Dossiê Metaverso
sumário
Experiências formativas
Carta ao leitor
Novas linguagens e caminhos criativos
Web 3.0: tendências e desafios
O metaverso em transição
DOSSIÊ METAVERSO 2024
Uma nova realidade
As relações entre arte e tecnologia estão no foco de atuação do Itaú Cultural desde o final dos anos 1990, com o lançamento do edital Rumos Itaú Cultural Novas Mídias (1998). Desde então, foram muitos os projetos que promoveram esse diálogo, incluindo as exposições Emoção Art.ficial, a partir de 2002, e Consciência Cibernética, a partir de 2017, sempre com um olhar sensível para experimentações envolvendo arte e tecnologia.
Justine Emard, Co(AI)xistence, 2017/
Catálogo da exposição Consciência Cibernética [?] Horizonte Quântico
Discutir o metaverso é, portanto, mais um desdobramento dessa tradição, que tem como objetivo final contribuir para a democratização do acesso à arte e à tecnologia. As ações abordadas neste dossiê foram realizadas em 2022 e desenvolvidas a partir de três eixos: o debate com a sociedade, a formação de artistas e o fomento a projetos.
Para o primeiro eixo, contamos com as parcerias fundamentais dos consultores Ricardo Laganaro, fundador do estúdio de experiências imersivas Árvore e pioneiro na criação de conteúdo para o metaverso, e Luciana Bazanella, fundadora da White Rabbit, agência de pesquisa de tendências e narrativas emergentes. Com esse suporte e a pesquisa incansável do Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento, criamos, em parceria com a Folha de S.Paulo o Seminário Web 3.0 e metaverso, que aconteceu em julho de 2024, reunindo artistas e pensadores para discutir as potências e lacunas desse tema no Brasil contemporâneo.
Dentro da proposta de formação, foi criado o curso Realidade Expandida nas Artes, em parceria com o Insper, com coordenação da artista Regiane Cantoni e do engenheiro Luciano Soares. Alinhado com as diretrizes de equidade de gênero e raça do Itaú Cultural, o curso teve 50% de vagas afirmativas.
Mas debater e formar não bastava. Era importante também impulsionar o setor. Nesse cenário surgiu o Chamamento Itaú Cultural de projetos de arte e cultura no metaverso, com o intuito de apoiar projetos que pensassem a tecnologia não como ferramenta, mas como linguagem. Dos mais de cem inscritos foram selecionados quatro, que você poderá conhecer melhor nas próximas páginas.
Assim, esta publicação é a síntese de um processo de duas décadas de pesquisas e debates e apresenta um amplo panorama não apenas das ações do Itaú Cultural nessa área, mas das perspectivas para o futuro da internet, da arte e da tecnologia.
Boa leitura!
Fala (2012) Rejane Cantoni e Leonardo Crescenti (Brasil)/ Catálogo Emoção Art.Ficial
Web 3.0: tendências e desafios
A vida é digital
Tudo e todos estão on-line. E essa realidade invoca debates sobre as novas formas de existir (de forma ética e segura) em um mundo tão virtual quanto real
"Com a Web 3.0, estamos falando de uma economia em desconexão com o mundo físico. Como fica essa interoperabilidade? Teremos avatares diferentes para trabalhar, interagir socialmente, paquerar? Do ponto de vista da experiência do usuário, quero poder transitar entre ambientes com segurança e transparência.”
A evolução da rede
Web 1.0
Conexão
Estar on-line significava ter um endereço digital. A navegação atravessava páginas estáticas, e o acesso à internet se dava por meio de uma linha discada.
Web 2.0
Interação
É a era da interatividade. Surgem os smartphones e uma revolução na forma de se comunicar. Facebook e Google dominam o mercado digital.
Web 3.0
Descentralização
Os usuários tornam-se influenciadores. Já não são reféns dos algoritmos para performar, e sua legitimidade está atrelada à comunidade.
Por uma internet autônoma
Com a Web 3.0, o criador não precisa mais trabalhar para atender a métricas de alcance nem para acumular seguidores em aplicativos como Instagram ou TikTok. Essa mudança de paradigma dá mais liberdade à produção de conteúdo — e as Organizações
Autônomas Descentralizadas (DAOs, na sigla em inglês) substituem as big techs.
MyBFF
Comunidade para mulheres e pessoas não binárias se tornarem pioneiras em tecnologias emergentes.
Eve DAO
Promove a inserção de mulheres latino-americanas no mercado digital.
AlmaDAO
Plataforma brasileira que conecta criadores, empreendedores, investidores e entusiastas da Web 3.0.
Estratégias de poder
Não há uma chave que vai desligar a Web 2.0 e avançar à fase seguinte. Como na passagem da idade da pedra da internet ao momento atual, essas etapas coexistem. As big techs seguem operando em silos. A Meta tenta manter o usuário em seu ecossistema (que inclui o Instagram, WhatsApp), sem sair dali para o Google. Assim, cada empresa está criando seu próprio metaverso e investindo em Inteligência Artificial, em contraponto a experiências da Web 3.0.
Esse contexto, em que o conteúdo deixa de ser mediado, também está sujeito à disseminação de fake news e ao uso de ferramentas imersivas para cometer violências e falsear a realidade, aprofundando a polarização.
À medida que testemunhamos investimentos de bilhões de dólares no metaverso, temos de questionar por quem essa tecnologia está sendo desenvolvida, para que e por que ela importa para nós hoje.
Arte e cultura no metaverso
"O NFT mudou minha vida. Comecei em 2021 e me apaixonei não só pela possibilidade de mostrar meus trabalhos para colecionadores do mundo inteiro, mas também pela comunidade, que é incrível. As pessoas envolvidas se apoiam."
— LÍVIA ELEKTRA, UMA DAS PIONEIRAS NO MERCADO NFT.
Brasil na dianteira
Criadores brasileiros apostam em experiências imersivas e ganham reconhecimento internacional ao experimentar novos formatos e conquistar um mercado em ascensão — o dos NFTs.
POR ADRIANA FERREIRA SILVA
Árvore fotografada pela multiartista Livia Elektra em Valinhos (SP) foi exposta em telão na Times Square. A obra compôs mostra de NFTs que reuniu mais de 4 mil trabalhos.
FOTO: DIVULGAÇÃO
NFT é uma tecnologia que transforma qualquer peça digital em um token dentro de uma rede criptografada. Assim, quem compra uma obra tem a segurança de que ela é autêntica — e não será reproduzida.
Para os artistas, é uma chance ir além do circuito tradicional, construindo relações mais justas e com regras claras. Enquanto Spotify e Amazon acumulam reclamações pela falta de transparência com algoritmos e vendas, esse mercado permite que criadores não só negociem como acompanhem a distribuição de suas obras.
BRIFW
A brasileira Olivia Merquior criou a primeira semana de moda imersiva da América Latina. O desfile ocorreu na edição on-line da SPFW 2020, em meio à pandemia.
Campos experimentais
“Estamos criando histórias, linguagens e produtos artísticos que podem concorrer em qualquer lugar do mundo de igual para igual, pois essa tecnologia está chegando para todos ao mesmo tempo.”
— RICARDO LAGANARO, DO ESTÚDIO ARVORE
A Linha
A animação interativa de Ricardo Laganaro foi premiada no festival de Veneza em 2019. No ano seguinte, a obra foi adaptada para realidade virtual e ganhou um prêmio Emmy.
Experiências formativas
Reinvenção multidimensional
O surgimento dessas tecnologias expande também as possibilidades de criação em todos os campos — e artistas têm explorado técnicas 100% virtuais.
POR P&D
“A primeira vez que coloquei óculos de realidade virtual foi transformadora. Peguei um pincel que fazia chover glitter, criei uma cascata de luz neon rosa ao meu redor. Sentei no chão e fiquei admirando. Desenhei um mundo ali e, ao mesmo tempo, ele não estava em lugar nenhum.”
— PHEL, ARTISTA INTEGRANTE DO CURSO REALIDADE EXPANDIDA NAS ARTES, PROMOVIDO PELO ITAÚ CULTURAL EM PARCERIA COM O INSPER EM 2022.
Horizontes técnicos e estéticos
Há uma gama de novas possibilidades e ferramentas, como:
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL PARA PRODUÇÃO DE IMAGENS
GAMIFICAÇÃO DE OBRAS COM USO DE TABLETS E MESAS INTERATIVAS
DESENVOLVIMENTO DE NARRATIVAS IMERSIVAS NO METAVERSO
“Hoje, os artistas contam com muito mais que pincéis e cinzéis, tanto no mundo real como no virtual. Se eles conseguirem explorar essas ferramentas adequadamente, podem criar obras de arte bem impressionantes.”
Novas linguagens e caminhos criativos
Um mergulho na arte imersiva
Profissionais da cultura de todo o país desenvolvem projetos no meio digital nas áreas de poesia, performance, teatro e cultura indígena. As iniciativas foram selecionadas e desenvolvidas no contexto do Chamamento Itaú Cultural de Projetos de Arte e Cultura no Metaverso, lançado em 2022.
Peregrino Digital
REGIS OLIVEIRA (MA)
Discute a performance no ambiente digital. O artista criou quatro santuários em realidade aumentada, compostos de modelos 3D. A investigação se centra na relação entre a ação executada pelo performer no espaço físico e como ela é transmitida para o público através do seu avatar. O peregrino transita entre o físico e o digital, o material e o imaterial.
Museu no metaverso
A proposta foi criar um museu do conhecimento Yawanawa, desde antes do contato com os brancos até os dias de hoje, como forma de guardar essa memória para as futuras gerações. Há registros de cantos, ilustrações, artesanatos e de toda a tradição desse povo. Uma plataforma VRChat permite a interação e o acesso no mundo todo.
Palavralada
Uma interface da poesia com a tridimensionalidade e os games. O artista criou um universo singular, em que as palavras e letras são protagonistas — e a vida é criada a partir de seu movimento. Conforme o jogador arrasta objetos, o que não tinha sentido pode mudar. O que estava estático ganha vida a partir da interação do usuário.
Deeper
JANAÍNA LEITE
Uma obra que nasceu como uma pesquisa para o teatro e foi transposta para o ambiente digital. Adota o onírico para conduzir o espectador à travessia por suas curiosidades e seus medos em relação ao (sub)mundo da internet e do próprio inconsciente. Contou com a participação das artistas Ultra Marini e Leandra Espírito Santo, e da equipe da plataforma Anitya Space, que criou o universo tridimensional.
“Deeper nasce como uma investigação de linguagem sobre a psicose, o corpo em estados-limite e a ideia de dissociação.”
— JANAÍNA LEITE, DIRETORA TEATRAL E ATRIZ.
Forma
“Embora a proposta seja a de uma experiência imersiva, Deeper me pareceu, contraditoriamente, bidimensional. Mas, no final do percurso, a tentativa de criar uma espacialidade desconcertante aparece, quando o trabalho se desprende de seus temas e inventa um ambiente que não reproduz nenhuma arquitetura realista. É quando se sente com mais intensidade a vertigem da dissociação entre o corpo físico e o virtual.”
— Daniele Small, crítica de teatro
Conteúdo
“Talvez o aspecto mais atraente seja a pesquisa sobre a existência, ou não, de um teatro virtual. E a obra foi bem-sucedida com o seu principal objetivo. No final da sessão, não havia ninguém falando de realidade virtual. Todos discutiam as próprias emoções e o conteúdo apresentado. O que só comprova que a experiência transcendeu o uso dos óculos, provocando algo mais profundo nos usuários.”
— Ricardo Laganaro, cineasta
DOSSIÊ METAVERSO 2024
A fantasia profunda
“As pessoas são convidadas a responder a perguntas como: ‘quanto tesão ou medo você pode sentir com agulhas e aranhas?’ Ao tatear nossas fantasias, somos levados a um curioso efeito de vergonha. E ela é redobrada pela percepção de que os outros ali presentes estão sabendo da sua vergonha, como se ela estivesse a céu aberto, ainda que as respostas estejam resguardadas por sigilo.”
AINDA SEGUNDO DUNKER:
— CHRISTIAN DUNKER, PSICANALISTA
Deeper foi inteligente ao investigar, no início, do que você gosta e do que você tem medo. A peça nos provoca a “lembrar” das nossas fantasias, e alimenta a terrível sensação de que nossas respostas serão usadas contra nós no próximo passo.
Ao caminhar entre diferentes janelas, o público é levado a crer que escolhe quais deseja ver e quais quer evitar. Acredita que está livre para ir mais fundo ou seguir em frente, um ingrediente decisivo da reprodução artificial de fantasias.
Mas, gradualmente, experimenta-se a perda do controle e de caminhos inexoráveis impostos pelo Outro. É uma experiência imersiva que flerta com a angústia e introduz um suporte para simulação do conceito de fantasia sem precedentes e inédito.
O metaverso em transição
Nova fase, novas descobertas
Após um nascimento bastante agitado, o metaverso entra na puberdade e vive um processo de transição que nos levará a outro patamar
POR // EDUARDO CARVALHO
Os primeiros passos
Entre 2016 e 2020, emergiram tecnologias para o funcionamento do metaverso em diferentes indústrias, como a de jogos, a do cinema e a da medicina. Museus e instituições virtualizaram suas obras, e o Sul Global, antes negligenciado, marcou seu lugar nas criptoartes.
50%
Arrefecimento pós-pandemia
Em 2023, houve declínio de 50% no volume global de negociações de NFTs, passando de US$ 24,8 bilhões para US$ 12,6 bilhões, segundo o DappRadar. Apesar disso, surgem novos atores no mercado, como marcas de moda, estúdios de jogos e empresas consideradas “tradicionais”.
A fase das descobertas
Até 2030, quando se deve atingir o estágio de amadurecimento, viveremos um avanço tecnológico substancial com a criação de mais ecossistemas descentralizados, sem participação das big techs, e uma infraestrutura que dê conta da Web 3.0.
O amadurecimento esperado
No futuro, cada usuário se torna sua própria ilha e se relaciona com outras ilhas sem a interferência de terceiros. As moedas virtuais ganham ainda mais tração, podendo até substituir as atuais moedas comerciais. Tudo isso, tendo como aliada a inteligência artificial generativa.
Desafios a superar
Com experimentação e o poder da criatividade, poderemos desenvolver interfaces que sejam mais amigáveis, promovendo a democratização do acesso à internet de qualidade e da produção de conteúdos, com mais segurança, governança, acessibilidade e inclusão.
O futuro das artes
Há potencial para avançar na preservação de patrimônios frente a conflitos ou catástrofes ambientais e no fomento ao diálogo entre diferentes experiências culturais, como a criação de um turismo digital imersivo que contribua para o desenvolvimento econômico e social.
DOSSIÊ METAVERSO 2024
07 // CONTEÚDO ESTENDIDO
Mergulho no metaverso
Para ler os artigos completos e assistir a um seminário sobre o tema, acesse a versão estendida do dossiê aqui.
Conteúdos interativos
YOUTUBE
Seminário Web 3.0 e metaverso – Dia 1
Limites e possibilidades da Web 3.0
Seminário Web 3.0 e Metaverso – Dia 2
Arte e cultura: caminhos na Web 3.0 e no metaverso
METAVERSO
Metaverso Itaú Cultural
EBOOK
Consciência cibernética 2019
Textos completos
2 // WEB 3.0: TENDÊNCIAS E DESAFIOS
Descentralização move projetos desenvolvidos na Web 3.0
Emoção Art Ficial CAP. 3 // ARTE E CULTURA NO METAVERSO
Criadores brasileiros pioneiros na Web 3.0 ganham reconhecimento internacional
Fomentando novas linguagens e experiências no ambiente imersivo
Análise da obra Deeper, de Janaína Leite
Um percurso interessado por Deeper
Imersos pela fantasia profunda
4 // EXPERIÊNCIAS FORMATIVAS
Realidade expandida nas artes: experiências e relatos de um processo formativo
O Metaverso na puberdade
Dossiê Metaverso
ITAÚ CULTURAL
SUPERINTENDÊNCIA
Jader Rosa
PESQUISA E DESENVOLVIMENTO
Coordenação: Luciana Modé
Produção: Raphaella Rodrigues
Edição de texto: Leticia de Castro (terceirizada)
Produção de texto: Leticia de Castro e Adriana Ferreira Silva (terceirizadas)
Revisão: Alyne Azuma (terceirizada)
Projeto gráfico e diagramação: Casa Grida (terceirizada)
CRIAÇÃO E PLATAFORMAS
Gerência: André Furtado
Coordenação de Conteúdos Multiplataformas: Kety Fernandes Nassar
Produção audiovisual: Amanda Lopes
Captação de imagens: Abaquar Produções (terceirizada) e VOCS (terceirizada)
Captação de áudio: Abaquar Produções (terceirizada)
Edição: Abaquar Produções (terceirizada)
Interpretação em Libras: AHU - Acessibilidade Humanista (terceirizada)
Revisão, transcrição e sincronização de legendas: Alume Comunicação e Acessibilidade (terceirizada)
Motion: João R (terceirizado)