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34 × 8 cm
Coleção do artista foto: Edson Kumasaka
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34 × 8 cm
Coleção do artista foto: Edson Kumasaka
são paulo, 2024
itaú cultural guto lacaz ou a
kiko farkas e rico lins guto
lacaz, alguns trabalhos que eu vi
ivo mesquita
64
conversa
guto lacaz, kiko farkas,
rico lins e marcelo machado
Com uma obra que transita entre o design gráfico, a performance e a arte e tecnologia, Guto Lacaz amplia nossa percepção da vida, revelando os segredos dos objetos cotidianos ao nos ensinar a olhar para tudo aquilo que parece desimportante. Como um inventor cheio de bom humor, ele manipula a expectativa do público, provocando reflexões, das mais singelas às mais ácidas, sobre a realidade e a maneira como ela se apresenta a nós, desde o mais diminuto objeto até as dimensões cósmicas do universo. Suas obras nos convidam à contemplação do inusitado e emanam, de uma maneira muito natural, a felicidade em descobrir uma face nova do mundo, despertando sorrisos por onde passam.
Formado em arquitetura, Guto Lacaz desenvolveu sua trajetória na arte e no universo editorial, consolidando-se como um dos artistas mais inventivos de sua geração. Sua pluralidade criativa não se limita às referências artísticas, e é evidente a influência da física, da matemática, da mecânica e da eletrônica em sua produção, que se estende pelas mais diversas áreas das artes visuais – da escultura à videoarte, da edição de livros à performance, da cenografia à ilustração, sempre explorando os limites do possível.
O Itaú Cultural (IC) tem a honra de apresentar a exposição Guto Lacaz: cheque mate e este catálogo, que rememoram a trajetória do homenageado e fornecem uma vista panorâmica de toda a multiplicidade de sua obra – construída ao longo de quase 50 anos de um olhar afiadíssimo e uma criatividade inigualável – e de seu processo criativo, atestando o contínuo caráter de vanguarda de um dos maiores artistas brasileiros.
Boa leitura!
Itaú Cultural
Saiba mais sobre a vida e a obra dos artistas citados neste catálogo na Enciclopédia Itaú Cultural de arte e cultura brasileira
Guto Lacaz é um artista necessário. Cronista do objeto doméstico, ele questiona, expande e transforma sua função original. Disseca a tecnologia, investiga como as coisas funcionam para desmontá-las e remontá-las segundo sua própria lógica, alterando não apenas objetos e raciocínios, mas a própria percepção do mundo em que vivemos. Seu olhar projeta um universo paralelo ao nosso, que não vemos por não sabermos que existe. Ele nos revela a importância das coisas desimportantes.
Guto é também um subversivo. Com seus jogos de palavras e sentidos e com a seriedade com que trata o lúdico, ele vai alterando significados, trafegando entre a lógica da ciência e a poesia da arte. Subverte a física com as leis da física, e os objetos com seus “desobjetos”.
Iconoclasta, ele organiza com rigor e incerteza o intrincado funcionamento das coisas simples. A imprecisa precisão de seus jogos mentais engendra um labirinto no qual se busca a porta de entrada. Com sua máquina de garimpar, Guto desconcerta nossa percepção e torna visível o que só ele enxerga, criando novas funções para objetos existentes e novos objetos com fins desconhecidos. Inventor-poeta, para nomear suas descobertas, ele cria “palavrobjetos” que são ao mesmo tempo título e obra. Com sua voz mansa e seu olhar ferino, Guto Lacaz é zás-trás.
Artista econômico e raro, opera na esfera do humor, da ironia fina, das metáforas e das sutilezas. Ao mesmo tempo que ele manipula conceitos complexos de inversão semiótica, suas obras parecem simples, agradam igualmente a todos os públicos – que, entendendo-as ou não, gostam delas. É um mestre de cerimônias que não instaura a risada, mas o sorriso.
Na obra de Guto há um deslocamento do tempo e do espaço como parâmetros de aferição do mundo que nos cerca: os objetos não são, eles apenas estão. Na aparente profundidade de um pires, abre-se um túnel para um mergulho em significados múltiplos, revelando e embaralhando nossa percepção entre o que é e o que poderia ser.
Cinema, performance, pintura, desenho, escultura, instalação, cenografia, poesia visual, artes gráficas e edição são barcos nos quais Guto navega, em um mar de referências artísticas, literárias e teatrais banhadas em uma sofisticada e irônica crítica aos mitos do progresso, da ciência, da industrialização e da funcionalidade da sociedade de consumo – e, em última instância, ao estar no mundo.
Para o artista, a física, a matemática, a astronomia e a ciência de maneira geral são condições necessárias, mas não suficientes para seus voos. A construção de suas obras requer o projeto do arquiteto formado que ele é, mas também o do engenheiro e técnico em eletrônica que ele não chegou a se tornar. Mas a surpresa, o estranhamento e o espanto nos capturam quando a dimensão artística coloca o inusitado no protagonismo.
Esta exposição comemora o percurso desse artista ímpar e o reafirma como um dos mais importantes de sua geração.
Kiko Farkas e Rico Lins
Páginas 54 a 61: Registros do ateliê de Guto Lacaz fotos: Humberto Pimentel/ Itaú Cultural e Kiko Farkas
“Estou
observação
Guto Lacaz
“Mostraremos por conseguinte como o ridículo do elóquio nasce dos equívocos entre palavras semelhantes para coisas diferentes e diferentes para coisas semelhantes, da loquacidade e da repetição, dos jogos de palavras, dos diminutivos, dos erros de pronúncia e dos barbarismos.”1
(Umberto Eco)
O artista Guto Lacaz é um cidadão muito querido, um sucesso de crítica e de público; sua produção artística é uma unanimidade. Ao longo de quase 50 anos, seu nome, quando pronunciado, é sempre seguido de um sorriso. Seus trabalhos – pinturas, desenhos, objetos, esculturas, geringonças eletrônicas, gambiarras mecânicas, textos, gráfica, instalações, performances, design – têm a empatia imediata do espectador, seja no museu, no teatro, na revista ou na galeria. Em face da diversidade de referências, materiais, formas e efeitos visuais e sonoros, seus trabalhos são sempre surpreendentes pela sua estranha familiaridade, resultado de uma disciplinada e bem-humorada observação do mundo pelo artista, transformada com engenho e precisão. Desde meados dos anos 1970, sua produção instalou as noções de humor, ironia e nonsense como estratégias para sua prática, espicaçando o vetusto intelectualismo da arte moderna e rompendo a aridez imposta pelo conceitualismo e pelo minimalismo nos anos 1960. Guto Lacaz trouxe leveza e alegria para a arte, ficou conhecido como um artista entre mágico e cientista, uma sorte de caricaturista do mundo e da vida quotidiana. Entretanto, antes de uma extensa comédia, sua obra é uma lição sobre como olhar o mundo criticamente e sobre o sentido libertário da experiência do riso e da arte. Para ele, a arte não é uma categoria apartada da vida.
Diferentemente do que se pode supor, o interesse de Guto Lacaz por mecânica, física e eletroeletrônica não representa, eventualmente, certa frustração do tipo “aquele que não deu certo para a coisa e foi ser artista”. Para ele, ser artista é um estar no mundo, é a escolha de encontrar na arte um território maior que aquele das ciências ditas exatas. Prefere brincar e reinventar a realidade que elas oferecem, apontar para uma outra lógica, algo disruptiva, perturbadora da ordem que elas impõem. É um espírito anarquista, um flâneur atento e curioso,
1. ECO, Umberto. O nome da rosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983. p. 523.
um trabalhador meticuloso e determinado, um militante arguto e delicado. Acaso, intuição, sacadas e flagrantes permeiam a vida. Sua arte é coisa de cabeça. O trabalho do artista tão importante quanto o do cientista.
Guto Lacaz é discreto e silencioso. Sempre foi. Como observou o escritor e poeta Paulo Bomfim (1926-2019), ele ludicamente leva a vida a sério.2 Seu imaginário vai da revista Mecânica Popular ao filme O Bandido da Luz Vermelha (1968), passando por Egito, Mondrian, Beatles, Velázquez, Construtivismo Russo, Carlos Zéfiro, samba, Lygia Clark, Patricio Bisso e muito mais. O conhecimento e a difusão do seu trabalho, no início, tiveram muito de boca a boca. Entrou no circuito das artes marcando sua atitude e seu estilo no design gráfico – vinhetas, ilustrações, cartazes, tipografia, marcas – que aparecia em periódicos e revistas cult, revelando uma visualidade cosmopolita, leve e bem-humorada, contraposta ao rigor formal da tradição construtivo-concreta brasileira, da qual ele se apropria e que reinventa. Da mesma forma, seus primeiros trabalhos de arte, vistos muitas vezes em coletivas de objetos e design, já traziam seus raciocínios e interpretações originais com peças lúdicas, engraçadas mesmo, a partir de objetos, produtos industrializados, aparelhos, todos deslocados das funções, transformando-os em inusitados ready-mades, como a série Coincidências industriais, a partir de 1972. Esse caráter de pesquisa e muita experimentação – o método do artista – se amplia em diversos outros objetos disparatados, como Luminária cinética (1984), Ciclo-cine (1995), Art detectors (2005), Eletro Livros (2012) e a espetacular Biciclóptica (2015), assim como em inúmeros produtos e maquetes desde então. Fantasia e imaginação na busca pelo inusitado ao redor.
Com sua primeira performance, no início dos anos 1980, Guto Lacaz ganhou figura, apareceu para o público. Naquele tempo, a performance vinha conquistando espaço nas práticas artísticas, mas ainda era percebida, entre críticos e curadores, como um exercício mais próximo do teatro, da música e da dança, num movimento de aproximação entre arte e vida, com um caráter mais incidental, muitas vezes improvisado, provocativo-reativo, em artistas como Hélio Oiticica (1937-1980), José Roberto Aguilar (1941) e Ivald Granato (1949-2016).
2. BOMFIM, Paulo. O mago Lacaz. In: LACAZ, Guto. Guto Lacaz –omemhobjeto: 30 anos de arte. São Paulo: Decor, 2009. p. 9.
A Eletroperformance (1985), de Guto Lacaz, contrapunha outro modo de fazer performance naquele momento. A racionalidade era a marca do trabalho, chamado na época de “espetáculo conceitual”,3 o qual colocava em questão o consumo, a tecnologia e o modo de vida contemporâneo, além do próprio processo teatral. Em uma série de 14 quadros com diferentes utensílios domésticos, aparatos elétricos e mecânicos, a ação resultava de um planejamento e controle rígidos, um desenho preciso do espaço, cada adereço com hora e lugar, e os movimentos dos performers rigorosamente ensaiados. Não agiam como atores, mas como instrutores das possibilidades de toda a parafernália no palco, onde cada efeito estava milimetricamente calculado. Um território multidisciplinar – teatro, ciência, música, design, artes visuais, cinema – sobre aparelhos e ações banais no quotidiano, uma sequência sem fio narrativo ou emoção, com ações inusitadas e incongruentes. O reconhecimento do trabalho levou o artista para a 18ª Bienal de São Paulo (1985), com uma sala individual. Estava consagrado.4, 5
A exposição Ideias modernas, de 1982, primeira individual de Guto Lacaz, pode ser considerada também sua primeira instalação. Ao redor da cama com travesseiro e cobertas e do tapete colocados no centro da galeria, o artista apresentava o trabalho em relação direta com sua intimidade, seu quotidiano. Recuperava o sentido do espaço original, uma casa, transformado em galeria de arte por uma impositiva arquitetura. Foi povoando-a de prateleiras com objetos, desenhos, maquetes, pequenas e grandes pinturas, esculturas, mobiliário ou quase, sem nenhuma hierarquia. A descontração produzida pelas obras – exalavam liberdade – estendia-se ao ambiente, onde a surpresa e o riso corriam soltos. Para além do encantamento de cada peça individualmente, era também notável como a domesticidade trazida ao espaço pelos trabalhos confrontava, com bom humor, a suposta neutralidade e a expectativa de sobriedade do cubo branco, assim como a superioridade erudita do evento. Propunha brincar, rir das distinções artísticas.
Ao longo de sua carreira, Guto Lacaz realizou diversas instalações, projetos ambiciosos e desafiantes, com trabalhos memoráveis, momentos espetaculares. A primeira a arrebatar
3. COHEN, Renato. Performance como linguagem. In: LACAZ, Guto. Guto Lacaz –omemhobjeto: 30 anos de arte. São Paulo: Decor, 2009. p. 56.
4. Por coincidência, foi também nessa bienal que se apresentaram pela primeira vez no Brasil duas figuras fundantes e radicais na história da performance: o casal Marina Abramovic (1946) e Ulay (1943-2020).
5. O desenho e o método em Eletroperformance orientam as performances seguintes: Estranha descoberta acidental (1985, videoperformance); Helicubo (2017, videoperformance); Máquinas II a V (entre 1990 e 2009, Prêmio Guggenheim 1995); IOU – a fábula do cubo e do cavalo (2008); Nu descendo e subindo a escada (2017); e Ludo voo (2017 e 2023). Entretanto, toda vez que são reconstituídas, elas passam por ajustes e atualizações.
multidões foi Eletro esfero espaço (1986). Consistia em um longo corredor com, de cada lado, 12 aspiradores de pó revertidos, ou seja, em vez de aspirar, sopravam e mantinham flutuando bolinhas de isopor, enquanto o visitante, com fones de ouvido, cruzava o espaço ao som da música exuberante de Richard Wagner (1813-1883). Propunha uma imersão surreal, uma epifania operística.
É nas instalações que Guto Lacaz revela o melhor da sua engenhosidade, do seu gosto pela apropriação e transformação dos objetos, das gambiarras tecnológicas e eletrônicas para obter resultados sempre surpreendentes e que falam direto à sensibilidade do público. Em Auditório para questões delicadas (1989), 25 cadeiras comuns de salão flutuavam sobre as águas do lago no Parque Ibirapuera, oferecendo aos passantes uma outra paisagem naquele lugar.
A disposição simétrica das cadeiras multiplicava a elegância burocrática do design industrial, algo nunca percebido, e as fazia flutuar como num sonho. Foram meses de desenhos, trabalhos, testes de materiais e construção até lograr aquele efeito inesquecível. Mas o trabalho também tinha um sentido político, as tais questões delicadas. Foi encomendado como parte das celebrações do segundo centenário da “Declaração universal dos direitos humanos” (1789). Requerem os artistas.
Embora fosse muito simples em sua materialidade e construção, a instalação Páginas preciosas: templo-mídia (1993) também tinha um cunho político. Por determinado tempo, Guto Lacaz guardou páginas de jornal com fotos que, naquele momento, lhe chamaram a atenção por seu valor plástico. Isolou cada imagem escolhida e cobriu o restante das páginas com spray dourado. Com 250 delas, empapelou a sala retangular da galeria, transformando o interior numa espécie de templo com paredes de ouro, em que as imagens evidenciavam ícones pop e questões do mundo contemporâneo conforme dispostas pela mídia, com seu tamanho, repetição, destaque e apagamento em diferentes veículos de comunicação. Sublinhava a manipulação e o poder das imagens. Mas, além do painel social e político que apresentavam, as fotos pontuavam o dourado do fundo em bonitos jogos visuais. O trabalho ironizava o ouro vendido pela galeria, folhas de papel-jornal. Esse exercício de crítica institucional também está em A escolha do artista (2003),
quando Guto Lacaz expôs em trainéis uma parte da reserva técnica do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP), com obras e serviços para mostrar a arte atrás da arte, onde ficam e como são embaladas e transportadas as obras de arte.6
Entre as mais complexas e bem-sucedidas instalações do artista está Cosmos, um passeio pelo infinito (1991). No interior de uma ampla sala escura estão instalados cerca de cem pedestais de diferentes alturas, com motores elétricos silenciosos e de baixa rotação – equipos cinéticos. Esses equipos permitem que mais de 300 pequenas esferas brancas descrevam órbitas que variam de direção, diâmetro e velocidade. A luz negra que ilumina a sala faz com que apenas essas esferas e seu movimento sejam vistos pelo visitante. Uma passarela em relevo com o chão determina a trajetória obrigatória entre a entrada e a saída. Caixas acústicas reproduzem a trilha sonora estereofônica original composta por Mário Manga. A sensação produzida é a de estarmos flutuando no espaço, caminhando por entre estrelas, planetas e outros corpos celestes – passeando no infinito.7
Era como estar em um filme de ficção científica, algo fantástico, arrebatador. Com ela, Guto Lacaz afirmou seu projeto de aliar arte e tecnologia e oferecer vivências imersivas e transformadoras ao espectador. Olhar, sentir, viver.
A instalação Garoa Modernista (2000/2005) trabalha com uma situação diferente, criando e demarcando um espaço para engajamento do espectador, uma espécie de rebatimento ampliado e espacializado de um quadro, onde a cor, como sempre, é o elemento constitutivo da obra e da experiência que ela propõe. Trata-se de uma pintura que aparece e desaparece, que se desloca da parede para o espaço (no caso, do teto ao chão), obstruindo-o, impedindo que outras pinturas possam ser vistas. Mas não é tanto a ironia que está em jogo aqui, e sim uma operação poética, sensível e sutil. O artista agora é uma espécie de mágico pintor, que articula uma encenação de chuva, cujas águas passaram pelas pinturas do 2o andar, colorindo-se, antes de cair sobre o 1o, envolvendo o visitante. É como se esse último fosse lavado, purificado pela experiência do olhar e do estar num território impregnado de significantes. Novamente, o artista apropria-se do interior do
6. LACAZ, Guto. Guto Lacaz – omemhobjeto: 30 anos de arte. São Paulo: Decor, 2009. p. 216-221. Talvez um dos primeiros trabalhos de Guto Lacaz a comentar o sistema da arte tenha sido Salão Nacional (1986), na sua exposição individual Muamba, em 1987, na Galeria Subdistrito, em São Paulo, entre as mais proeminentes na promoção de artistas surgidos a partir dos anos 1980. Trata-se de um grande painel no qual ele colocou reproduções de trabalhos de amigos que quis homenagear, como Leda Catunda (1961), Alex Vallauri (1949-1987), Marcelo Cipis (1959), Dudi Maia Rosa (1946) e Patricio Bisso (1957-2019).
7. LACAZ, Guto. Guto Lacaz –omemhobjeto: 30 anos de arte. São Paulo: Decor, 2009. p. 109.
edifício e de seus conteúdos – a tradição, a memória, o tempo vivido –, e opera como um inventor a partir do precário, banal e doméstico, apresentando-se como um criador de ilusões, um artífice de truques encantadores, como mover um arco-íris no interior do museu.8
A pintura foi levada ao topo do debate e da prática nas artes visuais com a explosão de artistas da chamada Geração 80, do século passado, numa reação, no calor da hora, ao caráter cerebral e desmaterializado da arte na década anterior. Propunham o retorno, a apropriação, a citação, a desconstrução da pintura e toda a sua tradição; e a colagem, transformada em meio e linguagem por artistas do Cubismo, do Dadaísmo e da Pop Art, tornou-se um princípio em quase toda produção artística. Era um momento libertário – no Brasil, era o fim da ditadura militar – e com muita energia retida, o que mobilizava artistas e criadores de todos os segmentos da arte e da cultura. Hoje se percebe com clareza que esses artistas não constituem um grupo, uma identidade geracional, um estilo, além do fato de estarem entre os últimos baby boomers. São produtores de uma diversidade plástica e de imaginários que dificultam a identificação de grupos, se não de afinidades em meios, questões e estratégias. Instalaram uma nova paisagem artística, mais extensa, profunda e horizontal. A produção dessa geração é reconhecida, nacional e internacionalmente, pela pluralidade de referências e linguagens e pela originalidade, refletindo o processo de cosmopolitização do circuito com a globalização econômica e cultural e a emergência dos países periféricos – processo que, com a arte como parte da nova economia, demandou a qualificação e a institucionalização em todos os níveis do circuito local. Essa foi uma conquista dessa geração de artistas e de todos os profissionais envolvidos no sistema da arte.
Guto Lacaz gosta muito de pintura. Diego Velázquez (1599-1660), Édouard Manet (1832-1883), Piet Mondrian (1872-1944), René Magritte (1898-1967), Aguilar, Luiz Paulo Baravelli (1942) e outros tantos pintores fazem parte do seu imaginário. Sua ligação com esse meio, assim como com todas as outras linguagens e disciplinas com que trabalha, se dá a partir de modelos definidos a priori para lograr um objetivo determinado. Reconhece a tradição que privilegiou
8. Como bem pontuou Octavio Paz (1914-1998) em Marcel Duchamp o el castillo de la pureza (Ediciones Era, 1968, p. 51), “Es malo citarse pero es peor parafrasearse”. Como não seguir um mestre? O fragmento reproduzido foi escrito como texto de parede para a instalação Garoa Modernista (2005), dentro do Projeto Octógono, na Pinacoteca do Estado de São Paulo. Ver: LACAZ, Guto. Guto Lacaz – omemhobjeto: 30 anos de arte. São Paulo: Decor, 2009. p. 238.
a pintura na educação do olhar e da percepção. No início fez algumas delas, mas rapidamente abraçou uma prática de base conceitual, uma representação da pintura, ou uma paródia dela, e a manipulação de efeitos visuais.9
Já com ironia, por exemplo, a pintura como questão aparece em Bolo I e II (1983), dois pequenos guaches mais próximos de projeto ou rascunho, nos quais o artista condensa no plano, ordenadamente, todos os elementos que constituem uma pintura: cor, linha, forma, volume. Em ambas as composições, um trapézio invertido sugere um bolo – um deles contra o fundo claro, o outro cortado por faixas e zonas de cores, sempre chapadas. No centro, um círculo, como um grande olho pulsante, fixa o observador nos efeitos óticos das cores justapostas e vibrantes.
Guto Lacaz mergulha na pintura com um olhar e um interesse de cientista. Procura entender e explorar o fenômeno da percepção visual, como é construída a experiência retiniana, e aproxima-se da ótica, a parte da física que estuda a luz e a visão. Busca pela experiência da pura visibilidade, sem narrativas, apenas sensações. Daí sua opção por explorar a Op Art e a Arte Cinética, expressões de extrema racionalidade na pintura e na escultura modernas. Elas se baseiam nos efeitos óticos produzidos pela justaposição ou sobreposição de cores e linhas vibrantes, pela repetição de formas e recortes, assim como pelo uso de dispositivos eletromecânicos.
Bossa Nova (1995) é um trabalho exemplar desse princípio: um conjunto de 25 painéis esmaltados na paleta de cores de uma pintura de paisagem e justapostos com certa distância entre si, que de repente vibram, surpreendendo o observador. Já em Música ao vivo (1991), era o espaço que parecia se mover pelo efeito de seis faixas de papel pintadas de preto em uma face e de amarelo na outra, com círculos aleatórios em cada uma delas em amarelo ou preto. Alinhadas e centralizadas no espaço, as faixas rodavam presas à bandeja de um toca-discos, enquanto a movimentação dos círculos fazia os olhos correrem no interior da galeria, numa espécie de training para a retina. Mas, talvez, entre as mais bem-sucedidas pinturas cinéticas de Guto Lacaz esteja a exposição Máscara negra (2016). Os trabalhos punham em movimento ritmado
9. A pintura, seja como ideia ou referência, aparece em diversos trabalhos de Guto Lacaz e com diferentes formas. Trata-se de um amplo imaginário que, por um lado, toma o dedo de Deus na pintura A criação de Adão (ca. 1511), de Michelangelo (1475-1564), como referência para a série de 12 serigrafias
Pequenas grandes ações (2003), só de linhas e cores sobre orientação de usos para diferentes utensílios e produtos, ou apropria-se de uma pintura de Benedito Calixto (1853-1927) para fazer uma instalação, Calixtocópio (2013), na qual propõe tornar tridimensional a paisagem retratada com reproduções e espelhos dispostos no espaço; e, por outro, é objeto de uma exposição provocativa e espirituosa, como Pinturas roubadas reaparecem na Bienal (2010), com reproduções em tamanho real de obras desaparecidas de museus franceses, ou ainda Isaac Newton – Albert Einstein (2008), na qual os dois cientistas são retratados por uma colagem em 3D de seus respectivos “enunciados” científicos.
planos recortados de linhas verticais em branco e preto, mas dispensavam as tecnologias e os recursos disponíveis para semelhante tarefa. Foram feitos à mão, usando máscaras para as pinturas e os recortes, enquanto um dispositivo mecânico no interior da moldura movimenta alternadamente as duas pranchas sobrepostas, que produzem os efeitos óticos. O caráter artesanal da obra, a rudeza na exposição de parafusos e acabamento das caixas/molduras, além da engenhosidade doméstica que produz os efeitos cinéticos tão harmoniosos e precisos, isso tudo tem também uma crítica espirituosa à mistificação das tecnologias.
A exploração cinética das formas também se desprendeu do plano da pintura para ganhar o espaço como objetos ou esculturas que se movem entre os visitantes ou por eles. Rotores (2008), ou “mandalas mecânicas”, no dizer do artista, compõe o conjunto de nove objetos cinéticos feitos de dois discos de ferro negro com um rolamento entre si e, na face superior, diversas formas cromadas acopladas, num estridente contraste com a base. Os dedos do observador fazem girar as peças, produzindo um efeito hipnotizante e introspectivo, como dizer um mantra. Uma experiência solitária. Já Pororoca (2015) é uma instalação de esculturas mecânicas em tubos de aço que se movimentam numa meticulosa coreografia, modificando o desenho do espaço e a circulação dos espectadores num modo contínuo, já distante da pintura e mais próximo da performance. 10
Em O nome da rosa, novela policial de Umberto Eco (1932-2016), a trama se desenvolve em torno de um manuscrito tido como desaparecido, o segundo volume da Poética de Aristóteles (384-322 a.C.), que abordaria a comédia e o riso. Qual motivo levou o bibliotecário de uma abadia, durante a Idade Média, a interditar tal manuscrito? Descoberto por suas tramas e seus crimes, quando confrontado, o diligente censor justificou-se:
Porque era do Filósofo. Cada livro daquele homem destruiu uma parte da sabedoria que a cristandade acumulara no correr dos séculos. [...] O riso é a fraqueza, a corrupção, a insipidez da nossa carne. [...] aqui [em Aristóteles] a função do riso é invertida, elevada à arte, abrem-se lhe as portas do mundo dos
10. Merece registro, dentro do cinetismo de Guto Lacaz, a hilária figura/escultura de Pai Ubu (1998), com seu umbigo giratório, produzida para a encenação da peça Ubu rei, de Alfred de Jarry (1873-1907), pelo grupo Teatro do Ornitorrinco.
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doutos, faz-se dele objeto de filosofia e de pérfida teologia [...] Jogos marginais da imaginação desregrada [...] ensinar que libertar-se do medo do diabo é sabedoria. [...] Era preciso impedir isso, foi o que fiz.11
Além de contextualizar a epígrafe – a ficção dentro da ficção –, essa passagem de Umberto Eco vem na forma de colagem para metaforizar a origem da interdição, pelo cristianismo, do riso, da comédia, da sátira, por seu caráter libertário. Na tradição das artes plásticas, o humor, isto é, tudo aquilo que provoca o riso, foi considerado um gênero menor, um gosto vulgar, assunto para paródia e ilustração, temas ordinários como provérbios, hábitos e festas populares, jogos de palavras, bizarrices. Mas nem todos riem da mesma coisa.
Foi a arte moderna que mudou o status do humor na arte. O movimento Dada (1915), o Surrealismo (1924) e depois a Pop Art (1956) fizeram do humor uma estratégia radical nos respectivos programas. O primeiro, surgido no cenário devastador da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), atacava as normas e as práticas sociais, incluindo a arte, com escárnio, irreverência e fino humor. Introduziram noções importantes para o pensamento e a prática artística, como absurdo, simulacro, ready-made, jogos de palavra e performance, entendidos sempre como expressão de liberdade e criatividade espontânea. O segundo também partia de uma atitude provocativa e desafiante, mas incorporou elementos da teoria freudiana e da psicanálise, como os sonhos e o irracional na produção de visualidade. Formalizou os conceitos de insólito, fantástico, estranhamento, o corps exquis e a assemblage. Para eles, a arte é entendida como liberação do desejo e dos traumas reprimidos. Por último, a Pop Art fez do humor e da paródia estratégias para criticar a cultura popular, o consumismo e o materialismo. Apropriou-se da linguagem das histórias em quadrinhos e das charges, arremedou o marketing e a indústria cultural, legitimou formas, materiais e procedimentos não convencionais, encerrou as belas-artes. Ao mesmo tempo, seu antiacademicismo olhou para as ruas e possibilitou a emergência de artistas fora do circuito institucional: o grafite, a street art, a pichação, que recorrem ao humor e ao deboche para afrontar, transgredir e politizar suas imagens.
11. ECO, Umberto. O nome da rosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983. p. 531, 532, 533 e 535. Spoiler: no romance, o manuscrito termina destruído – parte comido pelo bibliotecário, parte consumido no incêndio que acabou com a biblioteca.
Na arte contemporânea, diferentemente da tradição lúdica e irreverente, das mensagens sutis dos movimentos históricos, o humor parece privilegiar a ironia ácida, o humor negro, algo sombrio, associado à condição humana nua e crua, assim como aos protestos e às manifestações de causas e movimentos políticos e culturais. O humor é usado como uma arma mais potente e subversiva – às vezes cínica, como em Jeff Koons (1955) ou Damien Hirst (1965); noutras, insolente e agressiva, como em Maurizio Cattelan (1960) e Sarah Lucas (1962); ou ainda amarga e desiludida, como em Banksy (1974).
A extensa obra de Guto Lacaz nos faz rir, ensina a olhar. Rir de nós mesmos, da nossa ingenuidade, dos nossos medos e da nossa timidez, das nossas amarras em relação ao mundo em que vivemos e ao modo como atuamos. Um riso suave que denota inteligência – percebemos ou descobrimos algo! – e, ainda que por vezes resignado, nunca é estridente, agressivo ou debochado, tampouco melancólico. Suas máquinas e seus inventos jamais se autodestruiriam, como os de Jean Tinguely (1925-1991). Guto Lacaz criou um estilo próprio no gênero e sua produção está irmanada com um grupo preciso de artistas contemporâneos, como Roman Signer (1938), Erwin Wurm (1954) e Barrão (1956), ou as duplas Fischli & Weiss [Peter Fischili (1952) e David Weiss (1946-2012)] e Paiva & Gusmão [João Gusmão (1979) e Pedro Paiva (1977)], entre poucos outros. Segue fiel às lições do Dadaísmo e das ciências, explorando a natureza intelectual do humor. Para ele, arte é invenção, uma ferramenta conceitual e crítica que ensina a olhar o mundo e a produzir sentido e transformação a partir dessa experiência. Guto Lacaz acredita na estratégia do humor como um catalisador de pensamento e de reflexão para outras perspectivas da realidade, e no riso como o fuso que liga o raciocínio e libera o recalcado.
No mundo caótico, inseguro e injusto em que vivemos, rir ainda é o melhor remédio. Melhor ainda se ministrado por Guto Lacaz.
Ivo Mesquita (São Paulo/SP, 1951) é pesquisador e escritor independente.
Guto Lacaz, em entrevista para o livro omemhobjeto
78-79
Pequenas grandes ações, 2003 série de 12 serigrafias
73 × 103 × 5 cm (cada uma)
Coleção do artista fotos: Ana Pigosso/Itaú Cultural
Escultura com Bandeira, 1970 objeto
O trabalhador, 1994
chapa metálica com pintura eletrostática
50 × 50 × 0,5 cm
Coleção do artista
foto: Ana Pigosso/Itaú Cultural
47,3 × 37,8 × 10 cm Coleção do artista foto à esquerda: Acervo Guto Lacaz; à direita: Ana Pigosso/Itaú Cultural
Omomáscara, 1990 objeto de cartão recortado 20 × 18 × 1,24 cm Coleção do artista foto: Ana Pigosso/Itaú Cultural
Crushfixo, 1974
objeto de vidro e gesso
29,5 × 11 × 6 cm
Coleção do artista foto: Ana Pigosso/Itaú Cultural
Óleo Maria à procura da salada, 1982/2024
objeto
25 × 50 × 50 cm produção: Diw Rosseti Coleção do artista fotos: Ana Pigosso/Itaú Cultural
High Tegg, 1987
objeto
18 × 18 × 13 cm
Rádios pescando, 1986 instalação
61 × 86,5 × 67 cm
Coleção do artista foto: Ana Pigosso/Itaú Cultural
Cabide móvel, 1979
objeto de madeira, borracha e ferro
15 × 44 × 11 cm
Coleção do artista foto: Ana Pigosso/Itaú Cultural
Quarentrena, 2020 objeto (trena de 1 metro que media a distância mínima a ser mantida entre as pessoas durante a pandemia de covid-19)
6 × 4,5 × 1,3 cm Coleção do artista foto: Ana Pigosso/Itaú Cultural
Welcome-Sayonara – bate e volta, 1985
18ª Bienal internacional de São Paulo instalação
70 × 15 × 4 cm
Coleção do artista foto: Rômulo Fialdini
Irmã, 1991 objeto
32,5 × 16,5 × 18,5 cm
Coleção do artista foto: Ana Pigosso/Itaú Cultural
objeto
88 × 17 × 14 cm
, 2005
1. o magazine de filme super-8 tem diâmetro externo igual ao diâmetro interno do rolo de fita crepe
2. 8 colas Pritt cabem exatamente no interior do magazine de filme super-8
3. um dos círculos do gabarito tem o mesmo diâmetro do topo da tampa do nanquim Talens
4. o topo do copinho de café tem diâmetro externo igual ao diâmetro interno da lata de refrigerante
5. o transferidor tem diâmetro igual ao CD
Coincidências Industriais, 1970-presente objetos variados dimensões variadas colaboração: João Genaro Coleção do artista fotos: Ana Pigosso/Itaú Cultural
Contas Anacíclicas, 2003 brochura com 24 páginas 21 × 15 cm Coleção do artista fotos: Edson
O Roubo do Monumento às Bandeiras – tragédia rupestre, 2016 brochura
21 × 15 cm Coleção do artista fotos: Edson Kumasaka
Páginas 108 a 113: Ilustrações para a revista Caros Amigos, 1997-2012
42 × 30 × 2,5 cm (cada uma) imagens das páginas 108 a 111: arquivo do artista; foto das páginas 112 e 113: Ana Pigosso/Itaú Cultural
Páginas Preciosas, 1993-1994 folhas de jornal pintadas com spray dourado
172 × 440 × 0,1 cm Coleção do artista fotos: Ana Pigosso/Itaú Cultural
Pororoca, 2015 escultura cinética
330 × 1.250 × 300 cm produção: Paulo Massom Coleção do artista foto: Edson Kumasaka
Eletro Esfero Espaço, 2017 instalação
Estação Pinacoteca, São Paulo
Coleção do artista
foto: Edson Kumasaka
Performance Máquinas II, 1999 participação: Javier Judas fotos: Rômulo Fialdini
Performance IOU – a fábula do cubo e do cavalo, 2008 participação: Paola Musatti foto: Edson Kumasaka
Eletro Livro (Emília), 2012
série de 16 livros
livro, madeira, acrílico e motor
21 × 56 × 43 cm
Coleção do artista
fotos: Ana Pigosso/Itaú Cultural
Eletro Livro (Robinson Crusoé), 2012
série de 16 livros
livro, madeira, acrílico e motor
11 × 66 × 57 cm
Coleção do artista
foto: Ana Pigosso/Itaú Cultural
Eletro Livro (Maiakovski), 2012
série de 16 livros
livro, madeira, acrílico e motor
11 × 81 × 57 cm
Coleção Silvia Velludo e Marcelo Guarnieri
foto: Ana Pigosso/Itaú Cultural
11 × 90 × 57 cm
e Marcelo
fotos: Ana Pigosso/Itaú Cultural
A terceira margem do rio, 1998/2024 instalação
76 × 181 × 181 cm
produção: Paulo Massom e Marion Chatton
Coleção do artista
foto: Ana Pigosso/Itaú Cultural
O Fantasma – o homem atravessando a parede, 2020-2024 objeto
204 × 147 × 147 cm produção: Diw Rosseti Coleção do artista fotos: Ana Pigosso/Itaú Cultural
objeto
31 × 55 × 27 cm
Abajur branco, 1990/2024 objeto
37 × 15 cm
Coleção do artista foto: Ana Pigosso/Itaú Cultural
“‘Alicemilia’ e ao contrário também é verdadeiro ‘Emilialice’”, do livro Inveja Coleção do artista
Design para capas da revista Around, 1984
Coleção do artista fotos: Edson Kumasaka
Design para o CD Histórias do Sr. Keuner
Páginas 139 a 145: Erros fólios grampeados
São Paulo: Ed. do Autor, 2005 impressão offset, intervenção manual na folha de rosto com corretivo líquido 22 p.: il. p&b; 14,7 × 10,5 cm editoração: Tânia Maria
Máscaras, 2000 colagem 3D
49 × 41,5 × 22 cm (cada uma)
Coleção do artista fotos: Ana Pigosso/Itaú Cultural
Ulysses, o elefante Biruta, 2014
Parque Pedreira Chapadão, Campinas/SP, 2014
instalação
Coleção do artista
fotos: Edson Kumasaka
OFNI – objeto flutuante não identificado, 2012
Parque Ibirapuera, São Paulo/SP Coleção do artista fotos: Edson Kumasaka
da obra Periscópio, 1994
56,5 × 5,5 × 15 cm Coleção
Projeto da obra Periscópio, 1994 Coleção do artista foto: Edson Kumasaka
Periscópio, 1994 obra produzida para a exposição coletiva Arte / Cidade 2 – a cidade e seus fluxos, São Paulo foto: Nelson Kon
Registros da instalação Auditório para questões delicadas, 1989
Parque Ibirapuera, São Paulo fotos: Guto Lacaz
Pares Ímpares, 2007-2013 colagem digital para a revista Wish 28 × 22 × 1,5 cm (cada uma)
parceria: Edson Kumasaka Coleção do artista fotos (p. 156 e 157): Edson Kumasaka foto (p. 158 e 159): Ana Pigosso/Itaú Cultural
Páginas 160 a 163: Imagens publicadas no Instagram de Guto Lacaz em homenagem a personalidades e datas comemorativas Coleção do artista
Páginas 164 a 167: Cadernos de anotações de Guto Lacaz dimensões variadas fotos: Edson Kumasaka/Itaú Cultural
Processo de criação das ilustrações feitas para o livro Peter e Wendy, de J. M. Barrie, 2012 editora Cosac Naify fotos: Edson Kumasaka
Volare, 2024 instalação
205 × 40 × 40 cm (cada tubo)
Coleção do artista fotos: Ana Pigosso/Itaú Cultural
Eletrolinhas, décadas de 1990 e 2000 instalação
91 × 960 × 0,6 cm
Coleção do artista foto: Ana Pigosso/Itaú Cultural
Páginas 174 a 181: Série de desenhos desenvolvidos para a coluna de Joyce Pascowitch no jornal Folha de S.Paulo, entre as décadas de 1980 e 1990
21 × 21 × 1,5 cm (cada um)
Coleção do artista fotos: Ana Pigosso/Itaú Cultural
Nomes, 2024 instalação
120 × 220 × 1,5 cm
Coleção do artista foto: Ana Pigosso/Itaú Cultural
Salão Nacional, 1986
técnica mista
38 × 145 × 12 cm
Coleção Silvia Velludo e Marcelo Guarnieri
foto: Ana Pigosso/Itaú Cultural
HQ Mix, 2010 objeto
20 × 15 × 15 cm
Biciclóptica, 2014 técnica mista
245 × 245 × 80 cm
Calendário 2 cubos, 2010 objeto
10 × 10 × 10 cm
Coleção do artista foto: Ana Pigosso/Itaú Cultural
Convite de casamento, 2006 objeto (duas letras “F” unidas por um ímã, produzidas para o convite de casamento de duas pessoas cujo nome começa com essa letra)
0,5 × 3,5 × 1 cm (cada uma) Coleção do artista fotos: Ana Pigosso/Itaú Cultural
Depoimento do artista no documentário Guto Lacaz: um olhar iluminado, disponível em itauculturalplay.com.br
194-195
Entre os dias 14 de outubro de 2020 e 30 de abril de 2021, Guto Lacaz recebeu em sua casa-ateliê seus pares e amigos Kiko Farkas e Rico Lins para a gravação das conversas que estruturam o documentário Um olhar iluminado – conversas de Kiko Farkas e Rico Lins com Guto Lacaz (2022, 46 min), com direção de Marcelo Machado, que também participa pontualmente das conversas. O filme apresenta a trajetória diferenciada do artista por meio de um bate-papo investigativo e afetuoso. Ao longo de cinco décadas, Lacaz transitou por múltiplas linguagens mantendo sempre características próprias. Trabalhando na contramão dos ditames do mercado, ele muito cedo percebeu o potencial criativo dos objetos, das instalações e das performances. A seguir, a transcrição editada dessas conversas, as quais apresentam um artista que trafega entre a arte e a ciência, entre o desenho, o teatro, a indústria e o humor.
kiko farkas Guto, você é uma figura muito misteriosa, porque é um híbrido que não tem muito parâmetro. Quando eu mostrei o seu livro omemhobjeto para a Paula Scher,1 num jantar com amigos do AGI [Alliance Graphique Internationale],2 ela imediatamente falou: “Nós precisamos ter essa pessoa”.
guto lacaz Ela falou: “Join us, Guto!”. Agradeço muito a você e ao Rico a política para que eu entrasse na AGI. Eu fiquei tão contente – nem tanto por entrar na associação, mas por serem dois colegas que eu admiro como profissionais e como humanos que me levaram em consideração.
kf Existe alguma coisa que você faz que permeia um universo do qual cada um de nós tem só um pedaço. A gente tem muito o que aprender com a sua obra. Olhando os seus trabalhos, queria entender isto que, ao mesmo tempo, é simples, primitivo, ingênuo e inesperado. Esse seu olhar para as coisas é surpreendente e profundo. Parece vir de um lugar que normalmente não costuma vir. Vem de uma compreensão diferente do mundo, parece-me que vem da essência de cada coisa, como ela é feita. Por exemplo, aquelas gravuras maravilhosas que são
1. Paula Scher é uma renomada designer norte-americana, membra da AGI desde 1993. Ver: https://www.pentagram. com/about/paula-scher.
2. Alliance Graphique Internationale é uma associação que reúne os principais designers gráficos do mundo. Fundada em 1951, sua missão é promover o design gráfico por meio de palestras, publicações e atividades educativas. Atualmente, conta com 507 profissionais, de 46 países. Ver: https://a-g-i.org.
instruções de como manusear o hashi são tão simples e, ao mesmo tempo, inesperadas. Como você chegou a isso? Fale do seu olhar.
gl Eu posso contar minha historinha que talvez esclareça. Sempre fui mau aluno. Repeti o primário, o ginásio e depois o colegial. Então minha mãe me tirou do [Colégio] Dante Alighieri e me colocou no Ginásio Vocacional Eduardo Prado. Lá tinha muitos trabalhos manuais: eu passava fio elétrico em garrafa, fazia cinzeiro com chapa de bronze, coisas bem simples que demoravam um mês para ser feitas. E minha mãe sempre usava essas peças para presentear os parentes, e isso me deixava orgulhoso. Houve uma aula de eletrônica em que montei um intercomunicador, uma instalação com que se podia falar com três outros pontos pelo fio. Aquilo me deixou animado. Minha família inteira, quando chegava visita, dizia: “Ligue o intercomunicador!”. Eu falei: “Vou ser engenheiro eletrônico”. No Eduardo Prado, tinha o curso técnico de eletrônica. Desde criança eu desenhava, copiando cartuns de revistas Manchete, Cruzeiro – a última página da revista não era um quadrinho, era um desenho –, Jaguar, Ziraldo,3 mesmo na Caras, eu vi uma vez um desenho do [Saul] Steinberg.4 Eu adorava começar a revista ao contrário. Em geral, eu copiava o cartum, mas nunca entendi que aquilo seria uma profissão. Meu pai era médico, minha mãe fez Escola Normal para ser professora primária, que era o que toda moça da época fazia, mas ela não exerceu, logo ela começou a ter filhos.
Eu sempre desenhava, mas queria ter uma profissão como engenheiro eletrônico. Aí eu entrei na eletrônica industrial do Eduardo Prado e conheci o Javier [Judas],5 que também gostava de desenhar. Depois, ele foi fazer arquitetura comigo em São José dos Campos [SP] e fizemos um jornalzinho da eletrônica. Fizemos três edições, no mimeógrafo, satirizando os colegas de classe. Mas na eletrônica eu quebrei a cara, porque é difícil, era só matemática, cálculo. E eu gostava de montar os aparelhos. Aí, claro que eu cheguei à conclusão de que nunca seria engenheiro eletrônico. Então pensei: “O que eu vou fazer? O que usa o desenho que eu possa fazer como profissão?”. A arquitetura foi a primeira que me apareceu. Só que eu não tinha base e não tinha feito um colegial forte, mas um técnico cheio de furos. Fui fazer cursinho universitário. E quais eram meus
3. Jaguar, pseudônimo de Sérgio de Magalhães Gomes Jaguaribe (Rio de Janeiro/RJ, 1932), é cartunista. Ziraldo (Caratinga/MG, 1932 – Rio de Janeiro, 2024) foi escritor, jornalista e cartunista.
4. Saul Steinberg (Râmnicu Sarat, Romênia, 1914 – Nova York, Estados Unidos, 1999) foi um cartunista que se destacou na revista norte-americana The New Yorker. Foi uma grande influência para os cartunistas brasileiros.
5. Javier Judas, como é conhecido Francisco Javier Judas y Manubens (São Paulo/ SP, 1941), é arquiteto.
professores de linguagem da arquitetura? Carlos Fajardo e Luiz Baravelli.6 Foi uma iluminação. Os exercícios que eles deram, um por aula, eu guardo até hoje. Baravelli foi a primeira pessoa que me disse que eu tenho um bom traço. Foi como se alguém me desse um título do Rotary Club. Daí, continuei a desenhar.
Quando chegou a hora de fazer o vestibular, eu não entrei nem na FAU [Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP)] nem no Mackenzie, que eu já sabia que eu não ia entrar, porque no cursinho tinha pessoas ao meu lado que estavam tentando havia cinco anos. Em 1969, no estado de São Paulo inteiro, só tinha duas faculdades – eu acho que, hoje, deve ter 20 só na cidade de São Paulo. Aí, por sorte, o governo militar permitiu que abrissem três: São José, Santos e Mogi [das Cruzes]. Como sou do Vale do Paraíba, escolhi a de São José e entrei. No exame do vestibular tinha um desenho, um boneco no centro da página, e você tinha de desenhar o espaço. Disseram que era um desenho do Steinberg. Com o passar dos anos, não tenho certeza. Mas acho que era porque era um cara segurando os óculos. Claro que eu fiz uma loja de óculos.
Então eu comecei a comprar livros do Steinberg até esgotar. Meu pai me via dando risada e perguntava do que eu ria. Eu tive uma namorada, a Patrícia, que gostava de cartum e comprou um do Jean-Jacques Sempé, um francês maravilhoso, um monstro. Aí eu comecei a comprar cartum: Quino, Pasquim... 7 Cheguei a publicar no Pasquim. Na república onde eu morava, todo mundo desenhava, a gente gostava de desenhar. Na faculdade, comecei a ter uns professores muito cabeças – Wilson Campos, Plácido Campos Júnior, Dalton de Luca, Walter Rogério –, caras bem provocadores. A São José começou de uma forma diferente. Em vez de termos as matérias normais, que eram desenho, história, estrutura, projeto, eles inventaram que a São José ia ser uma ECA [Escola de Comunicações e Artes da USP] mais uma FAU. Um instituto de arte e comunicação. A gente ia fazer os dois primeiros anos de conhecimentos gerais e depois faria [matérias] optativas. Mas claro que não deu certo. Era a década de 1970 e a São José era muito reacionária. Arquiteto quer muita coisa: máquina fotográfica, projetor, sala com prancheta, uma lista enorme, aí claro que começou a ter conflito com a instituição e crash. A gente estava fazendo um trabalho audiovisual com três projetores em carrossel, e as
6. Carlos Fajardo (São Paulo, 1941) é artista plástico e professor. Luiz Baravelli (São Paulo, 1942) é pintor, escultor e professor.
7. Quino, apelido de Joaquín Salvador Lavado Tejón (Mendoza, Argentina, 1932-2020), foi um cartunista que se destacou com sua personagem Mafalda. Ver: https://www.quino.com.
ar. Pasquim foi uma revista semanal que circulou no Brasil entre 1969 e 1991. Suas 1.072 edições estão digitalizadas no acervo da Biblioteca Nacional. Ver: https://bndigital.bn.gov. br/dossies/o-pasquim.
equipes tinham de fazer uma leitura de aspectos das pessoas de São José dos Campos. Ficou muito bonito. O Ricardo Ohtake até citou isso como uma das experiências didáticas em arquitetura mais significativas. Ele dava aula de comunicação visual. Os professores levavam a gente ao cinema da cidade para ver Metrópolis [1927], [O gabinete do] Dr. Caligari [1920], Buster Keaton... Então eu vinha de um curso técnico e comecei a ter um bombardeio de informação das artes de alta qualidade. E a gente fazia cinema super-8 na época. São José foi libertador.
E tinha o professor Glaicon, de desenho industrial. Ele deu um exercício que eu sempre conto porque acho que todos os alunos deveriam fazer: era uma embalagem para ovos usando arame, para levar até a sua casa sem quebrá-los. Todo mundo fez uma bola para botar o ovo. Ele pediu um segundo trabalho: que, com o mesmo arame, a gente fizesse outra coisa. Ele não falou o que era. Eu fui o único que fez. Eu sabia, da época da eletrônica, soldar. Fiz uma escultura cinética pequeninha com uma bandeirinha [p. 82]. Quando mostrei na sala de aula, foi o maior sucesso. Eu fui o único a fazer. Isso foi o primeiro ano, em 1970. Já era uma coisa meio engraçada, um deboche, e eu guardei. Eu não sabia o que era, não frequentava arte contemporânea. Eu já tinha ido à Bienal, mas os grandes artistas eu não conhecia. Meu mundo era técnico. Eu gostava muito de desenho técnico. Pegar um teclado e desenhar com medidas, diagramas. O desenho de eletrônica é muito bonito. O resistor, o capacitor, a válvula, parece uma pedra de roseta. Tudo enigmático. Esses objetos que fiz, eu não os chamava de objeto porque não conhecia essa categoria, chamava de “construções”, até um dia em que a [galerista] Raquel Arnaud, que é minha prima, falou: “Você faz objeto”. Eu tenho um bom traço e faço objetos, já tinha me enquadrado numa prateleira.
Quando me formei, em 1975, comecei a trabalhar como artista gráfico. Conheci o Rafic Farah, o Ricardo van Steen e o Mario Cafiero.8 Cada um do seu lado, e eu grudei neles.
O Cafiero trabalhava na Editora Abril, na época áurea dos fascículos. Um dia, fui visitar a minha amiga Vânia [Toledo]9 e ele estava lá, e me mostrou o desenho de uma cebola que ele tinha feito, chamava Menina, cabeça de cebola. Pensei que precisava aprender a desenhar com esse cara. Eu grudei nele.
8. Rafic Farah (São Paulo, 1948) é designer gráfico, diretor de arte e fotógrafo. Ricardo van Steen (São Paulo, 1958) é artista gráfico, diretor de arte e fotógrafo. Mario Cafiero (São Paulo, 1951) é artista gráfico, diretor de arte e ilustrador. p. 82
9. Vânia Toledo (Paracatu/MG, 1945 – São Paulo, 2020) foi uma fotógrafa.
199
Ele quem me mostrou linha de corte, registro, quadricromia –quando vinha da gráfica, você analisava o amarelo, depois o magenta, depois o preto. Ele já tinha feito muito isso na Abril, e eu fazia a arte-final em papel sulfite. Ele falava: “Guto, você não pode fazer uma arte-final que desmonta”. Ele fazia uma arte estruturada, cada arte dele tinha 1 metro. Aí eu fui entender que queria trabalhar com gráfica, e tinha muitas regras.
Um dia, eu estava no ateliê do Fajardo e o Van Steen, que era um menino, estava lá. Eu devia ter uns 23 anos e ele menos de 18, sei lá. E ele estava fazendo uma capa. Eu mostrei meus desenhos para ele. Na época, ele conseguiu, [através] do Mario Cohen,10 fazer a revista Via Cinturato, uma revista da Pirelli, que foi um laboratório para a gente. E aí eu conheci o Farah, adorei a loucura dele. Todo mundo usava aquela canetinha para fazer arte-final e ele usava um estilete. Ele pegava um papel preto e colava, eu pensei “Daí não vai sair nada”. A revista Trip, ele fez com estilete. E eu usava pincel, era mais tradicionalista. Farah era mais anarquista. Eu babava: “Como esse cara fez isso?”. Igualmente o Van Steen, tudo muito elegante. Ele usava caneta Garamond, muito chique. Mario era mais ilustrador e sabia tudo de gráfica. Então, durante um bom tempo, fiquei trabalhando com eles. O Farah começou a fazer o logotipo da pizzaria Cristal e me convidou para ilustrar o cardápio. Eu fiz uns bonecos. Ele adorou.
Eu trabalhava para o Senai, fazendo fascículos de desenhos mecânicos, e ao passar no corredor vi um cartaz: Primeira mostra de objeto inusitado. Anotei todas as informações direitinho, podia mandar quantos objetos quisesse. Fotografei 14 trabalhos e mandei, sem a menor expectativa, porque eu não sabia o que era o “objeto inusitado”, eu tive de achar que o que eu fazia era. Aí passou uma semana e me ligaram para informar que eu tinha ganhado. Foi dinheiro e o direito de expor o trabalho. Eu fiquei fascinado. Uma semana depois, saiu na revista Veja uma matéria do [crítico de arte e jornalista] Olívio Tavares de Araújo falando da exposição coletiva e que eu era o único artista que tinha feito objetos inusitados. Ganhei o prêmio e fiquei sem saber o que fazer. Por sorte, naquele mesmo ano, o Dudi Maia Rosa,11 que eu não conhecia, estava fazendo a primeira individual dele no Masp [Museu de Arte de São Paulo].
10. Mario Cohen (Roma, Itália) é publicitário.
11. Dudi Maia Rosa (São Paulo, 1946) é artista visual.
200
Fui visitar o Fajardo, que disse que podíamos ver o Dudi montar a exposição dele. Cheguei lá e tive um outro arrebatamento. Dudi fazia pinturas de 1 metro por 1 e umas cerâmicas que eram puro cartum. Pensei: “Como não sei nada nessa área, eu preciso estudar! Eu vou aprender, como artista”. E aí eu comprei na hora uma pintura dele e pedi para ser seu aluno. Queria aprender gravura, pintura, aquarela, tapar os buracos que eu tinha. Levei cinco colegas para estudar com o Dudi.
E eu tive a sorte de, todo ano, alguém me convidar para fazer um trabalho. Praticamente 70% do que fiz alguém me convidou, e eu me concentrava mesmo para fazer um trabalho original.
kf Eram trabalhos ou exposições de arte?
gl Variava. Fui convidado para a Bienal em 1985, para uma exposição de objetos lúdicos. E algumas exposições não tinham dinheiro, eu fazia pelo prazer. Mas as artes plásticas nunca me deram dinheiro. Eu não conseguia vender o que fazia. Eu cheguei a fazer exposições inteiras que voltaram, não venderam nada. E eu perguntava para o Fajardo o que fazíamos com isso, e ele respondia que tinha de partir para a próxima. E eu partia. Não tinha apego. Teve trabalho que vendi depois de dez anos. Teve um trabalho que eu fiz em 1987, Eletro esfero espaço [p. 118], com os aspiradores de pó, que ficou famoso. Foi no prédio da Bienal: A trama do gosto. Os curadores me encomendaram a loja de eletrodomésticos. Eu já tinha feito performance com eletrodomésticos, então tive a ideia de fazer 13 aspiradores de cada lado, com as bolinhas no ar, foi um sucesso. Eu ganhei um pró-labore, na época, de 5 mil reais. Só que não era o valor do trabalho. E demorou 30 anos para a Pinacoteca me colocar no acervo. Então, eu vi que as artes plásticas não me davam dinheiro, mas me davam muito prazer e reconhecimento. E eu sempre tive trabalho com o desenho gráfico, que fui aprendendo com o Rafic Farah, o Mario Cafiero e o Ricardo van Steen. Cada um me dava um tipo de oportunidade. Foi um PhD ver o Farah montando uma arte, o rigor de cada um, o raciocínio. O Farah, anárquico; Van Steen, clássico; e o Mario Cafiero, romântico. Então, juntar os três dava um belo coquetel mental.
gl Eu fui vendo que era a mesma coisa. Essa separação é uma coisa de mercado, mas ela não existe. O Alexandre Wollner12 fez isto: fazia os logos, depois fazia umas abstrações, imprimia, botava a moldura e virava artes plásticas. Então é uma liberdade que todo mundo tem, que eu via assim e ninguém me barrou. Pelo contrário, todos me estimularam. O Dudi Maia Rosa não cobrou as aulas que fiz com ele porque eu tinha comprado uma obra dele. Ivald Granato13 entrou um dia na Galeria São Paulo e falou: “Gutão, eu quero fazer uma performance com você”. Nossa, era tudo o que eu queria fazer! “Quinta-feira, no Centro Cultural São Paulo, 7 horas. Estou convidando 60 pessoas para cada uma fazer um minuto.” Então os caras foram me puxando.
rl E arquitetura?
gl Eu virei um arquiteto bissexto. Fiz uma casa em Camburi, duas casas na periferia e a reforma da casa onde moro, que me enche de orgulho. A arquitetura era muito complicada para mim. Eu tinha de pedir emprego, e eu sou tímido. Os primeiros nãos que eu recebi já foram suficientes para sair dessa área, que era uma coisa que eu ia ter de ser somente arquiteto, ficar no escritório o tempo todo. Eu trabalhei num escritório de arquitetura por uns oito meses, mas fui demitido em 1976, porque teve a crise do petróleo e todo mundo foi para a rua. Então não tive mais coragem de pedir emprego, nem saberia, era muito desguarnecido de instrumento, não tinha nada projetado. O que eu sei é que o desenho gráfico me chamou mesmo.
202 rico lins Guto, o trabalho de artes plásticas e o de design gráfico se banhavam um no outro?
12. Alexandre Wollner (São Paulo, 1928-2018) foi um designer gráfico.
13. Ivald Granato (Campos/RJ, 1949 – São Paulo, 2016) foi um artista multimídia.
rl A arquitetura deu uma certa base para o design gráfico?
gl Tudo o que eu fiz em artes plásticas é projeto de arquitetura. Tanto é que um olhar generoso do Abílio Guerra, do site Vitruvius, junto com a equipe dele, me deu o prêmio Fronteiras da Arquitetura da APCA [Associação Paulista de Críticos de Artes]. Pegaram todos os projetos de instalações, todas têm desenho técnico em 3D, chama engenheiro, igualzinho como se faz uma casa. E eu só agradeci: “Agora sou arquiteto!”.
kf A escola de arquitetura dá uma profundidade diferente para o design. Na época em que a gente estudou, o design andava em paralelo com a publicidade. E o olhar que a publicidade tem sobre o desenho gráfico é completamente diferente do olhar que a arquitetura dá para o design gráfico, a ideia de projeto…
rl De planejamento...
kf Das etapas da produção industrial... Eu acho que é isso que você fala, quer dizer, desenhar o diagrama de um teclado ou de uma instalação elétrica é muito parecido com desenhar uma coisa que vai ser construída.
gl Eu não sei fazer nada sem fazer as três vistas. Eu aprendi escala humana com o Baravelli. Quando você põe uma referência de escala, que é a figura humana, tudo muda de configuração. No estudo dos insetos, eles colocam a tampa de uma caneta Bic.
rl Guto, você acha que a metodologia para o projeto interfere na espontaneidade de forma positiva ou negativa?
gl Ela é uma peça necessária. Eu ando com um monte de caderninho, ando armado. Eu chamo isso de método clássico. O Fajardo, o Baravelli, todos têm cadernos, todos são arquitetos. Fazem croqui, o estudo preliminar para ver se vale a pena investir. E, daí para a frente, é só trabalho, trabalho, erro e dinheiro. E você torce para ficar pronto no dia marcado. Quantas coisas eu fiz que não deram certo e fiquei me desculpando... Mas os cadernos são preciosos. Quantas coisas você perde se não anota...
rl É o registro do pensamento. E, quando desenhamos, é garantido que você não vai esquecer. Ainda ajuda a pensar.
gl Caderno é uma delícia. E eu gosto de fazer listas.
kf O que o atrai nas coisas? O que desperta o seu interesse no mundo?
203
gl Eu gosto muito das máquinas – avião, trem, adoro. Trenzinho me salvou, por exemplo. Eu tinha recebido o convite para a Bienal e descobri que seria vizinho do Alex Vallauri,14 que já era sucesso na época. Os grafites dele já bombavam, A Rainha do Frango Assado. E pensei que ninguém iria entrar na minha sala. Não iria ter público. A minha sala era branca. Ele ficou um mês dentro da sala dele, pintando, morava na Bienal. Ele grafitou até um Monza, que era o carro chique da época. De vez em quando, aparecia a Claudia Raia15 toda montada de Rainha do Frango Assado. A mídia toda em cima. E eu não tinha tido nenhuma ideia, me deu um branco. Eu queria fazer uma obra que acabei fazendo somente no ano seguinte, a Eletro esfero espaço.
Pensei em colocar alguns dos objetos que eu já tinha. Aí, um dia, eu passei por uma loja de brinquedos e vi um trem elétrico. Pedi para ver uma caixa. Trem Frateschi, feito no Brasil. “Já sei o que vou fazer: trilho reto, parte dentro da sala e parte fora, até o meio do corredor. Vou desmontar uma locomotiva e fazer um bate e volta.” E tinha um tijolo chamado Welcome-sayonara [p. 96].
Aí as pessoas viam assim: “Olha A Rainha do Frango Assado; olha o trenzinho!” – e entravam na minha sala. Se chegassem na hora do trem fora da sala, não tinha como não seguir.
O Antonio Dias16 me chamava de “homem do trenzinho”, era um objeto até então não utilizado em artes plásticas. Incorporei o trem elétrico. Depois eu fiz um monte de coisa com trem elétrico. Fiz uma instalação na Design Store, tinha 32 locomotivas. Foi o trenzinho que me salvou. Fiz um trabalho novo que tinha essa coisa do dentro e fora, que foi um chamariz para seduzir os visitantes. Depois vai para A Rainha do Frango Assado. E isso foi engraçado. Esse trem já foi para o [MoMA] PS1, em Nova York, e para Göppingen, na Alemanha, onde o curador catalogou a obra num livro de artistas que trabalham não só com trem elétrico, mas com frota de trens, desenho de trem etc. São universos de que eu gosto. Você tem uma gaveta e fala: “Aqui vai ser legal o avião, ali vai ser legal o garçom”.
14. Alex Vallauri (Asmara, Etiópia, 1949 – São Paulo, 1987) foi artista visual e precursor do grafite no Brasil.
15. Claudia Raia (Campinas/SP, 1966) é atriz e cantora.
kf Por que o garçom? Eu vejo que tem muitos personagens que são recorrentes. p. 96
16. Antonio Dias (Campina Grande/PB, 1944 – Rio de Janeiro, 2018) foi um artista multimídia e um dos representantes da Nova Figuração brasileira.
gl Um dia me pediram uma peça para ficar na frente da pizzaria Cristal [em São Paulo], para colocar os cardápios. Eu desenhei um garçom, recortado em chapa de madeira, com os dois braços ensanduichados e vazado onde pendurava o pano de prato. Aí o garçom só ficava lá, uma figura simpática. Como os da minha infância, com gravata-borboleta. Aí incorporei o garçom. Eu tenho uns cinco trabalhos que mostram ele.
marcelo machado O Kiko falou “mas como que vem a ideia do garçom?” e você exemplificou de um jeito que já fez outras vezes, [disse] que você incorporou e tal. Hoje em dia, a arte, principalmente a conceitual, tem muito pensamento. As pessoas elaboram pensamentos e pensamentos. Um garçom não cai do espaço. Nunca. Pelo contrário, tudo é feito com conceituação e pensamento. E você, pelo menos aqui nesta conversa, apresenta para a gente uma outra postura, que não envolve muito pensamento, que é quase uma aceitação de coisas que vão acontecendo, que você vai incorporando e fazendo disso uma espécie de narrativa, de conversa sobre as coisas que lhe interessam de uma forma que parece espontânea ou natural. É assim?
gl É assim. Tem alguma coisa para resolver, eu começo a desenhar livremente, mas concentrado na questão. Faço uma pilha de desenhos e nenhum serve, eu guardo tudo. Aí, às vezes, você vai dormir que nem o Arquimedes. Toma um banho e, no dia seguinte, acorda e sai o danado direitinho. O desenho tem a persistência de captar. Eu acho que baixa o santo na cabeça, gera impulsos e você desenha.
rl O seu trabalho sempre me passou uma coisa de imaginação lúdica, infantil. Como era você criança? Ficava imaginando maluquices?
gl Desde uns 14 anos, já tinha uma oficina em casa. Meu pai me estimulava. Eu gostava muito de desmontar as coisas. Qualquer coisa que me dessem, a primeira providência era desmontar. Aprendi muito desmontando. Desmontar é um ato cirúrgico, de respeito, você aprende com o encontro dos metais com os plásticos, com as correias, é uma beleza. Eu trabalhei com alguns aparelhos de raio X porque é bonita a mecânica. Hoje não tem mais mecânica. Tem aqueles aparelhos de videocassete
cheios de correia, de alavanca. Até hoje eu desmonto, mas não com a avidez de antes. Até chegar no coração, que é o motor.
Eu tenho uma caixinha, que mostro para as crianças, cheia de coração de máquina que foi retirado delicadamente.
kf Eu sinto que você cria uma empatia absurda com a plateia. Apesar da sua timidez, você atinge as pessoas num lugar que é sempre muito receptivo. É isso que o Rico fala, talvez você atinja um lado não sei se infantil, mas algo ingênuo, naïf.
rl E o humor!
kf E parece que, para você, não há a pressão de que a pessoa goste do seu trabalho. Isso está bem presente na maneira como você se põe no mundo. Sempre de maneira humilde, valorizando as pessoas que estão perto de você, que o ajudaram. O Guto seria um personagem seu, assim como o garçom?
gl Eu já me vi muitas vezes no meu desenho. Esse aí sou eu. Tem uma série da piscina [p. 108], os desenhos da Caros Amigos: um homem de perfil na piscina e uma mocinha, mais baixa do que ele, numa boia; e eles ficam alinhados. Depois, ela está sem boia, mas com os pés apoiados num peixe. E depois sem boia, apoiada num navio que afundou. O boneco sou eu. Mas eu fiz sem saber, porque não sei desenhar a figura humana direito, principalmente retrato, que é dificílimo, mas sou eu. Eu me vejo lá: careca, barrigudo, tem uma ligeira barriga – às vezes eu sou personagem de mim mesmo. Nas performances, eu sou personagem de mim mesmo. Depois que passam dos 60 anos, as pessoas em geral viram personagens de si mesmas, personas. O Steinberg entrar com um chapéu de bombeiro na festa é bem o caso.
kf Tem um livrinho que você fez pela Ateliê Editorial17 que são só algumas pessoas. E eu acho que cada pessoa daquelas é você.
gl Mas sou eu de outro jeito. Como tudo o que eu fiz. Esse livro eu fiz pela Joyce Pascowitch.18 São desenhos que eu fiz durante oito anos. Eram vinhetas, e saía bem pequenininho. Tinha de mandar 10, 12 por semana. E saía randômico, nunca sabia onde
17. LACAZ, Guto. Desculpe a letra. São Paulo: Ateliê Editorial, 2000.
18. Joyce Pascowitch (São Paulo, 1954) é jornalista e foi colunista social do jornal Folha de S.Paulo de 1986 a 2000. p. 108
ia entrar. Era desenho com nanquim e pincel de pelo de marta, uma delícia. Acontecem acidentes maravilhosos, perde-se muito papel. Mas quando sai um desenho...
kf Isso lhe dá prazer?
gl Dá prazer e frustra muito, o desenho sai muito errado. Eu, às vezes, para fazer um bonequinho, desenho 20. Aliás, todo mundo. Não tem artista que mata na primeira, a menos que já tenha na memória aquela resolução. Mas, em geral, tem um lado muito frustrante. Você tem de persistir, muito desenho entreguei sem confiança. Às vezes eu não conseguia tempo para lapidar aquela pedra. E aí, sei lá, muitos trabalhos eu prefiro não ver porque, se for ver, vou saber que podia ter dado um passo além.
rl Os objetos são mais complexos, têm mecanismos, têm coisas que mexem, a produção...
gl Tem objetos que não fiz nada; por exemplo, Coincidências industriais [p. 102]. Foi só observação e coragem de mostrar como obra de arte. Por exemplo, a tampa cônica do nanquim, que é linda e entra direitinho no gabarito de círculos. O mais recente é um copinho de café que encaixa em qualquer lata de refrigerante. Aí você pode levantar um copo de café e a lata vai junto.
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rl Eu acho que tem uns achados de coisas que são muito simples e que você, de repente, relaciona e revela. Como se você virasse o objeto quase pelo avesso.
gl Quando descobri a primeira coincidência industrial, eu estava fazendo um filme super-8, e o rolo de super-8 encaixava direitinho dentro do rolo de fita crepe que a gente usava para fazer um varal. Mas o que você vai fazer com isso? Aí você tem que esperar. Se tem uma, vão aparecer outras. E aí você começa a pegar tudo o que tem de redondo, principalmente, e ver onde que encaixa. Fica obsessivo.
rl Igual aos palíndromos, os números que você inverte. p. 102
gl Eu nunca tinha ouvido falar em palíndromos, aprendi com o Boi,19 que tinha uma lista feita com a turma dele, com o Baravelli. Fez: “Erro comum ocorre”. Tem o “ovo”, é lindo. E tem o mais comprido na língua portuguesa: “Socorro subi no ônibus em Marrocos”. Eu só consegui fazer três. Como eu não conseguia fazer com letras, um dia eu fui pagar uma conta, olhei e estava lá: 94, 49. A conta deu um palíndromo. Mas, quando é de número, se chama capicua. Decidi guardar uma pastinha com contas anacíclicas. Guardei umas 30 e, um belo dia, eu chamei a Tânia [Maria dos Santos] para fazer este fanzine: Contas Anacíclicas [p. 104]. Ficou bem bonitinho.
19. Conhecido como Boi, José Carlos Cezar Ferreira (Marília/ SP, 1944 – São Paulo, 2018) foi pintor e escultor.
p. 104
rl Você está a toda hora publicando alguma coisa. Você tem um livrinho, um catálogo, tem sempre uma coisa gráfica que é uma ideia. É interessante essa bibliografia que você gera.
gl Ah, eu adoro fazer edições. Eu sou dessa turma que faz o zine, o fanzine. Não precisa ser relativo a ninguém, mas a uma ideia. Eu não fiz muito, fiz cinco até hoje. Lancei aquele boneco que atravessa a parede, que ficou sendo um zine, e O Roubo do Monumento às Bandeiras [p. 106], que fiz quando passei a fazer caminhadas no Parque Ibirapuera. Um dia, quando passei em frente ao Monumento às Bandeiras, reparei no totem de concreto que teria a placa explicando o que era aquilo –e cadê a placa? Aí, ao mesmo tempo, eu pensei: “Os caras estão roubando placa de monumento, um dia vão levar o monumento, é um aviso. Eu tenho de fazer isso, a ideia de roubar o monumento”.
p. 106
kf Sobre a geração de que falou o Marcelo, das pessoas que pensam muito para fazer uma obra, no seu caso, o sentido da observação e a maneira de olhar, como percebe o mundo, de certa forma, não substitui o pensamento. Óbvio que tem um pensamento, mas é como se as coisas adquirissem um outro sentido. É uma maneira de ver o mundo muito peculiar.
rl Uma mistura do método com o espontâneo. Você está sempre com a antena ligada para ver uma coisa, e tem um rigor no olhar. Ao mesmo tempo, é para encontrar inutilidades nas coisas. Dá utilidade ao inútil, de certa forma.
kf Eu sinto que essa capacidade de observação e esse olhar são o olhar criativo. A gente pensa: “Como não tive essa ideia? Como não vi isso?”.
gl Quantas vezes eu não falo isso... É uma inveja boa, como “esse cara já fez o que eu gostaria de ter feito”.
mm Quando você vê essas pessoas analisando profundamente o que você fez, fazendo um discurso de tentativa de entendimento, isso o diverte ou chateia?
gl Me eleva. Tem dois estudantes de Minas Gerais que fizeram teses sobre o meu trabalho.
mm Você lê?
gl Eu tenho uma dislexia e não consigo ler. Acho que eu só li um livro até hoje, que foi o Cândido, de Voltaire.
kf Te cansa?
gl Me dispersa, mas também cansa. Mas acho que eu sou uma geração que aprende vendo. Não aprendo lendo, só “quer que eu desenhe?”. Eu leio um pouquinho, assim, para ter ideia do que se trata.
mm E o que tem no Cândido?20
gl O Cândido é uma aventura filosófica e é muito engraçado, uma delícia. Ele vai procurar o Eldorado. É o que eu falo: eu aprendo com as figuras. A maioria do que aprendi foi vendo. Mas falei do Cândido porque, nesse caso, eu li de cabo a rabo numa tarde. Eu estava sem trabalho, era fininho. Mas outros vários livros eu comecei e nunca terminei.
rl Suas performances são teatrais...
gl Eu aprendi a fazer no teatro. O teatro tem uma caixa preta que é mágica. Você pode controlar a luz, controlar o som. Tem as coxias. Performance é o teatro do artista plástico, teatro sem dramaturgia. O teatro é baseado muito no texto e na dramaturgia. E a performance não pede texto, pede cena com objeto. Eu aprendi com o grupo Fluxus.
20. Cândido, ou o Otimismo, de Voltaire (François-Marie Arouet, Paris, França, 1694-1778), foi publicado em 1759, na França. Atualmente há diversas edições em português disponíveis no mercado.
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23 de outubro de 2020
kf Parece que, quando você olha para uma máquina, quando pensa numa máquina, você faz uma leitura daquela máquina. Para você, é completamente compreensível. Uma máquina não tem ironia; uma máquina não tem desejo, não tem vontade. Uma máquina funciona. Parece-me que as pessoas, para você, também são como máquinas – não no sentido ruim, de não ter sentimentos, mas de que são coisas simples às quais você se dirige...
gl Eu queria falar das peças do grupo Pod Minoga, que foi o outro grupo que me encantou profundamente. Eu tinha uma namorada chamada Patrícia, eu estava no último ano da faculdade, e ela falou: “Guto, eu estou fazendo uma aula de teatro. Vai ter apresentação tal dia, tal lugar”. Aí eu fui lá. Eu achava que era teatro shakespeariano, e era o grupo Pod Minoga, coordenado pelo Naum Alves de Sousa.21 Eles tinham um galpão na Rua Oscar Freire [em São Paulo], com uma arquibancada, palco, cortina, e atrás do palco tinha uma oficina, onde eles faziam tudo, todos os figurinos, cenários, tudo era feito por eles. Embaixo da arquibancada tinha uma discoteca de vinil com todos os musicais americanos. Era um ecossistema. Fui ver a apresentação de esquetes curtas e muito, muito engraçadas. Eu me esborrachava de rir.
21. Naum Alves de Sousa (Pirajuí/SP, 1942 – São Paulo, 2016) foi dramaturgo, diretor e professor.
rl Guto, quando você faz suas performances, de que forma você tem uma inspiração do teatro? O que do teatro você traz para montar uma performance?
gl A primeira performance que eu fiz foi a convite do Granato, em 1982, e era para fazer numa sala do Centro Cultural São Paulo, a maior sala lá, que é um teatro. Eu me apresentei num palco de madeira, com a luz incidindo sobre a plateia. Eu fiz menos de um minuto. Foi um sucesso. Pensei: “A próxima que eu apresentar, eu quero estas condições, que era a caixa preta onde você consegue controlar luz, som, entrada, saída. E aí eu comecei a fazer peças para essa estrutura. Eu já me apresentei em galerias, ao ar livre, mas eu gosto mesmo é da caixa preta. Máquinas, Eletroperformance, são todas para a caixa preta. E eu convido o Careqa22 para fazer uma trilha sonora, uma menina para fazer a luz, outro que opera o áudio, monto uma equipe.
22. Carlos Careqa, como é conhecido Carlos de Souza (Lauro Müller/SC, 1961), é ator, cantor e compositor.
Na verdade, nessas performances, tudo é real, não tem nada fake, tudo o que está acontecendo lá está acontecendo mesmo. A bolinha está flutuando. São fenômenos físicos reais, só que apresentados de uma forma meio nonsense.
kf E esse personagem faz coisas que o Guto não faz?
gl Não faz porque tudo é testado aqui antes.
kf Mas lá no palco é outra pessoa, não é?
gl Não, sou eu mesmo. Mas, como eu não dou risada, como eu não falo, alguns canais de expressão são cortados propositalmente ou são desnecessários.
rl Mas o timing?
gl Tem, mas mais do que timing, tem muito ensaio. Porque, como um depende do outro, se não fizer uma coisa, o outro fica perdido. Porque tem de ser um reloginho. O humor tem um timing. Se você fizer antes ou depois, já não tem graça. Então a gente tem, sem um olhar para o outro, que confiar no que ele vai fazer ou no que ele fará.
kf Você falou que as coisas estão acontecendo lá, nada é fake; mas, quando você bota o aspirador soprando as bolinhas de pingue-pongue ou de isopor, aquilo é uma mágica. Então tem esse componente, é tudo racional, está tudo acontecendo, mas tem a magia de as pessoas não entenderem como funciona, o fenômeno que, apesar de ser muito simples, é um tipo de ilusão.
rl Você explica e, de certa forma, se torna compreensível um fenômeno que, na verdade, você convive com ele o tempo inteiro.
kf Eu acho que tem uma magia ali e, quando você fala do infantil-adulto, é isto, a criança se maravilha com a surpresa, com uma graça que aquilo tem, e o adulto, eu imagino, tem esta maravilha: “Como é possível? Isso é ilógico. Isso não poderia...”. Existe uma surpresa.
gl Isso tem. Um outro espetáculo que fiz, IOU – a fábula do cubo e do cavalo [p. 122], que tem duas mágicas que eu criei... Um cara com um olhar atento descobre, porque ela era muito escancarada, mas é mágica. É um cubinho que eu jogo dentro do tubo e some lá dentro. Como se eu jogasse dentro do tubo, mas ele não caísse. Com certeza está dentro do tubo, mas eu mostro e está vazio. Aí foi uma mágica.
kf Você nunca se interessou por mágica puramente?
gl Eu me interesso. Eu vejo tudo do Mister M. Eu estava na Disney e tinha um cara que fazia uma carta girar no ar. Eu fiquei olhando. Aí eu comprei um VHS na época. Treinei por três dias sem ninguém me ver. Fui mostrar para a Nina [filha] e ela viu a linha saindo, matou na hora. Meu irmão também, uma vez, foi a um Salão da criança e tinha um cara que pegava uma caneta e a fazia sumir. Meu irmão ficou encafifado. Aí ele entrou na cabine em que o cara ia contar o segredo e saiu puto da vida, porque é sempre besta, não tem muita invenção. E era um elástico que prendia no sovaco e chegava até a tampa da caneta, dava um nó por dentro, então a tampa sumia com um elástico. Eu tenho um que é uma caixa de fósforos. Você põe a caixa de fósforos, vira e abre a caixinha e sai um fósforo.
Sempre que alguma coisa se move na sua mão é porque tem algum outro ponto que está preso ou tem um elástico.
kf O negócio que me impressiona é que você busca referências no seu universo e é de uma amplitude gigantesca. Você não tem preconceito com nada.
gl Eu faço questão de dizer onde eu vi, porque as pessoas têm muito preconceito. Mas eu vi muito programa de TV do Silvio Santos, do Gugu Liberato, da Eliana, o quadro dos três físicos que faziam experiências com produção. [A Eliana] era a única que punha a física no programa, mas de forma lúdica. Uns caras da USP da física.
rl Guto, você comentou sobre a Bienal... Montar o trenzinho fora para chamar a atenção das pessoas para a sala. Tem uma coisa lúdica no seu trabalho que é uma forma de comunicação muito grande. Você acha que isso é algo que o aproxima ou afasta do mercado da arte?
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gl Na verdade, eu tenho o público, mas não tenho o mercado. Todo mundo gosta do que eu faço, me escrevem. Eu tenho o caderno de presença repleto de elogios, mas ninguém compra. Já fiquei em crise.
kf E por que você acha que isso acontece?
gl Eu acho que é porque eu faço esse trabalho de objeto e tridimensional, que é mais difícil de vender. As pessoas querem comprar pintura. Pintura eu faço muito pouco ou só quando me encomendam. Eu faço todo o marketing possível, faço uma exposição por ano, faço minhas edições, faço tudo o que eu considero correto. Eu sou o único da minha geração que ainda vai a galeria, frequento. Como eu moro e trabalho sozinho, preciso mostrar que estou vivo. É uma coisa além do marketing –“I’m alive” –, e às vezes você consegue trabalho. Artes plásticas, como em qualquer área, é uma concorrência.
kf É engraçado porque, apesar de todo o nonsense, apesar de toda a magia, de toda a ilusão, de toda a máquina, toda a timidez, a sua visão é política.
gl Ah, mas eu acho que tem gente que acha que político é o engajado. Mas eu acho que a pessoa viver do que ela gosta é a maior atitude política, o maior exercício de liberdade.
rl Você falou da não separação entre arte e ciência…
gl Então, não existe. Não precisa nem do Marcel Duchamp.23 Isso já estava dito pelo Leonardo da Vinci.24 Não tem esse limite entre arte e ciência. Ele é o maior representante conhecido ocidental. Fazia um cavalo, fazia um tanque de guerra; no lusco-fusco, ele fazia a Mona Lisa. Ele fazia o olhar dele. Ele não tinha essa limitação. Isso não existe. Existe no olhar de algumas pessoas e, para mim, nunca existiu. Quando eu entrei em artes plásticas, já entrei com máquinas, com a minha revista, que não era de arte contemporânea, era Mecânica Popular, que tinha como construir uma mesa, como construir um barco, e aquilo era repleto de desenhos, tudo tinha desenho. Tudo tinha projeto. Se for fazer um prego, tinha o projeto, o tamanho, a materialidade. Então, em artes plásticas, eu sempre sentia esse limite, que é um limite das faculdades. Você vai fazer
23. Marcel Duchamp (Blainville-Crevon, 1887 –Neuilly-sur-Seine, França, 1968) foi artista plástico e poeta.
24. Leonardo da Vinci (Anchiano, Itália, 1452 –Amboise, França, 1519) foi um dos artistas mais representativos da Renascença.
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desenho industrial, sala A; você vai fazer cinema, sala B. Alguns conseguem raciocinar em várias artes ou várias técnicas.
kf E o que faz de um objeto arte?
gl Então chegamos a um ponto importante. O que é arte? Reflito sobre isso há muito tempo. Eu fiz uns cursos de física quântica em 2005, no centenário da física. [Albert] Einstein anunciou a teoria da relatividade em 1905. Na Unesp [Universidade Estadual Paulista], teve um curso de um ano para interessados na teoria da relatividade porque perceberam que nem os professores de física entendiam, porque é dificílimo. Você tem de saber muito matemática para entender. Aí fui eu com meu cunhado. Eu não entendi nada, porque físico fala para físico, não fala para mim. Não entendi nada, mas a conclusão a que eu cheguei é de que a arte é energia. Aí eu aprendi com Koellreutter:25 “Isso não é arte, isso é uma obra de arte”. Então tem esses dois conceitos, tem arte e obra de arte. Fala-se muito em plasma. O estado plasmático, o que acontece com o observador. Para se ter arte, tem de ter o observador. Para a obra de arte, nem tanto: ela está lá quietinha enquanto você passa e, como um raio, ela o atinge, e pode passar outro cara e ser indiferente a ela. Mas a arte é uma comunicação que tem entre a obra de arte e o observador.
25. Hans-Joachim Koellreutter (Freiburg, Alemanha, 1915 – São Paulo, 2005) foi compositor, professor e musicólogo.
rl E você consegue isso por meio exatamente do humor, do nonsense.
gl Na verdade, eu faço o que quero fazer para mim. Às vezes, quando tem um cliente, “será que esse cara vai gostar ou não vai gostar?”, mas acaba sempre fazendo para você mesmo.
rl E você nunca fez nada assim para vender, uma série?
gl Tudo o que eu faço é para vender. Eu estou cheio de múltiplo encalhado. Fiz gravura para vender, mas não vende. E aí eu pergunto para meus amigos e também ninguém vende, sabe? Vender é difícil.
kf Por que alguém compra arte, Guto?
gl Ah, porque precisa, não é? Eu já comprei muita obra de arte. Na década de 1980, meu ateliê era repleto de colegas em pequenos formatos. É legal você ter uma coisa que o incomoda e, ao mesmo tempo, dá prazer.
kf E o boneco Ubu?
gl O Ubu [p. 98] foi exibido na Faap [Fundação Armando Alvares Penteado, em São Paulo]. É um personagem que o Alfred Jarry26 desenhou, ele tem a ciência da imaginação: a patafísica. É muito interessante. As coisas que a ciência não explica, a patafísica explica. Então ele inventou uma ciência, que é a patafísica.
kf Você é um patafísico?
gl Eu sou um patafísico. Todos nós somos um pouco patafísicos, e eu gosto. O conceito de patafísica é bem legal. A ciência que ajuda os artistas.
kf Por quê?
gl Porque ela vai trabalhar com o nonsense, com o absurdo do mundo, com o que as pessoas não conseguem explicar.
26. Alfred Jarry (Laval, França, 1873 – Paris, 1907) foi poeta, romancista e dramaturgo. p. 98
kf Você trabalha com o nonsense e com o absurdo, mas tudo você explica. Tudo o que você faz é lógico.
gl Na verdade, o que eu falo não é o que é a peça, eu falo como eu construí, como eu vi, mas o que é a peça ninguém sabe. Tudo é objeto de arte. Tudo. Não há o que o homem faça que deixe de ser objeto de arte.
rl Não é à toa que o chamam de duchampiano.
gl Eu cheguei à conclusão de que não há o que o homem tenha tocado e transformado que não seja obra de arte. Desde o desenho da pintura rupestre, as primeiras armas, machado, arco e flecha, potes, templo hindu, templo budista, Casa Bandeirante, espingarda, tudo é obra de arte, pintura e desenho. Não há o que não seja obra de arte, e tem algumas que foram eleitas grandes obras de arte, onde o homem se mostrou magnífico.
Chegamos a uma pirâmide, a uma Ponte do Brooklyn, à Volkswagen. E essas são as grandes obras de arte, mas tem as pequenas, como o papel amassado na rua, que também é uma obra de arte. Uma lata de lixo cheia de lixo é uma obra de arte. Os artistas pop descobriram que uma caixa de sabão é uma obra de arte, e por aí vai. Então não tem o que não seja obra de arte.
kf E o que determina?
gl O seu olhar.
kf Não é o mercado?
gl Não. É o seu olhar junto com o do Marcelo, do Rico. Se vocês três forem diretores do MoMA [Museu de Arte Moderna de Nova York], vocês podem pegar aquela lata de lixo... Foi o que Duchamp fez, foi o que eu acho que ele fez, que é muito polêmico.
rl O olhar determina o que é.
gl Porque o toca. Arte é a energia que sai da obra de arte e atinge o observador, e vice-versa. Então ela é qualquer coisa. Quando você vê uma peça que o “derruba”, aquilo é um impacto que você leva para a vida toda.
kf O que o impacta hoje em dia?
gl Eu gosto de artes plásticas e de exposições de artes plásticas. Ao cinema já não vou mais porque tem muito celular, me incomoda muito. E ciências, eu gosto muito de aviação.
kf E o que, na aviação, o seduz?
gl Pensar que é uma coisa inacreditável, é um sonho ancestral do homem. Começou por volta de 1900. Como a gente conseguiu dominar os conhecimentos necessários para fazer um homem voar? É um desafio que foi tão grande que hoje ele virou corriqueiro. Hoje você se senta no avião e vai embora, não se dá conta. Então são duas, três coisinhas que foram descobertas, que são o perfil da asa, o motor a gasolina e os
elementos do avião para estabilizar o leme. A aviação é muito elegante. É difícil você ver um avião que seja feio.
mm Fiquei com uma curiosidade: e quem é o artista?
gl O artista é qualquer um. Isso é outra coisa que eu acho. Agora, artista profissional é outro funil. A gente vê crianças... São o melhor exemplo não só de artista, como de cientista. Como elas pegam as coisas e ficam olhando; pegam uma minhoca e esmagam. Fazem o desenho na parede inteira. Essa sensibilidade para as ciências e para as artes, as pessoas já nascem com ela. Quem vai estragar? É a família, porque vai pegar a doença, porque suja, e os padrões sociais, que são muito limitados. Uma ou outra escola conseguem fazer uma criança crescer intelectualmente, tem de ser um conjunto muito harmônico para valorizar esses talentos. Ah, e o vestibular, que é o grande vilão dessa história. Entra na escola para passar no vestibular. E passar no vestibular para quê? Para, no fim, você ter um emprego. É muito perverso tudo. É claro que um menino metido a cientista, metido a artista vai ser eliminado. É difícil a família compreender também.
Tem os artistas profissionais: “É isso que eu quero fazer, que vou fazer”. E começam a descobrir como viver disso, fazendo design gráfico, sendo arquiteto, sendo músico. São decisões que você faz para virar um artista profissional. A cidade está cheia de oportunidades. Tem de descobrir se, para você, é aquilo que pode tirá-lo da sombra e pôr na luz. Mas aí eu acho que tem gente como o Pedro Nava,27 que o primeiro livro que escreveu foi aos 70 anos. Então nunca é tarde para começar. Se achar que você pode, faça. É que ser artista, você tem que pagar para fazer. Mas você pode fazer maravilhas só com lápis e papel. E, às vezes, alguém ajuda.
27. Pedro Nava (Juiz de Fora/ MG, 1903 – Rio de Janeiro, 1984) foi médico e escritor.
rl Você tem a oportunidade de olhar um objeto como uma lata de lixo e reconhecer alguma coisa que transcende a lata de lixo. Isso é uma oportunidade que o artista tem. Ele consegue perceber uma coisa que não é um valor, é uma sensibilidade.
gl A gente foi vendo isso na história da arte. Outros casos são muito significativos. O Claes Oldenburg,28 que enfiou uma pá na terra, instrumento de jardineiro. Ele falou: “Opa, se eu fizer isto
28. Claes Oidenburg (Estocolmo, Suécia, 1929 –Nova York, 2022) foi escultor.
218 gigantesco, vou fazer uma escultura”. Ele fez outra com um taco de beisebol, tinha cem metros de altura, era maravilhoso. Ele vê, nos objetos comuns, oportunidades para esculturas gigantescas.
rl E, dos artistas que trabalham com coisas mecânicas, de quem você gosta?
gl Alexander Calder,29 além dos móbiles, tem coisas cinéticas maravilhosas. Tem um vídeo que mostra um circo que ele fez, que é uma gracinha. O Calder é um deus. Agora tem um inglês, Theo Jansen,30 que faz umas máquinas enormes que funcionam com vento. Ele põe na praia, tem 30 metros, e elas vão caminhando, o vento movimenta os pés. É um escândalo. Tem um que faleceu com 50 anos, que era um dos meus favoritos, Chris Burden. Ele tem um trabalho que eu queria ter copiado. Um dia eu copio. É um rolo compressor [The flying steamroller, 1996], aquela máquina enorme que nivela a estrada. Fica suspenso, preso a um braço giratório de metal, com um contrapeso na outra extremidade do braço. Tem um ponto de apoio, é um móbile: de um lado tem um rolo compressor e, do outro, tem uma carga mínima. O rolo compressor fica girando, pairando, é bonito. Ele tem trabalhos bem legais, morreu de câncer aos 50 anos. Aqui a gente tem o [Abraham] Palatnik.31 Esse eu conheci em 1985, na Bienal. Ele entrou na minha sala com a esposa dele, uma mulher linda. Aí ele veio falar comigo, muito simpático.
mm E, no meio desse universo de artistas, você elege também um cara como o Santos Dumont,32 não é?
gl Na verdade, eu fui eleito por ele. Essas coisas que viram missão de vida. Eu conhecia parte da obra dele que estava no Museu de Aeronáutica na Oca [no Parque Ibirapuera, em São Paulo]. Até 1999, quem quisesse conhecer Santos Dumont ia lá, tinha o acervo da Fundação Santos Dumont caindo aos pedaços. Tinha o Demoiselle e o 14-Bis. Tinha alguns aviões históricos brasileiros. Mas o [Celso] Pitta33 fez um acordo com a fundação e mudou o museu para uma chácara na Rodovia Raposo Tavares. Foi quando eu vi os desenhos das
29. Alexander Calder (Pensilvânia, Estados Unidos, 1898 – Nova York, 1976) foi escultor.
30. Theo Jansen (Haia, Países Baixos, 1948) é escultor.
31. Abraham Palatnik (Natal/ RN, 1928 – Rio de Janeiro, 2020) foi escultor cinético e pintor.
32. Alberto Santos Dumont (Palmira/MG, 1873 – Guarujá/ SP, 1932) foi inventor e aeronauta.
33. Prefeito da cidade de São Paulo de 1997 a 2001.
aeronaves – 15 dirigíveis, fora os aviões –, era uma produção bem grande. Esse cara não era somente um inventor, ele era um designer. Daí comecei a estudar. O Millôr34 tem uma frase assim: “Ter uma ideia é pôr a mão numa colmeia”. Quando você começa a fazer um trabalho, alguém te liga e fala sobre o assunto. Você passa na rua, vê uma revista no chão que trata do assunto. É só juntar e sair editando, porque o universo conspira a favor. E ter paciência porque, às vezes, para você concluir a pesquisa, demora tempo. Foi o que aconteceu: comecei a falar para as pessoas que eu estava estudando Santos Dumont e fui conhecendo gente como o Henrique de Barros, a maior autoridade no assunto, que mora no Rio de Janeiro. Em 2006, era o centenário do voo do 14-Bis. A Adélia Borges era diretora do Museu da Casa Brasileira e abriu as portas, fizemos uma grande exposição dando este título: Santos=Dumont designer.
34. Millôr Fernandes (Rio de Janeiro, 1923-2012) foi jornalista, escritor e desenhista.
rl Esse seu interesse por Santos Dumont surgiu mais pela aviação ou pela questão técnica e das invenções?
gl O personagem, porque ele viveu glórias e tragédias. Aconteceu desgraça pesada na vida dele.
kf Como ele morreu?
gl Ele se enforcou com a gravata. Ele estava no Guarujá, onde gostava de ficar com os familiares. Era a Revolução de 1932. Já tinham acontecido várias desgraças. Ele era apolítico. Estava com 59 anos e aparentava 80, estava muito debilitado. Aí chegou uma comitiva de Minas Gerais no hotel dele pedindo que ele assinasse um termo a favor de Minas Gerais na revolução. Ele ficou tão passado, não queria participar, mas pressionaram porque ele havia nascido em Minas Gerais. Então ele assinou e a comitiva foi embora. Ele pensou: “Que besteira que eu fiz. Eu não quero me envolver nisso”. Aí dizem que ele pediu para os familiares, por telefone, para localizarem a comitiva, porque ele queria cancelar aquela assinatura – quem me contou foi a Vera Severo, a bisneta dele, que fez a linha do tempo. Aí, naquela noite, ele se matou. Essa comitiva acho que foi a gota d’água.
rl Ele funciona como uma espécie de inspiração para você, no sentido criativo?
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gl Mais do que inspiração, ele virou um business. Eu ganhei dinheiro com ele. A cada exposição que a gente fazia, eu era remunerado. Você estuda um pouco o assunto, você vira especialista.
rl Eu estava assistindo ao programa do [Antônio] Abujamra com você [Provocações, TV Cultura, dezembro de 2013] e ele tem aquela pergunta no final: “O que é a vida?”. E eu lembro que você respondeu que é uma bênção, é um mistério, uma dádiva e um enigma.
gl Eu falei isso tudo?
rl Falou. E hoje, no meio desta confusão em que a gente está, o que seria a vida para você?
gl A vida é a que vai vencer esta fase. Eu sou evolucionista. Acho que foi um acidente maravilhoso. Virou explosão, a Lua nasceu na Terra. A gente a segurando e ela segurando a gente. Aí começam os micro-organismos se juntando até chegar na gente. É uma sequência de acidentes. Embora eu não consiga compreender muito isso, eu aposto nessa visão. O meu pai era cientista, meu irmão é cientista.
rl E o humor?
gl O humor é outra benção. Os seres humanos são chatos sem sorrir. E as religiões falam que não pode se divertir, tem de ficar carrancudo, fazer penitência. Tudo é luxúria e é sem graça. E eu, por sorte, mal de família, sempre gostei de gente engraçada. Eu tinha um tio e primos de Guaratinguetá [SP]... Eu não ficava um minuto sem dar gargalhadas ao lado deles. Uma coleção de piadas que não parava mais. No interior, em geral, tem muita gente engraçada. E aí eu adotei isso. Eu sem querer comecei a fazer objetos engraçados, que eu achava que eram cartuns tridimensionais. Depois que eu fui conhecer o Dadaísmo, comecei a ver que tinha artistas que faziam coisas engraçadas. Aquele Cadeau (1921), do Man Ray,35 que é um ferro de passar, um objeto engraçado... Mas eu fui conhecer depois de ter entrado no concurso.
kf Você botou o ovo frito.
35. Man Ray (Pensilvânia, 1890 – Paris, 1976) foi pintor, fotógrafo e cineasta.
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gl E depois eu descobri que não dá para fritar o ovo no ferro. Não tem temperatura suficiente. Na época, eu ia fazer uma exposição na Galeria Subdistrito e precisava de produtos. Eu fazia vários trabalhos diferentes. Aí, fazendo croquis no meu caderninho, apareceu essa ideia. Tinha de ser um tipo especial de ferro de passar roupa para ficar de cabeça para baixo. Achei um com design diferente, você acaba achando o que precisa. Fiz aquele ovo, que é uma sequência de melecas, tem araldite, bola de isopor, fui juntando umas colas [p. 92]. Eu nem acho tanta graça. A Raquel Arnaud, minha prima, foi quem comprou, fiquei contente. Não é uma grande obra de arte, mas é legal.
kf Vendo seu livro Inveja [edição do autor, 2015], você considera que as palavras são pequenas máquinas também? Como é que você vê as palavras?
gl Um processo histórico. Um dos primeiros objetos que eu fiz, estava no 5o ano da faculdade, foi o Crushfixo [p. 89], que era o refrigerante da Fanta na época mais o “crucifixo”. Eu fiz uma forma de madeira, comprei uma garrafa do refrigerante e enchi até a metade de gesso. Depois disso, a garrafa ficou colada naturalmente. Eu fiz quatro edições.
kf Nesse caso, talvez o nome correto para invenção seja criação ou criatividade, porque você inventa relações novas, você não inventa um objeto.
gl Eu aprendi, em artes plásticas, que é releitura. Você expressar algo, mas representar de outro jeito. Deixe eu contar do Inveja. Primeiro fiz um livro pequenininho, de 16 páginas. Aí, nos anos seguintes, comecei a acordar já com um monte na cabeça. Anotava e comecei a fazer um search de tudo que eu sabia para transformar em um poema visual. Entrou “Tupi or not tupi”, o design dos animais. Fiz um monte que deu no Inveja. Hoje, se eu publicasse de novo, tiraria a metade, porque caducou. Recebeu alguns elogios e comecei a republicar no Facebook. E um [dos que elogiaram] foi Leandro Lima, que falou que queria muito colocar no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, e me pagou 10 mil reais. Começou com o que eu fiz com o Drummond,36 está escrito “caminho, pedra”. A pedra no meio do caminho.
p. 92
p. 89
36. Carlos Drummond de Andrade (Itabira/MG, 1902 –Rio de Janeiro, 1987) foi poeta e tradutor. Guto Lacaz se refere ao poema “No meio do caminho”, publicado na capa da Revista de Antropofagia (São Paulo, ano 1, n. 3, jul. 1928).
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kf É engraçado, é o processo de construir um logotipo. Você junta o significado com o significante, isso prova que você é um designer gráfico.
gl Mas eu nunca falei que sou um designer gráfico, eu falo que sou arquiteto.
rl Os títulos dos seus trabalhos revelam algo que não está visível no trabalho. O título vem antes, depois ou junto?
gl No caso do Crushfixo, veio junto.
rl Pororoca?
gl Pororoca eu roubei o título, porque a exposição inteira ia se chamar Pororoca, mas, na última hora, o Paulo Herkenhoff fez uma exposição no MAR [Museu de Arte do Rio] chamada Pororoca, 37 que abriu antes da minha. E a minha ia acontecer no Sesc Pinheiros [exposição coletiva em São Paulo, 2015], aí o Danilo Miranda [então diretor do Sesc] falou: “Não quero ‘pororoca’”. Aí teve de inventar outro título: As margens dos mares. Mas eu tinha gostado de Pororoca e pensei em manter como título do meu trabalho.
26 de abril de 2021 rl Acho que, depois de determinado momento, a gente é muito procurado pelas certezas que tem. Sempre falamos das certezas. E do lugar da dúvida, da inquietação, muitas vezes não se fala. Acho que a inquietação é fundamental no trabalho criativo, artístico, e fica às vezes menos presente do que a carreira e as certezas.
gl Tem essa incerteza e tem o erro também. Sexta passada dei uma aula no design da FAU/USP e mostrei uma capa de livro que eu fiz, Histórias do sr. Keuner, de Bertolt Brecht. O livro é todo de frases, e uma me chama atenção: “Senhor Keuner, o que o senhor anda fazendo? Tenho muito que trabalhar, preparo meu próximo erro”. E, a partir disso, eu fiz um fanzine sobre erros, comecei a catar frases sobre o erro de um monte de gente [p. 139].
rl A gente é cobrado a acertar sempre.
37. Pororoca – a Amazônia no MAR, realizada entre 9 de setembro e 23 de novembro de 2014, com obras do acervo do MAR, no Rio de Janeiro, e curadoria de Paulo Herkenhoff. p. 139
gl Agora tem até um palíndromo que eu aprendi com o Baravelli, que é “Erro comum ocorre”. Então eu falei para os estudantes: “Quando vocês errarem – e vocês vão errar muito –, o único consolo é falar ‘Erro comum ocorre’”. Daí metade da desgraça está aliviada. Eu erro muito, porque tudo o que faço eu nunca tinha feito antes. Mesmo que planeje, você vai adaptando.
rl O erro ensina muito.
gl Erro é um baita professor. O Monteiro Lobato,38 que era escritor e editor, a primeira coisa que ele fazia era checar erros tipográficos em seus livros. Claro que ele achava. Aí ele falava: “O erro tipográfico é um mistério porque ele fica escondido e só vai aparecer na hora que está impresso. É o saci que faz essas coisas. Na gráfica, de noite, ele muda o tipo impresso”. Ele atribuía ao saci, um menino da floresta que é anárquico e que vai bagunçar. Eu estava vendo um documentário sobre literatos, e um deles, o Ziraldo, falou que, para alguns, a Emília é a personagem feminina mais importante da literatura brasileira.39 E ela é uma metralhadora. Na década de 1950, tinha a adaptação do Sítio do Picapau Amarelo feita pela Tatiana Belinky,40 e uma jornalista perguntou a ela: “Tatiana, por que as crianças não gostam de estudar?”. Ela, cheia de sabedoria, falou: “As crianças não gostam de estudar, mas adoram aprender”.
rl Outra personagem feminina da literatura infantil importante como a Emília é a Alice.41
gl Então eu peguei uma reprodução de um desenho da Alice, da primeira edição brasileira, e um da Emília, pelo André LeBlanc42 – que para mim é o melhor –, e pus as duas na página. Escrevi “Alice” e, quando termina o “e”, começa “Emília”: Alicemilia [p. 134]. E ao contrário também é verdadeiro: “Emilialice”. Minha homenagem às duas doidas da literatura. Grandes meninas! A Alice tem uma frase que é lapidar. Ela está sentadinha, encostada numa árvore, lendo um livro, e pergunta a si mesma: “De que serve um livro sem figuras ou diálogos?”. Ela é da minha turma, gosta de figuras.
38. Monteiro Lobato (Taubaté/ SP, 1882 – São Paulo, 1948) foi escritor e editor.
39. Uma das personagens principais da série de 23 volumes de literatura fantástica Sítio do Picapau Amarelo, que Monteiro Lobato escreveu entre os anos 1920 e 1947.
40. Tatiana Belinky (São Petersburgo, Rússia, 1919 –São Paulo, 2013) foi tradutora, escritora e roteirista, em especial para o público infantojuvenil.
42. André LeBlanc (Haiti, 1921 – Estados Unidos, 1998) foi um cartunista que passou a vida trabalhando entre os Estados Unidos e o Brasil.
41. Personagem principal do livro Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll (Daresbury, 1832 – Guildford, Reino Unido, 1898). Publicada em 1865, na Inglaterra, tem diversas edições brasileiras. p. 134
kf A Tatiana Belinky tem essa sabedoria semelhante à sua de prestar atenção em coisas que “não são” importantes ou significativas. O valor das coisas desimportantes também.
rl Traz a coisa desimportante para o protagonismo. Isso é muito do Guto. Pegar objetos banais, uma garrafa de Crush, e transformar.
gl Eu copiei o Dadaísmo. Pertenço às tradições das artes plásticas que ensinaram procedimentos. Incorporar um procedimento legal e rever as coisas do mundo.
rl Você começa a trabalhar cedo? Como é?
gl Estou sempre trabalhando. Eu estou vendo TV, aparece uma coisa, eu vou lá e anoto. Depois que eu desenvolvi um método que é de observação e concentração, eu nunca parei. Tudo o que você puder olhar profundamente, olhar mesmo, ver, desvendar... muita coisa chama atenção.
kf Você tem uma rotina?
gl Não é nem rotina, durante 24 horas você fica pensando nisso. Às vezes aparece num sonho. Você acorda e “que legal isso, vou anotar”. A maior parte do tempo, na minha vida, eu fiquei sem fazer nada. É um negócio legal que eu aprendi com Arquimedes.43 Ele queria descobrir a lei do empuxo e pensava: “Quando você coloca um peso na água, ela reage com a mesma força para cima”. Mas ele não conseguia enunciar e ficava pensando muito, até o dia em que foi à sauna. Na sauna, peladão, ele relaxou. E aí, quando relaxou, ele falou: “Eureca!”. Não foi num momento de tensão que a solução apareceu, foi quando ele relaxou. E aí ele saiu pelado pela rua gritando que tinha descoberto a lei do empuxo. O que acontece é que muita coisa você não consegue resolver por pressão. Às vezes, você fica concentrado, mas só vai resolver no dia seguinte, depois que dorme. É legal essa oscilação entre o que é observação e concentração, mas esqueci de falar que tem o relaxamento também, que ajuda muito o cérebro. Aí, quando você está num momento de relaxamento: “Eureca”!
kf E o que é olhar profundamente?
gl Olhar profundamente é você estar aqui, olhar, daí você volta amanhã, ela está aqui e você olha de novo. É a convivência lúdica, que é um termo que eu pseudoinventei. Por exemplo,
43. Arquimedes de Siracusa (Sicília, Itália, 287-212 a.C.) foi um matemático, engenheiro, astrônomo e físico grego.
225 o papel higiênico, que é uma peça a que você nunca dá atenção. O Ricardo Ribenboim, que era diretor do Museu do Papel, me convidou para fazer uma exposição sobre papéis. Eu peguei tudo o que considerava interessante em papel no supermercado, na papelaria. Fui catando embalagem, cheque. Na época, tinha talão de cheque. E aí chegou a hora do papel higiênico e eu tive uma profunda conversa com ele. Eu trouxe o papel higiênico para o ateliê – não para o banheiro do ateliê, mas para o ateliê e para a minha mesa. E fiquei olhando todo dia. E, um dia, eu tive a ideia de fazer um abajur junto com o coador de papel – outro objeto em papel. Descobri, nessa convivência, o quanto o papel higiênico é injustiçado, porque ele é tão bonito como objeto... A proporção dele é meio que a altura e o diâmetro dando um cubo. Construí um cubo para enfiar o papel higiênico e mostrar aos estudantes. Ele é macio e gostoso, pode confortar você na depressão. Depois você desenrola e pode olhar através dele, meio como uma luneta. Desenvolvi algumas teorias sobre ele porque é injustiçado e mereceria ser colocado em lugares mais nobres das residências. Um cilindro nobre. Então foi dessa convivência lúdica que surgiu essa ideia da luta de classes que tem entre os objetos. Na sua sala, você só vai colocar os eletrônicos, e nunca uma vassoura, um balde. Está chegando visita, tira o balde. Então é uma luta de classes, um monte de objetos é segregado. Vai para a área de serviço. Outros vão para o banheiro e só alguns são eleitos para ficar na sala. Então nasceu dessa convivência lúdica, de você valorizar coisas que a sociedade por alguma razão desvalorizou, e eles são tão nobres quanto os outros.
kf Você acha que esse processo tem sido constante para você?
gl É constante. Eu incorporei um modus operandi. Você olha para algo, a primeira coisa é valorizar esse momento. Você pega, traz para o ateliê, põe em cima da mesa e fica olhando –o que denominei de convivência lúdica. Você intensifica essa conversa. E aí, depois de um tempo, aparece uma novidade.
rl A criação é sempre um ato de prazer?
gl Eu gosto. Às vezes, o pessoal fala: “Vou tirar férias”. Eu acho tirar férias um saco. Você fica sem produzir nada. E eu sempre gostei de ficar quietinho, desenhando, pintando, produzindo. Desde criança.
kf Guto, para mim, as coisas mudaram muito com o envelhecimento, com o passar do tempo. A maneira como eu trabalho, como vejo e valorizo as coisas. Você sente alguma mudança nos seus processos, nas velocidades, nas maneiras?
gl Eu sou muito mais rápido hoje. Se alguém me encomenda alguma coisa, penso em não responder na hora e esperar uns três dias. Por exemplo, logotipo, se eu não fizer em cinco minutos para ver o conceito, eu acho que estou gagá, porque desenvolvi uma tal facilidade que já sei o que dá certo e o que não dá. Erro algumas vezes, mas acerto mais. Em artes gráficas, eu sou fulminante: olho e já sei, de tanto fazer. Eu faço com facilidade.
rl Eu acho o Dadaísmo incrível como fonte de inspiração, porque é visto como um movimento muito maldito. Mas, ao mesmo tempo, eles experimentaram em todas as áreas, é completamente sinestésico, tem objetos, performance, roupa, cinema, fotografia, música, poesia. A poesia oral tem uma colagem de texto incrível.
gl Muito rico. Era o tipo de manifesto que precisava acontecer, porque a arte é muito sisuda. Fora As meninas, de Velázquez, e a Mona Lisa, 44 ninguém sorri.
rl Subversão, não é?
gl Bom, já que tem fotografia, cinema, e eles pintam melhor que a gente... vamos avacalhar isso. E eles avacalharam com muita elegância.
44. Guto Lacaz se refere às pinturas As meninas (1656), do espanhol Diego Velázquez, e Mona Lisa (1503), de Leonardo da Vinci.
kf É isso que eu acho engraçado. Porque você falou da sisudez, mas o Dadaísmo era a avacalhação, mas com elegância. Eu acho que, se isso fosse feito de outra maneira, não rolaria. Na hora que você pega o Duchamp, que bota lá o urinol [Fonte, 1917], se não fosse uma coisa feita com sofisticação, não teria efeito nenhum, seria uma coisa jogada. É mais questão de atitude.
rl E tem a coisa, que eu acho interessante, do deslocamento. Porque o Dadaísmo tira a coisa de um contexto e põe em outro totalmente diferente. O urinol é um exemplo. Aquela roda de bicicleta em cima do tamborete também [Roda de bicicleta, de Duchamp, 1913]. Você tira o objeto de onde ele está e ele passa a significar outra coisa, tem outro valor.
kf E também tem uma coisa de você jogar luz sobre algo que teoricamente não mereceria. E acho que isso tem muito a ver com seu trabalho Eletro Livro [p. 124]. Como você valoriza certos aspectos, como uma lente que vai percorrendo.
gl Como cada livro pediu. E cada artista. São 19 [“eletrolivros”] nos quais aparece o artista realizando uma ação, mas é fotográfica. Começou com o livro do [Luiz] Sacilotto, meu mestre. A foto dele quando jovem segurando um vergalhão, uma barra de ferro, que faz a diagonal da página. Seria bonito se ele girasse. Aí nasceu o primeiro e pensei: “Agora vou fazer uma série”. Peguei todos os livros de artista que eu tinha onde o artista aparecia e, para cada um, desenhei uma grade. A ideia foi pegar uma imagem e tridimensionalizar, e também dinamizar. Tem um motorzinho legal, porque é silencioso. E um interruptor para o visitante interagir.
p. 124
rl E seus grandes projetos? Qual projeto precisou de mais planejamento, desenhos técnicos e produção?
gl Eu fiz o Ulysses, o elefante Biruta [p. 148], que foi uma operação de guerra. Porque eles fecharam contrato comigo e eu tinha apenas dois meses para entregar. Era uma escultura grande, pesada, feita a laser, composta de chapas soldadas. Era no alto de um poste. Eu morria de medo de cair, despencar. Mas eu chamei um engenheiro e ele calculou os esforços. Mas, claro, eu não dormia. E aí fiquei dois meses tenso e, ao mesmo tempo, eu tinha de fazer a ponte com a prefeitura, que era sobre a nota fiscal, sobre o contrato. E eles não respondiam, eu ficava numa agonia. Muita coisa eu paguei para ir adiantando, mas a gente entregou no dia direitinho, que era o aniversário da cidade [Campinas/SP]. Foi uma meta bacana.
p. 148
rl E você nunca teve a figura de um produtor que trabalhasse com você?
gl Tem esses caras, o Ernesto Tuneu, engenheiro mecânico. Eu passo os projetos e ele põe no AutoCAD, desenvolve, calcula tudo com preços, com peças do mercado, e deixa pronto para a execução. Tem o Paulo Masson e o Diw, que fez todos os projetos da Chácara Lane. Ele desenvolve as minhas ideias até estar pronto. Então, para cada projeto, eu tenho uma equipe.
rl E o Auditório para questões delicadas [p. 154]?
gl O Auditório foi uma coisa antes de eu existir. Eu tive a ideia, fui à casa do [Rafic] Farah, montei o X com ele para botar uma cadeira em cima. Seria isso, mas todos os materiais que eu tinha escolhido eram errados. Tinha feito de madeira e isopor, afundou no dia seguinte, uma vergonha. Eu estava fazendo sozinho, literalmente, serrava madeira… O X que sustentava a cadeira estava certo, mas todo o material que sustentava as cadeiras estava errado. Fiquei três meses no lago errando todo dia. A gente ia lá, botava uma cadeira, ela não ficava. Aí ficamos três meses até chegar a uma solução que cancelou todas as forças da natureza: vento, chuva, lixo. Nessa época, minha mãe viu que eu não ia conseguir fazer sozinho, porque era um trabalho enorme. Tinha 15 por 15 metros. Eu tinha um primo, o Lucas, que estava tentando a vida aqui em São Paulo, e minha mãe pediu para ele me ajudar. Aí fui com ele. Hoje eu delego mais do que faço. Eu fico na coordenação.
O Auditório foi a minha primeira intervenção urbana, mas eu não tinha feito nada direito. No dia seguinte, saiu na Folha de S.Paulo: “Cadeira de Guto naufraga”. Eu fiquei arrasado. Aí a minha mãe falou para chamar o Lucas, e tiramos tudo de lá. Fui conversar com amigos que conheciam melhor o assunto. Eu tinha um amigo, que fazia barcos, que disse que deveria ser alumínio e poliuretano. Então a gente começou a fazer em alumínio, mas demorava para fazer as conexões, tinha de ter parafuso, furo, cantoneiras. Precisava de um dispositivo, que era um gabarito para tudo ficar igualzinho. Tudo era multiplicado por 25. Demorei três meses para deixar tudo em pé, e ficou perfeito. Um dia, um jornalista da Folha de S.Paulo me ligou querendo saber o que eu estava lendo. Eu falei que não estava lendo nada, mas havia conseguido fazer o trabalho voltar a flutuar. “Você não quer noticiar? Me salva aí.” Ele pôs numa página mais interna: “Cadeiras voltam a flutuar”. Foi uma redenção. Foi o trabalho mais difícil que eu tive, porque era muito exposto e eu estava passando vergonha ao ar livre.
p. 154
228
28 de abril de 2021
rl O que é moderno?
gl Sabe que eu estudei bastante isso, porque fiz uma opereta com o Tim Rescala e o Arrigo Barnabé,45 que dirigiu, sobre a Semana de Arte Moderna de 1922, antes e depois. Eles tinham uma assessoria de historiadores, e uma das perguntas que eu fiz foi: “O que é moderno?”. E moderno, até onde eles chegaram, é uma palavra romana que quer dizer “novidade”.
rl Você se considera um moderno?
gl Meus avós são modernos: Oscar Niemeyer, Flavio de Carvalho.46
rl Você bebeu dessa fonte?
gl Muito mais do que bebi, eu caí nessa poção. Até porque, quando saí da faculdade, eu era meio Art Déco. Os modernos foram um pouco mais tarde. Eu adoro o Modernismo. Quando teve o pós-moderno, achei a maioria dos projetos meio ridículos.
45. Tim Rescala (Rio de Janeiro, 1961) é compositor, dramaturgo e ator. Arrigo Barnabé (Londrina/PR, 1951) é músico.
46. Oscar Niemeyer (Rio de Janeiro, 1907-2012) foi um dos principais arquitetos modernos. Flavio de Carvalho (Rio de Janeiro, 1899 – São Paulo, 1973) foi arquiteto e artista plástico.
rl Você batizou uma exposição de Ideias modernas, não é?
gl Foi a minha primeira individual na Galeria São Paulo, em 1982. A vernissagem estava lotada, lotou no primeiro e também no último dia. Teve boas críticas.
kf E por que você deu o nome de Ideias modernas?
gl Eu queria dar um título. Eu não tinha um. Aí, um dia, eu escutei no rádio alguém da Jovem Guarda cantando a discussão de um casal e a moça falava assim: “Não me venha com essas ideias modernas”. E aí pensei que dava um bom título para a exposição. Eu mantive o título e depois fui para Belo Horizonte, mantive também. E depois comecei a mudar, mas ele me acompanhou.
kf Você tem bons títulos, não é?
gl Começou com Eletroperformance, que era uma performance toda elétrica. Depois tem o Eletro Esfero Espaço, que são os aspiradores de pó. Depois tem o Eletrolivro. Eu adoro dar título e adoro as palavras. E aí tem algumas mais felizes, outras menos. O Boi, meu amigo, era muito bom de palavra. E ele falava assim: “Só o conceito torna o fato feito”. Então, só depois que batiza o que fez, você torna o fato feito.
mm Mas vamos retomar a abertura da exposição Ideias modernas. Tem uma conjunção de fatores, parece que tudo está acontecendo naquela noite.
gl Era na década de 1980, uma década iluminada para mim. Muita coisa que eu fiz nessa época seria impossível fazer hoje. Tinha uma liberdade no ar que hoje não tem mais. As casas não tinham um muro alto, os prédios não tinham grades, você entrava direto num prédio. Não tinha interfone, não tinha catraca nas faculdades, tudo era mais liberado. Uma época muito gostosa de viver.
kf Mas você diria que a exposição foi um momento de virada, no qual você deixou de ser uma coisa e passou a ser outra?
gl Acho que foi uma exposição desesperada, porque eu coloquei tanta coisa nela que hoje eu penso: “Nossa, como é que eu tive coragem?”. Parecia um bazar.
kf Como é que você se aproximou da Regina [Boni]. Como surgiu a ideia da exposição? Ela já conhecia seu trabalho?
gl A Regina fazia parte da turma do Fajardo, Baravelli, Dudi, Boi. E aí ela resolveu fazer a galeria, e acho que eu fui o segundo a expor na galeria. Ela conhecia alguma coisa. Quando me convidou, eu levei a sério, comecei a produzir, a fazer um guache por dia. “Vou fazer uma peça por dia.” Tem um monte de guache, por causa da facilidade. Depois tinha trabalhos tridimensionais. Eu fazia peça pequena, então tinha de ter quantidade, tinha 300 peças. Pus trabalho gráfico também. Parecia uma exposição de desespero.
kf Você já se considerava ou era considerado um artista?
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gl Eu virei artista profissional na exposição Objeto inusitado, em 1978, quando ganhei um prêmio em dinheiro e um de seleção. Eu fiquei produzindo, e depois descobri que era artista. Tinha uns dez trabalhos que eu não sabia o que eram porque eram muito diferentes. Nessa época eu estava com essa demanda reprimida. Eu chamava de construções. Um dia encontrei com a Raquel Arnaud e ela disse que eu fazia objeto. Já fiquei mais metido, ela que categorizou que faço objetos.
kf Como o Guto de hoje vê o Guto lá de 1974? Você acha que mudou?
gl Eu mudei muito. Na essência, continuo o mesmo, mas me profissionalizei. Por exemplo, eu fui ver outros artistas, como eles trabalhavam, fui ver as exposições, fui aprender.
kf O que mais você fazia naquela época? Namorava, cantava, bebia?
gl São José era um território muito livre. Era viver plenamente os anos 1970, que era sexo, drogas e rock’n’roll. A gente tinha, na república, um guitarrista, que era o Carlão de Souza, e toda noite tinha festa. Foi um período muito rico. Eu virei gente lá. Eu era – eu sou – muito tímido. Lá em São José, eu “desbundei”, que era o termo que se usava na época.
rl E vídeo, super-8? O que você fazia?
gl Nunca consegui fazer nada. Fui um dos primeiros a comprar. Em 1982, comprei, me encantei, mas vi que o vídeo era um problema, porque você não tinha como editar. Ficavam aquelas fitas enormes. O super-8 era supereconômico. Você já fazia um projeto do que queria, depois editava, cortava com tesoura e colava com durex. Quer dizer, tinha um jeito de cortar com o cortador, mas no início eu cortava com tesoura mesmo. E vi que era um problema, porque você gravava umas coisas longas, ficava chatérrimo de ver duas horas ou uma hora e meia. Eu gravava e esquecia dentro de uma fita, tinha várias coisas diferentes, e até você achar depois... tinha de ter muita disciplina para olhar números. E o vídeo comia também um pedaço do que era gravado. Então eu nunca consegui ter um vídeo, gravei um monte de coisa, mas nunca resultou em
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nada. Mais recentemente, tenho feito as coisas com o Edson [Kumasaka], ele tem os recursos de edição, faz e me passa, mas nunca consegui fazer nada. Foi um desejo.
kf Guto, como é que você se relaciona com a sua imagem, a sua figura?
gl A minha figura? Eu tenho vergonha de mim mesmo. Eu não consigo, nessas redes sociais, me postar, me colocar. É muito raro eu aparecer. Eu mostro o trabalho. De vez em quando, eu apareço. E, como em performance não tem muito jeito, tem de ir lá e fazer, mas em geral eu sou tímido, eu tenho vergonha.
rl Você tem um estilo próprio, o chapéu branco.
gl O chapéu foi uma coisa difícil. Eu andei muito de boné na época da faculdade. E chapéu era um desejo, mas nunca tive coragem de usar. Um dia eu coloquei o chapéu e, quando descia a Rua Pamplona [em São Paulo], passou um caminhão e gritou: “Ô, veado!”. Mas, em compensação, em outro dia, parou um carro e a pessoa queria saber onde eu tinha comprado o chapéu. Teve os dois lados e depois se incorporou. Eu preciso usar chapéu. E aí eu incorporei.
kf Mas essa sua timidez tem a ver com a ideia de você criar máscaras?
gl Não. As máscaras foram um pedido do Ivan Cabral, que é o dono do teatro Os Satyros, lá na Praça Roosevelt [em São Paulo]. Ele me convidou para fazer uma exposição no hall do teatro. Aí pensei “teatro é máscara, comédia e tragédia”, e desenhei. Fiz uma série de máscaras para decorar o ambiente e uma seção meio antimáscaras: Máscaras para mentir [p. 146], não achei título melhor.
rl Você diz que não faz caricatura, mas essa máscara é a maior síntese. Caricatura normalmente é uma coisa que se trabalha pela síntese. Você pega alguns elementos que retratam a figura. p. 146
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gl As Pequenas grandes ações [p. 80] são figuras de orientação de uso que geralmente estão nos manuais. Começou com o do hashi. Fiz uma coleção grande durante três anos. Elas são sempre pequeninas, porque são acessórias. Uma coisinha só para dizer que está aqui a orientação de uso – se fez errado, azar o seu. E aí eu fui ampliando na copiadora, que dá uma retícula. Retoquei uma a uma. Daí escaneamos e chegamos a um formato para ter o filme do preto. Tem até oito cores. E cada preto foi impresso três vezes para cobrir bem.
p. 80
kf Esse trabalho é uma metáfora do processo do Guto. Quer dizer, pegar uma coisa que está na mão, no mundo, retrabalhar, ampliar e mostrar.
gl Esse é um procedimento dos artistas pop Roy Lichtenstein e Andy Warhol:47 é se apropriar de uma imagem. Amplia e acrescenta valor a ela com cor ou outra jogada qualquer. Na época, eu queria fazer uma coisa tipo Rico Lins, toda fora de registro.
47. Roy Lichtenstein (Nova York, 1923-1997) foi um artista pop. Andy Warhol (Pensilvânia, 1928 – Nova York, 1987) foi um artista pop e diretor de cinema.
rl Ainda bem que consertou. Mas acho que tem outra coisa também que junta o artista gráfico com o artista plástico.
gl Nesse trabalho é puro gráfico.
kf Mas a atitude é de artista plástico.
30 de abril de 2021
gl Separei para vocês verem a maquete do Periscópio [p. 152]. O periscópio é um instrumento óptico que tem dois espelhos, um a 45 graus com o outro. Ele tinha 28 metros de altura, quase 30 metros. E foi um convite do filósofo Nelson Brissac para o Arte cidade 2, que aconteceu no Edifício Alexandre Mackenzie, que era o antigo prédio da Light [em São Paulo], para fazer uma ocupação. Eu fiz essa intervenção urbana. Para minha alegria, saiu a foto na revista Art in America. Ficou grudado no prédio e ia do térreo ao 5o andar. No 5o andar, construímos um praticável, ficou bem legal.
p. 152
kf Como foi que você chegou a isso? Como é que você falou: “Vou fazer um periscópio de 30 metros”?
gl Foi bem fácil. Toda quinta-feira à tarde, a gente se reunia, eram vários artistas, seriam ocupações em três imóveis no Centro da cidade. Era para cada artista contar o que estava pensando numa conversa em roda. Mas para entrar no prédio era um horror, tinha de mostrar o RG, tinha catraca. Uma coisa bem antidemocrática, bem de desconfiança. Aí pensei: “O povo tem de entrar aqui e passar por isso... Não vai subir ninguém”. Aí me ocorreu a ideia de fazer algo que a pessoa que está passando na calçada conseguisse ver o que está acontecendo em cima. E foi o que aconteceu, as pessoas olhavam embaixo e viam o que estava acontecendo em cima. Eu coloquei um praticável para a pessoa aparecer inteira. Aí o cara descobria que podia abrir uma porta e subir. Logo, lá estava ele chamando o próximo. Era muito engraçado. E funcionou superbem. “Periscópio”, a palavra grega, é copa (olhar, ver) e peris (através). A ideia era fazer várias coisas, começar numa face e ir até a outra do prédio. Mas é, como sempre, um delírio. Se fizesse um, já estava bom.
rl Mas o delírio é sempre um bom começo.
gl O curador Felipe Taborda, na década de 1990, me encomendou uma obra para ilustrar uma canção de Caetano Veloso.48 Ele convidou 80 artistas para cada um ilustrar uma canção do Caetano. A música “A terceira margem do rio” [p. 128] foi feita pelo Milton Nascimento, que entregou a letra para o Caetano musicar. Ele conta que fez muito rápido, porque era uma encomenda muito generosa que vinha do encontro com Guimarães Rosa.49 E a minha solução foi: como eu não tinha entendido a letra, mas gostei do título, e como eu gosto muito de canoa, fiz uma obra com duas canoas – a Terra e a Odara. E no meio tem a terceira, que só é vista com o espelho, a Cajuína, é um trabalho óptico.
kf É de uma simplicidade…
gl E ele funciona muito bem. Na verdade, no original estava pintado o nome das canoas, mas foi para o Rio de Janeiro e se perdeu num leilão. O Fernando Costa Netto, que é o Dandão, um jornalista amigo que tinha a revista Boom na década de 1990, que foi um laboratório para a geração... Ninguém ganhava nada, mas a gente se divertia, e cada editorial era sobre um objeto.
48. O curador da exposição
A imagem do som de Caetano Veloso (Paço Imperial, Rio de Janeiro, 1998) convidou 80 artistas para transformar uma música de Caetano em obra visual. Lacaz foi sorteado com “A terceira margem do rio”, composta a partir de letra de Milton Nascimento inspirada no conto homônimo de Guimarães Rosa, de 1962.
49. João Guimarães Rosa (Cordisburgo/MG, 1908 – Rio de Janeiro, 1967) foi médico, diplomata e escritor. p. 128
Teve a caixa de fósforos. Todo mundo fazia ensaios sobre a caixa de fósforos. Teve a sandália Havaianas, teve cachaça, dinheiro, dólar. E até que, um dia, ele me ligou e falou: “Esse número vai ser a Barbie”. Aí eu falei: “Putz, a Barbie não, sai fora”. Mas ele falou que já estava tudo certo, que ia ser a Barbie. Aí eu falei: “Então me manda uma Barbie”. Aí eu dormi com a Barbie e mudei de opinião a respeito, com todo o respeito. E eu tive a ideia de fazer o Raio X da Barbie [p. 86]. Ficou perfeita. Saiu bem na revista. Uma mecânica de puro Frankenstein.
kf Zines são obras gráficas, não é?
gl Vem da palavra “fanzine”, que é uma revista sobre o fã, a revista do fã para o seu ídolo, e era feito de xerox, edições muito artesanais. Mas, com o tempo, ele desmamou do fã e virou qualquer edição marginal nesse formato. E aí eu adotei porque é um formato bom, é meio A4. E o falecido Boi, o José Carlos Ferreira, me ensinou a arte do palíndromo, que são as palavras ou frases que são lidas da direita para a esquerda com o mesmo sentido. Eu sempre tentei fazer um e nunca consegui. Até que recentemente eu consegui alguns. Mas um dia, num restaurante, vi que eu conseguia tirar notas fiscais com valores palindrômicos, produtos que eram 59,95 reais. E eu falei: “Nossa, que legal!”. Fiquei uns três anos guardando as notas em que aparecia algum valor como 29,92 reais, 26,62 reais... O Júlio, meu amigo, me disse que quando é com número se chama capicua, que é um termo catalão: capa (cabeça) e cua (rabo); capicua. Como a oroboro, aquela cobra que morde o próprio rabo. Fui guardando e falei: “Vou fazer um zine” [p. 104].
kf Esses zines têm uma mistura de obra gráfica com artes plásticas.
gl Eles chamam de poesia visual. Também demorei para conhecer esse termo. Eu conhecia a poesia concreta, porque sou neto do Augusto de Campos.50 No livro Gráfica51 , fiz esse “pluvial/fluvial” do poema de Augusto de Campos, que é a minha base e é poesia visual que chamamos de concreta. A concreta é parte da poesia visual, que é mais abrangente.
rl Você desenhava as letras?
p. 86
p. 104
50. Augusto de Campos (São Paulo, 1931) é poeta, tradutor e ensaísta de literatura e música.
51. LACAZ, Guto. Gráfica. São Paulo: Ideia & Ação, 2008. Ver: www.gutolacaz.com.br/ GraficaLivro/Grafica_web.pdf.
gl Sim, desenhei. Fui convidado pela Joyce Pascowitch, na década de 1980, para redesenhar a revista Around [p. 136]. Foi o laboratório de uma geração.
kf O que eu acho legal é que você vai fazendo, vai publicando. Não fica pensando muito.
gl Eu aprendi que tem de fazer. Eu tenho uma lista e vou escrevendo. Eu agora tive uma ideia bem infame. Eu vejo muito programa policial, e eles falam: “Esse cara já teve passagem pela polícia. Esse não teve”. A ideia era convidar um amigo para passar diante da polícia, andando, e aí fazer uma série do YouTube do tipo “Kiko Farkas, passagem pela polícia”. No celular mesmo, com a câmera parada e o cara passando em frente à polícia. Eu chamo o Edson, agendamos um dia, vai lá e faz.
rl Vou fazer uma pergunta indiscreta: o computador, agora, o ajuda a lidar um pouco com a questão do tremor da mão?
Você sente que é um limite?
gl No computador não acontece. O tremor não passa para a tela.
rl Mas, do ponto de vista criativo, você acha que é uma coisa que vem como um auxílio?
gl Vem como um auxílio. O Inveja é inteiro digital. É tudo feito na tela. Tem coisa que eu não faria na mão. Faria, mas daria um baita trabalho. Se eu fosse fazer no analógico, tinha de fazer uma arte grande, mandar copiar todos os elementos, recortar com tesoura em volta. No computador, é copy + paste.
rl E para o desenho também?
gl Para o desenho também, porque eu fiz muita coisa que nasceu na tela. Agora mesmo, tem um boneco que eu fiz, o Giovanino [p. 130]. Fiz um esboço dele, levei para a tela e já ajeitei. Eu gosto muito de espelhar metade do boneco.
rl E perguntei isso porque os seus desenhos, aqueles trabalhos pré-computador, têm muita precisão. Eu não consigo fazer uma linha tão retinha como você.
gl Eu ainda consigo, mas hoje treme. Eu estou desenhando uns bichos para um amigo, são lendas indígenas. Está tudo tremido. Mas aí eu mostrei para o meu irmão e ele disse: “Não, deixe assim, está legal!”. Mas eu sei desenhar retinho, eu ainda consigo. Só que tem de usar papel-manteiga.
kf Seus desenhos são muito sintéticos.
gl Muito. Às vezes, é quase um boneco de palito. Por isso que eu admiro o Mario Cafiero, porque ele sabe fazer uma figura humana perfeita. Eu não sei. Eu comecei logo cedo e optei pelo cartum, e o boneco pode ser baixo, pode ser alto, ter um narigão. Você pode alterar todas as relações de uma figura humana; se você for feliz, vai ficar ótimo.
rl A perfeição é uma coisa que a gente inventa. É o limite, é limitador. As coisas imperfeitas são mais interessantes.
Kiko Farkas (São Paulo/SP, 1957) é arquiteto formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP). Atua como designer, editor e ilustrador, liderando a Máquina Estúdio desde 1987. Criador do curso de design da Escola Britânica de Artes Criativas & Tecnologia (Ebac), do qual também foi coordenador entre 2016 e 2019, é autor, entre outros projetos, da Marca Brasil para o turismo, de uma série de cartazes para a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp) e da identidade visual do Theatro Municipal de São Paulo. É sócio-fundador da Associação dos Designers Gráficos no Brasil (ADG Brasil) e membro da Alliance Graphique Internationale (AGI).
Rico Lins (Rio de Janeiro/RJ, 1955) é designer, ilustrador e educador formado pela Escola Superior de Desenho Industrial da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Esdi/Uerj) e pela Royal College of Art, em Londres. É membro da Alliance Graphique Internationale (AGI) desde 1997. Com exposições individuais no Centre Georges Pompidou (1982), no Instituto Tomie Ohtake (2009), no Museu Nacional de Brasília (2015) e no Museu da Casa Brasileira (2016), também foi curador das mostras Brésil à l’affiche (2005), Connexions>conexões (2009) e Manifesto gráfico (2017). Vivendo entre Paris, Londres e Nova York desde 1979, atualmente reside em São Paulo.
Marcelo Machado (Araraquara/SP, 1958) é diretor e roteirista de audiovisual. Começou a atuar na década de 1980, na produtora Olhar Eletrônico Vídeo, e passou pela TV e pela publicidade nos anos 1990 até centrar seu trabalho na direção de documentários. Dirige séries e longas-metragens para TV, cinema e streaming, como Tropicália e A ponte de bambu, ambos premiados e distribuídos internacionalmente.
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Marcelo Machado, Rico Lins, Guto Lacaz e Kiko Farkas durante gravação do documentário Guto Lacaz: um olhar iluminado, 2022 foto: Kiko Farkas
“Ao invés de você usar uma maneira estereotipada tem uma relação dialética você experimenta outras
Entrevista com Guto Lacaz publicada no livro omemhobjeto (p. 67)
guto lacaz
Carlos Augusto Martins Lacaz (São Paulo/SP, 1948)
formação
1966 Ginásio Vocacional do Liceu Eduardo Prado, São Paulo
1970 Eletrônica Industrial do Liceu Eduardo Prado, São Paulo
1974 Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de São José dos Campos (SP)
membro efetivo da alliance graphique internationale (agi member)
1997-2014 Colaborador da revista Caros Amigos, com a página “Um desenho”
2007-2013 Colaborador da revista Wish Report, com o editorial “Pares ímpares”
2013-2014 Colaborador da revista Ocas
atividade didática
1978-1980 Professor de comunicação visual e de desenho de arquitetura – artes plásticas na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC/ Campinas) (SP)
1981-1983 Professor de ilustração e projeto no Colégio Iadê, São Paulo
1984 Professor de mensagem na Faculdade de Arquitetura da Belas Artes, São Paulo
1990 Professor de escultura IV no curso de artes plásticas da Faculdade Santa Marcelina, São Paulo
2003-2005 Professor de design experimental na pós-graduação em design gráfico e digital do Senac Lapa Scipião, São Paulo
2011 Professor de introdução à escultura cinética – mecânica para artistas no Sesc Pompeia, São Paulo
televisão
1990 “Encontro com a arte e a ciência” no programa TV MIX IV, TV Gazeta, São Paulo
1991 “Encontro com a arte e a ciência” no programa Matéria prima, TV Cultura, São Paulo
exposições
1978 Primeira mostra do móvel e do objeto inusitado –Museu da Imagem e do Som (MIS), São Paulo
1982 Ideias modernas – Galeria São Paulo, São Paulo
1985 18ª Bienal internacional de São Paulo –Fundação Bienal de São Paulo
1987 Muamba – Subdistrito Comercial de Arte, São Paulo
1987 Modernidade – Museu de Arte Moderna de Paris (MAM Paris), França
1988 Brazil projects – Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) PS1, Estados Unidos
1988 Ideias modernas – Palácio das Artes, Belo Horizonte (MG)
1990 O papel no cotidiano – Museu Brasileiro do Papel, São Paulo
1992 ECO 92-13 cartazes para o meio ambiente –Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM Rio)
1993 Ideias modernas – Instituto Moreira Salles de Poços de Caldas (IMS Poços) (MG)
1994 Recortes – Paço Imperial, Rio de Janeiro, e Galeria Luisa Strina, São Paulo
1995 95 Bienal internacional de Gwangju – Coreia do Sul
1999 RG enigmático/viagens de identidades – Casa das Rosas, São Paulo
2001 Máscaras para mentir– Espaço dos Satyros, São Paulo
2001 Atelier imaginário de Guto Lacaz – Vitrine Artefacto –Shopping D&D, São Paulo
2001 Móbiles – Galpão de Design, São Paulo
2001 Trajetória da luz – Itaú Cultural (IC), São Paulo
2001 Le nouveau Salon des cent – hommage à Toulouse-Lautrec – Centro Pompidou, Paris
2002 Cadernos modernos – Paper House, São Paulo
2003 A arte atrás da arte – Espaço MAM – Villa-Lobos, São Paulo
2003 Pequenas grandes ações – Galeria Val de Almeida Júnior e Galeria Circo Bonfim, Belo Horizonte
2004 Máscaras para mentir – arte na escola – Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP)
2005 Pinacotrens – Pinacoteca do Estado de São Paulo
2005 Art detectors – Paço das Artes, São Paulo
2005 Chita releituras – Ovo, São Paulo
2005 RG enigmático, Virada cultural – Centro Cultural São Paulo (CCSP)
2006 Santos=Dumont designer – Museu da Casa Brasileira, São Paulo
2007 Gráfica – CCSP
2008 Maquetes reunidas – Capela do Morumbi, São Paulo
2008 Rotore – Galeria Marilia Razuk, São Paulo
2008 Comparação entre 2 trens, Einstein – Instituto Sangari, São Paulo
2008 Jogos plásticos com figuras e objetos, Game cultura –Sesc Pompeia, São Paulo
2009 Santos=Dumont designer – Museu da Casa Brasileira, Museu de Arte Contemporânea de Campinas (MACC), Centro de Cultura de Ribeirão Preto e Sesc São José dos Campos, São Paulo
2010 Pinturas roubadas reaparecem na Bienal –Padaria Bienal, São Paulo
2011 Ofni Paranoá – objeto flutuante não identificado –
Lago Paranoá, Brasília (DF)
2011 Arte em movimento – Memorial da América Latina, São Paulo
2012 Ofnis Ibirapuera – objetos flutuantes não identificados, Lago do Ibirapuera, São Paulo
2012 Eletro livros – Maria Antonia – Centro Universitário da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo
2014 As câmeras duplas – Galeria Mario Schenberg –Fundação Nacional de Artes (Funarte), São Paulo
2014 Estudos, esboços e ensaios poéticos sobre arquitetura e territórios afins – Carbono Galeria, São Paulo
2020 Allegro – Chácara Lane, São Paulo
2022-2023 Antimatéria – Galeria Raquel Arnaud, São Paulo
instalações e site-specifics
1986 Eletro esfero espaço, A trama do gosto –
Fundação Bienal de São Paulo
1988 Trens em casa – Design Store, São Paulo
1989 Auditório para questões delicadas – Lago do Ibirapuera, São Paulo
1991 Cosmos, um passeio no infinito – Museu de Arte de São Paulo (Masp)
1992 Música ao vivo – Centro Cultural UFMG, Belo Horizonte
1992 Video games mesmo, Fórum BHZ de vídeo –
Belo Horizonte
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1992 Tora! Tora! Tora! – Columbia, São Paulo
1993 Páginas preciosas: templo-mídia – Galeria Luisa Strina, São Paulo
1994 Periscópio, Arte cidade II – São Paulo
2000 Garoa modernista – Oficina Cultural Oswald de Andrade, São Paulo
2000 Ciclo cine, Free jazz – MAM Rio
2001 Ciclo cine, El foco – Casa das Caldeiras, São Paulo
2003 Mesas de pensar roupa, 15ª São Paulo fashion week –
São Paulo
2005 Garoa modernista, Projeto Octógono – Pinacoteca do Estado de São Paulo
2005 Pinacotrens – Pinacoteca do Estado de São Paulo
2005 Relógio lúdico – Escola Carlitos, São Paulo
2006 Parede em movimento, Projeto Parede – MAM/SP
2006 Linhas de água, Luz da luz – Sesc Pinheiros, São Paulo
2006 Cataventos, Off bienal – Museu Brasileiro da Escultura e da Ecologia (MuBE), São Paulo
2007 Muro das lamentações, Ciclo multicultural –Centro de Cultura Judaica, São Paulo
2007 Palíndromoscópio, Nó na língua – Sesc 24 de Maio, São Paulo
2009-2010 Buenos livros, Oxigênio – Parque Buenos Aires, São Paulo
2010 Ondas d’água – lago da praça do Sesc Belenzinho, São Paulo
2010 A terceira margem do rio – Parque Ibirapuera, São Paulo
2011 Raios de Sol, Oxigênio – Parque Buenos Aires, São Paulo
2012 Conjunto eólico Claudio, Leonardo e Orlando Villas Boas – Parque Estoril, São Bernardo do Campo (SP)
2013 Trigêmeos ciclistas, Mais de mil brinquedos –Sesc Pompeia, São Paulo
2013 Utropic – Centro de Arte Contemporânea do Castelo de Ujazdów e Museu de Miniaturas ao Ar Livre de Pobiedziska, Polônia
2015 Ulysses, o elefante biruta – Pedreira do Chapadão, Campinas (SP)
performances
1985 Eletroperformance e Estranha descoberta acidental, 18ª Bienal internacional de São Paulo
1990 10 cenas com um armário, Securit – MIS, São Paulo
1992 Máquinas e motores na sociedade – Teatro Crowne Plaza, São Paulo
1999 Máquinas II – Teatro Cultura Artística, São Paulo
2000 Máquinas II – Teatro Alfa, São Paulo
2001 Máquinas II – Teatro do Centro da Terra, São Paulo
2001 Cinco séculos em diálogo – Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), São Paulo
2002 22 antes e depois – pocket opera – Sesc Ipiranga, São Paulo
2008 Pequeno repertório de performances: Eletroperformance, Máquinas III e IOU – a fábula do cubo e do cavalo –Teatro Aliança Francesa, São Paulo
2009 Máquinas V – Teatro Aliança Francesa, São Paulo
2012 Helicubo, II Circuito regional de performance BodeArte –Natal (RN)
2023 Ludo voo – Sesc Paulista, São Paulo
livros publicados
1990 Poemas minerais – Arte Moderna Estúdio
2000 Desculpe a letra – Atheliê Editorial
2000 A vila e o vulcão – Editora Projeto
2003 Contas anacíclicas – Arte Moderna Estúdio
2004 The book is on the table – Arte Moderna Estúdio
2005 Chita seda – Arte Moderna Estúdio
2007 Gráfica e inveja – Arte Moderna Estúdio
2010 Omemhobjeto – Editora Décor Book
2013 80 desenhos – Dash Editora
2021 Coincidências industriais – Lovely House
livros ilustrados
1974 Atividades de comunicação em língua portuguesa –
5ª série, Hermínio G. Sargentim – Ibep
1975 Ciências, Carlos Vilela – Editora Atual
1977 Antes que eu me esqueça, Roberto Bicelli, Feira de Poesia
1978 Cândida e o cotidiano, Cândida Botelho –edição da autora
1978 Lighter English, David Draper – Editora Ática
1990 Maga neon, Claudia Alencar – Editora Massao Ono
1995 Num zoológico de letras, Régis Bonvicino – Editora Maltese
1997 Balé dos Skazkás, Katia Canton – Editora DCL
1998 O galo Pererê, Luiz Raul Machado – Editora Ediouro
2000 Histórias com bichos, Duda Machado – Editora 34
2001 Minas de forno e fogão, Maria Stella Libânio –Editora Papagaio
2002 Mandaliques, Tatiana Belinky – Editora 34
2004 Histórias do sr. K, Marcos Ferreira, CD
2004 O livro da primeira vez, Otavio Frias Filho –Editora Cosac Naify
2005 Tudo tem a sua história, Duda Machado – Editora 34
2005 Poesia marginal – cabelos ao vento, Ana Cristina Cesar, Cacaso, Chacal, Francisco Alvim e Paulo Leminski –Editora Ática
2006 Somos todos igualzinhos, Bartolomeu Campos de Queirós – Editora Global
2006 Haicais, Wandi Doratiotto – Editora Papagaio
2009 Para criar passarinho, Bartolomeu Campos de Queirós –Editora Global
2011 Esqueleto, tomate e pulga, Ricardo Azevedo –Ô Zé Editora
2011 O menino arteiro, Gil Veloso – Editora Dedo de Prosa
2012 O zum-zum-zum das letras, Silvana Tavano –Editora Moderna
2013 Peter e Wendy – Editora Cosac Naify
2014 Manifesto verde, Ignácio de Loyola Brandão –Editora Global
cenografia
1983 Tubarões voadores, Arrigo Barnabé – Sesc Pompeia, São Paulo
1995 Eugênia Melo e Castro – Sesc Pompeia, São Paulo
1995 Futebol (adereços) – Teatro Fiesp, São Paulo
1998 Clipe de “Autolove”, Kid Abelha, com direção de Flavio Colker
2001 Estranho amor, Olair Coan – Teatro Maria Della Costa, São Paulo
2002 22 antes e depois – Sesc Ipiranga, São Paulo
2002 Flores de aço – CCBB, São Paulo
2003 Novo de novo – o Brasil de Pixinguinha – CCBB, São Paulo
2003 Eu sou a multidão, Vania Abreu – Teatro Castro Alves, São Paulo
2004 Encontros improváveis – CCBB, São Paulo
2004 Rádio Ipiranga – Sesc Ipiranga, São Paulo
2005 Così fan tutte – Teatro São Pedro, São Paulo
2007 O barbeiro de Sevilha – Theatro Municipal, São Paulo
2008 Pocket trilhas – CCBB, São Paulo
2008 O casal, Walter Breda – Sesc Pinheiros, São Paulo
prêmios
1978 1ª Mostra do móvel e do objeto inusitado –
Paço das Artes, São Paulo
1983 X Prêmio Abril de Jornalismo, Ilustração
1984 Prêmio Espaço Luminária Philips – MIS, São Paulo
1985 Prêmio Espaço Luminária Philips – MIS, São Paulo
1986 Troféu Crème de la Crème – Harpias e Mansfield
1988 Prêmio APCA, Novas Mídias – Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA)
1990 XIII Prêmio Abril de Jornalismo, Ilustração
1991 XVI Prêmio Abril de Jornalismo
1992 Prêmio da Associação Brasileira de Comunicação
Empresarial (Aberje), Guia Papaiz Itália 90 – Papaiz
1992 Prêmio Excelência Gráfica Abigraf, Personagens femininos, de Vânia Toledo
1995 Bolsa John Simon Guggenheim Memorial Foundation
1998 Broadcasting Video Awards, vinheta Mundo animal –canal GNT
1998 Melhor Portfólio, revista Design Gráfico –Market Press Editora
1998 Melhor Trabalho, A imagem do som de Caetano Veloso –Paço Imperial, Rio de Janeiro
1999 Melhor Portfólio – revista Design Gráfico –Market Press Editora
2000 10 Melhores Designers Gráficos – revista Design Gráfico – Market Press Editora
2002 5 Melhores Designers Gráficos – revista Design Gráfico – Market Press Editor
2002 Ampro Globes Awards, Melhor Atividade de Percepção de Marca – Estação Baileys, Campos do Jordão (SP)
250
2005 Melhor Trabalho (voto dos artistas), Promessa de pescador, A imagem do som de Dorival Caymmi –Paço Imperial, Rio de Janeiro
2007 Prêmio APCA, Obra Gráfica – APCA
2013 Prêmio Funarte de Arte Contemporânea – Funarte
Guto Lacaz em entrevista para a revista Cremesp, edição 53, out.-dez. 2010
coordenação editorial Carlos Costa (até abril de 2024)
conselho editorial Kiko Farkas e Rico Lins
organização de conteúdo Bianca Selofite, Bruno Struzani, Emmanuelly de Jesus e Júlia Munhoz
editora de texto Fabiana Werneck
produção editorial Pamela Rocha Camargo
supervisão de revisão Polyana Lima (até abril de 2024)
revisão Karina Hambra e Rachel Reis (terceirizadas)
projeto gráfico Guilherme Ferreira
produção gráfica Lilia Góes (terceirizada)
concepção e realização Itaú Cultural curadoria e partido expográfico Kiko Farkas e Rico Lins, com assistência de Gabriela Pires (estagiária) e Helena Ramos desenho da expografia Daniel Winnik projeto de acessibilidade Itaú Cultural
Conselho Curador presidência Alfredo Setubal vice-presidência Ana Lúcia de Mattos Barreto Villela e Maria Alice Setubal conselho Candido Botelho Bracher, Claudia Politanski, Elizabeth Machado de Oliveira, Heitor Sant’anna Martins, Osvaldo do Nascimento, Priscila Fonseca da Cruz, Ricardo Manuel dos Santos Henriques e Rodolfo Villela Marino presidência da Fundação Eduardo Saron
Comunicação Institucional e Estratégica gerência Ana de Fátima Sousa coordenação de estratégias digitais e gestão de marca Renato Corch edição de fotografia André Seiti e Letícia Vieira (estagiária) redes sociais Jullyanna Salles e Victória Pimentel coordenação de comunicação institucional Alan Albuquerque comunicação institucional William Nunes eventos Caroline Campos e Simoni Barbiellini
superintendência Jader Rosa
Artes Visuais e Acervos
gerência Sofia Fan coordenação de artes visuais
Juliano Ferreira
produção-executiva Bianca Selofite e Júlia Munhoz coordenação de acervo
Edson Martins Cruz produção-executiva Bruno Struzani e Emmanuelly de Jesus
Criação e Plataformas
gerência André Furtado coordenação de conteúdo multiplataforma
Kety Fernandes Nassar produção audiovisual Júlia Sottili e Milena Mendonça Decourt (estagiária)
captação de áudio Gustavo Nascimento e Tomás Franco (terceirizados) edição e finalização de som
Ana Paula Fiorotto interpretação em Libras
Mão Preta Libras (terceirizado) transcrição, revisão e sincronização de legendas Allume Acessibilidade (terceirizada) audiodescrição Iguale (terceirizada) produção editorial Pamela Rocha Camargo produção gráfica Lilia Góes (terceirizada) supervisão de revisão Polyana Lima (até abril de 2024) revisão de texto Denise Yumi e Karina Hambra (terceirizadas) tradução John Norman (terceirizado) coordenação de criação Carla Chagas edição e produção de conteúdo
Duanne Ribeiro e Icaro Mello projeto gráfico Guilherme Ferreira comunicação visual Guilherme Ferreira
e Estúdio Claraboia (terceirizado)
captação de imagem André Seiti, Karina Fogaça e Murilo Alves (terceirizado)
edição e roteiro Karina Fogaça motion design João R (terceirizado)
Mediação Cultural e Relacionamento gerência Tayná Menezes coordenação de mediação cultural e relacionamento Mayra Oi Saito equipe de mediação cultural
Bianca Martino, Edinho dos Santos, Edson Bismark, Joelson de Oliveira, Julia Fernandes dos Santos, Matheus Maia, Maya de Paiva, Monica Abreu Silva, Rafael de Oliveira, Vítor Luz e Vitor Narumi equipe de relacionamento Ana Beatriz Carvalho, Fabiano Hilario, Fefa Ferreira, Matheus Paz, Victor Soriano e Vinícius Magnun
Informação e Difusão Digital
gerência Tânia Rodrigues coordenação de enciclopédia Luciana Rocha equipe Laíza Oliveira, Matias Monteiro e Pedro Guimarães
Infraestrutura e Produção gerência Gilberto Labor coordenação de produção de exposições Vinícius Ramos produção Carlos Eduardo Ferreira, Carmen Fajardo, Emily Cruz (estagiária), Érica Pedrosa, Iago Germano, Katarina Lenomard (estagiária), Victoria de Oliveira e Wanderley Bispo projeto de iluminação Fernanda Carvalho (terceirizada)
Consultoria Jurídica
gerência Julia Baptista Rosas
coordenação Daniel Lourenço
advogado responsável
Carlos Eduardo Nascimento
AGRADECIMENTOS
Agnaldo Farias, Alice Granato, Carlos Fajardo, Diw Rosseti, Dudi Maia
Rosa, Edson Kumasaka, Fabiana Werneck, Gabriela Rios, Ivo Mesquita, Javier Judas y Manubens, Lucas Bambozzi,
Marcelo Guarnieri, Marcelo Machado,
Nelson Kon, Nina Cavalcanti Lacaz,
Paola Musatti, Paulo Massom, Rafic Farah, Rômulo Fialdini e Sérgio Groisman
O Itaú Cultural (IC) e a curadoria agradecem a todos os fotógrafos que cederam imagens e a todos os artistas, sucessores e colecionadores que autorizaram a exibição e emprestaram suas obras para a exposição.
O IC realizou todos os esforços para encontrar os detentores dos direitos autorais incidentes sobre as imagens/obras aqui expostas e publicadas, além das pessoas fotografadas. Caso alguém se reconheça ou identifique algum registro de sua autoria, solicitamos o contato pelo e-mail atendimento@itaucultural.org.br.
O IC integra a Fundação Itaú. Saiba mais em fundacaoitau.org.br.
“Eu cheguei à conclusão não há o que o homem e transformado que de arte.”
Guto Lacaz
Guto Lacaz: cheque mate quinta 1 de agosto a sábado 26 de outubro de 2024 terça a sábado 11h às 20h domingo e feriado 11h às 19h
livre para todos os públicos
Itaú Cultural Avenida Paulista, 149, São Paulo/SP pisos 1, -1 e -2
Entrada gratuita
Dados internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Fundação Itaú | Itaú Cultural
Guto Lacaz: cheque mate/organizado por Itaú Cultural; vários autores. –São Paulo: Itaú Cultural, 2024. 264 p.; 122 Mb
ISBN: 978-85-7979-173-4
1. Artes visuais. 2. Lacaz, Guto. 3. Artes gráficas. 4. Design. 5. Performance. 6. Humor. I. Instituto Itaú Cultural. II. Fundação Itaú. III. Título.
CDD 709.81
Bibliotecário Fernando Galante Silva CRB-8/10536
fonte: Circular novembro de 2024