iracy
Barbosa da Silva, Izabel Cristina
Moreira, Jefferson Medeiros, Jociele Lampert, José Minerini
Neto, Lilian Amaral, Liliana Dell
Agnese, Lua Cavalcante, Luciana
Rocha, Lucimar Bello, Lucivânia
Pereira dos Santos, Maisa
Cristina da Silva, Marcos Guerra, Maria Angela Serri Francoio, Marilia Bovo Lopes, Marisa
Lacerda, Matias Monteiro, Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC/USP), Museu Felícia
Leirner, Nathalia Burato, Nau Vegar, O Estado de S. Paulo, Renan de Figueiredo, Renata Sant’Anna, Rita Bredariolli, Sabrina Ribeiro, Sebastião
Pedrosa, Sergio Pizoli, Silvana Karpinscki, Tânia Rodrigues, Terezinha Maria de Castro Varela, TV Cultura, Uxa Xavier e Valéria Toloi
O Itaú Cultural (IC) e a curadoria agradecem a todas as pessoas que cederam imagens e vídeos e a todos os artistas, sucessores e colecionadores que autorizaram a exibição de suas obras e as emprestaram para a exposição.
Agradecemos também a todos os entrevistados que contribuíram para a pesquisa de Mariana Barca.
Foram realizados todos os esforços para encontrar os detentores dos direitos autorais incidentes sobre as imagens e obras expostas e publicadas, além das pessoas fotografadas. Caso alguém se reconheça ou identifique algum registro de sua autoria, solicitamos o contato pelo e-mail atendimento@itaucultural.org.br.
O IC integra a Fundação Itaú. Saiba mais em fundacaoitau.org.br.
Dados internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Fundação Itaú | Itaú Cultural
Ocupação Ana Mae Barbosa / organizado por Itaú Cultural; vários autores.São Paulo: Itaú Cultural, 2025. il.:PDF; 120 p.
ISBN: 978-85-7979-185-7
1. Barbosa, Ana Mae. 2. Arte-Educação. 3. Mediação Cultural. 4. Museus. 5. Educação. I. Instituto Itaú Cultural. II. Fundação Itaú. III. Título.
CDD 370
Bibliotecário Ana Luisa Constantino dos Santos CRB-8/10076
fonte: Stellage março de 2025
Ocupação Ana Mae Barbosa
quarta 2 de abril a domingo 13 de julho de 2025 terça a sábado, das 11h às 20h domingo e feriado, das 11h às 19h