Ocupação Leda Maria Martins

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São Paulo, 2024


EXPEDIENTE coordenação editorial André Furtado e Carla Chagas conselho editorial Carlos Gomes, Galiana Brasil, Natalia Souza e Roberta Roque edição de texto Duanne Ribeiro, Icaro Mello e Juliana Ribeiro produção editorial Pamela Rocha Camargo supervisão de revisão Tatiane Ivo revisão Karina Hambra e Rachel Reis (terceirizadas) projeto gráfico Guilherme Ferreira e Maria Carolina Zanchetta (estagiária) produção gráfica Lilia Góes (terceirizada) fotos Murilo Alvesso



Mnemosine poema extraído do livro Os dias anônimos. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1999


Eu não vi quando amanheceu e não ouvi o canto das lavadeiras madrugada afora seguindo o rio. — Eu não estava lá Eu não vi quando vergaram as árvores e fecharam os dias Nem quando recortaram as serras de antenas elétricas eu vi. Disseram-me — Mas eu não estava lá. A memória da minha ausência lembra os anciãos nas veredas das noites luarando cantigas serenas fazendo sonhar as meninas quase moças. Eu não ouvi os últimos acordes e não presenciei os suspiros da infanta já feita senhora. Passam autos velozes pelos calendários mas nem mesmo quando chegou o primeiro comboio e que todos se pintaram de novo eu vi. — Sequer me apresentei.


Eu não estive lá quando queimaram os mortos e dançaram nas bordas do fogo. Nem quando se abraçaram ébrios das vitórias e nas miragens por vir lavraram novos totens e os celebraram. Os barcos sossobraram em labirintos tarde e eu não estive no vento de nenhuma vela no marulho de nenhuma vaga. Eu e a ausência de mim. Não ter estado nunca em parte alguma. Não ter feito sequer um gesto de ficar ou de partir. Não estar simplesmente. Assim como alguém que ouve bater à porta uma, duas, infinitas vezes mas não se mexe, não se levanta, não faz barulho.



Editorial

“Onde estou o Reinado está, onde estou as academias estão, onde estou tudo que me forma está, tudo que me constitui está, mas nunca como plenitude, nunca como algo já composto - eu sou muito movente, muito movente. movente.” Leda Maria Martins


A busca pelo saber nos movimenta. Uma dinâmica permanente que não se dá em apenas uma direção, mas onde quer que o aprendizado seja evocado. Este constante desenvolvimento do conhecimento, em que passado e futuro habitam o presente agregando os saberes daqueles que vieram antes de nós e já se foram, daqueles que nos acompanham lado a lado e daqueles todos que ainda não nasceram, é a mais intensa manifestação da ancestralidade. É nessa ancestralidade presentificada que reina a poeta, dramaturga, professora e reinadeira Leda Maria Martins, homenageada pelo programa Ocupação Itaú Cultural. Nascida no Rio de Janeiro, Leda tem uma longa e frutífera trajetória acadêmica, com estudos em teatro, performance, literatura e nas múltiplas manifestações das culturas da diáspora africana. Cercada de música desde a infância, apaixonada por matemática e, “primeiro, uma poeta”, ela teve contato com o Reinado e o Congado ao mudar-se com a família para Belo Horizonte, onde sua mãe, Dona Alzira, se tornou Rainha de Nossa Senhora das Mercês da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário do Jatobá em 1992 – posto que Leda Maria Martins foi convidada para ocupar a partir de 2005, após a morte da mãe. O Congado e o Reinado, apesar de costumeiramente agrupados como equivalentes semânticos, são diferentes. O primeiro denomina as festas em homenagem a Nossa Senhora do Rosário e aos santos negros, enquanto o segundo, em suas festividades, reverencia a ancestralidade por meio da tradição de coroação dos reis africanos, representando fundamentos sagrados que territorializam, no Brasil, modos africanos de devoção e carregando consigo cosmovisões e organizações sociais para além da hegemonia colonial europeia. É na tradição do Reinado, com seus cantos, suas danças, seus figurinos, seus cromatismos e toda a sua fonte poética, que encontramos a materialização de muitos de seus temas e conceitos. Esta publicação, parte da Ocupação Leda Maria Martins, busca apresentar a multiplicidade de nossa homenageada por meio de sua relação com a manifestação cultural e religiosa do Reinado: a fé, as sonoridades, as cores e as corporeidades que o constituem.


Movida constantemente pelo desejo de aprender, seja pelos saberes da escola, como professora, aluna e pesquisadora, seja pelos saberes da tradição banto, presentes nos cânticos, nos ritmos e nas performances do Reinado, Leda produz uma obra fundamental para compreendermos as diferentes maneiras de construir e compartilhar conhecimento, para além das textualidades escritas. Sua obra trabalha conceitos como os de oralituras, afrografias, encruzilhadas, corpo-tela e tempo espiralar, convidando-nos a pensar epistemologias marginalizadas pelo processo colonial europeu – que recusa, em seu esforço de dominação, as tradições textuais da oralidade e da corporeidade. Itaú Cultural


“Olha para você ver!”: quando morei na conversa de Leda

por Juliana Ribeiro


Foi na casa de Iracema, Rainha Perpétua do Reinado do Jatobá, que eu soube mais de Leda. Não só da poeta, da dramaturga ou da doutora, mas da Leda criança, da amiga, da Rainha de Nossa Senhora das Mercês, da mulher que poucos conhecem de forma mais íntima. Naquele lugar de quintal grande, cheio de fotos, altares, plantas e afetos, a prosa, como se diz em Minas Gerais, correu solta, com direito a pausas para os abraços da anfitriã. Foi bonito demais ouvir como a amizade surgida na infância ainda as conecta, mesmo tantos anos depois. Os olhos de Iracema brilhavam ao falar de Leda – a quem carinhosamente chama de irmã –, buscando as muitas histórias que viveram juntas. É uma relação de respeito e profunda admiração, principalmente quando põe em palavras o amor e a dedicação de Leda ao Reinado, do qual fazem parte desde pequenas. Ela conta que a amiga, que herdou a coroa da mãe, Dona Alzira, em 2005, caminhou, estudou e se formou sem abandonar o compromisso com festejos – inclusive, chegou a adiar uma cirurgia para estar presente em 2024. “Ela é uma fortaleza que me ajuda a caminhar”, disse Iracema. Confesso que ouvir essas palavras despertou em mim o desejo de conhecer Leda mais de perto. E, felizmente, isso não demorou a acontecer. Saindo da casa de Iracema – não sem antes saborear o farto café oferecido por ela –, conheci a Igreja de Nossa Senhora do Rosário do Jatobá, no bairro de Itaipu, local onde a grande festa acontece. Nesse dia, Belo Horizonte era só sol e céu, como é o meu sertão no norte mineiro (que saudade!). No amplo terreiro, tentei imaginar como seria aquele lugar tomado por gente, batuques, cantos e cores, o vibrante que salta de vestimentas e bandeiras. Senti que tudo ali me parecia familiar. E, de fato, era. O fim de semana dos festejos se aproximava. Já era sexta-feira, o dia da novena na casa de Rosa, que nos recebeu com uma troca de bênçãos. Ela abre as portas de seu lar para quem quiser chegar, dá para sentir sua alegria em receber, em acolher. A mesa na varanda, repleta de quitutes e bebidas, já estava preparada para os visitantes. Aliás, é na casa dela que Leda se hospeda nos dias de Reinado, e foi lá que a encontrei pela primeira vez.


Quando a avistei, ali no quintal, fiquei pensando se ela tinha ideia do quão grande é. Entrei na casa e fiquei no corredor, acompanhando a reza, lindamente guiada por ela e Iracema, que ficavam de frente para o altar montado na sala. O cortejo seguiu para a Irmandade, onde as bandeiras seriam erguidas. Leda saiu acompanhada pela Guarda do Congo, da qual faz parte, e também por outras guardas e visitantes. Eu me juntei ao povo e observava todo o movimento; alguém me ofereceu uma vela. Quase todos ali tinham uma nas mãos, e aquele gesto simples fez com que eu me sentisse parte de tudo aquilo. De repente, também eu era da celebração. O costume é, ao chegar à igreja, deixar as velas no altar ou no espaço reservado para as bandeiras, na parte externa. Escolhi a primeira opção e, do lado de fora, próximo à porta lateral, continuei acompanhando a celebração. As músicas, o som dos instrumentos – que me arrepiava –, a devoção, a fé, os fogos de artifício no céu: tudo em um único ambiente, arrebatador. Ainda consigo ouvir a voz de Leda entoando uma canção no dia do hasteamento do mastro no grande terreiro da igreja: Tá caindo fulô, ê, tá caindo fulô Tá caindo fulô, ê, tá caindo fulô Lá do céu cá na terra, ê, tá caindo fulô (“Fulô”, de Casa de Farinha)

No dia seguinte, encontrei-a novamente. Desta vez, para uma entrevista. Ela escolheu a casa de Rosa para o bate-papo. Enquanto os equipamentos eram montados para a gravação, perguntei se ela conhecia os catopês das Festas de Agosto de Montes Claros, cidade do norte de Minas, lugar em que nasci. Engatamos uma rápida conversa sobre o assunto, e eu destaquei a familiaridade com o Reinado e o encantamento imediato que senti mesmo sendo a minha primeira vez na festa. Senti que nos conectamos de alguma forma naquele momento. Durante a espera, ainda ouvimos Leda falar de suas comidas favoritas: a rapadura raspadinha que costumava saborear nas visitas à chácara


da família, além do agrião, que às vezes consumia misturado ao doce – um sabor que passou a adorar. Perguntei se ela já havia experimentado o café adoçado com a rapadura, uma lembrança afetiva da minha infância, e ela respondeu que sim, mas que não podia mais, por causa do diabetes. Nesse ponto da conversa, tudo já estava pronto para a gravação. Fiquei encostada no murinho da varanda enquanto Leda, após apagar o cigarro, se posicionava na cadeira. A cada resposta, eu me fazia toda emoção, especialmente quando ela citou mulheres e mães negras, grupo do qual sou parte. Do qual somos parte. Ela contou que nunca foi subalterna ou submissa, que o Reinado foi, em sua formação, um desses lugares de construção de empoderamento, de aprender a falar não, de não deixar que o racismo a mate – nos mate. Ao longo da entrevista (por vezes, pausada pelo canto do galo da vizinhança), seu dizer firme e doce mantinha todos atentos e, em alguns momentos, de olhos marejados. A começar pelo “Olha para você ver”, jeito de iniciar frases, um convite amoroso ao diálogo, como um bate-papo entre amigos. Como não se encantar? Leda tem essa capacidade de deixar as pessoas ao redor à vontade, como se ela fosse um lar, verdadeira morada. Sobre o Reinado, contou que toda essa relação começou pela ambiência sonora, pelo som das caixas. O mesmo som que me arrebatou no domingo, antes e durante a festa. Nesse dia, bem cedinho, já estávamos na casa de Rosa, nosso ponto oficial de encontro. Leda, vestida com um manto azul, linda, linda. E me veio à cabeça a responsabilidade que é ser rainha no Reinado, o quão importante é exercer essa função, que é um elo entre o passado e o presente, entre os que vieram antes e os que vêm depois. A força da ancestralidade presente. De repente, ouvi um barulho ritmado vindo da rua. Era a Guarda do Congo que apontava na esquina. Na direção oposta, dava para ver e ouvir, ao longe, a outra Guarda, que acredito ser a de Moçambique. Por um momento, percebia-se uma mistura de sons de ambos, que, curio-


samente, se completavam de alguma forma. Eles chegaram e preencheram o quintal de Rosa, que estava cheio. A partir de então, o trajeto até a Irmandade começaria. Leda, Rainha do Reinado de Nossa Senhora das Mercês, seguiu, depois, a tradicional caminhada até a igreja, encontrando-se, pelo caminho, com outras rainhas, princesas e reis. Durante o trajeto, as guardas, os adultos, as crianças, os jovens e os idosos cantavam, dançavam e tocavam, enquanto o público os acompanhava com alegria, mesmo sob o sol escaldante. A chegada à igreja foi um ponto alto, pois ao longo do dia apareciam várias guardas de outras regiões. É um grande encontro, uma mistura de ritmos e cores. Os conceitos de Leda ali, vivos no real: encruzilhadas, oralituras, corpo-tela e tempo espiralar. Sua escrita se concretiza, ganha forma no Reinado, torna-se coisa física, poética, bela. A missa, os encontros, o almoço coletivo: eu fiz parte do mundo de gente que parecia família. Parecia, não; é uma grande família. Quem conhece o Reinado de perto jamais volta como chegou. É união, irmandade, partilha, é um pelo outro. A celebração representa não apenas uma tradição, mas a união de uma comunidade que se prepara, todo ano, para honrar a cultura negra. Já era fim de tarde quando retornei ao hotel, com o coração cheio de algo que até hoje não consigo mensurar. Da janela de um andar alto, fiquei olhando a imensa Belo Horizonte, refletindo sobre tudo que vivi naqueles dias. Será que todos naquela cidade conheciam o Reinado? Eu desejava que sentissem o que senti. Ver Leda naquele espaço sagrado ficará guardado na memória. Para sempre. É que ela não é apenas rainha, mas a voz de todos que a precederam e um símbolo de continuidade. Obrigada por tanto, Leda.


A rainha que dança: os passos que marcam sentimento e tradição

por Roberta Roque


Não havia completado ainda o tempo de relógio necessário, em minha iniciação nos ritos da nação nagô egbá dedicados à iabá que rege minha cabeça, para que eu pudesse participar de outra manifestação de fé. Nos preceitos de minha casa de axé, recebemos de mãe e pai a orientação de não frequentar outro espaço sagrado até a renovação desse renascimento. Dentro da tradição, sou uma recém-nascida e, para o meu bem, é preciso pisar devagarinho o chão para aprender a ver com outros olhos o velho mundo. Quando soube que receberia este presente especial de fazer parte do grupo de pesquisa, produção e curadoria da Ocupação Leda Maria Martins, levei aos meus mais velhos, por ser iaô, que era possível que, antes do tempo previsto, eu precisasse estar presente em locais sagrados de outra tradição. Consultado nosso oráculo, recebi o agô necessário – axé! – para seguir com essa oportunidade tão única. Conheci Leda Maria Martins, para além das páginas e dos muitos grifos em seus livros, em sua própria casa. No horário do almoço, andamos por seu bairro em busca de um lugar para comer e, entre espiadas em vitrines de brincos e bolsas, ela falava, com sua voz firme, porém doce, preciosidades sobre o Reinado e sobre como é ser Rainha de Nossa Senhora das Mercês da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário do Jatobá, posto que ocupa desde 2005, após o encantamento de sua mãe, Dona Alzira Germana Martins. Desde menina, tenho um gosto especial por sentar aos pés dos mais velhos – e não me refiro aqui às marcas em certidões de nascimento – para ouvir e aprender com os mistérios de que eles falam. Durante aqueles dias em Belo Horizonte, a cada “Olha para você ver” que Leda dizia, seguido de um breve silêncio, meu coração dava um salto de atenção e eu sentia a coluna ficar mais ereta. Algo caro – e não me refiro aqui a dinheiro – seria dito, e era preciso ter o corpo atento. Ao lado de Natalia Souza, parceira e dupla presente nas mais diversas emoções do percurso desta Ocupação, acompanhei Leda em alguns de seus compromissos como Rainha das Mercês. A primeira ocasião foi a festa da Comunidade Quilombola dos Arturos, em Contagem (MG), e, com a Guarda de Moçambique da Irmandade Nossa Senhora do


Rosário do Jatobá, participamos também da festa do Reinado Treze de Maio, no bairro Concórdia, em Belo Horizonte. No dia anterior às duas festas, Leda perguntou se eu estava pronta para estar presente, afinal tinha feito o santo havia pouco tempo. Quando expliquei os cuidados de meu pai e minha mãe, ela consentiu aliviada, e percebi ali uma de suas tantas responsabilidades como rainha. Com minha roupa branca, pano de cabeça, fio de conta no pescoço e contraeguns nos braços, fui. Aquele dia está marcado com carinho em algum lugar do meu corpo que ainda não sei explicar. Quando eu era criança, minhas avós me ensinaram a rezar o terço, mas também a preparar os sacos de doce para Ibejis e a obedecer a todos os ritos pedidos pela infinidade de benzedeiras e benzedeiros que conheci pelo caminho. Quando firmei meu compromisso íntimo com o axé do qual faço parte, em conversa com minha mãe de santo, comentei que, apesar de ser muito feliz no candomblé, sentia saudade de entoar as rezas e os benzimentos que aprendi com minhas avós. Em vez do binarismo que estava esperando, o que recebi foi uma gargalhada que dizia não ser possível desaprender o que se aprendeu. Se uma vez recebi esse presente, qual seria o motivo de jogar fora minha bagagem para começar tudo de novo? Aliás, que ideia mais tola esta de pensar em “fora” ou mesmo em “novo”. E ali, com Leda, tudo fez sentido mais uma vez, fechando uma das tantas espirais que bailamos repetidas vezes enquanto há vida. A segunda vez que vivi uma festa de Reinado foi novamente ao lado de Leda, mas em seu chão, aos pés da árvore de jatobá. A criança de fé que sempre fui estava ali, mas agora com, além dos olhos curiosos, fio de orixá e roupa branca, pedindo a benção – e saudando Maria – às rainhas, aos reis, capitães de guarda e guarda-coroas. Nessa ocasião, pude ouvir a Rainha Perpétua Iracema Moreira falar sobre a fé e a importância de Leda, sobre o quanto ela é uma figura fundamental e conservadora, e sobre o legado de sua mãe, Dona Alzira – que, de tão celebrada, é como alguém que conheço, por quem tenho carinho. Voltei dessa conversa pensando nos sentidos de conservação e o que seria, talvez, esse adjetivo aplicado à Rainha das Mercês.


No dia seguinte, após um almoço na irmandade, o Capitão-Mor Juarez Barroso da Silva compartilhou, ao pé de uma árvore, com a turma que tinha se formado, além de copos de refrigerante geladinho, muita conversa, com seus olhos firmes e sua voz mansa – “Olha para você ver!”. Ensinamentos que, se não se prestar atenção, o vento pode levar. O capitão ria ao contar que, quando as crianças aprontam muito durante os festejos, é preciso ter tato para saber lidar: o jeito dele é jogar balas e doces para o alto, para que cada pequeno pegue seu pedacinho e fique quieto por um tempo. Não pude deixar de pensar nos doces que ofertamos para agradar, acalmar, agradecer e pedir aos erês. Um grupo da irmandade lavava a capela para os festejos da noite e, no terreiro, duas crianças brincavam de esfregar o chão, fazendo farra com a água e o sabão naquele dia quente. Logo após falar sobre o quanto era difícil manter a juventude perto da tradição, Juarez apontou e disse que aqueles ali eram os futuros reinadeiros e que, desde que o mundo é mundo, são assim as coisas e as sucessões. Por um momento, eu me perguntei: “Mas a fala imediatamente anterior não era sobre os jovens estarem afastados?”. Então entendi que não fazia o menor sentido olhar com olhos de sim ou não, porque é sim e também é não. No fim de nossa prosa, ele disse o quanto estava contente com a homenagem a Leda, por ser uma pessoa tão querida e importante. Uma pessoa conservadora. Não aguentei: “Afinal, Juarez, o que vocês querem dizer com essa palavra, especificamente?”. Ela conhece e respeita a tradição. Leda conhece a história, tem propriedade para falar e atuar nos ritos, mas também sabe dos mistérios, daquilo que exige silenciar a voz e alterar o movimento do corpo para entender melhor. E então entendi. Quando estávamos em nosso primeiro encontro, entre cafés e a pressa do relógio, Leda disse estar aprendendo a ser rainha. A postura social, espiritual e de fundamento que uma rainha deve assumir é cargo importante de levar. Entre os seus complexos sins e nãos, porém, a poeta – que é reinadeira, acadêmica, dramaturga, mãe, filha, rainha de uma irmandade, carioca e mineira – riu como menina ao dizer que


recebe olhares duros durante as celebrações por querer dançar. Onde já se viu uma rainha dançar? Leda, adulta e menina, ri. Não é isso o esperado quando se veste capa e coroa. Mas, nas ruas de terra e pedra, quando caixas, gungas e patangomes começam a tremer junto de um sem-fim de vozes, nem mesmo a rainha conservadora vai deixar de, discretamente, dançar. Cochicho nestas linhas: que cena mais linda é ver a rainha dançar! Afinal, Leda, não é no compasso do Moçambique que tocam as batidas do seu coração?


O Reinado é uma escola


Ao falar sobre a tradição e sobre os diferentes saberes que compõem a nossa sociedade, é comum que busquemos como ideal um distanciamento em nome da “objetividade”, parte de um modelo de conhecimento herdado dos processos de colonização europeia. Nossa proposta, nesta seção, é justamente o contrário: reduzir as distâncias, despertar sincronias e, no lugar da relação fria entre sujeito e objeto, aproximar diferentes subjetividades a partir de seus depoimentos sobre suas vivências. Os três trechos a seguir, extraídos de entrevistas realizadas pela equipe do Itaú Cultural (IC) com Natasha Corbelino, Iracema Moreira e Leda Maria Martins, nossa homenageada, buscam evidenciar a riqueza dessa manifestação e a relação profunda da autora e de sua obra com a vida na Irmandade de Nossa Senhora do Rosário do Jatobá, em Belo Horizonte (MG). No Reinado, a palavra tem importância singular: os saberes ancestrais são transmitidos e atualizados no presente, por meio da oralidade e da performance, aliando a dança, a música e os cantos e construindo, disseminando e alterando as marcas territoriais, sociais e culturais expressas em seus atos de fala. Leda denomina esses atos de fala e a performance dos congadeiros e reinadeiros de oralitura. Tendo esse conceito como balizador e visando à aproximação entre você, leitor, e as pessoas entrevistadas, mantivemos marcas de oralidade nas falas. Também deixamos algumas páginas vazias para que você registre suas vivências, seus saberes e suas tradições, compartilhando, pela oralidade e pela escritura, suas próprias histórias.


Natasha Corbelino

Atriz, performer, autora, diretora, produtora e curadora Eu acho que o que mais me encantou [no Reinado], num primeiro momento, foi me dar conta de estar vendo em 3D, encarnados, os livros e os conceitos da Leda. E isso é muito impressionante. Esse percurso, que foi o meu, da leitura para a sonoridade da voz, de ela contar as histórias e depois vermos o acontecimento, isso foi muito impactante. Porque é raro isso de a gente conseguir encontrar quem de fato dá palavra para a vida, para a pulsão de vida.

Quando eu chego aqui [na Irmandade de Nossa Senhora do Rosário do Jatobá] e conheço as pessoas do Reinado, que são o maior encantamento, e eu tenho um repertório de leitura sobre essas pessoas, que foi Leda que produziu, que elaborou um pensamento sobre elas e sobre esta prática continuada que causa tanta incidência de pulsão de saúde coletiva nesse território... Eu chego aqui e vejo esse chão pulsando vida com aquelas pessoas que eu lia ou supunha ter lido na minha casa... Ver essas pessoas em acontecimento, em ação, a corporeidade disso, coletiva, assim, isso é muito encantador, é um grande encantamento. Quando a gente documenta um acontecimento, ou mesmo vê o cinema documentário, a não ficção, que traz um fato da história real para o livro ou para outro tipo de suporte de transmissão, já é uma coisa magnífica, porque você cria um arquivo, é uma transmissão, a possibilidade de criar um caminho para uma transmissão. Mas, quando a Leda faz o que faz, ela cria uma estética para algo que é real, sem deixar que o real se afaste da realidade, mas, ao mesmo tempo, siga produzindo sonho. Então, quando ela escreve sobre o Reinado ou quando cria os conceitos dela para as artes da cena – com as artes da cena –, é um campo da invenção, da criação, mas é documental, é documentário. Assim, quando você conhece o Reinado, vê esse enlaçamento de vida e obra de um jeito que eu, nestes anos todos pesquisando e atuando e performando, em que busco tanto a prática dessa vida e obra e falo tanto


disso – “É vida e obra, é vida e obra, é vida e obra”... Mas, quando você vê, de fato, a vida e a obra existindo sem amarra e, ao mesmo tempo, sem uma necessidade de forjar esse acontecimento de vida e obra caminhando juntas, é muito impressionante. Acho que ela faz isso de um jeito que eu nunca tinha visto. Quando estou falando tudo isso, é pensando em encruzilhada, tempo espiralar, oralitura. E isso parte, para mim, do corpo do Reinado, dos corpos aqui do Reinado, em movimento, nessa relação da duração com a velocidade. Leda escreve isto e fala disto: dessa relação de criar uma estética, uma poética muito própria e muito acessível – ainda que seja bastante refinada e cheia de firulas por dentro. O modo como ela escreve é de uma beleza tão impactante que pode ser lido como ficção, mas, quando você conhece o Reinado, você entende aquilo encarnado, a palavra encarnada, uma letra que salta da página... Acho que tem um movimento, acho que é físico, é corporal. Acho que o movimento de Leda com o lápis no papel ou os dedos na tela traz em si esse movimento do tambor até chegar no couro, no couro do tambor, e sai o som. Acho que ela – com a mão, a cabeça, com tudo dela – causa, na tela e no papel, esse atravessamento, esse furo dessa força vital, como no couro do tambor que explode, que ecoa aqui e você chega e fala: “Uau, vida! Vamos nessa!”. É isso, sabe? E trazendo tanta gente junto – porque ela vem com muitas guardas e muitas manifestações, cada letra, cada palavra. Foi muito emocionante [ver Leda como Rainha], acho que concretiza uma magnitude que não é de livro no sentido da distância de histórias que a gente ouve. É de livro pela experiência na própria vida. É a criação do livro a partir do ato de estar ali presente sendo uma rainha. E, como tem uma beleza tão genuína, ela é uma rainha e as pessoas em volta sabem que ela é uma rainha e como essa engrenagem se dá. E, falando aqui do Jatobá, das pessoas, eu fico pensando que o Reinado tem um modo de gestão que, na primeira vez que eu vi o festejo e toda a andança pelo território, a entrada nas casas e a coroação da Rainha Leda ali... Seria um sonho se a gestão do Brasil ou dos Brasis possíveis viesse a


partir desse modo de se colocar no mundo. A sabedoria que existe nessa coletividade que reconhece a sua Rainha, acho que é muito saudável, tem uma saúde ali que me faz bem pensar como uma possibilidade de gestão política, mesmo, do nosso país. Seria muito lindo.

Iracema Moreira

Rainha Perpétua da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário do Jatobá Olha, para mim, o Reinado é um pouco de escola, sabe? Do lado tanto religioso como cultural, porque, antigamente, começava de criança, de pai para filho. Então, do início do Reinado eu não vou saber falar muito para você, porque foi bem antes da minha participação na irmandade, já passou dos cem anos.

Na minha vida, [o Reinado] é família. É outra família que eu tenho. Eu recebi uma disciplina depois que eu recebi a coroa, a responsabilidade da coroa e tudo. É uma coisa sagrada, é uma coisa disciplinar e é um trabalho cultural. Quando a gente está lá na novena, é gostoso demais. Dá vontade de não sair de lá, de ficar quietinho lá no adro da igreja. Eu cheguei no Reinado por causa dos meus avós. Mamãe contava – a Leda também fala muito sobre isso – que o meu bisavô foi o segundo Rei Congo da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário do Jatobá. Aí, quer dizer que eu fui criada nesse elo de Reinado e herdei, ao que tudo indica, eu herdei o sangue dos reinadeiros, dos congadeiros. Com meus 14, 15 anos, eu fazia parte da Irmandade como participante. Naquele tempo, eu era responsável pelo estandarte. O estandarte é o que cobre as coroas quando sai na rua. A gente era uma turma de dez moças. Todas nessa faixa etária de idade, tinha que ser 13, 14 anos, para poder segurar. A gente fazia tudo [com muito amor], e hoje acho que tudo tem que ser feito com muito amor, com muito carinho e muito respeito, porque eu lembro que a gente se sentia orgulhoso. Hoje o pessoal tem


vergonha, né? Naquele tempo, para nós, era honra demais cobrir as coroas dos reis para não pegar sol e tudo... Então, nessa faixa de idade, eu já fazia parte da Irmandade. Meu pai já fazia parte da Irmandade. [A Leda] é rainha representando a coroa dos santos. Nossa Senhora das Mercês, né? Aí vem a história de Nossa Senhora das Mercês, a história que ela carrega. E ela tem a sua responsabilidade como rainha, né? São “segredos do Estado”, como a gente fala. E eu, no lugar de Rainha Perpétua – porque todos nós temos o compromisso de juramento quando somos coroados. Então, a rainha perpétua, o rei perpétuo só voltam atrás, só podem entregar a sua coroa por motivo muito, muito, muito sério, entende? E, não sendo assim, só mesmo depois que Deus chamar. Dentro da nossa Irmandade, o rei perpétuo ainda não abandonou a coroa, não precisou se desligar da coroa. Graças a Deus, né? Então, Rei Congo, Rainha Congo, Rainha Perpétua, Rainha de Santa Efigênia, de Nossa Senhora das Mercês… todos nós temos juramento. E, no caso, perpétuo é perpétuo, para sempre. Cada uma tem a sua parte de responsabilidade, que só ela carrega, pela qual ela sabe que é responsável. Então vou falar a parte da rainha perpétua. Uma das missões, das obrigações da rainha perpétua é fazer tudo para manter a paz dentro do Reinado. Trazer a paz. Mesmo que eu até concorde com o que está acontecendo ali – porque até tem uma hora que tem que ter um temperozinho –, a minha responsabilidade é que aquilo seja resolvido com paz. E eu também tenho o compromisso de oração. Nós temos o compromisso de oração, rainha perpétua, rei perpétuo. Eu falo sempre que eu sinto, depois que fiquei responsável pela coroa da tia [Dona Cininha, antiga Rainha Perpétua], principalmente depois que fui coroada, é que eu recebi um dom muito forte, mas muito forte, do carinho, do amor, sabe? A gente toma amor por cada pedacinho de dentro da igreja, cada criança que tem ali, cada mais velho. É uma família gostosa que a gente tem. É meu sonho, e eu sei que seria o sonho da tia ver a Irmandade de pé. Ver mais criança, hoje, participando. Eu tenho esse sonho muito grande de ver mais criança dentro


do Reinado, porque vai brilhando mais o Reinado para a frente. Sei que não vai terminar nunca. Esta é a nossa missão, levar alegria, levar paz e perseverar sempre, dar colo para aquele que precisa. Às vezes, tem os altos e baixos, a pessoa precisa de um carinho, precisa de um colo. Aí ela chega, a gente conversa, a gente dá aquele colo, dá aquele carinho. E vamos! A Dona Alzira [mãe de Leda] era a Rainha de Nossa Senhora das Mercês. E, na nossa Irmandade, vai de pai para filho. Às vezes não dá de pai para filho, mas vai dentro da família mesmo. Escolhe uma pessoa, às vezes, eu acho assim, muito escolhida pelo Divino Espírito Santo – como no meu caso, que nem sonhava em ser rainha um dia e fui chamada a ser. Quando a Dona Alzira faleceu, um pessoal de São Paulo fez uma gravação na casa de mamãe. A Leda [ficou] conversando com mamãe, aconselhando com mamãe, o que ela achava, se ela ficava no lugar da mãe dela ou não. Então tem essa preparação, porque, dentro do regulamento da Irmandade, é assim. E eu, no meu caso, não foi muito diferente. Minha tia estava enferma, tinha tido um AVC. Ela estava no Hospital Santa Helena, em Contagem, internada, e minha mãe levou a coroa dela – [na verdade] pediu à minha irmã, porque minha mãe não foi. O nosso Reinado foi na Festa de São Benedito, e minha mãe pediu para levar a coroa dela aos pés de Nossa Senhora Aparecida. Aí, eles levaram a coroa dela. Esta minha sobrinha, que era princesa dela, foi também para Aparecida do Norte, e a coroa ficou na casa dela. Hoje a mãe dela é Rainha Conga, mas naquele tempo era princesa. Ela ficou responsável por ir a Aparecida do Norte, zelando pela coroa, e vinha zelando. E a coroa ia ficar lá. Olha para você ver... Teria que levar a coroa para a casa da tia. Aí era para levar num dia, não levou. No outro, não levou. Eu e mamãe fomos visitar a tia no hospital e falei com a minha prima e a minha sobrinha: “Leva a coroa da tia, essa coroa tem que ir para o trono da casa dela. Tem que ficar lá na casa dela, não pode continuar aqui, não”. “Hoje eu levo, tia.


Hoje, pode deixar que eu levo.” Nós fomos para o hospital e a minha sobrinha ficou responsável por levar a coroa para a casa da tia. Quando chegamos no hospital, tinha Capitão Regente, Rainha Conga (que era minha mãe), Rei Perpétuo (que era Seu Elpídio) e Senhor Regente (que era Seu Matias). Chegamos no hospital para visitar a tia: ela estava de alta. Tinha ido para casa. Naquele tempo, não tinha essa comunicação que tem hoje... “Ah, gente, então vamos todo mundo para a casa de Dona Cininha. Vamos visitar Dona Cininha.” Quando chegamos lá, passou um pouco, chegou a rainha que ia ser a Rainha de Ano. Coincidiu aquele tanto de coroado na beirada da cama da tia, assim, visitando ela, conversando, tudo. E a minha sobrinha chegou com a coroa e ia colocar no trono. Alguém falou para ela: “Leva para a tia Cininha saudar a coroa”. Aí ela levou. E, no momento em que a tia pega a coroa, a tia não solta. Minha sobrinha ficou: “Tia Cema, tia Cininha não quer me entregar a coroa!”. Aí, encostei bem pertinho dela [de Dona Cininha] e falei: “Tia, entrega para ela a coroa”. Ela puxou a coroa, fez isso e colocou aqui [gesticulou indicando que a tia colocou a coroa sobre a sua cabeça, coroando-a]. Então, eu não tinha nem sonho. Falei para ela: “Tia, a senhora sabe que eu não posso… Eu vou responsabilizar, sim. Vou zelar dela para a senhora por causa da enfermidade da senhora. Mas a senhora sabe que eu não posso. Está bom? Entrega a coroa para a gente colocar lá no altar”. Seu Matias [o Senhor Regente] chegou na igreja e falou com João: “João, a Dona Alcina coroou a Iracema como Rainha Perpétua. Eu não vou desfazer essa coroação… Eu não vou desfazer essa coroação que a Dona Cininha fez”. Então foi assim que eu recebi esse compromisso. João reuniu os coroados, conversou com eles para mim, [disse] que tinha que fazer minha coroação antes da festa. Foi difícil, muito difícil, muito difícil. Eu falei com João que eu não estava preparada, não sabia. Aí ele falou para mim: “Quem te prepara é Nossa Senhora. Fica tranquila que nós não vamos desfazer o que a Dona Cininha fez, está muito bem-feito”. E aí me explicou direitinho que, na hora da missa, o padre é que ia fazer a coroação direitinho. E assim foi feito.


Então, agora, a responsabilidade é muita. Porque tem coisas que, às vezes, eu preciso ajudar a decidir, que somente eu, Capitão-Mor, Capitão Regente e, muitas das vezes, a Rainha de Nossa Senhora das Mercês é que sabemos, é que podemos. São coisas que tem que é segredo da Irmandade. Tem também dentro do nosso compromisso. Infelizmente, hoje está tão difícil... Porque, às vezes, o filho fala: “Pai, isso é do tempo da vó do senhor. Agora é o meu tempo”. Então, dentro do Reinado, não é diferente. Os jovens gostam do Reinado, mas eles gostam mais do Reinado – não sei se eu vou usar a palavra certa – “folclorizado”. E o Reinado tem seu lado folclórico, o lado do congo, do catupé, do tal. Mas tem o Reinado que tem o lado da lembrança do cativeiro, que tem o lado religioso, das tradições. Então, o jovem não aceita muito que a gente quer conservar. Aí é difícil. Como o turbante, os capacetes, que os tradicionistas de hoje… Eu vou dizer para você que, na nossa Irmandade, tem poucas pessoas. Claro, Leda é uma delas. Eu também. Se dependesse de mim também, eu queria conservar o turbante, o capacete, os cânticos antigos... Os jovens, hoje, querem coisa diferente. Eles querem cantar um cântico diferente, que eles viram não sei onde… Pode? Pode! Tem o cântico da hora da missa, tem o cântico da procissão, tem o cântico de chegar na coroa, tem o cântico de sair, tem o cântico de chegar no café, tem o cântico de agradecer o café, tem o cântico de estrada, de caminhada, de estrada… Cada um dentro do seu horário. Então, o que antigamente fazia parte do ritual todo mundo sabia que fazia parte. Dentro do nosso Reinado, nós temos que ter amor, nós temos que ter respeito, temos que ter fé, temos que ter persistência. Se nós não tivermos persistência, vamos abandonando, igual muita gente vai abandonando. A Leda já teve tudo para abandonar o Reinado, para até esquecer que um dia fez parte do Reinado do Jatobá. Mas não, ela pode estar onde for, na situação que for, que esse momento, essa responsabilidade durante o ano todo, o máximo que ela pode participar, ela participa. Ajuda a conservar o nosso Reinado muito, muito, muito. É uma herança, também, que ela carregou da mãe, né? Porque a mãe dela era especial.


Ela [Leda] fez umas pesquisas que ninguém tinha conhecimento, do que era rico da nossa Irmandade. Aquele livro [Afrografias da memória: o Reinado do Rosário no Jatobá] foi de muita, muita importância para a nossa Irmandade. Ali, dentro daquele livro, tem uma escola. O Reinado do Jatobá só perde bobo que quiser perder. Se a pessoa quiser – “Ai, eu estou desanimada, eu vou sair deste Reinado” –, mas pegar o livro, abrir, começar a olhar, ela vai falar: “Não, eu quero viver isto aqui”. Você entende? Então eu acho que foi muito bom. É onde eu falo: ela não abandona o Reinado. Ela pode subir onde que for, pegar não sei quantos diplomas que ela tem, não tenho ideia, e tudo, mas o Reinado tem que estar junto, tem que estar dentro.

Leda Maria Martins

Poeta, dramaturga, professora, Rainha de Nossa Senhora das Mercês da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário do Jatobá e homenageada pela Ocupação Itaú Cultural

A minha mãe fez uma promessa. Ela era muito devota de Nossa Senhora do Rosário e, face a uma situação de saúde pela qual eu passei ainda criança e que, ela dizia, os médicos haviam me desenganado... Ela já tinha me levado do hospital para casa e, lá, todo mundo só esperava que a criança falecesse. Ela fez uma promessa que, se Nossa Senhora do Rosário me salvasse, se fosse o desejo dela, eu iria ser Princesa Conga por sete anos. Muito bem! Anos depois, quando viemos para Belo Horizonte... Minha mãe era uma pessoa muito devota, muito espiritualizada, e ela queria cumprir a promessa. Ela não conhecia Belo Horizonte, porque a vinda para cá também não foi algo que ela desejou, foram circunstâncias que fizeram com que ela viesse, tendo que ficar aqui comigo e com a minha irmã, Ana. O tempo passava e ela queria que eu cumprisse a promessa. E ela sabia, porque nasceu em Minas, que Minas é terra de Reinado. Ela tinha sido do Reinado de Cabo de Canjuru, de Itaúna e de Divinópolis, e me trouxe do Rio de Janeiro para ser batizada pelos reinadeiros de Cabo de Canjuru. Na época, era uma viagem


longa, e ela me trouxe só para ser batizada pelos reinadeiros, dentro do ritual do Reinado. Um dia alguém falou para ela que, lá nos confins de Belo Horizonte, tinha um reinado que era comandado pelo Capitão Virgulino e pela Dona Maria. Nós morávamos bem distantes de onde é a Irmandade do Jatobá, mais ou menos uns 25, 30 quilômetros daqui, mais próximo do centro da cidade. Ela veio conversar com o Seu Virgulino – claro que não me lembro da conversa, porque tudo isso ela foi me contando, é a memória. É muito interessante porque eu passo a ser a porta-voz da memória dela e das pessoas que me conheceram pequenininha no Reinado. Pequenininha eu sempre fui, né?! Na época em que a minha mãe veio solicitar que eu cumprisse a promessa no Jatobá, só havia Rei Congo e Rainha Conga, Princesa Conga, Rei de Ano e Rainha de Ano; e a Princesa Conga era aquela que era uma espécie de aprendiz de substituta direta da Rainha Conga. De certo modo, ela era iniciada para um dia substituir a rainha. Então, ao longo da vida, ela iria substituir em algumas ocasiões, até que, quando a Rainha Conga falecesse, ela estaria preparada para receber a coroa, se a comunidade achasse que ela era digna de recebê-la. Ora, quem era Princesa Conga é hoje a nossa grande capitã Edith, que é Mestra de Congo. Então, ela [mãe de Edith] falou para a minha mãe que, como era promessa, tiraria a coroa da filha para passar para mim. Para Edith foi muito traumático, vocês podem perguntar para ela que até hoje ela diz como foi traumático. Mas, você veja, não era a caminhada dela, que se tornou uma das maiores mestras de Reinado de Minas Gerais. E eu, então, que a promessa era para sete anos, fui Princesa Conga durante dez anos. E aí, por razões particulares e também pela dificuldade de conciliar, naquela época, os calendários do Reinado com o calendário da escola, eu renunciei à coroa de Princesa Conga, mas nunca deixei o Reinado. Em 1992, a minha mãe foi convidada para receber a coroa de Nossa Senhora das Mercês, e foi Rainha até falecer, em 29 de abril de 2005.


Em 2005, os mestres do Reinado, a comunidade do Reinado e a Irmandade me deram a honra de solicitar que eu assumisse a coroa de Nossa Senhora das Mercês. Eu hesitei, eu hesitei muito, mas finalmente assumi, já faz 20 anos. Então, olha para você ver... A minha trajetória no Reinado é muito parecida com as outras trajetórias da minha vida. Comecei a ler sozinha, aos 4 anos, e nunca mais parei de ler. Aprender a ler foi aprender também outro modo de pensar. A mesma coisa é o Reinado. A minha trajetória é assim. Isso tudo, para mim, tem o mesmo peso. A criança que lia os textos fundacionais ocidentais, do Oriente, também as histórias antigas da humanidade, é a mesma que era a princesa do Reinado. Então não tem separação aí. Você vê, eu adorava quando os meus alunos falavam que gostavam demais de algumas aulas minhas, de quando eu começava, poeticamente, a viajar nas óperas, nos livros. Eles ficavam encantados – mas, para mim, é um encantamento. A arte sempre foi, para mim, um encantamento. E o Reinado está nesse mesmo lugar, de encantamento. Eu sinto, também, não só esse acolhimento, esse afeto que o Reinado manifesta. A nossa relação de afeto é muito forte, nós somos uma grande família afetiva, então estamos sempre recebendo, nos nutrindo de afetos, mas também de chamadas de atenção, de reflexão, e isso é muito, isso nutre. É nutritivo no sentido mais, vamos dizer assim, interessante da palavra. Agora, olha para você ver... Essa mesma nutrição que eu sempre recebi no Reinado pelos sons, pela música, pela dança, pelos preceitos que me ensinaram, uma outra ética, tem algo que prevalece que eu acho que é superior, assim, mais do que qualquer coisa: que a ênfase não é no indivíduo – isso não quer dizer que o indivíduo ou a pessoa desapareça, pelo contrário –, mas a nossa ênfase maior é no coletivo. Nós só existimos como coletivo, não existimos com individualidade. A Leda, sem o Reinado, não existe como rainha, não existe como Reinadeira, porque o coletivo que te institui é o coletivo que te oferece algo


que não é para aguçar o seu narcisismo, não é para aguçar o seu individualismo, não é para aguçar o acúmulo de bens. Porque o único bem que deve prevalecer no Reinado é o que é um benefício para cada um de nós e para todos nós, e isso se dá pela partilha, pelo compartilhar. Desde muito cedinho, eu me lembro de, criancinha, ver que os capitães e os reis se reuniam ao redor da mesa. Pode ser uma mesa que tenha uma variedade imensa de bolos e biscoitos e quitandas ou pode ter apenas uma rosca, mas tudo é para ser compartilhado. Todos nós nos alimentávamos e saíamos satisfeitos, porque todos saboreávamos um pedacinho daquele alimento. Porque não é a quantidade. Na verdade, o que de fato é ensinado é que o que alimenta é o compartilhamento, é a partilha. E vocês veem, na maioria das casas do povo de Reinado a que vocês forem, serão recebidos como aqui na casa da Rosa [amiga de Leda, em cuja casa acontece a novena de Nossa Senhora do Rosário]. Todo mundo quer que vocês fiquem para tomar um café, para almoçar, para celebrar conosco, para cantar conosco, e isso quer dizer: para se nutrir conosco. Agora, nutrir como? Compartilhando. O grande prazer do Reinado é esse compartilhamento, tanto que a saudação do Reinado, que é a benção, vocês notaram que é compartilhada? Como é que ela se dá? A pessoa vem e me pede a benção, eu abençoo e ela devolve a benção. Vocês notaram isso? Não é simplesmente que eu faço o gesto e abençoo, ela também precisa me abençoar.


Para sentir os conceitos no corpo: o pensamento de Leda e o Reinado

por Duanne Ribeiro


Na teoria pode até ser, mas, na prática, teoria e prática não se separam. Isso é especialmente verdadeiro no caso de Leda Maria Martins, que sempre enfatiza a inter-relação entre suas áreas de atuação: ensinar, pesquisar e escrever envolvem, ao mesmo tempo, a intelectual e a artista, o pensar e o fazer. Essa imbricação entre ato e conceito, todavia, é a marca geral do nosso estar no mundo: ao seguir em direção à realidade, encontramos pensamento, assim como, ao seguir em direção ao pensamento, encontramos realidade. Esta publicação é feita de andanças desse tipo – nas páginas anteriores, fomos às realidades do Reinado; agora, vamos às ideias. Neste capítulo, assim, pensaremos o Reinado a partir dos instrumentos conceituais de Leda. Nos figurinos, na música e na dança, veremos em funcionamento as ideias de encruzilhada, oralitura, corpo-tela e tempo espiralar, que pontuam a originalidade de nossa homenageada. O Reinado será aqui o ponto de vista privilegiado para exibir a potência desses conceitos, os quais, claro, podem migrar para outros campos e vivências, abrindo novas possibilidades filosóficas.

Encruzilhada

Ponto de confluência e de passagem, de indistinção e de decisão. A encruzilhada é uma noção tensa, que capta concepções, experiências estéticas, realidades que não cabem em uma lógica linear ou que tenha pretensões de “pureza”. Em um país como o Brasil – que resulta da reunião de influências indígenas, africanas e europeias –, esse parece ser um conceito indispensável. Em particular, para a diáspora: “A cultura negra é uma cultura das encruzilhadas”, avisa Leda em Afrografias da memória: o Reinado do Rosário no Jatobá. No livro, ela também escreve: [...] a encruzilhada é um princípio de construção retórica e metafísica, um operador semântico pulsionado de significância, ostensivamente disseminado nas manifestações culturais e religiosas brasileiras de predominância nagô e naquelas matizadas pelos saberes bantos. O termo encruzilhada, utilizado


como operador conceitual, oferece-nos a possibilidade de interpretação do trânsito sistêmico e epistêmico que emerge dos processos inter e transculturais, nos quais se confrontam e dialogam, nem sempre amistosamente, registros, concepções e sistemas simbólicos diferenciados e diversos.

Ao longo da história dos Congados e Reinados – que remonta ao início do século XVIII –, essas manifestações culturais se constituíram e efetivaram em processos desse tipo. As referências à cultura africana – sua instalação, à revelia, em território colonial e hostil – se somaram à absorção de símbolos católicos; além disso, a hegemonia política, no momento desses folguedos, se via abalada: ao cruzar a via da poesia, o poder acabava dando lugar a outro poder; a hierarquia dos reis e das rainhas do Reinado funcionava concreta e politicamente para a união do povo negro. A cultura negra, sugere Leda, também em Afrografias da memória, “em seus variados jogos de asserção, funda-se dialogicamente, em relação aos arquivos das tradições africanas, europeias e indígenas, nos jogos de linguagem, intertextuais e interculturais, que performa”. Tendo isso em vista, nós podemos perguntar: quais são as encruzilhadas dessa cultura no presente?

Oralitura

É, mais uma vez, de Afrografias da memória que extraímos um fio condutor: Nos circuitos de linguagem dos Congados, a palavra adquire uma ressonância singular, investindo e inscrevendo o sujeito que a manifesta ou a quem se dirige em um ciclo de expressão e de poder. No circuito da tradição, que guarda a palavra ancestral, e no da transmissão, que a reatualiza e movimenta no presente, a palavra é sopro, hálito, dicção, acontecimento e performance, índice de sabedoria.


Aqui se delineiam as particularidades da palavra oral: ela instaura relações, por um lado, entre quem ouve e quem fala, e, por outro, entre um passado e sua recolocação no presente. Sendo, em primeiro lugar, troca entre corpos – sopro, hálito e dicção remetem ao sensorial –, a palavra oral implica uma retomada de saberes e posturas (por isso, é performada) e implica mudança em campos sociais e simbólicos (por isso, é acontecer). O sábio tem isso na ponta da língua. Leda, em diálogo com a pesquisadora Mineke Schipper – que cunhou o termo orature ( junção de oral e literature) para enfocar a presença da oralidade em textos literários africanos –, propõe o conceito de oralitura para dar conta desses poderes da fala. É no contexto da pesquisa dos Congados e Reinados realizada em Afrografias que ela o utiliza pela primeira vez: Aos atos de fala e de performance dos congadeiros denominei oralitura, matizando neste termo a singular inscrição do registro oral que, como littera, letra, grafa o sujeito no território narratário e enunciativo de uma nação, imprimindo, ainda, no neologismo, seu valor de litura, rasura da linguagem, alteração significante, constituinte da diferença e da alteridade dos sujeitos, da cultura e das suas representações simbólicas.

A oralitura, assim, parece estar na encruzilhada entre o oral e o escrito, e é um espaço em que se fazem sujeitos e sociedades. Nos Congados e Reinados, uma das maneiras pelas quais isso se mostra é a mobilização de áreas de expressão e de modos de estar no mundo: A palavra oral, assim, realiza-se como linguagem, conhecimento e fruição porque alia, em sua dicção e veridicção, a música, o gesto, a dança, o canto, porque exige propriedade e adequação em sua execução [...]. Assim, nos Congados, cada situação e momentos rituais exigem propriedade da linguagem, expressa nos cantares: há cantos de estrada, cantos para puxar


bandeira, cantos para levantar mastro, cantos para saudar, cumprimentar, invocar, cantos para atravessar portas e encruzilhadas, e muitos outros.

Criado nas ruas de Minas Gerais e entre os seus tambores, o conceito de oralitura nos instiga a pensar sobre outros âmbitos nos quais a escrita se faz com a voz e a cultura com o corpo.

Corpo-tela

Tanto é assim que a noção de corpo-tela bebe da fonte oraliterária. Para entendê-lo, podemos nos propor a seguinte questão: o que é um corpo? É algo que apenas se vê (no espelho ou no outro diante de nós)? Ou que também se ouve? Ou que também leva, nos gestos, memórias? E que, ainda, se inscreve em redes de símbolos? Na expressão artística, tudo isso se sobressai: o corpo do artista exibe um mundo. É por isso que, para Leda, o corpo-tela é [...] um corpus cultural que, em sua variada abrangência, aderências e múltiplos perfis, torna-se locus e ambiente privilegiado de inúmeras poéticas entrelaçadas no fazer estético. Um corpo historicamente conotado por meio de uma linguagem pulsante que, em seus circuitos de ressonâncias, inscreve o sujeito enunciador-emissário, seus arredores e ambiências, em um determinado circuito de expressão, potência e poder.

O trecho é de Performances do tempo espiralar: poéticas do corpo-tela, como os outros nesta seção. Nele, vê-se como o corpo-tela é um ponto em um fluxo de sentido, que fala e é falado por todo um conjunto de práticas. Nesse processo, também se expande em adereços e objetos, cores e formas. O corpo-tela possui uma cenografia própria, da fé à cultura, envolve modelos diversos de saias, saiotes, anáguas, turbantes de vários estilos, brincos, braceletes, rosários e terços, colares, instrumentos amarrados às pernas e aos braços,


assim como a decoração dos entornos, o enfeite de capelas, mastros, bandeiras, árvores, altares, nichos.

Com isso em mente, podemos considerar como o Reinado apresenta um corpo-tela seu. Leda, ao falar do saber poético e social compartilhado pelos africanos diaspóricos, diz que [toda] a memória desse conhecimento é instituída na e pela performance ritual dos Reinados, por meio de técnicas e procedimentos performáticos veiculados pelo corpo, em vários de seus atributos, entre eles a voz, numa refinada e complexa estilização estética e artesanal. O universo de cognição expresso em todos os cerimoniais e liturgias transcria, nas Américas, estilos africanos, modos de vivências e de pertencimento, uma percepção e compreensão do cosmos diferenciadas, assim como uma singular reflexão sobre o sagrado que transcende os idiomas metafísicos ocidentais.

No Reinado, o corpo veicula – a metáfora de transporte é importante – uma ancestralidade; não só: transcreve e renova esses conteúdos em expressão. Tudo se passa em uma relação entre tempos – o que foi, o que é e o que será se entrelaçam aqui de maneira peculiar.

Tempo espiralar

Consideremos, então, o tempo. Como é que corre o tempo? Se ele tem a forma da seta, como é frequente figurar no pensamento ocidental, vai só adiante e em linha reta: passado, presente e futuro em sucessão necessária. Vimos que isso não dá conta da experiência do corpo-tela. Já o tempo espiralar, trabalhado por Leda a partir da filosofia africana, consegue conceituá-la. Em vez da seta, a espiral. Não o círculo: não se trata simplesmente de sair e retornar ao início. A espiral se distancia do ponto de partida e o retoma em outro nível, carregada do caminho que percorreu. Em in-


terações sucessivas, ela se apropria do novo e repõe o antigo, em um movimento de simultaneidades e confluências, de potencial infinito. O deslocamento de concepções – fomos, muitos de nós, criados com a ideia retilínea de tempo – pode dificultar apreender essa outra maneira de ver. Mas a música nos dá uma imagem: Os tambores são fazedores de ritmos. Na textura dos seus timbres brilham as qualidades e complexidades rítmicas. Os ritmos, por sua vez, encantam os sons. [...] O ritmo é a qualidade mais distintiva das criações verbicomusicais negras, e se grafa, como síntese, na dinâmica do tempo maior em espirais.

A música negra, comenta Leda em Performances do tempo espiralar, se dá por espirais: voltas e idas, seja nas trocas entre voz principal e coro, seja nas quebras que a síncope distribui em cada turno da canção. Nos Reinados e Congados, Leda encontra isso bem especificado: [...] quando “pega” o canto, o cantador seguinte, antes de iniciar um outro tema ou mote mantém as espirais no movimento coletivo, repetindo o canto anterior e antecessor por três vezes. Podemos também pensar a técnica dos responsos como parte de consecução dessa dinâmica espiralar. O cântico vai e volta, ondulado, curvo, ele mesmo saber do tempo como sonoridades espiraladas.

Em espirais também se fez este texto, que agora, no final, frequenta o seu início. Viemos de uma proposta de pensamento, recomeçada vez após vez. A cada reencontro dos conceitos de Leda no Reinado e além, alinhavamos as respostas, que, em suma, não se dão separadamente – tempo espiralar, corpo-tela, oralitura e encruzilhada se efetivam ao mesmo tempo. Escutando a imagem desse canto de cantador, estamos para além do proposto, mas na exata abertura que ele apresentava: munidos da filosofia de Leda, podemos criar possibilidades do pensar.


O Reinado em imagens Em agosto de 2024, a equipe do Itaú Cultural visitou a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário do Jatobá, no bairro de Itaipu, em Belo Horizonte, Minas Gerais, durante a festa do Reinado. Entre as muitas descobertas, escutas, vivências e emoções despertadas durante nossa visita, realizamos um ensaio fotográfico retratando as pessoas, vestimentas, instrumentos, rituais e performances de uma celebração cheia de cores, sons, cheiros e sabores.










“O Reinado foi um desses lugares de construção de empoderamento, de falar ‘não’ e não deixar que o racismo te mate. Porque o racismo tem a força não apenas de te subjugar, mas de te arruinar como pessoa.”

Leda Maria Martins








“Leda é um ato de honestidade radical. Estar com ela é conhecer essa experiência da honestidade radical. E ela se coloca assim e não tem melindre. Ela é, ela está ali, ela vai investir no acúmulo dessa experiência.”

Natasha Corbelino







“Quando eu vejo a guarda chegar na minha porta, é como se fosse um bando de borboletas lindas chegando, e a gente recebe com aquele carinho, com aquele amor.”

Iracema Moreira






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Interlúnio poema retirado do livro Cantigas de amares. Belo Horizonte: Edição da autora, 1983


No dia sem acaso em que eu for minha então me contemplarás com tudo que tenho de meu. Nesse dia em que serei eu e inteira com mágoa que não a tua com risos que não outros de tudo que sou terás. E para que saibas a verdade de mim e a reconheças meus olhos terão o opaco das luzes que brilham sozinhas. Meu gesto terá a exatidão do caule que se curva nele mesmo e minhas gotas o gosto do vão que se fecha sem trevas


Ficha técnica OCUPAÇÃO LEDA MARIA MARTINS concepção e realização Itaú Cultural curadoria Equipe Itaú Cultural consultoria Denilson Tourinho e Elias Gibran projeto expográfico Gisele de Paula assistência de expografia Alexandra Souza, Iolaos Coelho e Lívia Faria projeto de acessibilidade Equipe Itaú Cultural

FUNDAÇÃO ITAÚ Conselho Curador presidência Alfredo Setubal presidência da Fundação Eduardo Saron Comunicação Institucional e Estratégica gerência executiva Ana de Fátima Sousa coordenação de estratégias digitais e gestão de marca Renato Corch edição de fotografia André Seiti e Letícia Vieira redes sociais Daniele Cavalcante e Jullyanna Salles (estagiária) coordenação de comunicação institucional Alan Albuquerque comunicação institucional William Nunes eventos Caroline Campos e Simoni Barbiellini


ITAÚ CULTURAL superintendência Jader Rosa Curadorias e Programação Artística gerência Galiana Brasil coordenação de artes cênicas Carlos Gomes produção executiva e pesquisa Natalia Souza e Roberta Roque Criação e Plataformas gerência André Furtado coordenação de conteúdos multiplataformas Kety Fernandes Nassar produção audiovisual Paula Bertola som direto Raquel Vieira (terceirizada) edição de som e mixagem Ana Paula Fiorotto captação de imagem e edição Murilo Alvesso (terceirizado) interpretação em Libras de conteúdo audiovisual AHU – Acessibilidade Humanista (terceirizada) revisão, transcrição e sincronização de legendas Alume Comunicação e Acessibilidade (terceirizada) motion designer João Zanetti (terceirizado) produção editorial Pamela Rocha Camargo supervisão de revisão de texto Tatiane Ivo

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Infraestrutura e Produção gerência Gilberto Labor coordenação de produção de exposições Vinícius Ramos produção Carlos Eduardo Ferreira, Carmen Fajardo, Emily Cruz (estagiária), Érica Pedrosa, Iago Germano, Rodrigo Augusto das Neves (estagiário), Victoria Campos de Oliveira e Wanderley Bispo Consultoria Jurídica gerência Julia Baptista Rosas coordenação Daniel Lourenço advogados responsáveis Carlos Eduardo do Nascimento Garcia e Mariana Medina Agradecimentos Ana Maria Gonçalves, Comunidade Quilombola dos Arturos, Dione Carlos, Iracema Moreira, Irmandade do Treze de Maio, Irmandade Nossa Senhora do Rosário do Jatobá, Jorge Antônio dos Santos, Juarez Barroso, Lucelia Sergio Conceição, Natasha Corbelino, Pedro Kalil, Renata Sorrah, Ricardo Aleixo, Rosa Ferreira Passos, Rui Moreira, Tatiana Avelina de Oliveira Passos, Tatiana Tibúrcio, Telma Fernandes, Val Souza Valdineia Aparecida Moreira,

Vanessa Carla Moreira e Walquíria Moura O Itaú Cultural (IC) e a curadoria agradecem a todos os fotógrafos que cederam imagens e a todos os artistas, sucessores e colecionadores que autorizaram a exibição e emprestaram suas obras para a exposição. Foram realizados todos os esforços para encontrar os detentores dos direitos autorais incidentes sobre as imagens/obras aqui expostas e publicadas, além das pessoas fotografadas. Caso alguém se reconheça ou identifique algum registro de sua autoria, solicitamos o contato pelo e-mail atendimento@itaucultural.org.br. O IC integra a Fundação Itaú. Saiba mais em fundacaoitau.org.br.


Ocupação Leda Maria Martins abertura sábado 7 de dezembro de 2024 visitação até domingo 30 de março de 2025 terça a sábado 11h às 20h domingos e feriados 11h às 19h livre para todos os públicos Entrada gratuita Itaú Cultural Avenida Paulista, 149, São Paulo/SP piso térreo


Dados internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Fundação Itaú | Itaú Cultural­­ Ocupação Leda Maria Martins / organizado por Itaú Cultural; vários autores. – São Paulo: Itaú Cultural, 2024. 29Mb. ISBN: 978-85-7979-174-1 1. Martins, Leda Maria. 2. Reinado. 3. Poesia. 4. Memória. 5. Oralidade. I. Instituto Itaú Cultural. II. Fundação Itaú. III. Título. CDD 700 Bibliotecária Ana Luisa Constantino dos Santos CRB-8/10076

fontes: Cirrus Cumulus e Freight Text novembro de 2024






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