Catálogo Emoção Art.Ficial

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Realização

São Paulo, 2013 5


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INTRODUÇÃO

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OBRAS

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VocÊ Não EStÁ AQUI FALA Slice Exploded View (Commuters) The Mimetic Starfish i-Flux Generation 244 Ethalon - Adhesion/Survival Manual Think Face Music

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simpósio

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Fernando Oliva Laymert Garcia dos Santos Lisette Lagnado Ramiro Roberto Winter Axel Stockburger

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Ficha técnica

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Introduction

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Works

24 32 34 42 46 60 62 66 72 76

VocÊ Não EStÁ AQUI FALA Slice Exploded View (Commuters) The Mimetic Starfish i-Flux Generation 244 Ethalon - Adhesion/Survival Manual Think Face Music

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symposium

86 92 100 118 128 130 174

Fernando Oliva Laymert Garcia dos Santos Lisette Lagnado Ramiro Roberto Winter Axel Stockburger Credits

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E m oção A rt. fi c ia l 6 . 0 E m oção A rt. fi c ia l 6 . 0 B i e na l I nt e rnac iona l d e I nt e rnationa l A rt and A rt e e T e c no lo g ia T ec h no lo gy B i e nnia l

O Instituto Itaú Cultural apresentou de 30 de maio a 29 de julho de 2012 a sexta edição de sua Bienal Internacional de Arte e Tecnologia, composta, como em todos os anos, de uma exposição e um simpósio. Desde 2002, a bienal vem refletindo sobre temas associados à presença cada vez mais disseminada de sistemas de informação e dispositivos tecnológicos na vida cotidiana das pessoas, tendo como ponto de convergência as poéticas e percepções estéticas possibilitadas pelas novas mídias interativas no campo das artes. Tornouse uma referência no calendário de eventos artísticos da cidade de São Paulo, tanto para os interessados em intersecções entre tecnologia e arte, como para os curiosos em tendências da cultura contemporânea em geral. Em virtude disso, o instituto apresenta, nesta sexta edição, uma mostra atemporal sobre a produção internacional e local da chamada arte digital e tecnológica, apontando para os novos desafios dessa forma de expressão dentro da contemporaneidade artística.

From May 30 thru July 29, 2012, Instituto Itaú Cultural held the sixth edition of its International Art and Technology Biennial comprising an exhibition and a symposium as in the previous years. Since 2002, the biennial has been encouraging thinking on topics related to the increasingly disseminated presence of information systems and technological devices in people’s everyday life, featuring poetics and aesthetic perceptions enabled by the new interactive media in the field of the arts as a hub. The biennial has become a highlight in the circuit of art events in the city of São Paulo for both those interested in the intersections between technology and art and those with inquisitive eyes on the contemporary culture trends in general. In view of this, Itaú Cultural presents in this sixth edition a timeless show focusing on the local and international output of the so-called digital and technology art, indicating the new challenges of this form of expression within the artistic contemporaneity. 15


A proposta da sexta edição é criar um tipo de “espaço de convivência” voltado tanto para obras criadas com novas mídias – arte com seres tecnológicos (robôs, organismos sintéticos), expressões artísticas calcadas em mídias técnicas (computadores, celulares) – como para trabalhos elaborados em suportes tecnológicos considerados já tradicionais dentro do próprio contexto da arte contemporânea, mais especificamente o cinema e o vídeo. Nesta abordagem, a “tecnicidade” presente na exposição não mais representa certas vertentes artísticas e pode ser vivenciada no conjunto “técnico-estético” constituído no espaço expositivo. Dessa forma, a realidade técnica não é captada em objetos estéticos específicos, para os quais seria necessária uma especialização, um conhecimento prévio de “especificações” encontradas em manuais. A técnica emanada pelos dez trabalhos, de acordo com a proposta, pode ser poética e naturalmente assimilada, com o auxílio discreto do espírito de nossa época.

The proposition of the sixth edition is to create a kind of “shared space” aimed to both works created with new media – art with technological beings (robots, synthetic organisms), artistic expressions based on technical media (computers, cell phones) – and works built with technological supports now taken as traditional within the context of contemporary art itself, more specifically cinema and video. In this approach, the “technicality” seen in the exhibition no longer represents certain artistic lines and can be experienced in the “technical-aesthetic” combination displayed in the exhibition space. In this way, the technical reality is not captured in specific aesthetic objects, a situation which would require a specialization, a prior knowledge of “specifications” found in manuals. The technique emanating from the ten artworks, according to the proposition, can be poetic and naturally assimilated with the discreet help of the spirit of our time.

A obra de Gisele Beiguelman e Fernando Velázquez, Você Não Está Aqui, inverte algumas premissas recorrentes em projetos de arte baseada em tecnologias móveis, em que a representação almeja um mapa em escala real. Selecionada em uma chamada de trabalhos realizada em 2010, a obra é nitidamente “antilocativa”, porque sugere, em uma série de fotogramas projetados em biombos, percursos imaginários, roteiros de “desorientação” e paisagens fabricadas a partir de álbuns de viagens. Já em Fala, obra também selecionada na mesma chamada de trabalhos, Rejane Cantoni e Leonardo

The piece by Gisele Beiguelman and Fernando Velázquez, Você Não Está Aqui, reverses some recurrent premises in art projects based on mobile technologies, in which case the representation aspires to a full-scale map. Selected in a call for submissions held in 2010, the work is distinctly “antilocative” because it suggests, in a series of frames projected on folding screens, imaginary journeys, “disorientation” itineraries and landscapes made out of travel albums. In turn, Fala, also selected in the same call for submissions, Rejane Cantoni and Leonardo Crescenti make use 16


Crescenti se valem das tecnologias móveis para criar um complexo sistema autônomo, composto por mais de 40 aparelhos celulares que se envolvem, por meio de programas de reconhecimento de voz, em uma “conversa maquínica”, tendo como estímulo inicial as vozes captadas dos visitantes e sons do meio ambiente. O resultado se aproxima, segundo o filósofo e antropólogo francês Bruno Latour, de um “Parlamento das Coisas”.

of mobile technologies to create a complex autonomous system encompassing over 40 cell phones that engage, through voice recognition programs, in a “machinic conversation” initially triggered by the visitors’ voices and sounds captured from the environment. The result, according to French philosopher and anthropologist Bruno Latour, is nearly a “Parliament of Things.”

Em tempos cinemáticos, em que as imagens são cada vez mais “depuradas”, o artista húngaro George Legrady nada contra a corrente e leva a fragmentação imagética ao paroxismo. Em Slice, uma imagem é repetidamente cortada em várias tiras e, em seguida, é computacionalmente remontada e recomposta em sua forma original. Jim Campbell, presente na primeira edição da bienal, em 2002, também oferece um comentário sobre a linguagem cinemática e, principalmente, a tendência de digitalização das imagens. Em Exploded View (Commuters), o artista norte-americano expande a superfície plana e bidimensional, sobre a qual geralmente são projetadas imagens em movimento, numa matriz composta por mais de mil diodos brancos (também conhecidos como LEDs), pendurados em alturas e distâncias diferentes. O espectador é obrigado, dessa forma, a se colocar num determinado ponto de vista para conseguir realizar a composição de uma imagem em movimento.

In cinematic times, when images are increasingly

O campo da vida sintética, uma abordagem artificial da vida biológica, também é explorado na exposição. The Mimetic Starfish, do artista inglês Richard Brown, desafia o sentido humano de considerar

The field of synthetic life, an artificial approach

“purified”, Hungarian artist George Legrady goes against the flow and takes imagery fragmentation to paroxysm. In Slice, an image is repeatedly shredded and then computationally restored to its original state. Jim Campbell, a participant in the first edition of the biennial back in 2002, also provides a comment on the cinematic language and, especially, the trend to digitize images. In Exploded View (Commuters), the American artist expands the two-dimensional flat surface onto which moving images are usually projected into a matrix consisting of more than a thousand white diodes (also known as LEDs) hung at different distances and heights. In this way, the viewer is forced to stand in a particular point of view to be able to compose a moving image.

to biological life, is also explored in the exhibition. The Mimetic Starfish, by English artist Richard Brown, defies the human sense 17


como vivente tudo aquilo que se movimenta de forma natural e orgânica, mesmo que seja apenas a imitação artificial de uma inofensiva estrela-do -mar. Na obra i-Flux, de Silvia Laurentiz e Martha Gabriel, também escolhida em chamada de trabalho de 2010, uma criatura vivendo em um aquário sintético se “alimenta” de fluxos de informações de diferentes naturezas, advindos de várias fontes do local onde está abrigada (no caso, o prédio do Itaú Cultural), tais como temperatura ambiente, energia dos equipamentos elétricos da cozinha e dados do quadro de comando dos elevadores. Na mesma tecla, Federico Diaz, artista tcheco-argentino, explora as morfologias da vida artificial com a obra Ethalon − Adhesion/Survival Manual. Imagens de diversas paisagens bucólicas são projetadas em dois canais, não em telas, mas diretamente na parede, anulando uma possível atmosfera cinematográfica. Subitamente, linhas fractais se ramificam sobre os filmes segundo instruções de um sistema que modela o processo evolutivo dos vegetais.

of considering as a living being everything that moves naturally and organically, even if it is just an artificial imitation of a harmless starfish. In i-Flux, by Silvia Laurentiz and Martha Gabriel, also selected in the 2010 edition, a creature living in a synthetic aquarium “feeds” itself on multi-sourced flows of information of different nature arising from the venue where it is housed (in this case, the Itaú Cultural building), such as room temperature, power from the kitchen electrical appliances and data from the elevators control panel. In the same key, Federico Diaz, a Czech-Argentine artist, explores the morphologies of artificial life with his Ethalon − Adhesion/Survival Manual. Images of several bucolic landscapes are projected in two channels not onto screens, but rather directly on the wall, thus neutralizing a likely cinematic atmosphere. Suddenly, fractal lines branch off on the footage according to instructions given by a system that models the evolutionary process of plants.

O aspecto lúdico da mostra pode ser evidenciado no trabalho interativo Think, espaço criado pelo grupo sueco The Interactive Institute, onde os visitantes podem desenhar e escrever frases no teclado e vê-las projetadas em balões de histórias em quadrinhos, partilhando seus pensamentos e estimulando uma conversação pública. De forma semelhante, o artista norte-americano Ken Rinaldo incentiva a interação descomplicada entre humanos e máquinas com a obra Face Music, uma série de seis esculturas robóticas que compõem sua própria música a partir 18

The playful side of the show can be evidenced in the interactive work Think, a space created by Swedish group The Interactive Institute where visitors can draw and write sentences on the keyboard and see them projected on comic book balloons, hence sharing their thoughts and stimulating a public conversation. Similarly, American artist Ken Rinaldo encourages the uncomplicated interaction between humans and machines with his Face Music, a series of six robotic sculptures that write their own


da captura de imagens faciais dos participantes. Os instantâneos tirados pelos robôs, que têm o formato de braços cobertos por penugens e tranças, são processados digitalmente e transformados em melodia, som e ritmo. A proposta de Rinaldo é extirpar o campo da robótica de laivos hollywoodianos, em que máquinas se revoltam e ameaçam a humanidade. Humanos e máquinas formam, assim, um agrupamento em prol da coletividade, e não da competição.

music from facial images captured from visitors. The snapshots taken by the robots, shaped like arms covered with down and braids, are digitally processed and transformed into melody, sound and rhythm. Rinaldo’s proposition is to eradicate the Holywood-like field of robotics, where machines raise up against and threaten mankind. Humans and machines, therefore, form a group on behalf of the community, and not the competition.

A exposição não pretende arbitrar inter-relações nem estabelecer um acordo provisional entre a “new media art” e a “mainstream contemporary art” (para usar as expressões de Edward Shanken, teórico norte-americano empenhado nessa discussão), mesmo porque conexões já estão sendo estabelecidas à revelia de teóricos, críticos e curadores. Na verdade, falar em um “rapprochement” diplomático entre os dois sistemas de arte é desnecessário e talvez até impertinente, já que ambos nunca estiveram tecnicamente separados. No máximo, investiram em uma retirada estratégica de suas respectivas áreas de influência devido ao surgimento de novas e complexas mídias. A sexta edição de Emoção Art. ficial revela apenas uma tênue demarcação de territórios, sem pretender remarcar, demarcar ou mesmo “desterritorializar” esse ou aquele universo. Tem, apesar disso, um espírito conciliador e ecumênico. E poético. Mas antes de tudo, contemporâneo.

The exhibition has no intention to arbitrate interrelations or put in place a provisional agreement between the “new media art” and the “mainstream contemporary art” (to use the words of Edward Shanken, American theorist engaged in this discussion), even because connections are already being established in absentia of theorists, critics and curators. In fact, speaking of a diplomatic “rapprochement” between the two art systems is unnecessary and perhaps even inappropriate, for both have never been technically separated. At most, they attempted a maneuver to move away from their respective areas of influence due to the emergence of new and complex media. The sixth edition of Emoção Art.ficial only reveals a faint demarcation of territories without really meaning to redefine, demarcate or even “de-territorialize” this or that universe. It has, nevertheless, a conciliating and ecumenical spirit. And poetic. But contemporary above all.

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VOCE NÃO ESTÁ AQUI

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Você Não Está Aqui (2012) Giselle Beiguelman e Fernando Velázquez (Brasil)

Você Não Está Aqui (2012) Giselle Beiguelman and Fernando Velázquez (Brazil)

Você Não Está Aqui discute a paisagem no tempo da produção de imagens mediadas por dispositivos portáteis, aplicativos de celular, recursos de geolocalização. Propõe uma experiência cinemática para a era do “homem sem a câmera”, na qual o público é convidado a construir cidades (ou reeditar os caminhos percorridos pelos artistas em diferentes lugares) a partir de um banco de dados. A paisagem é visualizada num dispositivo de 360º que acompanha a movimentação dos visitantes, deslocando o “norte” em função das pessoas e desconstruindo a incessante marcação de posicionamento que a cultura dos GPSs tem imposto.

Você Não Está Aqui addresses the landscape at the time images are generated by portable devices, mobile applications, geolocation features. It proposes a cinematic experience for the “man without a camera” era, in which the audience is called to build cities (or trace again the paths followed by the artists in different places) from a database. The landscape is displayed on a 360-degree device that tracks the movement of visitors, displacing the “North” based on the people and deconstructing the uninterrupted positioning marking imposed by the GPS-based culture.

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FALA

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Fala (2012) Rejane Cantoni e Leonardo Crescenti (Brasil)

Fala (2012) Rejane Cantoni and Leonardo Crescenti (Brazil)

Uma máquina de falar autônoma e interativa, desenhada para estabelecer comunicação e sincronização automáticas entre humanos e máquinas, e entre máquinas e máquinas. Na instalação, um microfone faz a interface com um “coro” de 40 celulares. Todos os aparelhos estão em estado de escuta para captar vozes e outras sonoridades. A máquina de falar autônoma analisa as informações e estabelece equivalências com sua memória. Então, gera um resultado audiovisual com um significado semântico similar ao som captado, ou seja, fala e exibe nas telas uma palavra idêntica ou semelhante à palavra escutada. Caixas de som e visualização de palavras nas telas dos aparelhos celulares possibilitam um “diálogo”.

An autonomous and interactive talking machine designed to establish communication and perform the automatic synchronization between humans and machines, and between machines and machines. In the installation, a microphone serves as an interface with a “choir” of 40 cell phones. All the devices are in listening mode in order to capture voices and other sounds. The autonomous talking machine checks out the information and matches it up with its memory. Then, an audiovisual result is generated with a semantic meaning similar to the sound captured, i.e., a word identical or similar to the one heard is spoken and projected on the screens. Speakers and viewing words on the screens of cell phones enables the engagement in a “dialog.” 33


SLICE

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Slice (2011) George Legrady (Hungria/Estados Unidos)

Slice (2011) George Legrady (Hungary/United States)

Uma imagem fotográfica é repetidamente cortada pela metade, sendo eventualmente reduzida a uma forma abstrata que, em seguida, é remontada numa representação diferente. Um software gera as composições visuais em tempo real, sendo o ciclo da animação realizado num período de 30 minutos, com aproximadamente seis imagens diferentes.

A photographic image is repeatedly sliced in half, eventually being reduced to an abstract form that then reconstructs itself into a different image. A software creates the real-time visual compositions. The animation cycle takes 30 minutes featuring about six different images.

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SLICE A ni m ação d e softwar e p e rsona l i z ado, 2 p roj e tor e s ou

Custo m softwar e ani m ation , 2 p roj e c tors or

v isua l i z ação d e t e l a

s c r e e n v isua l i z ation

D i m e ns õ e s vari áv e is

D i m e nsions variab l e

G e o r g e L e g r a dy

Slice é uma animação gerada por software executado em tempo real, o que significa que a organização dos acontecimentos e os detalhes são calculados quando o software está rodando. A visualização começa com uma imagem que é cortada ao meio e esse processo continua até que a imagem original fique reduzida a fatias diminutas, resultando em uma abstração já não mais fotograficamente reconhecível. Uma vez atingido esse estado de abstração, as fatias duplicam de tamanho até que, por fim, reconstituem toda a imagem, mas diferente da anterior. A sequência consiste em oito imagens no total, sendo cada uma codificada com uma das quatro cores. Isso leva a uma situação em que o espectador só percebe a mudança de cor a cada duas imagens. A transição entre as imagens da mesma cor é quase imperceptível, enquanto a projeção das de cores diferentes faz o espectador reconhecer imediatamente que “uma mudança está ocorrendo”.

“Slice” is a software-generated animation that runs in real-time, which means that the organization of events and details are calculated when the computer software is operational. The visualization begins with an image that is sliced in half and this process continues until the original image is reduced to very small slices resulting in an abstraction that is not photographically recognizable anymore. Once it reaches this state of abstraction, the slices double in size eventually returning to a full image, but one which is different from the previous one. The sequence consists of eight images in total and each is color coded with one of four colors. This results in a situation where the viewer only perceives the color changes every second image. The transition between images of same color is hardly noticeable, whereas when the incoming different colors creates instant recognition for the viewer that ‘change is taking place.’

Esta obra trata da transição de um estado para outro − de um estado de legibilidade, quando se reconhece

This artwork is about the transition from one state to another – from a state of legibility when one recognizes

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detalhes fotográficos, para um estado de ilegibilidade, quando as fatias são tão finas que a imagem se torna uma abstração, seguida de uma volta à identificação perceptiva dos detalhes fotográficos.

photographic detail to a state of illegibility when the slices are so thin that the image is an abstraction, then followed with a return back to the perceptual identification of photographic detail.

Para esta exposição, selecionei imagens que apresentam uma identificação cultural específica. Alguns podem chegar a associar os elementos visuais com o comovente filme L’Année Dernière à Marienbad, de 1960, do diretor da nouvelle vague Alain Resnais e roteiro do escritor do novo romance francês Alain Robbe-Grillet. Minhas influências para esta obra são os escritos do linguista búlgaro-francês Tvestan Todorov, que descreve a transição de um estado para outro como a forma mais básica da narrativa. Há também o escritor francês do grupo OuLiPo Raymond Queneau, cujos Exercices de Style [exercícios de estilo, em francês] recontam a mesma história várias vezes, mas em diferentes formas estilísticas a fim de explorar como o processo de “recontar” produz inesperadas ressonâncias no significado.

For this exhibition I have selected images that have a specific cultural identification. Some of you may associate the visuals with the dramatically staged 1960’s film “L’Année dernière à Marienbad” by the new wave director Alain Resnais, and the French New Novel author Alain Robbe-Grillet. My influences for this work are the writings of the Bulgarian/ French linguist Tvestan Todorov, who describes the transition from one state to another as the most basic form of narrative. There is also the OULIPO French writer Raymond Queneau, whose “style exercises” in French retells the same story multiple times, but in different stylistic forms to explore how the process of “retelling” produces unexpected resonances in meaning.

Quando o projeto foi exposto pela primeira vez em novembro de 2011 na Edward Cella Gallery, em Los Angeles, vários visitantes me perguntaram como tinha conseguido a encenação, ao descobrirem que eu tinha tirado as fotos, e por que não mantive a cor nas imagens. A resposta foi, evidentemente, que com o tempo tudo é encenado e o tempo histórico determina o estado da tecnologia. Estas são fotografias de 35 milímetros em preto e branco tiradas no Baile Húngaro, no Windsor Hotel em Montreal, Quebec, em 1973.

When the project was first exhibited in November 2011 at the Edward Cella Gallery in Los Angeles, a number of visitors asked me how I managed to stage the event once they found out I took the photographs and why I did not keep the color in images. The answer of course was that with time everything becomes staged and historical time determines the state of the technology. These are black and white 35mm photographs taken at the Hungarian Ball at the Windsor Hotel in Montreal, Quebec, in 1973.

Software de visualização com Yun Teng 39

Visualization software with Yun Teng


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EXPLODED VIEW [ COMMUTERS]

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Exploded View [Commuters] (2001) Jim Campbell (Estados Unidos)

Exploded View [Commuters] (2001) Jim Campbell (United States)

A obra expande uma imagem em movimento – plana e bidimensional – em uma matriz tridimensional escultórica composta de mais de mil diodos brancos pendurados (LEDs). O resultado é uma tela de baixa resolução, que explora os limiares da percepção e questiona qual é a quantidade de informação necessária para se compreender uma imagem. Vista de ângulos diferentes, o piscar de luzes parece ser aleatório. Mas, a partir de certo ponto de vista, a cintilação se resolve em sombrias figuras que se deslocam pelo espaço.

In this artwork, a flat 2D moving image is expanded into a sculptural 3D matrix consisting of more than a thousand hanging white diodes (aka LEDs). The outcome is a low-resolution screen, which explores the thresholds of perception and asks what is the amount of information needed to understand an image. Viewed from different angles, the flashing of lights appears to be random. However, from a certain point of view, the twinkle resolves itself into bleak figures moving through the space. 43


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THE MIMETIC STARFISH

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The Mimetic Starfish (2000-2006) Richard Brown (United Kingdom)

The Mimetic Starfish (2000−2006) Richard Brown (Reino Unido)

Illusion and mimicry are the hallmarks of Brown’s installation, which challenges the way we consider what is and what is not a living being. A virtual starfish, “coached” by the technology of neural networks, performs organic movements and conveys a sense of vitality. The piece is an example of artificial life that encompasses the concepts of magic and technology, art and science, philosophy and cognition.

Ilusão e mimetismo são as marcas da instalação de Brown, que desafia o modo como consideramos o que é e o que não é um ser vivente. Uma estrela-do-mar virtual, “treinada” por tecnologia de redes neurais, tem movimentos orgânicos e transmite uma sensação de vitalidade. O trabalho é um exemplo de vida artificial que engloba os conceitos de magia e tecnologia, arte e ciência, filosofia e cognição. 47


The Mimetic Starfish R e s e n h a sobr e Mi m e ti c S tarfis h 2000-2012

A r e v i e w of t h e Mi m e ti c S tarfis h 2000-2012

Richard Brown

O D o m o do Mi l ê nio

O Mimetic Starfish (originalmente chamado de The Neural Net Starfish) foi criado em 1999, sob encomenda, para ser apresentado no Domo do Milênio, uma vitrine montada para impressionar e inspirar o público em geral na mesma linha da Grande Exposição de 1851, realizada em Londres. O Domo do Milênio consistiu em várias zonas temáticas e o Starfish foi exibido na Zona da Mente, projetada por Zaha Hadid, pela qual o Domo recebeu uma crítica bastante positiva do Times: “A Zona da Mente realmente contém a melhor parte de todo o Domo: o Neural Net Starfish. Uma estrela-do-mar dourada em 3D maior do que uma de tamanho natural foi, de alguma forma, incrustada em um tampo de mesa de mármore. 48

T h e Mi l l e nniu m D o m e

The Mimetic Starfish (originally entitled The Neural Net Starfish) was created in 1999 as a commission for the Millennium Dome, a showcase that set out to awe and inspire the general public in the spirit of the Great Exhibition held in London in 1851. The Millennium Dome consisted of a number of themed zones and the Starfish was exhibited in the Mind Zone designed by Zaha Hadid where it received a glowing review from the Times: “The Mind Zone does contain the best bit of the entire dome: the Neural Net Starfish. A larger-than-life, gold, 3-D starfish has been somehow incorporated into a marble table top.


The Neural Net Starfish, Domo do Milênio

Neural Net Starfish, Millennium Dome

2000, imagem cortesia de Cohen Wolf

2000, image courtesy of Cohen Wolf

Sua semelhança com uma estrela-do-mar real é incrível e responde ao contato humano retraindo-se com altivez ou esticando um tentáculo como um gesto de amizade à aproximação de uma mão”. The Times, sábado, 8 de janeiro de 2000.

O Starfish ficou em cartaz ininterruptamente por um ano, interagiu com milhares de visitantes e criou um senso de magia, mistério e admiração em pessoas de todas as idades e classes sociais. No final da exposição, era claramente visível o entro49

It is incredibly lifelike and responds to human contact by retracting disdainfully or stretching out a tentacle in friendship when a hand approaches” The Times, Saturday, 8th January, 2000. The Starfish ran constantly without fail for a year, it was interacted with by many thousands of visitors and created a sense of magic, mystery and awe in people of all ages and walks of life. At the end of the exhibition evidence of


samento e a intensa interatividade na superfície de projeção de alumínio que, em algumas partes, tinha ficado fisicamente desgastada em decorrência dos toques das pessoas nos membros da estrelado-mar virtual!

engagement and intense interactivity was clearly

O Starfish é uma tentativa de colocar a questão: “Como é para um ser inanimado o fato de acharem que ele é um ser vivo?” Por trás da projeção, um software feito em C++ simulava em 3D as propriedades dos músculos, da pele e de uma rede neural para gerar uma forma orgânica cujo comportamento assemelhava-se ao de um ser vivo. Uma câmera de infravermelho escondida detectava as mãos do visitante, às quais o Starfish reagia. Se o movimento das mãos fosse lento, um tentáculo se aproximava delas; se o movimento fosse brusco demais, o tentáculo recuava de susto. A carícia na pele do Starfish provocava uma incandescência nos neurônios, produzia ondulações, estremecimento e pulsos de cores.

The Starfish set out to pose the question

visible on the aluminium projection surface which in parts had been physically worn away as a result of people stroking the limbs of the virtual starfish!

“What is it for an inanimate being to be thought of as alive”? Behind the projection, a software written in C++ simulated in 3D the properties of muscles, skin and a neural net to create an organic form with life like behaviour. A hidden infra-red camera detected the visitor’s hands, which the Starfish would react to. If they moved slowly a tentacle would reach out towards their hand, if they moved too quickly it would jump back as if startled. Stroking the skin of the Starfish triggered neurons to fire, produced undulations, quivers and pulses of colours.

A inspiração para o movimento e o comportamento do Starfish surgiu de uma experiência de infância observando o olho estatelado de um caracol, que se retraía repentinamente diante de algo que o surpreendia. Antes de criar o Starfish, trabalhei com dois programadores de pesquisa no desenvolvimento do projeto Biotica, Gavin Bailey e Jonathan Mackenzie, que também fizeram a coprogramação do Starfish. Este foi gerado a partir do projeto Biotica, sendo essas duas obras exemplos de arte da vida artificial. Biotica, no entanto, era mais complexa e esotérica.

The inspiration for the movement and behaviour of the Starfish arose from a childhood experience observing the stalklike eye of a snail suddenly retracting when surprised. Prior to creating the Starfish I worked with two research programmers developing the Biotica project, Gavin Bailey and Jonathan Mackenzie, who also co-programmed the Starfish. The Starfish evolved from the Biotica project, both works being examples of Artificial Life Art, Biotica however was a more complex and esoteric work. 50


B ioti c a

Biotica

(1998-2000)

(1998-2000)

Em 1998, trabalhei no Royal College of Art como bolsista de pesquisa na área de design com computador, na prática da arte como método de pesquisa. A produção da instalação interativa Alembic, em 1997, uma instalação alquímica simulando a matéria física, despertou meu interesse na simulação do mundo mais orgânico da biologia. Com Igor Aleksander, cientista e professor do Imperial College, apresentamos uma proposta para o Sci Art Wellcome Trust no intuito de explorar a simulação de formas semelhantes a seres vivos baseada em redes neurais. A iniciativa foi um sucesso e o prêmio lançou a semente do projeto de pesquisa Biotica.

In 1998 at the Royal College of Art, I worked as a Research Fellow in Computer Related Design, practising art as a mode of enquiry. Having produced the interactive installation Alembic in 1997, an alchemical installation simulating physical matter, I became interested in simulating the more organic world of Biology. With scientist Professor Igor Aleksander from Imperial College we submitted a proposal to the Sci Art Wellcome Trust to explore the simulation of life like forms based on neural nets. The initiative was a success and the award seeded the Biotica research project .

Os recursos financeiros adicionais e o suporte de hardware da Intel permitiram a produção do sistema Biotica com os coprogramadores Gavin Bailey e Jonathan Mackenzie. Com a programação em C++, partimos para controlar o poder de emergência para criar uma sopa primordial a partir de onde esperávamos que criaturas de vida artificial surgissem espontaneamente. Infelizmente, não foi o que aconteceu e tivemos de projetar fisicamente a construção das criaturas celulares. Isso foi conseguido usando uma linguagem de autômatos finitos que atuou como uma forma de DNA digital, definindo o crescimento, as características e a forma física dos organismos celulares de vida artificial.

Further funding and hardware support from Intel enabled the production of the Biotica system with co-programmers Gavin Bailey and Jonathan Mackenzie. Programming in C++, we set out to harness the power of emergence to create a primitive soup from which we hoped artificial life creatures would spontaneously emerge. Sadly this did not happen and we had to physically engineer the construction of the cellular creatures. This was achieved using a finite state automata language which acted as a form of digital DNA, defining the growth, characteristics and physical form of the cellular A-Life organisms,

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Apesar de não conseguirmos aproveitar o poder de emergência para produzir organismos de vida artificial, fomos surpreendidos por um tipo diferente de emergência, a emergência comportamental de grupo – uma de tipo organizacional imprevisível baseada na interação complexa das criaturas celulares da rede neural, pululando, perseguindo com danças rítmicas e formações de padrão. As estruturas subjacentes das criaturas do Biotica apresentavam semelhanças com a construção do Starfish, sendo que as formas foram construídas a partir

Although we did not manage to harness the power of emergence to produce A-Life organisms, we were surprised by a different type of emergence, that of group behavioural emergence – unpredicted organisational emergence from the complex interaction of the cellular neural net creatures, swarming, chasing, rhythmic dances and pattern formations. The underlying structures of the Biotica creatures shared similarities with the construction of the Starfish, forms were constructed from

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de unidades celulares únicas chamadas Bions, unidas por meio de músculos, pele e neurônios artificiais com o objetivo de gerar criaturas multicelulares. Com o Biotica, o mundo foi povoado por criaturas celulares simples que “evoluíram” ao longo do tempo, passando de criaturas bicelulares a multicelulares mais complexas. Estas, então, estavam livres para circular no espaço do Biotica, reagindo à presença uns dos outros por meio da sinalização do neurônio, que, por sua vez, produzia o complexo comportamento emergente.

single celled units called Bions, connected together via artificial muscles, skin and neurons to create multi-celled creatures. With Biotica the world was populated by simple cellular creatures which “evolved” over time from twocelled creatures into more complex multicellular creatures. These then were free to move around in the Biotica space, reacting to each other’s presence through neuron signalling, which then produced the complex emergent behaviour.

Criaturas d e v ida artifi c ia l do

B ioti c a

B i óti c a

A- Lif e c r e atur e s

Ao fim de 18 meses de pesquisa e programação, produzimos uma instalação interativa em larga escala que foi exposta no Siggraph 2000.

At the end of eighteen months of research and programming, we produced a large scale interactive installation which was exhibited at Siggraph 2000.

A instalação do Biotica resumia nossa pesquisa em uma tentativa de estabelecer uma ligação com o público, já que, ao usar os braços, uma pessoa por vez deslizaria por um mundo virtual 3D de criaturas do Biotica. Minha intenção inicial era que o Biotica provocasse o questionamento: “Como é para um ser inanimado o fato de acharem que ele é um ser vivo?”. Mas o Biotica não funcionou como uma instalação bem-sucedida e envolvente. Para as pessoas, a interface de navegação era de uso muito difícil e o aspecto visual da obra era, talvez, abstrato demais para criar um envolvimento com o público.

The Biotica installation encapsulated our research in an attempt to engage with the public, where using their arms one person at a time would glide around a virtual 3D world of Biotica creatures. My original intention was that Biotica would provoke the question: “what is it for something to be thought of as alive?”, but Biotica did not work as a successful engaging installation. People found the navigation interface too difficult to use and the visual aspect of the work was perhaps too abstract to engage with its audience. 53


Biotica, Siggraph 2000

Biotica, Siggraph 2000

No entanto, o Biotica serviu para lançar as bases para a criação do Starfish. A experiência de produzir uma obra esotérica e abstrata um tanto abertamente inspirou-me a criar uma obra na qual o usuário e a experiência visual seriam totalmente o oposto do Biotica – acessível e óbvia. Documentamos o desenvolvimento do Biotica e suas deficiências no livro Biotica: Art, Emergence and Artificial Life.

However, Biotica did lay the groundwork for the creation of the Starfish. The experience of creating a somewhat overtly abstracted and esoteric work, inspired me to create a work where the user and visual experience would be the total opposite of Biotica – accessible and obvious. We documented the development of Biotica and its shortfalls in the book: Biotica: Art, Artificial Life and Emergence.

O mundo do Biotica pode ser melhor visto imaginando o olhar por um microscópio, pois as criaturas são visualmente semelhantes e seus tipos de comportamento são parecidos ao dos microrganismos que são vistos quando se olha a água da lagoa por meio de um microscópio.

The world of Biotica might be better viewed as if looking down a microscope, for the creatures are visually similar and share the types of behaviour to the micro-organisms one sees when looking at pond water through a microscope. 54


Capa do livro Biotica

Biotica book cover 55


Em meus primeiros desenhos de como seria a instalação, produzi cenários nos quais o espectador agiria como um cientista e manusearia um dispositivo semelhante a um microscópio eletrônico.

In my early designs of how the installation would look, I produced scenarios where the viewer would act as a scientist and operate a device akin to an electronic microscope:

Esboços iniciais do Biotica, Richard Brown, 1997.

Early Biotica sketches, Richard Brown, 1997.

A estrutura do Biotica incorpora a ideia de um espaço multidimensional interligado, consistindo em pontos dinâmicos tendo relações multidimensionais com os outros pontos alternadamente. A ideia subjacente de um mundo dinâmico e multidimensional de pontos conectados por diferentes relações de energia, sejam eles simulações de músculos, de neurônios ou gradientes químicos, talvez tenha potencial em outros campos como a biologia artificial, visualizações de matemáticas e simulação de nanomateriais de automontagem.

The Biotica framework embodies the idea of an interconnected multi-dimensional space, consisting of dynamic points having multi-dimensional relationships with every other point. The underlying idea of a dynamic multi-dimensional world of points connected by varying energy relationships, be they simulated muscles, neurons or chemical gradients perhaps has potential in other fields such as Artificial Biology, mathematical visualisations and the simulation of self-assembly nano materials.

A natureza desse tipo de simulação requer processamento pesado e é bem adequada para um ambiente com vários processadores, ou talvez até mesmo um tipo de rede na nuvem. O desenvolvimento de um

The nature of this type of simulation requires heavy duty processing and is well suited to a multiprocessor environment, or perhaps even a cloud type of network. Development of such 56


projeto como esse também aproveitou uma abordagem de fonte aberta e o projeto cooperativo de interfaces de usuário para permitir o desenvolvimento de compartilhamento e em colaboração de muitos tipos de experimentos e simulações.

a project would also benefit from an open source approach and the co-operative design of user interfaces to enable the sharing and collaborative development of many types of simulations and experiments.

E m oção A rt. fi c ia l ( 2 0 1 2 )

Quando fui convidado para expor o Mimetic Starfish no Emoção Art.ficial, me deparei com o desafio de adaptar o software para um computador que rodasse no Windows atual ou encontrar um computador antigo para despachar para o Brasil.

Emoção Art.ficial (2012)

When I was invited to exhibit the Mimetic Starfish at Emoção Art.ficial I was presented with the challenge of either porting the software to a present day Windows based computer or finding an old computer to ship out to Brazil.

A tecnologia avançou desde 1999 e não só os processadores são muito mais rápidos, exigindo que se reescreva o software a fim de produzir os mesmos comportamentos de tempo real e as respostas orgânicas, mas as interfaces de hardware também mudaram. A obra original utilizava um digitalizador de vídeo PCI e o software de visão de máquina (Stemmer Vision) utilizava um dongle de segurança que exigia uma porta de impressora paralela. As máquinas modernas já não têm portas de impressora paralela, agora estão equipadas com USB e o bus interno é o PCI express.

Technology has moved on since 1999 and not only are processors much faster, requiring the software to be rewritten so as to produce the same real time behaviours and organic responses, but hardware interfaces have changed. The original work made use of a PCI frame grabber and the machine vision software (Stemmer Vision) utilised a security dongle that required a parallel printer port. Modern machines no longer have parallel printer ports, they are now USB and the internal bus is PCI express.

Em razão de restrições de cronograma e orçamento, preferi tentar encontrar um computador antigo para rodar o Mimetic Starfish, o que foi, de fato, um enorme desafio! A máquina tinha de ter a especificação certa de capacidade gráfica 3D, velocidade de processamento e as interfa-

Due to timescale and budget restrictions, I chose to try and find an old computer to run the Mimetic Starfish; this proved quite a challenge! The machine had to have the right specification of 3D graphics capability, processing speed and the 57


ces de hardware adequadas. Encontrei um pequeno computador de mesa Dell Pentium, acrescentei uma placa gráfica e instalei o software do Mimetic Starfish e o digitalizador de vídeo PCI. Isso acabou representando uma solução perfeita por ser uma máquina bem construída e projetada, rodando o conhecido Windows XP. Ela foi enviada ao Brasil, chegando em boas condições de funcionamento, e rodou continuamente sem nenhum problema durante toda a mostra.

appropriate hardware interfaces. I found a small Dell Pentium business desktop machine and added a graphics card, and installed the Mimetic Starfish software and PCI frame grabber. This proved a perfect solution, it was a well built and designed machine, running the familiar Windows XP. The machine was shipped to Brazil, arrived in working order and ran continually without fail throughout the show.

Menciono esse assunto da evolução tecnológica uma vez que essa é uma preocupação fundamental para curadores de obras digitais. Talvez seja incomum expor uma

I mention this topic of evolving technology as it is a key concern for curators of digital work. It is perhaps unusual to exhibit a digital work that

Mimetic Starfish, Emoção Art.ficial, Itaú Cultural, São Paulo,

Mimetic Starfish, Emoção Art.ficial, Itaú Cultural, Sao

Brasil 2012

Paulo, Brazil, 2012 58


obra digital que já tenha mais de 12 anos de existência; o mundo da arte digital tende a ser um pouco parecido com o da moda − tudo tem de ser a última novidade! Foi um grande prazer testemunhar a alegria das crianças das escolas de São Paulo, que ficavam encantadas com o Mimetic Starfish, apesar de sua total familiaridade com o conceito de uma interface de toque em virtude do predomínio onipresente dos smartphones e dos iPads.

is over twelve years old; the digital art world tending to be a somewhat akin to the fashion world – everything has to be the latest new thing! It was a great pleasure witnessing the delight of the school children from Sao Paulo; they were enchanted by the Mimetic Starfish, despite their total familiarity with concept of a touch interface due to the ubiquitous prevalence of smartphones and iPads.

Quando o Starfish foi exposto pela primeira vez no Domo do Milênio, em 2000, essa tecnologia não existia e os visitantes não acreditavam muito que os gestos de suas mãos sobre o tampo da mesa pudessem produzir a reação de uma estrela-do-mar projetada com quase dois metros! Apesar de as tecnologias de interface gestual serem comuns atualmente, o caráter e a escala da obra, sua dinâmica e forma escultural interativa têm uma qualidade estética inerente que continua a envolver e maravilhar até mesmo o público esclarecido e moderno da geração iPhone de hoje.

When the Starfish was originally shown in the Millennium Dome in 2000, such technology did not exist, and visitors would not quite believe that their hand gestures on a table top could produce a reaction from a six foot projected starfish! Despite the fact that gestural interface technologies are now commonplace, the character and scale of the work, its dynamic and interactive sculptural form has an inherent aesthetic quality and continues to engage and evoke wonder even with today’s modern iPhone savvy audience.

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I- FLUX

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i-Flux (2011) Silvia Laurentiz and Martha Gabriel [sound by Fernando Iazzetta] (Brazil)

i-Flux (2011) Silvia Laurentiz e Martha Gabriel [com som de Fernando Iazzetta] (Brasil)

i-Flux is a systemic, interactive and dynamic art, working with flows of information of different nature. The heart of the system is located in an installation, that serves as a central hub (a device interconnecting the computers of a local network), thus centralizing the interactions of the flows from the premises where it is housed. The system evolves by local status and by dialog and transfer of information from the site where it is (in this case, Itaú Cultural building), which will supply data input to the installation sourced from internet networks, electric power network, water supply network, incoming and outgoing flow of people, different information flows that put the life in a building into motion every day. Each type of datum is represented by a pattern, which is viewed as a constant rain projected on the wall of the work and acts on a “creature”, a kind of ecosystem regulator.

i-Flux é uma arte sistêmica, interativa e dinâmica, que trabalha com fluxos de informações de diferentes naturezas. O coração do sistema está localizado em uma instalação, que age como o hub central (dispositivo que interliga computadores de uma rede local), concentrando as interações dos fluxos do ambiente em que está abrigado. O sistema evolui por meio de estados locais e do diálogo e translações das informações do lugar em que se encontra (no caso, o prédio do Itaú Cultural), que fornecerá os dados de fluxos para a instalação: redes internas, rede elétrica, rede hidráulica, entradas e saídas de pessoas, diferentes fluxos de informações que movimentam diariamente a vida de um edifício. Cada tipo de dado será representado por um padrão, que será visualizado como uma constante chuva projetada na parede da obra e agirá sobre uma “criatura”, uma espécie de regulador do ecossistema. 61


GENERATION 244

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Generation 244 (2011) Scott Draves e The Electric Sheep (Estados Unidos e o mundo)

Generation 244 (2011) Scott Draves and The Electric Sheep (United States and the world)

Uma obra de “software art” criada em parceria com Electric Sheep, uma mente cibernética composta de centenas de milhares de computadores espalhados pelo mundo. Este sistema, que se reproduz por evolução darwiniana, é uma forma de vida artificial que Scott Draves criou em 1999, em que cada imagem construída é o resultado de uma equação com milhares de parâmetros e variáveis. Para criar a obra, Draves selecionou as linhagens preferidas da geração 244 do sistema. O vídeo não linear resultante é acionado numa sequência infinita e não repetitiva.

A “software art” work created in association with the Electric Sheep, a cybernetic mind composed of hundreds of thousands of computers spread through the world. This system, which is reproduced by Darwinian evolution, is a form of artificial life that Scott Draves materialized in 1999. Each image built is the result of an equation with thousands of parameters and variables. For this work, Draves selected the preferred lineages of the generation 244 of the system. The resulting non-linear video plays back in an infinite and non-looping sequence.

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ETHALON Adhesion/Survival Manual

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Ethalon − Adhesion/Survival Manual (2012) Federico Díaz (Argentina/Czech Republic)

Ethalon − Adhesion/Survival Manual (2012) Federico Díaz (Argentina/República Tcheca)

A subtle computational event unfolds while superimposed onto various moving images projected through two channels. Its shape is defined by rules created by the Fibonacci numbers, a sequence used in converting miles to kilometers and other applications. The narrative about the actions of a fictitious surveyorclimber is pervaded by geometry and mathematical symbols and the principle of reality.

Sobre diversas imagens em movimento projetadas em dois canais, um sutil evento computacional se desenrola. A sua forma é definida por regras determinadas por números de Fibonacci, uma sequência usada na conversão de milhas para quilômetros, entre outras aplicações. A narrativa sobre as ações de um fictício agrimensor-alpinista está permeada por simbologias sobre geometria, matemática e o princípio da realidade. 67


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ETHALON A d h e sion / S ur v i va l Manua l

A d h e sion / S ur v i va l Manua l

Data: 2009

Date: 2009

Material: objetos de poliamida, tinta, pintura, tela termossensível

Material: polyamide objects, ink painting, termosensitive display

Componentes: luz, projetores de dados (data show)

Components: light, dataprojectors

Tamanho: 600 x 600 x 200 cm

Size: 600 x 600 x 200 cm

Exibição: 2009 / Frederieke Taylor / Nova York / Chelsea / EUA

Exhibited: 2009 / Frederieke Taylor / New York / Chelsea /

2009 / GalerieZdenekSklenar / Praga / República Tcheca

US – 2009 / GalerieZdenekSklenar/ Prague / Czech Republic

À primeira vista, Adhesion/Survival Manual parece ser uma série de fotos monocromáticas (pretas ou brancas). No entanto, são objetos que fazem às vezes de superfícies de projeção. Suas formas são definidas por regras determinadas pelo chamado sistema de Lindenmayer − usado para modelar os processos de crescimento e desenvolvimento das plantas. No processo de geração de crescimento, criam-se estruturas de complexidade cada vez maior. Neste caso, a forma real da imagem é determinada pela definição dos limites da superfície, que o sistema assume após 12 passos (gerações) desde o início de sua modelagem. A superfície resultante é impressa com uma cor especial termoativa que, quando

At first sight the Adhesion/ Survival Manual looks like a series of monochromatic (either black or white) pictures. However, they are objects which sometimes serve as projection surfaces. Their shapes are defined by rules which are determined by the so-called Lindenmayer system – a system used to model the growth and development processes of plants. In the process of growth generation, structures of ever-increasing complexity are created. In this case, the actual form of the picture is determined by the definition of the boundaries of the surface, which the system assumes after 12 steps (generations) from the beginning of its modelling. The resultant surface is printed with a special thermo-active colour. When

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o espectador fica em frente ao objeto, começa a responder à proximidade do seu corpo e as linhas aparecem gradualmente na superfície da imagem, desenvolvendo-se de acordo com o sistema-L mencionado acima. O padrão das linhas é sempre diferente já que as informações recebidas pelo sistema mudam de forma gerativa. As linhas espalham-se em imagens fractais, cobrindo pouco a pouco toda a superfície do objeto.

the viewer stands in front of the object the thermoactive colour begins to respond to the proximity of the viewer’s body and lines gradually appear on the surface of the picture, developing according to the above-mentioned L-system. The pattern of the lines is different each time as the information which the system receives changes generatively. The lines spread out into fractal images, gradually covering the whole surface of the object.

De novo, este é um caso de uso da linguagem formal sistematizada da ciência. O sistema de regras com suas invariáveis e variáveis funciona aqui como uma linguagem para modelagem abstrata que, a partir de princípios estruturalmente simples, produz resultados funcionalmente complexos. Contudo, deveria também servir para descrever nossa experiência pessoal – a experiência da nossa presença física em uma paisagem. Existe uma interação entre corpo e paisagem que ocorre não somente no nível consciente, mas que está profundamente enraizada na estrutura do corpo e da própria paisagem. Tão profunda que atinge o nível do código comum ao corpo e à paisagem. Assim, na instalação Adhesion/Survival Manual, o que aparece diante de nós é um “código de paisagem”, um protótipo de paisagem geral. Ao mesmo tempo, a atividade desse código é induzida por nossos corpos. Consequentemente, nesta obra, os âmbitos do consciente, do abstrato e da projeção encontram-se com os âmbitos do físico, da subsemântica e do prepredicativo.

Once again, this is a case of the use of the formal systematized language of science. The system of rules with its invariables and variables serves here as a language for abstract modelling, which from structurally simple beginnings leads to functionally complex outcomes. At the same time, however, it should also serve to describe our personal experience – the experience of our physical presence in a landscape. There is an interaction between body and landscape, which takes place not only on a conscious level, but is rooted deep in the structure of the body and the landscape itself. So deep, that it reaches the level of the code common to the body and the landscape. Thus in the Adhesion/ Survival Manual installation there appears before us a ‘landscape code’, a general landscape prototype. At the same time, this code’s activity is prompted by our bodies. Therefore, in this work the spheres of the conscious, the abstract and the projecting meet with the spheres of the physical, the subsemantic and the prepredicative.

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THINK

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Think (2007) The Interactive Institute (Suécia)

Think (2007) The Interactive Institute (Sweden) The installation is a playful and interactive setting where visitors share their thoughts with other people and stimulate a different type of conversation. It is a public space for the creation and circulation of ideas where several thoughts are typed on a keyboard and projected inside balloons of comic books. The work was first showcased at the International Conference on Thinking and, later, at the Ars Electronica Festival.

A instalação é um ambiente lúdico e interativo no qual os visitantes compartilham seus pensamentos com outras pessoas e estimulam um tipo de conversação diferente. É um espaço público para a criação e circulação de ideias, em que diversos pensamentos são digitados num teclado e projetados dentro de balões de histórias em quadrinhos. O trabalho foi apresentado pela primeira vez na Conferência Internacional sobre Pensamento e, mais tarde, no Ars Electronica Festival. 73


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FACE MUSIC

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Face Music (2011) Ken Rinaldo (EUA)

Face Music (2011) Ken Rinaldo (USA)

Uma série de seis esculturas robóticas compõem peças musicais a partir de imagens faciais dos participantes. Braços robóticos, com microcâmeras de vídeo em suas pontas, movem-se em direção ao calor corporal das pessoas e capturam imagens de seus rostos. Estes instantâneos são processados digitalmente e transformados em sonoridades, que, de forma generativa, evoluem e se transformam em melodias, sons e ritmos. O trabalho de Rinaldo explora novas morfologias da “soft robotics”, um campo emergente, no qual humanos, robôs e elementos robóticos se fundem em novas formas híbridas.

A series of six robotic sculptures write music based on photos taken of the visitors’ faces. Robotic arms equipped with micro-cameras on their ends move around as attracted to people’s body heat and capture snapshots of their faces. These snapshots are digitally processed and transformed into sounds that, in a generative manner, evolve and transform into melodies, sounds and rhythms. Rinaldo’s work explores new morphologies of “soft robotics,” an emerging field in which humans, robots and robotic elements merge into new hybrid forms.

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S i m p ó sio da B i e na l S y m p osiu m of t h e I nt e rnac iona l d e A rt e e I nt e rnationa l A rt and T e c no lo g ia T ec h no lo gy B i e nnia l

F e r n a n d o Ol i v a

Esta edição do Simpósio Internacional, concebida pelo curador e pesquisador Fernando Oliva, pretende abrir espaço para que se manifeste, agora e no futuro próximo, um lugar de debate em que as relações entre arte e tecnologia possam ser, mais uma vez, repensadas de maneira crítica e inesperada, produzindo reverberações no sistema expandido da arte, cultura e sociedade, no âmbito do individual e do coletivo. O conjunto dos debates, em sua articulação, lança suas conclusões e suas dúvidas para além do circuito especializado das artes visuais – tanto em sua rubrica “arte e tecnologia”, como nas de “arte contemporânea”, “artes visuais” e demais definições que há muito tempo não são mais capazes de dar conta da complexidade e potência da produção artística, intelectual e simbólica de nosso tempo.

This edition of the International Symposium, conceived by curator and researcher Fernando Oliva, is meant to make room for the rise, now and in the near future, of a forum of discussion where the relations between art and technology can be, once again, reconsidered in a critical and unexpected way, seeking to produce echoes in the expanded system of art, culture and society in the individual and collective spheres. The whole series of debates, as designed, raises the conclusions and questions beyond the specialized realm of visual arts – both under the “art and technology” heading and as “contemporary art,” “visual arts” and other definitions that for a long time have not been able any longer to cover the complexity and power of the artistic, intellectual and symbolic output of our time. 87


Nesse sentido, o simpósio toma certa distância, necessária e saudável, em relação à ambiência estética e discursiva criada pela seção expositiva do mesmo evento, sem no entanto convocar uma chancela de “reservatório para teoria e pensamento”, que em geral se aplica ao formato de debates e seminários paralelos a uma exposição. Na contramão de uma tentativa – que provavelmente nasceria frustrada – de constituir um território específico para as reflexões na fronteira arte e tecnologia hoje, o encontro se propõe a estabelecer conexões, diagonais e divergentes, com campos do conhecimento para além de lugares já culturalmente e politicamente estabelecidos e reconhecidos. Os debates passam pela antropologia e pela psicanálise, mas também pelo encontro da ficção científica com Dominique GonzalezFoerster, sessões mediúnicas e a presença do falecido surrealista Joseph Cornell, controle social e a reencenação da traumática Experiência Milgram, a tecno-estética de Gilbert Simondon, redes sociais e pornografia virtual, Gustav Metzger, Roberto Bolaño, Enrique Vila-Matas e Jean-Luc Godard.

In this regard, the symposium moves away – a necessary and healthy attitude – from the discursive and aesthetic ambience created by the exhibition portion of the same event, without however labeling itself as a “reservoir for theory and thought,” which generally applies to the format of debates and seminars running concurrently with an exhibition. Heading the opposite direction of an attempt — which was likely to be frustrated from the very start – to constitute a specific territory for the reflections bordering art and technology today, the meeting aims to establish diagonal and diverging connections with fields of knowledge beyond places already established and recognized both culturally and politically. The debates cover anthropology as well as psychoanalysis, but also include the encounter of science fiction with Dominique GonzalezFoerster, seances and the presence of the late surrealist Joseph Cornell, social control and the re-enactment of the traumatic Milgram Experiment, Gilbert Simondon’s techno-aesthetics, social networks and virtual pornography, Gustav Metzger, Roberto Bolaño, Enrique Vila-Matas and Jean-Luc Godard.

Em uma mesma operação paradoxal de “corte”, os conteúdos do simpósio rejeitam e aderem aos conceitos lançados pela exposição, desde a possibilidade de se criar, hoje, um lugar de convivência em torno de uma ideia geográfica (a instituição cultural e seus

In the same paradoxical operation of “cutting”, the contents of the symposium reject and adhere to the concepts adopted in the exhibition, from the possibility of creating today a shared place focusing on a geographic idea (the cultural institution and its exhibition 88


espaços de exibição), até a fantasia de um sentimento conciliador em um campo artístico e teórico, o da arte e tecnologia, que nasceu com base em embates e distensões.

facilities) to the fantasy of a conciliating feeling in an artistic and theoretical field, that of art and technology, the birth of which was founded on clashes and detente.

É importante dizer que este desejo, na base conceitual do simpósio, é ele também utópico: no interior de uma máquina de distanciamento crítico e tom blasé que é a história e a historiografia da arte e da cultura hoje, busca-se produzir novas fricções para engrenagens já desgastadas pela reiteração e seus clichês, e que, contra todos os prognósticos catastrofistas, mantiveram sua dignidade e agora se mostram prontas para uma reestreia. No conflagrado palco do sistema arte e tecnologia, uma nova e inesperada mise-en-scène se anuncia discretamente: contraditória, marcada pela vontade do inédito, mas sem pudores em se entregar à pura repetição. Captar estes sintomas é outro dos objetivos desta edição do simpósio.

It is important to say that such desire, at the symposium conceptual base, is also utopian: inside a machine of critical observation from afar and an unenthusiastic tone that is history as well as art and culture historiography today, there is an attempt to produce new friction to gears worn out as a result of reiteration and its cliches and that, against all catastrophic predictions, have kept their dignity and now show that they are ready for a new debut. On the ignited stage of art and technology system, a new and unexpected mise-en-scène is quietly announced: contradictory, marked by the desire for the unreleased, but unashamedly surrendering to sheer repetition. Capturing these symptoms is another goal of this edition of the symposium.

Parece ter chegado o momento de se fazer uma avaliação prospectiva, uma que na mesma operação se dirija ao passado e aponte para o futuro. De uma perspectiva histórica, sem fazer tábula rasa, renovar a “folha em branco” dessas relações. Este simpósio almeja colocar em ação esse movimento crítico pendular, ora em direção às pesquisas artísticas, especialmente estas aqui em exibição na Bienal Internacional de Arte e Tecnologia, ora em direção ao mundo das ideias que não se en-

It seems the time has come to make a prospective assessment, one that in the same operation addresses the past and points to the future. From a historical perspective, without putting aside everything that has been done so far, it is time to renew the “blank sheet” of these relations. This symposium aims to put into action this pendular critical movement, sometimes geared to artistic research, especially the ones being showcased here at the International Art and Technology Biennial, sometimes geared to the world of ideas 89


contram “fora”, aquém ou além, mas que atravessam incessantemente esta produção. No ritmo multi-direcional desses vetores podem surgir imprevistas relações, novas camadas de entendimento, talvez neste momento ainda encobertas pela poeira da linguagem e dos discursos, mas que podemos agora tornar visíveis.

that are not found “outside,” below or beyond, but

Ao fim, o simpósio almeja colaborar para que surjam inéditas estruturas de pensamento neste espaço por definição etéreo, fragmentado e sem aderência – características responsáveis tanto por suas fragilidades quanto suas potências formais, intelectuais, políticas e econômicas. No limite, a intenção de criar estratégias anticomodificação, que venham a ser usadas tanto pelos artistas quanto como por uma crítica e uma historiografia que podem e precisam se reinventar.

Ultimately, the symposium aims to cooperate

instead uninterruptedly permeate this production. The multidirectional rhythm of these vectors may bring about unpredictable relations, new layers of understanding, maybe at this time still shrouded in dust of language and discourses, but which we can now make visible.

with the emergence of new structures of thinking in this space that is, by definition, ethereal, fragmented and without grip – features that account for both its weaknesses and its formal, intellectual, political and economic strengths. At the limit, the intention is to create anticommodification strategies, which will be used both by artists and by critics and historians who can and need to reinvent themselves.

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Fernando Oliva is a curator, researcher and professor (Faculdade de Artes Plásticas, Faap [College of Fine Arts, Armando Álvares Penteado Foundation). He is a member of the Videobrasil Curatorial Committee and was editor of the Caderno Videobrasil Turista/Motorista

Fernando Oliva é curador, pesquisador e docente (Faculdade de Artes Plásticas da Faap). Integra a Comissão Curatorial do Videobrasil e editou o Caderno Videobrasil Turista/Motorista. Foi diretor da Divisão de Curadoria do Centro Cultural São Paulo e atuou como curador no Paço das Artes e no Museu da Imagem e do Som (MIS). Entre seus projetos recentes destacam-se O Retorno da Coleção Tamagni − Até as Estrelas por Caminhos Difíceis (MAMSP, 2012, com Felipe Chaimovich), O Desvio É o Alvo (2011, com Luisa Duarte), Cover = Reencenação + Repetição (MAM-SP, 2008), I/ Legítimo (MIS, 2008, com Priscila Arantes), Comunismo da Forma (Galeria Vermelho, 2007, com Marcelo Rezende); À la Chinoise (Microwave, Hong Kong, 2007) e VOL. (Vermelho, 2004, com José Augusto Ribeiro).

[Videobrasil Tourist/Driver Section]. He was director to the Curatorship Division of the CCSP [São Paulo Cultural Center] and was curator to the Paço das Artes [Palace of the Arts] and the Museu da Imagem e do Som – MIS [Museum of Image and Sound]. Notable amongst his latest projects are O Retorno da Coleção Tamagni − Até as Estrelas por Caminhos Difíceis [The Return of the Tamagni Collection - Until the Stars Through Difficult Paths] (MAM-SP [São Paulo Museum of Modern Art], 2012, with Felipe Chaimovich), O Desvio É o Alvo [Detour is the Goal] (2011, with Luisa Duarte), Cover = Reencenação + Repetição [Cover = Re-enactment + Repetition] (MAM-SP, 2008), I/Legítimo [I/Legitimate] (MIS, 2008, with Priscila Arantes), Comunismo da Forma [Communism of Form] (Galeria Vermelho [Vermelho Gallery], 2007, with Marcelo Rezende); À la Chinoise (Microwave, Hong Kong, 2007) and VOL. (Vermelho, 2004, with José Augusto Ribeiro). 91


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T e c no - e st é ti c a : R e p e nsando as R e l açõ e s e ntr e A rt e e T e c no lo g ia

T ec h no -a e st h e ti c s : R e t h in k in g t h e R e l ations b e tw e e n A rt and T e c h no lo gy

L ay m e r t G a r c i a d o s S a n t o s

As relações entre a arte contemporânea e a tecnologia, sobretudo a digital, precisam ser repensadas porque, a partir dos anos 70 do século XX, com a “virada cibernética”, entramos num outro tipo de formação sócio-histórica que nos possibilita uma experiência estética muito específica, de natureza tecno-estética. E isso se deve, antes de tudo, à tremenda capilaridade das tecnologias da informação penetrando em todos os setores e atividades e transformando a vida, o trabalho e a linguagem.

The relations between contemporary art and technology, particularly digital technology, need to be reconsidered because, from the 1970s onwards, with the “cybernetic turn”, we are now stepping into a new type of social-historical constitution that paves the path to a very specific aesthetic experience, one of a techno-aesthetic nature. And this is due, above all, to the tremendous reach of information technology seeping into all sectors and activities and transforming life, work and language.

É claro que a arte também foi e está sendo afetada pelo intenso processo de tecnologização. Por isso, vale lembrar o texto de Hans Belting, “Art in the TV Age. On Global Art and Local Art History”, pois nesse ensaio, refletindo sobre o que cabe à arte numa era tecnológica, o historiador sugere que a arte e a tecnologia sempre competiram, desde a emergência

Evidently art was and is being affected by the heavy process of technologization. So, it is worth recalling Hans Belting’s “Art in the TV Age. On Global Art and Local Art History.” In this essay, reflecting on what role art is playing in this technological era, the historian suggests that, ever since the rise of modernity, art and technology 93


da modernidade, em termos de descobrimento e de progresso. Entretanto, diz ele, “hoje a tecnologia parece vencer a velha competição e até conquistar uma indisputada autoridade na constituição de uma nova identidade global. Além disso, a tecnologia controla a experiência do que chamamos realidade virtual, cujo fascínio ofusca o velho papel da arte como o porto do imaginário”.  1 Ora, sempre segundo Belting, a vitória da tecnologia teve implicações importantes para a arte: em primeiro lugar, porque a utopia deixou de ser uma de suas reivindicações e tornou-se privilégio da tecnologia; por outro lado, a arte se tornou por excelência o campo da imaginação privada e da criatividade, enquanto a TV se tornou a expressão dos interesses econômicos e políticos em escala global; finalmente, lembrando Peter Sellers, o historiador afirma que, contrariamente aos mass media, a arte deve ser lenta, difícil e obscura se quiser manter sua vida e seus direitos no mundo de hoje.

have always competed as far as discovery and progress are concerned. However, he says, “today, technology seems to win the old competition and even gains an undisputed authority for a new global identity. Technology also controls the experience of what we call virtual reality whose fascination overshadows art’s old role as the harbor of the imaginary.”  1 Now, always according to Belting, the victory of technology resulted in major implications for art: firstly, because utopia no longer remains one of art’s claims but instead has turned into the privilege of technology; on the other hand, art has become par excellence the field of private imagination and creativity, while TV has become the expression of economic and political interests on a global scale; lastly, recalling Peter Sellers, the historian states that, unlike mass media, art must be slow, difficult and dark if it will keep its life and its rights in today’s world.

A observação de Belting é importante porque, vista por esse prisma, a vitória da tecnologia sobre a arte também passa a significar a primazia da capacidade da tecnologia de afetar o humano do modo mais intenso, de propor-lhe experiências cujo impacto transformador é inigualável e, no limite, de transmutar a própria individuação, na medida em que interfere na noção mesma de natureza humana. O que equivale a dizer que a potência de transformação da tecnologia, inclusive e sobretudo no tocante à

Belting’s remark is important because, as seen from this perspective, the victory of technology over art also happens to mean the primacy of the ability of technology to affect humans in the strongest way, to propose it experiences whose transforming impact is unequaled and, within the limits, to transmute its own individuation insofar as it interferes with the very notion of human nature. Which is the same as saying that the transforming power of technology, including and especially as regards the perception of

1  http://www.globalartmuseum.de/site/act_lecture3.

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1 http://www.globalartmuseum.de/site/act_lecture3.


percepção da realidade, é incomparavelmente maior do que aquela que a arte hoje pode vir a almejar.

reality, is incomparably greater than the one that art today may come to crave.

Ora, tal impacto se dá num contexto em que ainda predomina um divórcio entre tecnologia e cultura e a necessidade de superar esse estado de coisas. A questão é complexa e difícil porque prevalece em nossa cultura um pensamento autocrático, no dizer de Gilbert Simondon, uma “filosofia autocrática da técnica”, que repõe, nas relações homem-máquina, os termos da velha relação senhor-escravo. Com efeito, boa parte da concepção dominante vê o homem como senhor da máquina, ou, o seu contrário, a máquina sujeitando o humano. Concepção na qual sempre um dos termos da relação submete o outro, instrumentaliza-o para a realização de seus próprios desígnios.

Now, such an impact occurs in a context where a divorce between technology and culture and the need to overcome this state of affairs still prevails. The issue is complex and difficult because in our culture there is the predominance of an autocratic thought, as Gilbert Simondon says, an “autocratic philosophy of techniques”, which restores the terms of the old master-slave relation in the man-machine relations. Indeed, much of the dominant conception sees man as the lord of the machine or the contrary, the machine subjecting the human being. A conception in which one of the terms of the relation always subjects the other, turns it into an instrument to materialize its own purposes.

Essa visão instrumental da relação humano-máquina é predominante até quando o homem recorre às máquinas com intenções estéticas. A máquina é, então, um recurso, um meio de expressão à disposição do humano, não um parceiro de uma criação que vai afetar, e transformar, tanto o humano quanto a máquina. A filosofia autocrática da técnica informa boa parte da produção que se inscreve no binômio arte-tecnologia.

Such an instrumental view of the human-machine relation is prevalent even when man turns to machines with aesthetic intentions. The machine is, then, a resource, a means of expression available to the human, not the creative partner that will affect and transform both the human and the machine. The autocratic philosophy of techniques provides grounds of much of the production falling within the art-technology binomial.

É fácil constatar isso − basta atentar para a importância, até mesmo a prevalência da questão da interatividade nos trabalhos de arte-tecnologia. Brian Massumi, num texto interessantíssimo, já apontou a diferença entre interatividade e interação, isto é,

It is easy to see it – just pay attention to the importance, even the prevalence of the matter of interactivity in art-technology works. Brian Massumi, in a very interesting writing, has already pointed out the difference between 95


o quanto a primeira “programa” e modeliza a conduta do interlocutor, enquanto a segunda opera principalmente na margem de indeterminação e na fluência e flexibilidade do diálogo que se vai construindo. Ora, uma mirada um pouco mais atenta na maioria das obras que reivindicam o estatuto de arte-tecnologia constata a aposta na interatividade. Assim, os trabalhos se resumem a explorar possibilidades de comunicação e apresentam baixíssimo teor e valor estético. Em geral, contêm uma pequena ideia, um pequeno conceito de interatividade que, acionado, confirma o sujeito na sua supremacia, concedendo-lhe a satisfação de entrar numa espécie de jogo com a máquina apenas para matar a charada, e vencê-la ou dominá-la. Outras vezes, o trabalho de arte consiste simplesmente na mera aplicação de princípios e regras tecnológicos no campo das artes visuais. É o caso, por exemplo, de um Eduardo Kac, com a criação de Alba, o coelho transgênico que resulta da instrumentalização de procedimentos biotecnológicos no campo da arte. Em suma, a arte e a tecnologia se apresentam como dois registros diferentes e separados, que vão ser associados de forma a fazer “casar” dois modos de existência distintos.

interactivity and interaction, i.e., how much the former “programs” and models the conduct of the interlocutor, while the latter operates mainly on the margin of indetermination and on fluency and flexibility of the dialog that is built up. Now, a little more attentive look at the majority of works claiming the art-technology status brings out the emphasis on interactivity. Therefore, the works are boiled down to exploring possibilities of communication and feature very low content and aesthetic value. By and large, they contain a small idea, a small concept of interactivity that, once enabled, confirms the subject in its supremacy, granting it the pleasure of taking part in a sort of game using the machine just to guess the charade, and beat or dominate it. Other times, the artwork is simply the mere enforcement of technological principles and rules in the field of visual arts. This is the case, for example, of Eduardo Kac with the creation of Alba, the transgenic rabbit resulting from the instrumentalization of biotechnological procedures in the field of art. In short, art and technology are presented as two different and separate registers, which will be associated in order to “match” two different modes of existence.

No Brasil há ainda um outro aspecto que precisa ser considerado. É que a desigualdade socioeconômica ainda muito acentuada não permite que a tecnologia se impregne em todo o tecido social, acrescentando à discriminação de raça e de classe, a discriminação do acesso à cultura digital. Como bem viu Celso Furtado em seus textos so-

In Brazil, there is yet another aspect that needs to be taken into account. The socioeconomic inequality is still very sharp and it does not allow technology to permeate through all the social sphere. On top of race and class discrimination one should add the discrimination against access to digital culture. As Celso Furtado has pointed out very well in his 96


bre tecnologia, cultura e desenvolvimento, aqui, a tecnologia é um fator de distinção das elites para a exibição de seu consumo suntuário, a tecnologia é luxo, é fetiche. O que faz com que o narcisismo habitual dos artistas se veja duplicado ou reforçado pela suposta superioridade sociocultural e técnica daqueles que fazem arte tecnológica, que seriam a vanguarda do contemporâneo.

writings on technology, culture and development, here technology is a distinguishing factor of the elites to show off their sumptuous consumption, technology is luxury, it is a fetish. This makes the usual narcissism of artists gain double strength or be reinforced by the allegedly sociocultural and technical superiority of those who make technology art, that would be the avantgarde of contemporary art.

Entretanto, aqui mesmo podemos encontrar exemplos instigantes de artistas cujo trabalho tem por ênfase uma tecno-estética. É o caso da série Planos, de André Favilla. Só aparentemente esses desenhos são feitos por um autor. Na verdade, artista e computador, homem e máquina são meios acionados por agenciamentos cuja função é fazer com que os desenhos possam se desenhar. Nem humanos nem de máquina, os desenhos são a configuração da matéria e da forma da expressão bem como da matéria e da forma do conteúdo. A criação se dá, anônima e no entanto singularíssima, porque o sujeito e o objeto dela não a preexistem, mas antes resultam de seu exercício. Basta percebermos o modo como as forças a-expressivas no artista se relacionam com a margem de indeterminação existente no computador, como as tensões a-significativas que nele se agitam encontram meios de realização no potencial inexplorado, mas latente, da máquina, que ali aguarda mobilização. Planos são feitos por um humanomáquina que não tem nada a ver com a imagem tradicional que nós fazemos do artista criador. Planos não cabem nas categorias da história da arte.

Nevertheless, right here we can find thoughtprovoking examples of artists whose work emphasize techno-aesthetics. This is the case of the Planos series, by André Favilla. Only apparently authorship of these drawings are ascribed to an artist. In fact, artist and computer, man and machine are media driven by agencies whose function is to make the drawings draw themselves. Neither by humans nor by a machine, the drawings are the configuration of matter and form of expression as well as matter and form of the content. The creation takes place anonymously and yet uniquely because its subject and object do not come to existence prior to it, but rather result from the exercise of it. Just realize how the a-expressive forces in the artist relate to the existing indetermination margin on the computer, how the a-signifier tensions shaking it find realization means in the untapped but latent potential of the machine, which awaits deployment there. Planos are made by a human-machine that has nothing to do with the traditional image we have of the creator artist. Planos do not fit in the categories of art history. 97


Há muitos artistas contemporâneos flertando com a tecnologia digital, fascinados com os aparelhos ou com os pixels. Mais numerosos ainda são os usuários de computadores que, oriundos das mais diversas profissões e especialidades, se utilizam das máquinas para desenhar − dos arquitetos aos designers, passando pelos engenheiros, pelos cientistas, pelos biotecnólogos etc. Mas pouquíssimos são os criadores à altura do desafio tecno-estético que a própria relação humano-máquina ao mesmo tempo solicita e exige. André Favilla é um deles.

There are many contemporary artists flirting with digital technology, fascinated by the apparatus or the pixels. Even more numerous are the computer users who, coming from the most diverse professions and specialties, make use of the machines to draw − ranging from architects to designers and including engineers, scientists, biotechnologists and so forth. Very few, though, are creators good enough to face the challenge posed by the techno-aesthetics that the human-machine relation itself simultaneously requires and demands. André Favilla is one of them.

Um outro exemplo que gostaria de mencionar é Xapiri, um filme dirigido coletivamente por Leandro Lima e Gisela Motta, Laymert Garcia dos Santos e Stella Senra, e Bruce Albert.

Another example I would like to mention is Xapiri, a movie collectively directed by Leandro Lima and Gisela Motta, Laymert Garcia dos Santos and Stella Senra and Bruce Albert.

Xapiri é um termo ianomâmi para designar tanto os xamãs, os homens espíritos (xapiri thëpë), quanto espíritos auxiliares (xapiri pë). Xapiri é um filme experimental sobre o xamanismo ianomâmi − realizado por ocasião de dois encontros de xamãs na aldeia de Watoriki, Amazonas, em março de 2011 e abril de 2012 − concebido de modo a levar em conta duas noções diferentes de imagem: a dos ianomâmi e a nossa. Não se trata, pois, de explicar o xamanismo, seus métodos ou procedimentos, mas de tornar visível e sensível, para públicos de culturas diferentes, o modo segundo o qual os xamãs “incorporam” os espíritos, como seus corpos e suas vozes se transformam tanto no contato com os espíritos quanto ao “passar” de um a outro espírito.

Xapiri is a Yanomami term used to call both the shamans, the spirit men (xapiri thëpë) and the auxiliary spirits (xapiri pë). Xapiri is an experimental film about the Yanomami shamanism – shot during two meetings of the shamans at the Watoriki village, Amazonas state, in March 2011 and April 2012 − conceived so as to take into account two different image ideas: that of the Yanomami and that of ours. It is not, therefore, a matter of explaining the shamanism, its methods or procedures, but to make visible and sensitive to the audiences of different cultures the manner how the shamans “incorporate” the spirits, how their bodies and their voices change both during the contact with the spirits and the “conveyance” from one spirit to another. 98


Nesse sentido, Xapiri é resultado do encontro de dois dispositivos audiovisuais muito diferentes: o xamânico ianomâmi e o digital ocidental. O experimento consistiu, de início, no esforço para entender a complexa noção de imagem ianomâmi, muito diversa da que conhecemos; em seguida tratou-se de gerar imagens e sons das performances xamânicas com o intuito de criar “simulações” dessas “passagens de imagens” por meio de nossas tecnologias digitais.

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In this sense, Xapiri is the outcome of the combination of two very different audiovisual devices: the shamanic Yanomami and the Western digital one. The experiment consisted, in the beginning, of the effort to understand the complex idea of Yanomami image, very different from what we know; then we proceeded to generate images and sounds of shamanic performances with the intention of creating “simulations” of these “transposition of images” by means of our digital technologies.


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( N otas e s parsas sobr e ) ( S pars e not e s on ) o l e itor do t h e r e ad e r of t h e futuro     1 futur e     1

Lisette Lagnado

os livros são objetos transcendentes

books are transcendent objects

mas podemos amá-los do amor tátil

but we can love them with the tactile love

que votamos aos maços de cigarro

that we devote to the packs of cigarettes

caetano veloso

Preliminares

Escolhi esta epígrafe de Caetano Veloso por uma dupla razão: porque ela reúne dois objetos em crise na sociedade contemporânea − o livro e o maço de cigarros − e porque ambos são unidos por uma dimensão tátil que, de alguma maneira, está passando por uma profunda mutação.

caetano veloso

I ntrodu c tion I chose this epigraph by Caetano Veloso for two reasons: because it brings together two objects in crisis in the contemporary society – the book and the pack of cigarettes – and because both are tied within a tactile dimension that, somehow, is undergoing a profound mutation.

1 Meu título é propositadamente ambíguo e incompleto. Sou tributária do livro de Maurice Blanchot, Le Livre à Venir [O Livro por Vir]. Comunicação especial para Simpósio Emoção Art.ficial 6.0.

http://www.itaucultural.org.br/index.cfm?cd_pagina=2841&cd_ materia=1910

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1 My title is ambiguous and incomplete on purpose. I’m a

tributary of the book by Maurice Blanchot, Le Livre à Venir [The Book to Come]. Special communication for the Emoção Art.ficial 6.0 Symposium. http://www.itaucultural.org.br/index. cfm?cd_pagina=2841&cd_materia=1910


Aproveito ainda este momento-preâmbulo para dedicar meu texto àqueles que lutam todo dia contra a dispersão  2 provocada pela internet a fim de conseguir redigir uma obra literária ou científica. Por isso mesmo, precisei acrescentar “notas esparsas” ao meu título quando percebi que, depois de ter escrito mais de dez páginas, eu ainda não havia abordado a parte científica da ficção. (Fico devendo falar de Roberto Bolaño e Enrique Vila-Matas: espero que ninguém tenha vindo até aqui atraído pelo nome deles!)

Also, I take this introductory portion to dedicate my article to those who fight every day against the dispersion  2 caused by internet aiming at being able to write a literary or scientific work. For this very reason, I needed to add “sparse notes” to the title when I realized that, after writing more than ten pages, I had not yet addressed the scientific side of fiction. (I will speak about Roberto Bolaño and Enrique Vila-Matas some other time: I hope that their names have not compelled anyone to come here!)

E agora uma última observação preliminar: entre o momento do convite para este simpósio e o momento em que redigi minha fala, a instituição, Itaú Cultural, já divulgou que esta será a última edição dedicada ao tema. Ou seja: estamos debruçados sobre algo aqui com ares de “a última mesa-redonda”. Se inaugurar foi uma ação que pautou a agenda dos tempos modernos (começar sempre de um ponto zero, de um novo, de um original que almeja a posição de primeiro), o ato de encerrar (uma programação) me parece desde já afinado com o ritmo narrativo da ficção científica.

And now one last preliminary remark: between the time when I was invited to come to this symposium and the time when I wrote my speech, the institution, Itaú Cultural, announced that this will be the last edition devoted to the subject. In other words: we are discussing here something with that air of “the last round table.” If ushering in was an action that formed the backbone of modern times (always starting from the scratch, from something new, from an original which aims to become the #1), the act of ending (a programming) seems to me to be already in tune with the narrative pace of science fiction.

Em que medida a decisão tomada pelo Itaú está contemplada no meu tema, “o leitor do futuro”? Pois bem. Meu texto investiga as características de um espaço engendrado a partir da mescla de mídias tradicionais e tecnológicas. O leitor do futuro não designa um sujeito diante do espaço textual, dado pela página impressa, mas um sujeito imerso no espaço literário.

To what extent the decision taken by Itaú is included in the subject of my talk, “the reader of the future”? Well. My article investigates the characteristics of a space engendered by the mix of traditional and technological media. The reader of the future does not designate a subject in front of the textual space, given by the printed page, but rather a subject steeped in the literary space.

2  Gostaria de ressaltar que não estou usando a palavra distração, mas dispersão. Oportunamente, escreverei a respeito desta diferença conceitual, para mim.

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2 I would like to stress that I am not using the word distraction, but dispersion. In due course, I will write about this conceptual difference, for me.


I – Q u e m di z “ l it e ratura” di z “ e s c r e v e r” ?

Tomando a revolução digital como ponto de não retorno, é inevitável a sensação de pertencer a outro século quando um filme de François Truffaut constrói o prelúdio de um acontecimento erótico a partir da cena de um casal que está lendo na cama.  3

I – W h o say s “ l it e ratur e ” is say in g “ writin g ” ?

By taking the digital revolution as a point of no return, it is inevitable to have that feeling of belonging to another century when a François Truffaut’s film constructs the prelude of an erotic event stemming from the scene of a couple reading in bed.  3

A presença do romance é abundante nos cineastas da nouvelle vague. Em outro filme do mesmo diretor, Baisers Volés (1968) [no Brasil, Beijos Proibidos], uma troca de bilhetes entre Antoine e Christine no café da manhã resulta em pedido de casamento (2’47’’). Difícil imaginar uma comunicação com o mesmo charme via sms… [slides 2 e 3] http://www.youtube.com/watch?v=0YlSJAG6hLY&feature=related

The presence of romance abounds in the nouvelle vague filmmakers. In another film by Truffaut, Baisers Volés [Stolen Kisses] (1968), an exchange of messages between Antoine and Christine at breakfast leads to a marriage proposal (2’47”). It is hard to imagine a communication as charming as this via sms... [slides 2 and 3] http://www.youtube.com/ watch?v=0YlSJAG6hLY&feature=related

Para compreender a obra de Dominique GonzalezFoerster, além da nouvelle vague, abraçar o nouveau roman − Marguerite Duras, em especial − é um desvio imprescindível. Nessa digressão necessária, emerge uma aspiração literária, que, no caso de Dominique, também pode ser interpretada como frustração literária. Penso que esta é a falha essencial de Dominique – aliás, percebo que ela vem crescendo com os anos – uma falha/ falta ou, ainda, um erro, que Maurice Blanchot diagnosticou na medida em que escrevia o capítulo “D’un Art

Understanding Dominique Gonzalez-Foerster’s work beyond the nouvelle vague inevitably drives us to take a detour to embrace the nouveau roman - particularly Marguerite Duras. In this necessary digression, one sees the emergence of a literary aspiration, which, in Dominique’s case, can also be interpreted as a literary frustration. I think this is Dominique’s basic flaw – in fact, I realized that she has been growing over the years – a flaw/fault or, rather, a mistake diagnosed by Maurice Blanchot as he was writing the chapter “D’un Art Sans

3  Um minuto sublime de Domicile Conjugal (1970) [no Brasil, Domicílio

Conjugal]: http://www.youtube.com/watch?v=_Un7yOUFLRU

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3 A sublime minute from Domicile Conjugal (1970) [Bed and Board]: http://www.youtube.com/watch?v=_Un7yOUFLRU


Sans Avenir” [“De uma Arte Sem Futuro”] inserido no seu fabuloso Le Livre à Venir [O Livro por Vir], de 1959.

Avenir” [On an Art Without Future] included in his fantastic Le Livre à Venir [The Book to Come], 1959.

Me permitam uma tradução rápida do trecho que nos ajuda a ver o problema da falha sob uma perspectiva positiva:

Allow me a quick translation of the excerpt that helps us look into the problem of flaw from a positive perspective:

Todo artista está ligado a uma falha com a qual tem uma relação particular de intimidade. […] Toda arte tem origem a partir de um defeito excepcional, toda obra é a realização desse defeito original de onde provém a chegada ameaçada da plenitude e uma luz nova.  4

Every artist is tied to a flaw with which he has a particular relationship of intimacy. […] Every art originates from an extraordinary defect, each work is the realization of this original defect whence the threatened arrival of fullness and a new light come.  4

Blanchot explica que há autores, como Balzac, que conseguem alcançar o limite da forma, sem contudo impossibilitar sua posteridade. São autores que, segundo ele, vão até o fim, porém deixam uma saída para que o gênero continue, alterado ou deformado até ele se tornar informe ou monstruoso. Este raciocínio permite imaginar a posteridade do nouveau roman e da nouvelle vague, que haviam conduzido seu público até experiências insuspeitas de tempo e de narração. Como seria este amálgama de espaço literário e espaço cinematográfico confundidos na realidade da imagem digital?

Blanchot explains that there are writers, like Balzac, who are able to reach the limit of form, without however precluding its posterity. Those are writers who, according to him, go to the very end, but leave a way out for the genre to continue, either altered or deformed, to the point when it becomes formless or monstrous. This reasoning allows one to imagine the posterity of the nouveau roman and the nouvelle vague, which had driven their audience to unsuspected experiences of time and narration. How would this amalgam of literary space and cinematic space confused in the reality of the digital image be?

Eu já escrevi sobre os aspectos de “quase-cinema” das instalações ambientais que singularizam o traba-

I have already written about the “quasi-cinema” features of environment-based installations that

4 Tout artiste est lié à une erreur avec laquelle il a un rapport

particulier d’intimité. […] Tout art tire son origine d’un défaut exceptionnel, toute oeuvre est la mise en oeuvre de ce défaut d’origine d’où nous viennent l’approche menacée de la plénitude et une lumière nouvelle. M. Blanchot, Le livre à venir. Paris: Gallimard, Folio/essais, 1959 (pp. 147-148).

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4 Tout artiste est lié à une erreur avec laquelle il a un rapport

particulier d’intimité. […] Tout art tire son origine d’un défaut exceptionnel, toute oeuvre est la mise en oeuvre de ce défaut d’origine d’où nous viennent l’approche menacée de la plénitude et une lumière nouvelle. M. Blanchot, Le livre à venir. Paris: Gallimard, Folio/essais, 1959 (pp. 147-148).


lho de Dominique.  5 Seu processo combina diversas mídias e é pautado por um método acumulativo de referências e homenagens a artistas, músicos, pensadores e principalmente escritores e arquitetos. Hoje, o que me interessa trazer à tona, ainda que pareça uma expansão de fronteiras, tem um assento na falha.

single Dominique’s work out.  5 Her process combines several media and is guided by a cumulative method of references and tribute to artists, musicians, thinkers and especially writers and architects. Today my interest here, even though it may look like expanding borders, is to bring up the flaw.

Como é possível ser “autor” sem produzir um grande texto? Seria quase-literatura?

How can anyone be an “author” without producing a great piece of writing? Would it be quasi-literature?

II – Leituras abertas, públicas e coletivas

Se eu conseguir mostrar a vocês que sua obra é um convite à experiência literária, já me considero satisfeita por hoje.

I I – O p e n , p ub l i c and co l l e c ti v e r e adin g s

If I succeed in showing you that her work is an invitation to a literary experience, I will have won the day.

Bom, em primeiro lugar, não precisa ser um especialista para notar a emergência de espaços de leitura no âmbito das salas de exposição de artes visuais. Mesmo que minha questão seja de outra natureza, acho esse dado significativo porque ilumina, de certo modo, a compreensão desta figura que estou chamando de “leitor do futuro”: mesas de consulta bibliográfica e documental, antes guardadas no recinto secreto de uma biblioteca sempre invisível, comparecem agora incorporadas à dinâmica da visitação dos museus.

Well, first of all, there is no need to be an expert to notice reading spaces popping up in the visual arts exhibition halls. Even though the issue I raise is of a different nature, I think this fact is significant because somehow it sheds light on the understanding of this figure that I call a “reader of the future”: tables to read reference books and documents which used to be kept in the secret room of an always invisible library now appear incorporated in the dynamics of museum visitation.

5  “Crelazer, Ontem e Hoje”. http://www2.sescsp.org.br/sesc/ videobrasil/up/arquivos/200803/20080326_200643_Ensaio_LLagnado_ CadVB3_P.pdf

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5  “Crelazer, Yesterday and Today”. http://www2.sescsp.org.br/ sesc/videobrasil/up/arquivos/200803/20080326_200643_Ensaio_ LLagnado_CadVB3_P.pdf


É claro que se trata de uma estratégia formulada pelos setores educativos desses centros culturais, mas vale a pena perceber uma migração do lugar das publicações para situações abertas, públicas e coletivas.

Of course this is a strategy devised by the educational departments of these cultural centres, but it is worth realizing a migration of publication rooms to open, public and collective settings.

A primeira vez que eu vi um trabalho de Dominique Gonzalez-Foerster foi em 2000, na mostra Voilà. Le Monde dans la Tête [Aí Está. o Mundo na Cabeça], no Museu de Arte Moderna de Paris.  6 [slides 4, 5, 6 e 7: Tapis de lecture e explicação]

The first time I saw a work by Dominique Gonzalez-

Fiquei muito impressionada, não tanto pelas obras, que eram boas, segundo minha lembrança − digamos que isto é uma expectativa normal quando se visita uma exposição −, mas o que me impressionou foi uma capacidade de dilatar o tempo dentro do museu, e não porque havia projeções de filmes longos que acabam forçando uma permanência que pinturas e esculturas nunca logram competir, mas porque a mostra tinha situações semelhantes a bibliotecas ou midiatecas, porém desburocratizadas, como se fizessem parte de um ambiente íntimo, doméstico.

I was very impressed, not so much for the works, which

Foerster was in 2000, at the Voilà. Le Monde dans la Tête [Voilà: the World in Mind] show, at the Paris Museum of Modern Art.  6 [slides 4, 5, 6 and 7: Tapis de lecture [Carpet for Reading] and explanation]

were good as far as I can remember – let’s say this is a usual expectation when visiting an exhibition –, but what struck me was the ability to expand the time spent in the museum. And this was not because there were screening of long films that end up forcing visitors to stay longer – something unattainable for paintings and sculptures –, but because in the show visitors were put in situations resembling those of book libraries or media libraries. They, however, were free from any bureaucracy, as if they were part of an intimate, homey place.

Sobre este tapete anódino, nada mais que pilhas e pilhas de livros, iguais àqueles que nos acompanham desde o século XV, com capa e páginas internas impressas. Mesmo sem instruções da artista, o Tapis funcionava como convite à leitura (e à viagem!). Eu diria que a instalação era tão prosaica quanto a estra-

On that insipid carpet, nothing more than piles and piles of books, like those that have been with us since the 15th century fitted with printed cover and inner pages. Even without the artist’s directions, the Tapis [Carpet] was like an invitation to reading (and to the journey!). I would say that the installation was so

6  Curadoria de Suzanne Page, Beatrice Parent, Laurence Bosse e Hans Ulrich Obrist. Coletiva com obras de Chantal Akerman, Samuel Beckett, Maria Eichhorn, On Kawara, Jac Leirner, Andy Warhol e muitos outros.

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6 Curated by Suzanne Page, Beatrice Parent, Laurence Bosse

and Hans Ulrich Obrist. Collective exhibition with works by Chantal Akerman, Samuel Beckett, Maria Eichhorn, On Kawara, Jac Leirner, Andy Warhol and many others.


tégia de sobrevivência dos book people de Fahrenheit 451, que precisam decorar livros inteiros para não os deixarem morrer – explicarei isso mais adiante.

prosaic as the survival strategy of the book people in Fahrenheit 451, who need to memorize entire books for not letting them die out – I will be explaining this later.

Aprendi a ver que os dispositivos de Dominique sempre acionam máquinas para reatualizar ficções que não podem se perder – na documenta 11, Plan d’Évasion [Plano de Fuga] foi sua belíssima tradução do livro de Bioy Casares, A Invenção de Morel [slide 8]. É simples: cada novo trabalho dela  7 reacende o desejo de reler/ revisitar os originais…

I learned to see that Dominique’s devices always trigger machines to refresh fictions that cannot be lost – at documenta 11, Plan d‘Évasion [A Plan for Escape] was her beautiful translation of Bioy Casares’ The Invention of Morel [slide 8]. It is simple: each new work of hers  7 rekindles the desire to reread/revisit the originals...

Esclareço que não são os eventuais escritos que um artista coloca no ambiente expositivo que estou chamando de espaço literário. Estou usando esta expressão, cunhada por Blanchot em 1955, para falar de algo mais complexo do que a recorrência de frases de autores em espaços expositivos, ou mesmo de adaptações deste lugar a um display de leitura – na última bienal de São Paulo havia, por exemplo, o “terreiro” de Marilá Dardot e Fabio Moraes, o espaço de Graziela Kunsh e muitos outros que não consigo lembrar agora. Estou aqui descrevendo um fenômeno artístico de outra natureza. Definir uma experiência literária é uma empreitada infinita. Não caberia aqui. Se usarmos a definição de “cronotopo”, cunhada por Michael Bakhtin, filósofo da linguagem, a literatura transcen-

I just want to make it clear that what I am calling a literary space is no occasional writing that an artist puts in an exhibition setting. I am using this term, coined by Blanchot in 1955, to speak of something more complex than the repetition of authorship phrases in exhibition halls, or even adaptations of this venue to a reading display – in the last São Paulo Art Biennial there was, for example, the “yard” of Marilá Dardot and Fabio Moraes, the space of Graziela Kunsh and many others that I cannot recall right now. Here I am describing an artistic phenomenon of a different nature. Defining a literary experience is an endless task. It would not fit here. If we use the definition of “chronotope”, coined by Michael Bakhtin, a language philosopher, literature

7  Sobre a questão do “novo” na obra de Dominique Gonzalez-Foerster, o

filme De Novo, especialmente concebido para a Bienal de Veneza em 2009, é uma crítica avassaladora à máquina institucional que exige do artista novas obras a cada edição. http://www.thisistomorrow.info/viewArticle.aspx?artId=378.

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7 On the issue of the “new” in the work of Dominique GonzalezFoerster, the film De Novo, especially created for the Venice Biennial of 2009, is a devastating criticism of the institutional machinery that demands new works from artists at every edition. http://www.thisistomorrow.info/viewArticle.aspx?artId=378.


de a dimensão linguística, da palavra, para ganhar uma qualidade de tempo-espaço (Einstein).  8

transcends the linguistic dimension of the word to earn a time-space character (Einstein).  8

Não há como saber se um dia Dominique irá nos apresentar um romance escrito de fato. Enquanto isso, este desejo rondou várias de suas instalações: primeiro veio Bibliothéque (1985, Accademia di Brera, Milão), uma estrutura feita de livros e tijolos. Mas é certamente com os Quartos (Chambres), que a atmosfera ganhou uma densidade literária: em 1991, Le Mystère de la Chambre Jaune [O Mistério do Quarto Amarelo]  9 e Chambre Double [Quarto Duplo] [slides 9 e 10], em 1992, Nos Années 70 (Chambre) [Nossos Anos 70 (Quarto)] e La Chambre Orange [O Quarto Laranja] (slides 11, 12 e 13); em 1995, quase toda a produção da artista remete às horas passadas dentro de diferentes modalidades de recintos íntimos (Chambres Atomiques), de museus a quartos de hotel; em 1997, é o escritor norte-americano Herman Melville, autor de Moby Dick, que dá título a uma imagem.

There is no way of knowing if one day Dominique will come to us with an actually written novel. Meanwhile, this desire has been seen around several of her installations: first came Bibliothéque (1985, Accademia di Brera, Milan), a book-and-brick structure. Nevertheless, Chambres [Bedrooms] is what effectively brought about literary density: in 1991, Le Mystère de la Chambre Jaune [The Mystery of the Yellow Bedroom]  9 and Chambre Double [Double Bedroom] [slides 9 and 10], in 1992, Nos Années 70 (Chambre) [The 1970s and Us (Bedroom)] and La Chambre Orange [The Orange Bedroom] (slides 11, 12 and 13); in 1995, nearly all Gonzalez-Foerster’s works referred to the hours spent in the different types of private rooms (Chambres Atomiques) [Atomic Rooms], ranging from museums to hotel rooms; in 1997, American writer Herman Melville, author of Moby Dick, is the one after whom an image was named.

Até que um dia a palavra “romance” é literalmente incorporada a um dos títulos. Vejamos Roman de Münster, de 2007 [slides 14, 15, 16, 17 e 18]. Skulptur Projects é uma mostra periódica de arte pública, que acontece a cada

Eventually one day the word “novel” was literally incorporated into one of the titles. Let’s see Roman de Münster, 2007 [slides 14, 15, 16, 17 and 18]. Skulptur Projects is a periodic public art show that has been held

8  Cf. Bakhtin: “Entendemos o cronotopo como uma categoria formalmente

constitutiva da literatura; não lidaremos com o cronotopo em outras áreas culturais. No cronotopo literário artístico, indicadores do espaço-temporal estão fusionados em uma totalidade concreta, cuidadosamente idealizada. O tempo se volveria espesso, carnudo, tornando-se artisticamente visível; da mesma forma, o espaço se torna carregado e receptivo aos movimentos do tempo, enredo e história”. In: Formas de tempo e de cronotopo no romance: ensaios de poética histórica. [Tradução livre do inglês]

9  Romance policial de Gaston Leroux (1907).

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8 Cf. Bakhtin: “We understand the chronotope as a formally

constitutive category of literature; we will not deal with the chronotope in other areas of culture. In the literary artistic chronotope, spatial and temporal indicators are fused into one carefully thought-out, concrete whole. Time, as it were, thickens, takes on flesh, becomes artistically visible; likewise, space becomes charged and responsive to the movements of time, plot and history”. In: Formas de tempo e de cronotopo no romance: ensaios de poética histórica.

9 Detective novel by Gaston Leroux (1907).


dez anos na Alemanha, na cidade de Münster desde 1977. Convidada pelo curador Kasper Köning a participar da quarta edição, Dominique escolhe uma ampla área com gramado, sobre o qual apresenta uma seleção de 39 esculturas que haviam marcado suas visitas às edições anteriores. São réplicas em escala miniaturizada (1:4) e esta escala justamente sugere uma condensação da cidade dentro de uma escala humana, o horizonte que pode ser avistado, a mão que pode tocar e brincar com Donald Judd, Ilya Kabakov, Bruce Nauman, entre outros.

I I I – N ão l in e aridad e

O espaço literário possui uma topografia, de curvas e depressões, que a página impressa não consegue traduzir. Examinemos agora a produção de “literatura”, no contexto das características da era eletrônica. Quais as novas formas de escrita/leitura? Em resenha sobre o livro “I Read Where I am: Exploring New Informations Cultures” (Valiz, 2011), publicada na revista Frieze deste último mês de maio,  10 Jenna Sutela evoca novas formas de “texto-imagem” (ou, vice-versa, de “imagem-texto”).  11 Seu artigo chama a atenção para a acumulação de textos separados para uma intenção de leitura

every ten years in Germany, in the city of Münster, since 1977. Invited by curator Kasper Köning to participate in the fourth edition, Dominique chooses a wide area with lawn, on which she presents a selection of 39 sculptures that were hallmaks of her visits during previous editions. They are miniature replicas (1:4) and this scale suggests precisely a city condensed inside the human scale, the skyline that can be seen, the hand that can touch and play with Donald Judd, Ilya Kabakov, Bruce Nauman and others.

I I I – N on l in e arit y

The literary space has a topography with curves and depressions that the printed page cannot translate. Now let’s take a look at the “literature” production by taking into account the characteristics of the electronic era. What are the new reading/writing forms? In a review about the book “I Read Where I am: Exploring New Information Cultures” (Valiz, 2011), published in the Frieze magazine last May,  10 Jenna Sutela evokes new forms of “text-image” (or, conversely, “image-text”).  11 Her article draws the attention to texts set aside and piling up just waiting for that reading break

10  Cf. Jenna Sutela, “Non-linear reading”, in: Frieze nº 147, maio de 2012, pp. 45-46.

11  Em jargão jornalístico, chama-se de “texto-legenda” (T.L.) uma notícia condensada por falta de espaço: uma imagem, com título e uma legenda ampliada, porém sintética.

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10 Cf. Jenna Sutela, “Non-linear reading”, in: Frieze nº 147, May 2012, pp. 45-46.

11 In journalist jargon, it is called “caption-text” (C.T.) a news item

condensed due to lack of space: an image, with a title and a longer, but summarizing caption.


nunca realizada. Quantos de vocês conhecem este sentimento? A imaterialidade é um abismo (mise en abîme) aberto pela tecnologia digital. Dado que nossa percepção do mundo deixou de ser linear, o formato do livro de hoje e de amanhã deverá incorporar em sua estrutura a não linearidade. Ou seja: acessamos textos, imagens − e provavelmente também sons − de maneira aleatória, sem seguir uma sequência predeterminada. Hoje, o leitor edita sua própria linearidade. Nesse sentido, podemos dizer que ele é coprodutor do texto e não apenas “consumidor”.  12

that never happens. How many of you know this feeling? Immateriality is an abyss (mise en abîme) opened by digital technology. Given the fact that our perception of the world is no longer linear, the book format of today and tomorrow must incorporate nonlinearity in its structure. That is: we access texts, images – and probably sounds as well − randomly without following a predetermined sequence. Today the reader edits his own linearity. In this regard, we can say that he is the text coproducer and not just a “consumer.”  12

Esta mudança não é uma mudança circunstancial. Eu arriscaria dizer que ela é mais radical que a própria invenção tecnológica. O hábito de navegar e escanear imagens influenciou definitivamente a maneira como abrimos um livro e procuramos seu conteúdo. Tratase de uma nova inscrição em nosso biorritmo e não duvido que acarrete mudanças no DNA das células cerebrais das gerações futuras. Um exemplo abominável: modo avião virou expressão corrente para descrever um corpo presente e uma mente ausente. O nome do simpósio impõe a abordagem de emoções artificiais – chegamos ao dia em que ler na cama evoca um paraíso artificial! – e não consigo falar de “artificialidade” sem lembrar dos poemas em prosa de Charles Baudelaire, reunidos sob o título As Flores do Mal. Sabemos, pelo menos desde Georges Bataille,

This is not a circumstantial change. I would venture to say that it is more radical than the technological invention itself. The habit of browsing and scanning images has definitely influenced the way we open a book and scan its contents. This is a new input in our biorhythm and I have no doubt that this entails changes in the DNA of brain cells of future generations. An awful example: airplane mode has become the current expression to describe a present body and an absent mind. The symposium name imposes an approach of artificial emotions – we have come to the day when reading in bed evokes an artificial paradise! – and I cannot speak of “artificiality” without bringing to mind the prose poems of Charles Baudelaire, gathered under the heading The Flowers of Evil. We know, at least

12  Roland Barthes, S/Z (1970).

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12 Roland Barthes, S/Z (1970).


que literatura e mal são inseparáveis, assim como são também inseparáveis infantilidade e erotismo na literatura. Sem a tensão do mal, segundo Bataille, a literatura se tornaria rapidamente chata ou tediosa (entrevista dada à televisão francesa, 21/05/1958).

since Georges Bataille, that literature and evil are inseparable, as much as childishness and eroticism in literature. Without the tension of the evil, according to Bataille, literature would quickly become annoying or boring (interview to the French television, 5/21/1958).

Que “mal” é este?

Which “evil” is this?

Há uma atmosfera interna e uma atmosfera externa quando falamos de literatura: um tempo lá dentro que não corresponde a um tempo lá fora.  13

There is an internal atmosphere and an external atmosphere when we talk about literature: a time in there that does not correspond to the time out there.  13

13  Não há prazer mais delicioso do que acordar num domingo

13 There is no pleasure more delightful than waking up on

e perceber que o tempo lá fora irá conspirar para justificar um desejo autêntico: está frio e chuvoso e o melhor lugar do mundo é permanecer na cama, sob as cobertas. Céus azuis nos obrigam a atividades ao ar livre para desfrutar da energia solar, enquanto atmosferas mais úmidas, nebulosas e opacas convidam ao quentinho da leitura. Sim, a leitura tem uma temperatura. A geração que já nasceu com a comunicação via internet não tem ideia da volúpia de ler/escrever na cama − meu hobby favorito desde criança (e Deus sabe o quanto a infância é importante na constituição do desejo pelos livros!). Grande parte da vontade de acordar aos domingos (Vivement Dimanche! [Finalmente Domingo!], 1983, é o título de um filme de François Truffaut, um homem que não somente amava as mulheres, mas, ainda, as crianças, o cinema e a literatura…) vem dessa possibilidade simbólica que o domingo proporcionava em termos de ócio e lazer. Em virtude desse tempo de vacuidade, os grandes jornais reservavam seus cadernos de leitura aos domingos. Pode-se inferir que, se há um prazer próprio na leitura enrolada dos domingos, em que morgar na cama por longos períodos requer um álibi, o clima tristonho vale igualmente para os que escrevem: é preciso pouparse das catástrofes que escapam ao controle da meteorologia. Donde deduzimos que ler/escrever são atividades que exigem um estado de sensibilidade, no qual o ar que envolve nosso corpo desempenha um papel fundamental. O sonho da literatura – estou pensando agora no modo de produção anterior à internet – se alimenta de domingos chuvosos, até porque é difícil sustentar a concorrência com terraços alegres, parques e praias, o burburinho dos bares… Não precisa fazer nenhuma opção tão radical quanto Kafka para saber que a leitura/escritura é uma atividade que requer concentração e disciplina. O convívio social, nesse sentido, é um ácido corrosivo. Sem um controle sobre si mesmo, a dispersão arruina a leitura/escritura.

a Sunday and realizing that the weather outside will conspire to justify an authentic desire: it is cold and rainy and the best place in the world is to stay in bed, under the covers. Blue skies oblige us to carry out activities in the open air to enjoy the sun’s energy, whereas more humid, nebulous and opaque atmospheres invite us to stay warm and read. Yes, reading has a temperature. The generation that was born into communication via internet has no idea of the voluptuousness of reading/ writing in bed – my favorite hobby since I was a child (and God knows how childhood is important in creating a love of reading!). A big part of the craving for waking up on Sundays (Vivement Dimanche! - Finally Sunday!, 1983, is the title of a film by François Truffaut, a man who not only loved women, but also loved children, cinema and literature…) comes from this symbolic potential that Sundays hold in terms of leisure. In light of this empty space of time, major newspapers publish their literature sections on Sundays. It could be inferred that, if there is a special pleasure in reading under the covers on Sundays, since being lazy in bed for a long time requires an alibi, gloomy weather is equally valid for those who write: it is necessary to spare oneself the catastrophes that escape from the control of the weather man. From this we deduct that reading/writing are activities that require a state of sensibility where the air that surrounds our body plays a fundamental role. The dream of literature – I am now thinking of the means of production prior to the internet – feeds off rainy Sundays, because it is really difficult to beat the competition from joyous terraces, parks and beaches, the sound of conversations in bars… You don’t have to make such a radical choice as Kafka to know that reading/ writing is an activity that requires concentration and discipline. In this sense, social life is like a corrosive acid. Without selfcontrol, dispersion ruins reading/writing.

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IV – Dimensão subversiva

A história do livro foi inúmeras vezes apresentada na sua dimensão subversiva e protagonizou, portanto, inúmeros episódios de destruição. A proibição é uma dimensão inerente à sua história. Ray Bradbury escreveu a magistral obra Fahrenheit 451, baseada no grau de calor que permite aniquilar os livros.  14 [slide 23: este trecho do filme Fahrenheit nos leva de volta ao “playground” do Roman de Münster!]

IV – Subversive dimension

The history of book has been repeatedly presented in its subversive dimension and has, therefore, played the leading role in countless episodes of destruction. Forbidding is a dimension inherent in its history. Ray Bradbury wrote the masterful Fahrenheit 451 based on the level of heat needed to annihilate the books.  14 [slide 23: this excerpt from the film Fahrenheit takes us back to Roman de Münster’s “playground”!]

A imagem de bibliotecas clandestinas, transformadas em chamas, remete aos tempos mais sombrios dos regimes totalitários. Truffaut levou a história às telas, com cenas que seriam cômicas se não fossem verossímeis, mostrando o livro sendo procurado e caçado como um inimigo da nação até no playground onde as crianças brincam.  15

The image of clandestine libraries turned into flames alludes to the darkest times of the totalitarian regimes. Truffaut took the story to the screen with scenes that would be comical were they not verisimilar, showing the book being sought and hunted as an enemy of the nation even in the playground where the children play.  15

Nessa ficção macabra, ler torna o ser humano infeliz porque, basicamente, permite que se aspire a um outro, que se deseje uma outra identidade. O Exterminador do Livro diz exatamente isto! O perigo está tanto nos romances – que nos falam de pessoas que nunca existiram [Alice (no país das maravilhas), Madame Bovary etc.] – como na filosofia, considerada até pior: “Pensadores, filósofos, todos dizem exatamente a mesma coisa: eu é que tenho

In this macabre fiction, reading turns the human being unhappy because, basically, it makes people aspire to another, desire another identity. The Book Terminator speaks exactly of this! The danger is both in the novels – which tell us things that have never existed [Alice (in Wonderland), Madame Bovary etc.] - and in philosophy, considered even worse: “Thinkers, philosophers, all say exactly the same thing: I am really right.

14  http://www.youtube.com/watch?v=ZriW3CPU9G4&feature=related 15  Minutagem: cena playground (entre 38 min. e 41 min.); descoberta da biblioteca secreta (58 min. 50 seg.); os romances (59 min. 40 seg.)

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14 http://www.youtube.com/watch?v=ZriW3CPU9G4&feature=related 15 Minutes: playground scene (between 38 and 41 minutes); discovery of the secret library (58 min. 50 sec.); the novels (59 min. 40 sec)


razão. Todos os outros são idiotas. Em um século, dizem-nos que o destino do homem está predefinido; no seguinte, dizem que ele tem liberdade de escolha”.  16 [slide 24: cena incêndio Fahrenheit]

All the other ones are idiots. In a century, we are told that man’s destiny is previously determined; in the following, man is said to enjoy freedom of choice.”  16 [slide 24: fire scene in Fahrenheit]

O que é mais surreal: toda a obra de Dali, com rochas flutuando e elefantes de pernas esguias, ou as cenas em Fahrenheit de bombeiros jorrando litros de líquido para incinerar montanhas de livros empilhados?

What is more surreal: all Dali’s work, with floating rocks and slender-legged elephants, or the scenes in Fahrenheit depicting firefighters pouring liters of liquid to incinerate mountains of books stacked?

O que é mais surreal: a ausência total de livros nas casas porque esse item foi substituído pelo Kindle que permite baixar e armazenar mais de 3 mil livros, ou visitar um apartamento cuja biblioteca ocupa o móvel principal da sala de estar?

What is more surreal: the total absence of books in the houses because this good has been replaced with Kindle that lets you download and store more than 3 thousand books, or visit an apartment whose library is the main piece of furniture in the living room?

Donde minha definição de imagem ficcional: tudo que nos remete a um tempo fora da realidade presente.

V – Li v ros e m us e us : con c urso d e obso l e s c ê n c ia ?

Que a experiência da internet modificou hábitos de leitura, que não há mais vestígios de casais ou solitários, na cama, devorando livros com febre, não significa o fim da leitura, mas o desenvolvimento de outras situações, que merecem toda nossa atenção. Em abril deste ano, a cidade de Istambul ganhou

Hence my definition of a fictional image: everything that takes us back to a time outside of the present reality.

V – B oo k s and m us e u m s : cont e st of obso l e s c e n c e ?

The fact that the internet experience has changed reading habits, that there has been no more traces of couples or lonely people in bed devouring books fervently does not mean the end of reading, but rather that the unfolding of other situations, which deserve all our attention, have taken place. In April this year, the city of Istanbul was given

16  Minutagem: 1h 03 min. A senhora se recusa a sair da casa e acende o fósforo a 1h 05 min; imagem de Jeanne d’ Arc, até 1h 06 min. 35 seg.

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16 Minutes: 1h 03 min. The lady refuses to leave the house and lights the match at 1h 05 min; the image of Joan of Arc, up to 1h 06 min. 35 sec.


um novo museu com uma pequena coleção que surgiu da vontade de vincular uma história a objetos reais. Museu da Inocência, do escritor turco Orhan Pamuk, não foi escrito a partir do clássico enfrentamento de um autor frente à folha em branco.   17

a new museum with a small collection that was built up from the desire to link history to the actual objects. The Museum of Innocence, by Turkish writer Orhan Pamuk, was not written on the grounds of the classic confrontation of an author facing the blank sheet.   17

Mesmo sabendo que o romance e o museu, na condição de instituição dotada de uma lógica classificatória (Foucault), são ambas invenções ocidentais, a gente poderia se perguntar por que um Nobel de Literatura sai em busca de objetos concretos para entregá-los a pessoas imaginárias?

Even knowing that the novel and the museum, while

Será que vem de uma necessidade de convencer melhor o leitor e dar-lhe mais um argumento da “autenticidade de uma experiência” que já não pode mais ser transmitida apenas por meio da leitura?

Does it come from that need to better convince the

an institution endowed with a classification logic (Foucault), are both Western inventions, we could ask ourselves why the recipient of a Nobel Prize in Literature goes out in search of concrete objects to give them to imaginary people?

reader and give him one more argument about the “authenticity of an experience” that can no longer be conveyed only through reading?

Embora museu e livro possam ser considerados entidades separadas e tecidas juntas, Pamuk adverte que “seu” museu, tomado isoladamente, não “funciona”: decerto, não desperta prazer sem que seu visitante conheça os personagens e a história. Já o livro pode ser lido no Brasil ou na Coreia, sem passar pela experiência do museu. Nem o museu é uma ilustração do romance, nem o romance é uma descrição do museu.

Although museum and book can be regarded as separate entities woven together, Pamuk warns that “his” museum, if taken alone, does not “work”: certainly, it arouses no pleasure if the visitor does not know the characters and history. The book, on the other hand, can be read in Brazil or in Korea without going through the experience of the museum. Neither the museum is an illustration of the novel, nor the novel is a description of the museum.

17  Há muitos links disponíveis. Vale a pena ver a entrevista no site da editora brasileira Companhia das Letras: http://www. companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=12668 (12’16’’). Pamuk comprou a casa que se converte em museu nos anos 1990, ainda sem saber o que faria com ela.

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17 There are many available links. It’s worthwhile to watch the interview on the website of the Brazilian publisher Companhia das Letras: http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=12668 (12’16’’). Pamuk bought the house that would become a museum in the 1990s, still not knowing what he would do with it.


V I – T h e B oo k P eo p l e

Brincando com a analogia sonora entre “good” (bom) e “book” (livro), Ray Bradbury, autor de Fahrenheit 451, inventou o antídoto contra a destruição dos livros. Os book people são pessoas que memorizam livros inteiros a fim de não deixá-los entregues à extinção final.

V I – T h e B oo k P e o p l e

By playing with the sound analogy between “good” and “book”, Ray Bradbury, author of Fahrenheit 451, invented the antidote against the destruction of the books. The book people are people who memorize entire books so as not to let them go to be extinguished.

Escondidos da sociedade policial, fugiram para colinas e florestas. Vivem em pequenos grupos, como uma comunidade em paz. A lei não pode atingi-los porque não estão fazendo nada proibido…  18

Hidden from the police society, they fled to the hills and forests. They live in small groups as a community at peace. The law cannot reach them because they are not doing anything forbidden...  18

São livros. Cada um deles, homens e mulheres. Todos aprendem de cor o livro que escolheram, e assim se tornam livros. É claro, de vez em quando, alguém é detido, preso. É por isso que eles vivem de forma tão cautelosa. Porque o segredo que carregam é o segredo mais precioso do mundo. Com eles, todo o conhecimento humano desapareceria.

They are books. Each one, men and women. Everyone, commits a book they’ve chosen to memory, and they become the books. Of course, every now and then, someone gets stopped, arrested. Which is why they live so cautiously. Because the secret they carry is the most precious secret in the world. With them, all human knowledge would pass away.

A empreitada de Dominique Gonzalez-Foerster, notadamente a vontade de estabelecer “novos modos de escrita”, como escreveu Ana Pato em sua dissertação de mestrado (a ser publicada no Brasil, em breve, pela

Dominique Gonzalez-Foerster’s taskwork, notably the desire to establish “new ways of writing”, as Ana Pato wrote on her master’s thesis (to be published in Brazil

18 Pessoas que desapareceram. Alguns foram presos e conseguiram escapar.

Outros foram soltos. Alguns não esperaram serem presos. Simplesmente se esconderam. Na região das fazendas; nos bosques e nas serras. Moram lá em pequenos grupos. A lei não pode alcançá-los. Levam uma vida bem tranquila e não fazem nada que seja proibido. Porém, se fossem à cidade, não durariam muito. Mas, como é que você pode chamá-los de pessoas-livro... Se eles não fizeram nada contra a lei?. Ray Bradbury In: Fahrenheit 451 (1953).

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18 People who vanished. Some were arrested and managed to escape. Others were released. Some didn’t wait to be arrested. They just hid themselves away. Up in the farm country; the woods and the hills. They live there in little groups. The law can’t touch them. They live quite peaceably and do nothing that’s forbidden. Though, if they came into the city, they might not last long. But how can you call them book people... If they don’t do anything against the law?. Bradbury. In: Fahrenheit 451, 1953.


editora do Videobrasil com o Sesc), sinaliza um “novo leitor”. Nas palavras da Ana, a obra de Dominique repropõe a “questão do arquivo, uma vez que consegue extrapolar os limites do modelo, perverter o original, corromper as citações e fazer um uso paradoxal das fontes”.

shortly by Videobrasil publisher together with Sesc), points to a “new reader.” In Ana’s words, the work of Dominique proposes again the “filing issue, as she manages to go beyond the model limits, pervert the original, corrupt the quotes and make a paradoxical use of the sources.”

Mas a prática ficcional de Dominique, na sua forma de citar e homenagear outras obras, possui uma temperatura tropical e escapa da noção infeliz de “angústia da influência” (Harold Bloom).   19 Seu “erro” se converte em inúmeras tentativas de recriar projeções de nossa memória – semelhante à A Invenção de Morel (1940), o romance de Adolfo Bioy Casares… que Borges certamente queria ter escrito.

But Dominique’s fictional practice, in her way of quoting and honoring other works, has a tropical temperature and is not caught in the unfortunate idea of “anxiety of influence” (Harold Bloom).   19 Her “mistake” translates into a number of attempts to recreate projections of our memory – similar to The Invention of Morel (1940), the novel by Adolfo Bioy Casares... that Borges certainly wanted to have written.

http://uncopy.net/?tag=book http://uncopy.net/?tag=book

19  Escrevi sobre o conceito de tropicalização na palestra “Bienales tropicales”, que apresentei em San José em Temas centrales/ teor/ética, em 26/4/2012.

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19 I wrote about the concept of tropicalization for the lecture “Bienales tropicales” that I gave in San José in Temas Centrales/ Teor/ética, 26/04/2012.


Lisette Lagnado (1961) é crítica de arte, com doutorado em filosofia pela USP. Foi curadora-geral da 27ª Bienal de São Paulo. Em 2010, organizou a mostra Desvíos de la Deriva para o Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía (Madri). Em 1993, fundou o Projeto Leonilson, que possibilitou a retrospectiva e o livro Leonilson − São Tantas as Verdades. Coordenou o banco de dados on-line que reúne textos de Hélio Oiticica, hospedado no site do Itaú Cultural. De 2001 a 2011, foi coeditora da revista eletrônica Trópico, com Alcino Leite Neto e Esther Hamburger.

Lisette Lagnado (1961) is an art critic and holder of a PhD in philosophy from the USP [University of São Paulo]. She was the general curator of the 27ª Bienal de São Paulo [27th São Paulo Art Biennial]. In 2010, she organized the Desvíos de la Deriva [Drifts and Derivations] show at the Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía (Madrid). In 1993, she founded the Leonilson Project, which resulted in the retrospective and the book Leonilson − São Tantas as Verdades. She coordinated the online database assembling writings by Hélio Oiticica, hosted on Itaú Cultural’s website. From 2001 to 2011, she was the co-editor of the Trópico electronic magazine, alongside Alcino Leite Neto and Esther Hamburger. 117


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E m oção A rt. fi c ia l 6 . 0 Pro p õ e

E m oção A rt. fi c ia l 6 . 0

Es paço d e Con v i v ê n c ia e ntr e

Pro p os e s a S p a c e S h ar e d

M í dias T radi c ionais e N ovas T e c no lo g ias

pa l e stra co m A R CH I VE

coletivo de C h r i s Ku b i c k e A n n e Wa l s h ( U m a Ta r d e c o m Joseph Cornell, d a s é r i e A r t A f t e r D e a t h ) e Ma r i o Ra m i r o (Mídias Assombradas) mediação F e r n a n d o O l i va

b y T raditiona l M e dia and N e w T e c h no l o g i e s

a ta l k g i v e n b y A R CH I VE

a collective with C h r i s Ku b i c k a n d A n n e Wa l s h (An Afternoon with Joseph Cornell, f r o m t h e A r t A f t e r D e at h ’ s s e r i e s ) a n d Ma r i o Ra m i r o ( Ha u n t e d m e d i a ) m o d e r at e d b y F e r n a n d o O l i va

RAMIRO

A proposta desta edição da Emoção Art.ficial foi descrita como um oferecimento de “um espaço de convivência entre mídias tradicionais e novas tecnologias”. Em outras épocas, isso poderia sugerir que essa convivência ocorreria num espaço expositivo onde as categorias tradicionais da arte e aquela produzida com as novas tecnologias eletrônica e digital coabitariam um mesmo espaço. No entanto, nos dias de hoje, essa proposta de convivência inclui

This edition of Emoção Art.ficial was conceived as a venue providing “a space shared by traditional media and new technologies.” At other times, this might suggest that such coexistence would take place in an exhibition space where the traditional categories of art and those produced with the new electronic and digital technologies would share the same space. However, nowadays such proposition also includes those technologies 119


também aquelas tecnologias de um passado recente que, aos poucos, vão desaparecendo do nosso dia a dia, substituídas compulsivamente por novos dispositivos. Com isso, torna-se inconcebível imaginar o impacto que muitas das primeiras tecnologias de comunicação que nos precederam tiveram nos homens, na época e na cultura em que surgiram.

of the recent past that gradually disappear from our daily lives as they are compellingly replaced with new devices. In view of this, it is inconceivable to imagine the impact that many early communication technologies that have come before us had on men at the time and in the culture they arose.

Por isso me pareceu oportuno trazer para este simpósio um tema que necessita deste espaço de convivência, pois, para falar de uma forma muito singular de telepresença, que será o ponto de partida para esta apresentação, será necessário voltar à segunda metade do século XIX para identificar naquela época os fundamentos daquilo que, muitas vezes, atribuímos exclusivamente ao nosso próprio tempo. Em outras palavras, tentaremos ver como as noções de espaço virtual, de superação das distâncias pela aceleração, da comunicação instantânea e da substituição da experiência concreta no mundo pela imagem já se encontram prefiguradas em épocas anteriores à nossa. ...Um amador radiotelephonico, deante de um apparelho receptor em experiência, se identifica de tal forma com a natureza imponderavel das oscillações em Hertz, que lhe faz

This is why it seemed appropriate to bring to this symposium a subject that requires such shared space. Speaking of a very unique form of telepresence, which will be the starting point for this talk, implies going back to the second half of the 19th century to identify, at the time, the foundations of what we often ascribe exclusively to our own time. In other words, we will see how the concepts of virtual space, shrinking distances by using acceleration, instant communication and replacement of the concrete experience in the world with images had already been prefigured in times prior to ours. ...A radiotelephone amateur, in front of a receiver being experimented, identifies himself in such a way with the imponderable nature of the Hertz-based oscillations that he

abstração das cousas terrenas. Elle começa por ignorar a exis-

abstracted worldly things. He starts by ignoring the existence

tência do seu próprio corpo, não reconhece em ninguem o

of his own body, sees no one having the right to interrupt him

direito de interrompel-o um segundo que seja, perde por fim

not even for a second and eventually loses his perception

toda a noção de tempo e de espaço. Neste estado de sonam-

of time and space. In this sleepwalking state and with his spirit

bulismo, com o espírito completamente divorciado do corpo, o

completely divorced from his body, the amateur slips by the

amador escorrega pela antena acima e corre o espaço, vôa de

antenna up and goes into the space, flying from one side of

um extremo a outro do globo com a rapidez maior que a da luz

the globe to the other at a speed greater than that of light as

que lhe faculta o seu espírito... (Revista Radio, 15/4/1924) 120

empowered by his spirit... (Revista Radio, April 15, 1924)


O título e a ideia inicial dessa minha apresentação foram emprestadas de um trabalho do professor e pesquisador norte-americano Jeffrey Sconce, que no ano 2000 publicou um livro intitulado “Haunted Media: Electronic Presence from Telegraphy to Television (Durham, London: Duke University Press, 2000), no qual propõe uma “história cultural da ‘telepresença’” – descrevendo, entre outras coisas, a coincidência do surgimento do telégrafo e do espiritualismo moderno, nos anos de 1840. Pouco depois de anunciada a invenção do telégrafo eletromagnético de Samuel Morse, em 1844, a América passava por uma tremenda revolução social e popular no campo religioso, que ficou conhecida como o espiritualismo moderno. Considerada uma “ciência do espírito”, o espiritualismo* se fundamenta na ideia de comunicação entre o mundo dos vivos e o dos mortos. Por meio de sessões, conduzidas por um médium dotado, se acreditava que o mundo material poderia receber transmissões do mundo dos mortos por meio do que era conhecido como “telegrafia espiritual”.

The title and the first idea of this talk of mine I borrowed from American researcher and professor Jeffrey Sconce, who wrote in the year 2000 a book called “Haunted Media: Electronic Presence from Telegraphy to Television (Durham, London: Duke University Press, 2000), in which he proposes a “cultural history of ‘telepresence’” – and he describes, among other things, the coincidence in the appearance of the telegraph and modern spiritualism in the 1840s. Shortly after the announced invention of the electromagnetic telegraph by Samuel Morse in 1844, America experienced a tremendous social and popular revolution in the religious realm that became known as the modern spiritualism. Considered a “science of the spirit,” the grounds of spiritualism* are based on the idea of communication between the world of the living and the dead. Through sessions, conducted by a gifted medium, people believed that the material world could receive transmissions from the world of the dead by means of what was known as “spiritual telegraphy.”

*O espiritualismo moderno, um movimento baseado na crença da

*Modern spiritualism, a movement based on the belief of the

existência de um canal de contato entre vivos e mortos, influenciou

existence of a contact channel between the living and the

decisivamente um pedagogo francês que, em 1857, publicou O

dead, influenced decisively a French educator who, back in

Livro dos Espíritos com o pseudônimo de Allan Kardec, marcan-

1857, wrote the book The Spirits’ Book under the pseudonym

do o advento do espiritismo “caracterizado como uma ciência,

of Allan Kardec, which marked the beginning of spiritualism

uma filosofia e uma doutrina” – e que no Brasil, um século mais

“characterized as a science, a philosophy and a doctrine” – and

tarde, chegou a ser a segunda maior religião praticada no país. O

that became the second largest religion practiced in Brazil a

espiritualismo e o espiritismo partem do princípio da existência

century later. Spiritualism and spiritism presume the existence of

da vida após a morte e de que os mortos têm interesse em con-

life after death and that the dead are interested in contacting the

tatar os vivos, além de dominar determinados meios para isso.

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living, in addition to mastering certain means to do so.


Segundo Sconce a “telegrafia espiritual” seria uma primeira resposta popular àquela nova tecnologia. Inspirados por um aparelho que podia enviar mensagens por centenas ou milhares de quilômetros na velocidade da luz, os espiritualistas conceberam uma tecnologia ainda mais fantástica que poderia vencer a própria inacessibilidade espaçotemporal estabelecida pela morte – já que o telégrafo de Samuel Morse, de forma quase “mágica”, havia tornado possível o contato entre pessoas separadas por grandes distâncias, estando “aqui” e “lá” simultaneamente – ocupando uma dimensão material e outra que prescindia do corpo no espaço.

According to Sconce, “spiritual telegraphy” would be the first popular response to that new technology. Inspired by a device that could send messages over hundreds or thousands of miles away at the speed of light, the spiritualists devised an even more fantastic technology that could overcome the very spatiotemporal inaccessibility established by death – since Samuel Morse’s telegraph, almost “magically”, had made possible the contact between people separated by long distances while “here” and “there” simultaneously – hence occupying a material dimension and another that dispensed with the body in space.

Dessa forma o espiritualismo moderno, ou como Sconce o denomina, o espiritualismo americano, apresentava uma primeira e explícita conexão entre a tecnologia e a espiritualidade − entre mídia e médium.

Thus the modern spiritualism, or as Sconce calls it, the American spiritualism, presented a first explicit connection between technology and spirituality − between media and the medium.

A fotografia também pode ser considerada um meio para a superação das distâncias, e que podemos entender a partir da propaganda dos álbuns fotográficos de viagem que prometiam uma forma de viagem virtual ainda na segunda metade do século XIX. “Conheça o mundo todo sem sair do conforto de sua poltrona” − isso, numa época em que as pessoas ainda compravam fotografias dos estúdios fotográficos e não os aparelhos para a sua produção, algo que só iria ocorrer em 1888, com o lançamento da câmera portátil da Kodak. E foi pela fotografia que a primeira “evidência” da presença de espíritos no mundo, produzida por uma aparelho automático que, se dizia, não sofria de alucinações como o olho humano,

Photography can also be considered a means to shrink distances and which we can understand from the advertisement of photo albums of travels that promised a kind of virtual trip in the second half of the 19th century. “Visit the whole world without leaving the comfort of your armchair” – this was so at a time when people still bought pictures from photo studios rather than the devices to make them, something that would only be feasible in 1888, when Kodak rolled out its portable camera. And a photograph was the first “evidence” of the presence of spirits in the world, made with an automatic device which was said not to suffer hallucinations as the human eye, as presented by

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foi apresentada por William Mumler, um gravador (um artista) da cidade de Boston, em 1861.

William Mumler, an engraver (an artist) from the city of Boston in 1861.

Mais tarde, com o desenvolvimento da telegrafia sem fio e do rádio, a ideia da existência de um canal “etéreo” (pelo éter – fluído cósmico universal que preencheria todos os espaços e a matéria) reforçaria ainda mais o imaginário popular sobre as possibilidades de contato com o além ou do contato pela telepatia.

Later on, with the development of wireless telegraphy and

Na era da telegrafia e da comunicação sem fio, muitos acreditavam que os telégrafos e os rádios de cristal poderiam ser usados no contato com mundos incríveis e invisíveis, fossem eles extraterrestres ou extrassensoriais. Nas palavras de Sconce, “a presença etérea da comunicação sem corpos sugere a possibilidade da existência de interlocutores sobrenaturais, entidades invisíveis que, como os operadores telegráficos, poderiam ser encontrados por meio da tecnologia”.

In the age of telegraphy and wireless communication,

radio, the idea of the existence of an “ethereal” channel (by means of ether – a universal cosmic fluid which would fill all the spaces and the matter) would strengthen even more the people’s imagination about the possibilities of contact with the afterlife or contact by telepathy.

many believed that the telegraphs and crystal radios could be used to contact amazing and invisible worlds, be they extraterrestrial or extrasensory. As Sconce puts it, “the ethereal presence of communication without bodies suggests the possibility of the existence of supernatural interlocutors, invisible entities that, like telegraph operators, could be found by means of technology.”

Muitas histórias relacionadas ao advento das redes sem fio, nas três primeiras décadas do século XX, frequentemente apresentam histórias de amantes separados pela morte, mas reaproximados pelos meios de comunicação sem fio. Essas histórias conseguem captar o clima de maravilhamento que acompanhava as possibilidades de uma comunicação com longas distâncias apenas pela atmosfera.

Many stories related to the introduction of wireless networks in the first three decades of the 20th century often feature lovers separated by death, but who meet again by means of wireless communication. These stories manage to capture the mood of wonder accompanying the possibilities of long-haul communication through the atmosphere only.

E ainda mais surpreendente era o fato de que os componentes eletrônicos do telégrafo tornavam possível a troca de mensagens na ausência completa do corpo físico. Esse sentimento de desmateriali-

And even more surprising was the fact that the telegraph electronic components made it possible to exchange messages in the complete absence of the physical body. This dematerialization or 123


zação ou de descorporificação (desembodied) era algo sem precedentes e uma das mais provocativas qualidades desse novo meio. Segundo Sconce, muitas das nossas narrativas contemporâneas relativas ao “poder” da telecomunicação eletrônica têm, se não a sua origem, a sua primeira síntese cultural significativa na doutrina do espiritualismo.

desembodied feeling was something unprecedented and one of the most provocative qualities of this new medium. According to Sconce, many of our contemporary narratives relating to the “power” of electronic telecommunication find, if not originating from, its first significant cultural synthesis in the spiritualism doctrine.

O legado dessa doutrina pode ser encontrado hoje nas inúmeras narrativas de Hollywood sobre fantasmas, detetives psíquicos e amores do outro mundo, como também na produção artística contemporânea. Mas o foco desta minha apresentação não é o da presença da imagem fotográfica como mediadora entre o mundo dos vivos e o dos mortos, mas sim o papel que o rádio, o gravador e o telefone irão assumir nesse contexto.

The legacy of this doctrine can be seen today in a number of Hollywood narratives about ghosts, psychic detectives, and love from another world, as well as in contemporary art output. The focus of my talk, however, is not the presence of the photographic image as a mediator between the world of the living and the dead, but rather the role that the radio, the recorder and the telephone will take in this context.

Em 1959, o ex-cantor lírico e pintor sueco Friedrich Jürgenson adquiriu um gravador de fita para registrar os cantos dos pássaros e a sua própria voz. Mas, a partir de certo momento, passou a perceber a presença de estranhas sonoridades em suas gravações. Ao ouvir suas fitas, Jürgenson deparou-se com vozes humanas em meio aos cantos de pássaros – improváveis segundo ele, uma vez que as gravações foram feitas num bosque onde ele se estava sozinho. As inexplicáveis locuções eram ainda ouvidas em diferentes línguas simultaneamente. Tal mistura de idiomas, segundo Jürgenson, derrubava a hipótese de que aquelas vozes fossem interferências de sinais de rádio ou até mesmo simples variações eletromagnéticas captadas por seu gravador eletrônico. Nascia aí a chamada transcomunicação instrumental – um forma de contato com

In 1959, the Swedish former opera singer and painter Friedrich Jürgenson acquired a tape recorder to record the songs of birds and his own voice. But, from a certain point onwards, he noticed the presence of strange sounds in his recordings. Upon hearing his tapes, Jürgenson encountered human voices amidst the singing of birds – unlikely, according to him, since the recordings were made in the woods where he was alone. The inexplicable phrases were still heard in different languages at the same time. Such a mixture of languages, as Jürgenson states, proved that the assumption that those voices were radio interference or even simple electromagnetic variations captured by his electronic recorder was wrong. This is the birth of the so-called instrumental transcommunication – a form of contact with the 124


o mundo dos espíritos na qual a figura do médium dotado de poderes paranormais é substituída por uma mídia dotada de uma sensibilidade sobre-humana.

world of spirits in which the medium endowed with paranormal powers is replaced with media endowed with a superhuman sensitivity.

No Brasil há alguns curiosos precedentes em torno dessa ideia de um contato com o além por meio das telecomunicações. Em 1909, o português naturalizado brasileiro Augusto de Oliveira Cambraia solicitou a patente do seu Telégrafo Vocativo Cambraia, um sistema de comunicação a distância utilizando-se das almas e espíritos que vagam pela estratosfera. Já a primeira publicação em português sobre o assunto, intitulada “Vozes do Além pelo Telephone − Novo e Admirável Systema de Communicação − Os Espíritos Fallando pelo Telephone, foi de Oscar D’Argonnel, no Rio de Janeiro, em 1925. Apesar do ineditismo de suas pesquisas e de uma antecipação espiritualista mediática, D’Argonnel foi esquecido e seu pioneirismo relegado às galerias de curiosidades que o surgimento de toda nova tecnologia suscita.

In Brazil there have been some curious precedent around this idea of a contact with the afterlife by means of telecommunications. In 1909, Portuguese and then naturalized Brazilian Augusto de Oliveira Cambraia applied for the patent of his Cambraia Vocative Telegraph, a remote communication system that used souls and spirits that roam around the stratosphere. The first publication in Portuguese on the subject, in turn, was called “Vozes do Além pelo Telephone – Novo e Admirável Systema de Comunicação – Os Espíritos Fallando pelo Telephone was written by Oscar D’Argonnel in Rio de Janeiro in 1925. Despite the originality of his researches and a media spiritualist anticipation, D’Argonnel was forgotten and his pioneering role was relegated to the galleries of curiosities as the appearance of any new technology engenders.

Mas na história da arte brasileira devemos destacar as experiências de contato com o além por meio de rádios e gravadores realizadas pela escritora Hilda Hilst ao longo dos anos 1970. Pesquisadora dedicada, Hilda Hilst compartilhou suas investigações com importantes cientistas brasileiros e amigos, que sabiam de sua seriedade ao se lançar sobre um tema tão polêmico. Em 1979, numa entrevista ao programa dominical Fantástico, da Rede Globo de Televisão, ela cita os físicos Cesar Lattes e Mário Schemberg como os interlocutores de suas investigações nos voláteis territórios da

Nevertheless, in the history of Brazilian art we should highlight the experiments of contact with the afterlife through radios and recorders conducted by writer Hilda Hilst over the 1970s. A dedicated researcher, Hilda Hilst shared her investigations with major Brazilian scientists and friends, who knew how serious she was in embracing such a controversial subject. In 1979, in an interview for the Sunday show Fantástico, broadcast by Rede Globo de Televisão, she mentions physicists Cesar Lattes and Mário Schemberg as the interlocutors of her investigations in the volatile 125


invisibilidade e do improvável. Hilda deixou dezenas de fitas com registros de suas madrugadas de prospecção pelo éter, que eu e a artista Gabriela Greeb editamos para um programa de rádio da 9ª Bienal do Mercosul, em 2009. Nessa compilação podemos ouvir alguns trechos da busca solitária de contato com o além empreendida pela escritora, como também algumas interferências sonoras que, supostamente, seriam mensagens enviadas por consciências desencarnadas por meio das ondas eletromagnéticas. Por isso mesmo eu creio que a apresentação deste trabalho constitui um interessante ponto de contato com o trabalho apresentado pelo Archive nesta edição da Emoção Art.ficial.

territories of invisibility and unlikelyhood. Hilda left dozens of tapes with recordings of her exploration through the ether into the night, which artist Gabriela Greeb and I edited for a radio program of the 9th Mercosul Biennial in 2009. In this compilation we can hear some snippets of the writer’s lonely quest for contact with the afterlife, as well as some audio interference that supposedly would be messages sent by disembodied consciousnesses by means of electromagnetic waves. This is precisely why I believe that the presentation of this talk is an interesting point of contact with the work presented by Archive in this edition of Emoção Art.ficial.

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D o p orno g r á fi co ao so c ia l ( e d e vo lta )

F ro m p orno g ra p h i c to so c ia l ( and bac k )

Roberto Winter1

Fazer com que um espectador acredite que ele participa no processo criativo – simplesmente porque produz algo quando frui uma obra – às custas de se ocultar dele o que seria a proposta artística a que ele é exposto acaba por afastá-lo da possibilidade da consciência de seu papel, alienando-o. A hipótese central deste texto é que essa forma de alienação – que se pode entender como resultado de uma busca positivada pela superação dos papéis de produção e consumo, mas que acaba por embaralhar esses papéis – é resultado de um impulso pornográfico que se vê não apenas na produção das artes ligadas às tecnologias digitais, mas cada vez mais na arte de um modo geral e na sociedade como um todo.

A viewer cannot be made to believe that he is involved in the creative process – simply because he produces something on enjoying an artwork – when the artistic proposition to which he is exposed is hidden from him. Instead, this eventually makes him less likely to be aware of his role, thus driving him to alienation. The key assumption behind this text is that such alienating form – which can be understood as the outcome of a search leading to a horizon beyond the production and consumption roles, but that ultimately mixes up those roles – results from a pornographic impulse evident not only in the production of the arts tied to digital technologies, but increasingly in the arts in general and in society as a whole.

1  Este texto foi baseado em palestra ocorrida no Itaú Cultural em 2 de junho

de 2012 como parte da programação do evento Emoção Art.ficial 6.0. O autor agradece Marcos Brias, Tadeu Chiarelli, Fabio Rosenfeld e Luiza Proença pela interlocução, ajuda e revisões em diferentes etapas da elaboração, tanto da palestra quanto deste texto.

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1  This text was based on a talk delivered at Itaú Cultural on June 2,

2012 as part of the Emoção Art.ficial 6.0 program. Roberto Winter is grateful to Marcos Brias, Tadeu Chiarelli, Fabio Rosenfeld and Luiza Proença for the conversation, help and revision held at different stages preparing the talk and writing this text.


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D o p orno g r á fi co

A obra Espelho com Luz, de Waltercio Caldas, pode ser mobilizada como contraexemplo para se entender com maior precisão qual pornografia resulta nessa forma de alienação. Trata-se de uma obra produzida em 1974 na qual é mostrado apenas um espelho quadrado de 1 metro de lado, dentro do qual está um botão que, quando apertado, faz acender uma pequena luz vermelha que está sobre o botão. A obra é apenas isso e nada mais; sem pirotecnias, imagens cativantes ou efeitos especiais. O crítico de arte Ronaldo Brito  2 aponta que o “esforço” de apertar o botão seria recompensado num esquema usual de fruição de uma obra de arte qualquer se “fosse mais um lance, uma radicalização até, do processo ilusionista. […] democrática permissão do criador ao espectador no sentido de completar a suposta obra aberta”.  3 Se esse fosse o caso, ainda segundo Brito, “estaríamos então no pleno gozo da racionalidade técnico-lúdica que transforma a obra de arte num objeto coletivo”  4 e que, apesar de parecer diferente, a situação seria a mais comum: “Estaríamos, enfim, sempre na Arte, na Cultura, nos velhos fetiches, com novas roupagens”.  5 Essa “nova roupagem” é 1

2  A reflexão sobre a obra de Waltercio Caldas presente neste texto referencia e parte dos textos de Ronaldo Brito encontrados em BRITO, Ronaldo. Waltercio Caldas Aparelhos. Rio de Janeiro: Gbm Editora de Arte, 1979.

3  BRITO, Ronaldo, op. cit., p. 72. 4  Ibidem, p. 72. 5  Ibidem, p. 72.

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On the pornographic side  1

Espelho com Luz, by Waltercio Caldas, can be deployed as a counterexample to better understand which sort of pornography derives from this form of alienation. This is an artwork made in 1974 featuring only a 1-meter square mirror. Inside it there is a button which, once pressed, turns a small red light on above that button. The work is only this and nothing else; no pyrotechnics or captivating images or special effects. Art critic Ronaldo Brito  2 points out that the “effort” to push the button would be rewarded with the usual scheme of enjoyment of any artwork “were it another move, even a radicalization, of the illusionist process. […] the creator’s democratic permission to the viewer aiming to complete the supposed open work”  3. If this were the case, according to Brito, “we would be then in a moment of total enjoyment of technical and playful rationality that transforms a work of art into a collective object”  4 and that, although feeling different, the situation would be the most common: “We would always be, anyway, in realm of the Arts, Culture, the old fetishes with a new look”.  5 1  2  The reflection on the work by Waltercio Caldas mentioned in

this reference text and passages of Ronaldo Brito’s writings are found in BRITO, Ronaldo. Waltercio Caldas Aparelhos. Rio de Janeiro: Gbm Editora de Arte, 1979.

3  BRITO, Ronaldo, op. cit., p. 72. 4  Ibidem, p. 72. 5  Ibidem, p. 72.


muito relevante aqui pois uma ideia análoga configura o primeiro elemento da pornografia que se busca entender. Trata-se de uma pornografia que é caracterizada por uma espécie de “substituição ideológica”. Assim, nesta noção de pornografia, se pretenderia substituir uma coisa por uma novidade que se passe pela coisa. Em outras palavras, um substituto, recoberto por um verniz alienante, passaria a ser entendido como se fosse a coisa mesma – mas já (supostamente) “melhorada”, “aperfeiçoada”.

This “new look” is very relevant here because a similar idea builds the first element of pornography that we seek to understand. It is pornography that is characterized by a sort of “ideological replacement.” So, based on this idea of pornography, the intention is to replace one thing with a novelty that can be taken for the thing. In other words, a substitute, covered with an alienating varnish, would be understood as if it were the thing itself – but already (supposedly) “improved”, “perfected.” 131


No Espelho com Luz, caso o gesto de apertar o botão fosse um lance do processo ilusionista, seria como se o espectador tivesse sido colocado num outro lugar, de (suposto) participador, que lhe permitiria interagir com a obra, mas que afinal o levaria novamente ao mesmo lugar tradicional de espectador, e ainda mais alienado da consciência disso, por conta da introdução desse novo truque no processo, essa forma de participação. Mas a obra de Waltercio Caldas é tratada aqui como um contraexemplo já que não é isso o que acontece, ou seja, apertar o botão não dá ao espectador nenhuma recompensa. Ou, seguindo a reflexão de Ronaldo Brito, “O Espelho com Luz está mais perto de ser uma obra fechada. Nesse fechamento, nessa recusa, estaria sua inteligência crítica”.  6 Em outras palavras, a obra não é pornográfica porque a substituição que se esperaria que ela efetuasse não acontece. Apesar disso, ainda é possível entender por meio dessa obra uma outra característica da pornografia: como aparece a imagem. Ronaldo Brito entende que:

In Espelho com Luz, in case the pressing of the button were a move of the illusionist process, it would be as if the viewer had been placed elsewhere, in the place of a (supposed) participant, a place which would allow him to interact with the work. This, however, would eventually bring him back to the traditional stand of a viewer, which would blur even more his awareness of that role owing to the introduction of a new trick to the process: this form of participation. Nevertheless, Waltercio Caldas’ work is treated here as a counterexample as this is not what happens, that is, pressing the button does not reward the viewer in any way. Or, following Ronaldo Brito’s consideration, “The Espelho com Luz is nearly a closed work. Its critical intelligence lies in its ‘being closed,’ in such refusal.”  6 In other words, the work is not pornographic because the replacement that it would be expected to cause does not materialize. Despite such fact, it still paves the way to understand another pornography feature: how the image appears. Ronaldo Brito understands that:

A luz vermelha que se acende no espelho proíbe a entrada, barra o acesso ao interior da obra. Mais ainda, torna patente que há apenas um espelho e uma luz: não há uma cena. O aparelho põe em ação os elementos necessários para o funcionamento do teatro, ilumina o palco, mas subtrai o espetáculo, joga sadicamente com sua expectativa mas não o apresenta. Pode-se até dizer: impede sua realização.  7 6  Ibidem, p. 72.

7  Ibidem, p. 72.

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The red light that turns on in the mirror forbids entry, it bars the access to the inside of the work. Even further, it makes evident that there is only a mirror and a light: there is no scene. The device puts into motion the necessary elements for the theater to function. It illuminates the stage, but subtracts the show, it plays sadistically with the expectation of it but does not present it. One can even say: it prevents the show from being performed.  7 6  Ibidem, p. 72. 7  Ibidem, p. 72.


O aparecimento da imagem então é negado,  8 o que nega a imagem como representação daquilo que substituiria e, consequentemente, nega a possibilidade que ela sequer seja entendida como uma coisa capaz de realmente substituir qualquer outra coisa. Assim, para seguir a construção da ideia de pornografia, a substituição apontada anteriormente seria realizada

8  Evidentemente a imagem que, sim, aparece é o reflexo do espectador no

espelho, mas essa, se muito, apenas representa (ou até apresenta) aquilo que está sendo negado: a perplexidade do espectador que não vê a ilusão esperada.

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The appearance of image is then denied,  8 which thus denies the image as a representation of what it would replace. Consequently this denies the possibility for it to be at least understood as something that is effectively able to replace anything else. Therefore, in order to keep pace with the way the pornography idea is built, the replacement mentioned previously would occur with a reified 8  Obviously the image that appears in fact is the viewer’s reflection

in the mirror. However such image, at most, only represents (or even features) that which is being denied: the astonishment of the viewer who does not see the illusion expected.


com uma imagem reificada (uma imagem tornada coisa). Nesta pornografia então se pretenderia substituir uma coisa por uma novidade, uma espécie de imagem da coisa, que se passaria pela coisa mesma. Mas ainda nos falta o elemento fundamental, que mobiliza todos os outros. Quando analisa a relação do espectador com a obra, Ronaldo Brito escreve:

image (an image that had been turned into a thing). So, based on this pornography concept, the intention would be to replace one thing with a novelty, a sort of image of the thing which would be taken for the thing itself. Nevertheless, the key element is still missing, that one that deploys all the others. When considering the relationship between the viewer and the work, Ronaldo Brito writes:

Primeiro há a paródia do gesto de apropriação da obra de arte por parte do sujeito. Este se daria de modo sublimado, sob a forma da não apropriação [...]. Representar esse gesto pela mecânica de apertar um botão exemplifica bem o espírito de crueldade em questão. Significa, em certa instância, figurar o infigurável, materializar o ideal, desmistificar. Sadicamente obrigar o sujeito a conscientizar, a realizar mesmo, o secreto gesto que não deveria aparecer, resultado que é da ação do prestidigitador. O que antes surgia como doação, gratificação, impõe-se agora como espécie de trabalho.  9 Isto é, seria usual que a captação do sentido de uma obra (ou a relação do público com a obra) ocorresse de um modo contido, afastado. Claramente separados: de um lado o espectador, com o olhar seu intelecto e, de outro, a obra, com seu (suposto) poder de cativação e agenciamento. Se pudéssemos colocar o gesto de apertar o botão de Espelho com Luz como o disparador do momento de captura do sentido da obra, ou ainda como início de uma espécie de epifania, esse seria então entendido como uma representação da alteração da

First there is the parody of the artwork appropriation by the subject. This would happen in a sublimated fashion in the form of non-appropriation [...]. Representing this gesture by the mechanic act of pushing a button is a good example of the spirit of cruelty at stake. It means, to a certain extent, to figure the non-figurable, materialize the ideal, demystify; to sadistically force the subject to raise awareness of, to actually perform the secret gesture that should not appear for it results from the prestidigitator’s action. What was initially brought about as donation, reward, now imposes itself as a sort of work.  9 That is, the meaning of an artwork (or the relation of the audience with the work) would usually be captured in a constrained, distant manner. They are clearly separated: on one end, the viewer with his eye as his intellect and, on the other end, the work with its (supposed) captivating power and intermediation. If we could put the push-button gesture in Espelho com Luz as the trigger of the moment when the meaning of the work is captured or as the beginning of a kind of epiphany, this would then be taken as a change

9  Ibidem, p. 72

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9  Ibidem, p. 72


relação com a obra de um espectador que é transformado em participador. No entanto, como vimos, apertar o botão é muito mais um momento de frustração do que epifania, em que o espectador continua sendo apenas espectador. Mesmo assim, esse momento, entendido como uma representação paródica da dinâmica do consumo da obra, nos indica – mais uma vez por negação – a última característica da pornografia que nos falta. Pois nele discernimos o elemento que mobiliza os outros: o consumo. Assim, finalmente, podemos formular 135

in the relationship with the work by a viewer who is turned into a participant. Nevertheless, as we have seen, pushing the button is much more a moment of frustration than epiphany in which the viewer is still just a viewer. Even so, that very moment, understood as a parodic representation of the work consuming dynamics, shows us – again by negation – the last pornography characteristic missing. For in it we can single out the element deploying the other ones: consumption. So, finally, we can say that the idea


que a ideia de pornografia que se constrói aqui se definiria pela pretensão de se substituir uma coisa por uma novidade, uma espécie de imagem dela, que se passaria pela coisa mesma para assim torná-la consumível.

of pornography built here would be defined by the pretension to replace one thing with a novelty, a sort of image of the thing, which would be taken for the thing itself so as to make it consumable.

O cineasta austríaco Michael Haneke, quando diferencia o “pornográfico” do “obsceno”, diz:

Austrian filmmaker Michael Haneke states the following when he differentiates “pornographic” from “obscene”:

Na minha definição, pode ser chamada de obscena qualquer coisa que se distancia da norma burguesa. Quer esteja preocupada com a sexualidade ou outra questão tabu, qualquer coisa que quebra com a norma é obscena. Na medida em que a verdade é sempre obscena, espero que todos os meus filmes tenham pelo menos um elemento de obscenidade. Em contraste, a pornografia é o oposto, já que é o que torna mercadoria aquilo 136

In my definition, anything that could be termed obscene departs from the bourgeois norm. Whether concerned with sexuality or violence or another taboo issue, anything that breaks with the norm is obscene. Insofar as truth is always obscene, I hope that all of my films have at least an element of obscenity. By contrast, pornography is the opposite, in that it makes into a commodity that which is obscene, makes the unusual


que é obsceno, faz do não usual (da exceção) algo consumível.  10 Não é o aspecto sexual, mas o aspecto comercial que faz do pornô algo repulsivo. Acredito que qualquer prática artística contemporânea é pornográfica se tenta ser um curativo sobre uma ferida, digamos assim, psicológica e social.  11 Apesar da contundência da definição dada por Haneke, as noções de consumo e mercadoria que parecem ser mobilizadas na sua fala podem ser um pouco anacrônicas: aparentemente implicam uma separação clara entre a figura do produtor e a do consumidor,  12 enquanto o que vemos hoje parece ser bastante diferente.  13 No caso do Espelho com Luz, podemos entender que a interatividade negada (negada pela obra no ato de apertar o botão) prenunciaria a transferência de parte da responsabilidade da produção da obra para o espectador, que deixaria de estar atrelada exclusivamente ao artista. Assim, é como se esses espectadores devessem passar a assumir também a posição de produtores de sentido e até mesmo de conteúdo.

consumable.  10 It isn’t the sexual aspect but the commercial aspect of porno that makes it repulsive. I think that any contemporary art practice is pornographic if it attempts to bandage the wound, so to speak, which is to say our social and psychological wound.  11 Despite the incisive definition given by Haneke, the concepts of consumption and commodity that appear to be used in his talk can be a bit anachronistic: apparently they imply a clear separation between consumer and producer,  12 while what we see today seems to be quite different.  13 In the case of Espelho com Luz, we can understand that the interactivity denied (denied by the work against the push-button act) would foreshadow a situation in which the viewer would be partly responsible for producing the work, which, consequently, would no longer be exclusively tied to the artist. It is, therefore, as if those viewers should also go on to take the position of producers of meaning and content as well.

10  Noção que podemos resumir em uma palavra: cooptação. 11  Tradução do autor de fragmento encontrado em SHARRETT,

Christopher, The world that is known Michael Haneke interviewed, Kinoeye vol. 2, n. 1, 2004; disponível em http://www.kinoeye.org/04/01/interview01.php (em inglês).

12  Numa palestra ocorrida no dia anterior, 1 de junho de 2012, também

como parte do Emoção Art.ficial 6.0, Lisette Lagnado apontou a nova condição do leitor como uma espécie de “coprodutor” do texto.

13  Uma elaboração aprofundada e acessível daquilo que se entende ser

a situação atual é dada em HOLMES, Brian, The flexible personality, EIPCP, 2002; publicado em http://eipcp.net/transversal/1106/holmes/en/ (em inglês).

137

10  A concept that can be narrowed down to one word: co-optation. 11  A passage found in SHARRETT, Christopher, The world that is

known Michael Haneke interviewed, Kinoeye vol. 2, n. 1, 2004; available at http: /www.kinoeye.org/04/01/interview01.php (in English).

12  In a talk delivered on the previous day, June 1, 2012, an integral part of Emoção Art.ficial 6.0 as well, Lisette Lagnado pointed out the reader’s new status as a sort of “co-writer” of the text. 13  A thorough and accessible preparation of what is meant

to be the current situation is given in HOLMES, Brian, The flexible personality, EIPCP, 2002; published at http://eipcp.net/ transversal/1106/holmes/en/ (in English).


D o so c ia l

Essa relação com uma determinada coisa (seja um equipamento, seja um serviço ou até uma obra de arte), que coloca um indivíduo numa situação ambígua entre produtor e consumidor, é um dos modos hegemônicos de exploração econômica no atual estágio do capitalismo que, levando isso em conta, muitas vezes é chamado de “capitalismo cognitivo”. Essa forma “avançada de capitalismo” tem como importante característica a “economia criativa” que, convenientemente, parece substituir o interesse do Itaú no lugar da arte-tecnologia.  14 Ainda que seja bastante complexo tentar determinar com precisão como ocorrem essas relações de produção e consumo, é fácil apontar exemplos concretos da manifestação delas, principalmente nos meios de comunicação digitais, com destaque para o que se tem chamado de “rede social”. É nesse tipo de “contexto” (que, por sinal, é difícil caracterizar simplesmente como um “serviço”, muito menos um equipamento) onde aparece de modo mais palpável a figura daquilo que se veio a denominar de “prosumidor”.  15 No Google, Facebook, Twitter ou Flickr (serviços desse tipo), os usuários são colocados numa posição em que o próprio ato de (aparentemente) produzir algo é, simultaneamente, um ato de consumo. 14  Esta palestra ocorreu no contexto da sexta e última edição do evento Emoção Art.ficial (ver MARTÍ, Silas, “Emoção Art.ficial tem última edição no Itaú”, Folha de S. Paulo, 30/5/2012), sendo o evento preterido em favor de, entre outras, a ideia de “economia criativa”. 15  Uma contração das palavras “produtor” e “consumidor”. Apesar de

ter sido cunhada por Alvin Toffler no livro A terceira onda, a utilização aqui se aproxima daquela que faz HOLMES, Brian, op. cit.

138

O n t h e so c ia l sid e

This relationship with a particular thing (either a device or a service or even a work of art), which places the individual in an ambiguous situation between producer and consumer, is one of the hegemonic modes of economic exploitation in the current stage of capitalism that, taking this into account, is often called “cognitive capitalism.” A major feature of this “advanced form of capitalism” is the “creative economy” which conveniently seems to override Itaú’s interest in art-technology.  14 Although it is fairly complex to try to accurately determine how these relations of production and consumption are effected, it is easy to point out actual examples of their manifestation, mainly in digital media, with an emphasis on what has been called the “social network.” It is in this type of “context” (which, by the way, is hard to characterize simply as a “service,” let alone a piece of equipment) that what came to be called “prosumer” appears in a more concrete form.  15 On Google, Facebook, Twitter or Flickr (and the like), users are placed in a position in which the very act of (apparently) producing something is at the same time an act of consumption. 14 This talk was delivered in the sixth and last edition of Emoção Art. ficial (see MARTÍ, Silas, “Emoção Art.ficial tem última edição no Itaú” [“Emoção Art.ficial presents its last edition at Itaú”], Folha de S. Paulo, MAY 30 2012), being passed by, inter alia, the idea of the “creative economy.” 15 A contraction of the words “producer” and “consumer”. Des-

pite having been coined by Alvin Toffler in his The Third Wave, the use here is more in the line adopted by HOLMES, Brian, op. cit.


É evidente que o Google, sem todo o resto da internet, ou o Facebook, sem os seus usuários, são estruturas vazias e sem sentido. No Facebook, por exemplo, são os usuários e o conteúdo que eles colocam no site que dão razão à sua existência. E grande parte da esperteza de quem constrói sites como esses está em transformar esse conteúdo, esse sentido colocado ali, em dinheiro. Os autores desses sites podem alegar em sua defesa que o serviço é oferecido de forma gratuita e, em troca, os usuários se beneficiam dele. Mas o “pagamento” (por assim dizer) se dá pela exposição à propaganda (que, aliás, é como a maioria dos sites na internet se financia). Então é como se os usuários oferecessem sua atenção em troca do serviço.  16 Mas a esperteza maior é que, para os usuários, tudo se passa como se eles estivessem produzindo e a recompensa que ganham é também da ordem da diversão, do prazer; óbvio, diferente de ler uma revista e se deparar com uma propaganda aqui e ali, os membros do Facebook, por exemplo, atualizam seus status, colocam links, criam eventos, compartilham fotos e vídeos, comentam e, acima de tudo, “curtem”. Duas semanas atrás,  17 aconteceu a oferta pública inicial das ações do Facebook na Bolsa de Valores de Nova York. Foi uma das maiores aberturas de capital de toda a história, totalizando aproximadamente a vultosa e

It is clear that Google without all the rest of the internet or Facebook without its users are empty and meaningless frameworks. Facebook, for instance, would not exist were it not for its users and the content they post on the website. And much of the smartness of people who build websites like these lies in transforming such content, this meaning ascribed to it, in cash. The authors of those websites can claim in their defense that the service is provided on a free-of-charge basis and, in exchange, users benefit from it. Nevertheless, “payment” (so to speak) materializes in exposure to advertising (which, incidentally, is how most websites on the web are funded). So it is as if users offered their attention in exchange for the service.  16 But the greatest instance of smartness is that, for users, it is as if they were producing something and the reward they earn is also along the line of fun, pleasure; obviously, different from reading a magazine and coming across an advertisement here and there, Facebook members, for example, update their status, post links, create events, share photos and videos, make comments and, above all, “like.” Two weeks ago,  17 the initial public offering of Facebook’s shares took place in the New York Stock Exchange. It was one of the largest IPO ever, raising a bulky and unbelievable sum of

16  Uma introdução e elaboração dessa ideia importantes para como

segue este texto podem ser encontradas em LAND, Chris e BÖHM, Steffen, They are exploiting us! Why we all work for Facebook for free in Organizations, Occupations and Work, American Sociological Association, 2012; publicado em http://oowsection.org/2012/02/22/

they-are-exploiting-us-why-we-all-work-for-facebook-for-free/ (em inglês).

17  Isto é, no dia 18 de março de 2012.

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16 An introduction of and elaboration on this idea which are important to better understand this text can be found in LAND, Chris and BÖHM, Steffen, They are exploiting us! Why we all work for Facebook for free in Organizations, Occupations and Work, American Sociological Association, 2012; published at http://oowsection.

org/2012/02/22/they-are-exploiting-us-why-we-all-work-forfacebook-for-free/ (in English). 17  That is, on March 18, 2012.


inacreditável soma de 100 bilhões de dólares  18 (mais de dez vezes o lucro no ano passado inteiro do Banco Itaú,  19 o oitavo maior banco do mundo). O curioso é que, em alguma medida, essa valorização explícita é constrangedora para o próprio Facebook (ou para essa “esperteza” de como ele funciona); pois é justamente essa valorização que deixa entrever o quanto o usuário, o “prosumidor”, não é simplesmente um consumidor que produz (ou um produtor que consome). E isso é relativamente claro: se o Facebook vale tanto, seus usuários também “valem”, ou, mais exatamente, o trabalho realizado por eles também vale. Mas os usuários não estão sendo “recompensados”, eles não estão sendo remunerados por esse trabalho, ou seja, ainda que o usuário do Facebook produza algo, essa produção não tem retorno financeiro para ele porque é como se esse retorno fosse a todo tempo imediatamente cooptado pelo Facebook.

about 100 billion dollars  18 (more than ten times earnings of the whole past year of Banco Itaú,  19 the eighth largest bank in the world). Curiously, to some extent, this explicit valuation is embarrassing to Facebook itself (or to this “smartness” in the way it operates); for it is precisely this valuation that leaves us a glimpse of how the user, the “prosumer,” is not just a consumer who produces (or a producer who consumes). And this is relatively clear: if Facebook is worth so much, so does its users or, more exactly, so does the work they do. Users, however, are not being “rewarded,” they are not being paid for this work, i.e. even though the Facebook user produces something, his output has no financial return to him because it is as if this return is at all times immediately co-opted by Facebook.

Assim, a produção não é aquela “usual” ou “tradicional”, como por exemplo quando um sapateiro fazia um sapato, o vendia e ganhava por isso. Então, ao fim, é como se os usuários escolhessem ser explorados: parece a princípio uma troca “justa”, mas o grande beneficiado é sempre o Facebook e o usuário acaba trabalhando praticamente de graça. Não só oferece sua cognição para ser explorada, 18  Ver, por exemplo, http://en.wikipedia.org/wiki/Facebook_IPO (em inglês) e referências citadas ali. Curiosamente, desde o momento da oferta pública inicial até a elaboração deste texto (período de cinco meses) as ações já caíram mais de 50%, desvalorizando o total da empresa de 100 bilhões de dólares para aproximadamente 45 bilhões de dólares. 19  O lucro total do grupo Itaú Unibanco em 2011 foi de aproximadamente

8,5 bilhões de dólares − ver, por exemplo, ALONSO, Olivia, “Itaú Unibanco tem maior lucro da história dos bancos”, IG Economia, 7/2/2012; disponível em

http://economia.ig.com.br/mercados/itau-unibanco-tem-maior-lucro-dahistoria-dos-bancos/n1597617228050.html.

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So, the output is not that “usual” or “traditional,” as for example when a shoemaker would make a pair of shoes, sell and profit from them. Then, ultimately, things are as if users chose to be exploited: it seems at first a “fair” exchange, but the greatest beneficiary is always Facebook and the user ends up virtually working for free. Not only does he offer his cognition to be exploited, but he de18 See, for example, http://en.wikipedia.org/wiki/Facebook_IPO (in

English) and references mentioned therein. Interestingly, from the time of the initial public offering up to writing this text (a period of five months), shares have already fallen more than 50%, corresponding to a company devaluation dropping from the original 100 billion dollars to about 45 billion dollars.

19  Total earnings of Itaú Unibanco group in 2011 reached about 8.5 billion dollars − see, for example, ALONSO, Olivia, “Itaú Unibanco tem maior lucro da história dos bancos” [“Itaú Unibanco has the highest profit in the history of banks”], IG Economia, Feb 7 2012, available at http://economia.ig.com.br/mercados/itau-unibanco-tem-maior-lucro-dahistoria-dos-bancos/n1597617228050.html.


mas ele também oferece com prazer o que é capaz de produzir; e escolhe, por vontade própria, se sujeitar a isso, numa espécie de autoproletarização. Se dar conta disso é perceber que o usuário deixa de ser mero usuário: ele é um produtor e não é; é um produtor, mas apenas como consumidor; é um consumidor que se passa por produtor, mas explorado; é apenas um consumidor, mas já duplamente alienado, porque é simultaneamente alienado da sua produção e do seu consumo. A pornografia então está toda aí: uma novidade, uma espécie de imagem, uma representação da interação social se passa pela coisa mesma enquanto é consumida (contraditoriamente) por meio de uma aparente produção.

D e vo lta

E se a pornografia trata de produzir valor de consumo pela cooptação da exceção, qual exceção mais conveniente − e sedutora! − poderia ser cooptada para garantir a manutenção do status quo do que a própria ideia de revolução? No ano passado, foi possível ver exatamente esse processo − e de modo incrivelmente exacerbado − durante o que ficou conhecido como “Primavera Árabe”. A grande mídia (certamente a contragosto) coroava a internet e, em especial, as redes sociais como Twitter e Facebook como os grandes catalisadores dos eventos (o que evidentemente agregou enorme valor a elas, até em detrimento da mídia tradicional). Mas, contraditoriamente, a mesma mídia noticiava também que praticamente todos os regimes totalitários afetados por esses protestos derrubavam 141

lightfully provides that which he is capable of producing as well; and chooses, on his own will, to be subject to it as a kind of self-proletarianization. Becoming aware of this means to realize that the user is no longer a mere user: he is the producer and is not; he is the producer, but only while a consumer; he is a consumer disguised as a producer, but is exploited; he is just a consumer but already doubly alienated, because he is simultaneously alienated from his production and consumption. So, pornography is all there: a novelty, a sort of image, a representation of the social interaction which would be taken for the thing itself while it is consumed (contradictorily) by means of an apparent production.

B ac k

And if pornography means producing consumption value by exception cooptation, which more convenient exception − and seductive! − could be co-opted to ensure maintenance of the status quo than the very idea of revolution? Last year, this process could be seen very well − and so incredibly exacerbated − during what became known as the “Arab Spring.” The mainstream media (surely unwillingly) crowned the internet and, in particular, social networks such as Twitter and Facebook as the major catalysts of the events (which of course has added tremendous value to them even to the detriment of traditional media). But, paradoxically, the same media also broadcast that virtually all totalitarian regimes affected by these protests were almost immediately putting down every access to


quase imediatamente todo o acesso a internet.  20 Sabemos hoje que impedir o funcionamento da internet fracassou em reduzir a mobilização dos manifestantes e até teve um efeito contrário: gerou mais enfurecimento e também garantiu a legitimação das suas demandas (por democracia, abertura etc.) aos olhos do “ocidente”. Mas certamente a derrubada da internet colocou em xeque a importância dela e suas ferramentas sociais como centro principal de organização das manifestações. Como se isso não fosse suficiente, existem também (ainda que soterrados no meio de tudo o que se produziu sobre o assunto) documentos coletados nas próprias manifestações, principalmente no Egito,  21 como panfletos e guias de protesto que tornam bastante clara a preocupação dos manifestantes, que pedem explicitamente que não sejam usados os serviços como Twitter e Facebook.  22 O já famoso e bastante controverso Julian Assange (e por isso mesmo não mais tão vedete midiática quanto já foi) indicou uma razão para esse pedido numa fala em março de 2011. Ele disse: “Na verdade houve sim uma revolta tipo-Facebook no Cairo três ou quatro anos atrás. Ela foi bem pequena… depois dela, o Facebook foi usado para que se desco20  Um grande repositório de referências sobre a limitação de acesso à internet por países árabes em resposta aos protestos ocorridos em 2011 pode ser encontrado em http://en.wikipedia.org/wiki/Internet_censorship_in_the_ Arab_Spring (em inglês). 21  Muitos dos documentos distribuídos no Egito durante os protestos de 2011 podem ser encontrados no site http://www.tahrirdocuments.org/ (em árabe e inglês).

22  Algumas páginas originais do documento mencionado, bem como uma tradução para o inglês, estão disponíveis em http://www.theatlantic. com/international/archive/2011/01/egyptian-activists-action-plantranslated/70388/ (em inglês).

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the internet.  20 We know today that the attempt to stop the internet failed in reducing the mobilization of protesters and even had an opposite effect: the measure intensified anger and also ensured the legitimacy of the people’s claims (for democracy, openness, etc.) to the “Western” eyes. But certainly the internet shutdown put its importance in check as well as its social tools as a centre for organizing demonstrations. As if this were not enough, there are also (albeit buried in the middle of everything that has been produced on the subject) documents found in the demonstrations themselves, mainly in Egypt,  21 such as pamphlets and protest guides, that make pretty clear the concern of protesters, who explicitly ask services like Twitter and Facebook not to be used.  22 The already famous and rather controversial Julian Assange (and owing to that, he is no longer such a media star as he once was) pointed out a reason for such a request in a talk delivered in March 2011. He said: “Actually there was indeed a Facebook-type uprising in Cairo three or four years ago. It was very small... after it, Facebook was used to discover all the main people 20  A major reference repository on the limited access to the internet in the Arab countries as a response to protests staged in 2011 can be found at http://en.wikipedia.org/wiki/Internet_ censorship_in_the_Arab_Spring (in English).

21  Many of the documents given out in Egypt during the 2011 protests can be found at http: /www.tahrirdocuments.org/ (in Arab and English). 22  Some of the original pages of the aforementioned document, as well as its translation into English, are available at http://www.

theatlantic.com/international/archive/2011/01/egyptian-activistsaction-plan-translated/70388/ (in English).


brissem todos os participantes principais. E então eles foram espancados, interrogados e presos.”  23 Por mais que os investidores ou defensores do Facebook talvez gostem de acreditar no contrário, ele não parece ser muito mais do que uma nova forma de suprir, por meio do consumo, uma demanda de existência social

involved. And then they were beaten, interrogated

23  Tradução do autor de fragmento de KINGSLEY, Patrick, “Julian Assange tells students that the web is the greatest spying machine ever”, The Guardian; 15/3/2011; disponível em http://www.guardian.co.uk/

23  Winter’s translation of a passage by KINGSLEY, Patrick,

media/2011/mar/15/web-spying-machine-julian-assange (em inglês).

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and jailed.”  23 No matter to what extent Facebook investors or supporters like to believe otherwise, it does not seem to be much more than a new manner to feed, by means of consumption, a pent-up demand for social existence. And more, a manner that, on

“Julian Assange tells students that the web is the greatest spying machine ever”, The Guardian, Mar 15 2011 available at http://www.

guardian.co.uk/media/2011/mar/15/web-spying-machine-julianassange (in English).


reprimida. E mais, uma forma que, por conta de como se dá a substituição que opera, talvez seja responsável por produzir ainda mais a escassez social que supostamente supre. O Facebook, além de explorar seus usuários como massa de valor cognitivo a ser bombardeada pela propaganda, também os mantém autoproletarizados pela demanda de intercâmbio contínuo de excitação mútua que eles mesmos produzem, fazendo parecer superada a dicotomia produção-consumo. De algum modo, o desejo de superação da separação tradicional dos papéis de artista e espectador encontra, na suposta indistinção entre produtor e consumidor, um exemplo do aprofundamento da alienação das divisões dentro da organização social da exploração do capital. Um agravante é que a sintetização (que inicialmente se passa por superação) das contradições do consumo e da produção dentro do mesmo indivíduo acaba por configurar uma forma de apaziguamento de uma situação que não apenas não foi superada, mas continua existindo de modo muito mais complexo. Um resultado adicional é que a oposição tensa de papéis se internaliza e por isso se imobiliza: evidentemente é muito mais fácil se contrapor com clareza a uma condição que se identifica fora de si, no outro, do que sequer entender como se mobilizar em relação a algo tão próximo, que chega a estar embaralhado em si mesmo. Em última análise, é preciso perguntar-se o quanto um artista-produtor assume uma posição em relação ao público-espectador similar a que assume um detentor de meios de criação e manipulação de tecnologia em relação ao “prosumidor”. 144

account of how the replacement is produced, is perhaps responsible for producing even more social scarcity that it supposedly feeds. Facebook, in addition to exploiting its users as a cognitive-value mass to be bombarded by advertising, also keeps them selfproletarianized by a demand of ongoing exchange of mutual excitement which they themselves produce, making it appear that the production-consumption dichotomy has been left behind. Somehow, the desire to overcome the traditional separation of the artist’s and viewer’s roles is, in the supposed indistinction between producer and consumer, an example of further alienation of the divisions within the social organization of capital exploitation. An aggravating circumstance is that the synthesis (which initially is passed off as overcoming) of consumption and production contradictions within the same individual turns out to set up a form of appeasement of a situation that not only has not been overcome, but still continues to exist in a much more complex way. An additional outcome is the internalization of the tense opposition of roles and this is why it paralyzes itself: of course it is much easier to clearly confront a condition identified outside its own boundaries, something on the other, rather than not even being able to understand how to mobilize against something so close that can be shuffled in and of itself. Ultimately, one should ask himself how far an artist-producer goes to take a stand in relation to the audience-viewer as much as the holder of means of creating and manipulating technology does in relation to the “prosumer.”


Na obra Google Will Eat Itself (O Google Comerá a Si Próprio, numa tradução livre), um grupo de artistas austríacos  24 utiliza o serviço AdSense  25 para ganhar dinheiro por meio da exibição de propaganda em diversos websites. Esse dinheiro ganho praticamente “sem esforço” é então automaticamente utilizado para comprar ações do próprio Google, ações estas que são então transferidas a uma espécie de empresa  26 que então, um dia, seria dona do Google (daí o “comerá a si próprio” que aparece no título da obra). É evidente que a aquisição efetiva do Google demoraria milhares de anos para acontecer, já que a compra de todas as ações do Google por meio desse processo é muito demorada. É claro: o dinheiro que o Google repassa para quem mostra as propagandas que são geradas é uma pequena fração daquilo que o próprio Google ganha. Além disso, o Google também continuamente bloqueia o funcionamento do trabalho, já que ele infringe os termos de uso do AdSense.  27 Os próprios artistas reconhecem essa demora: colocam, no

In Google Will Eat Itself, a group of Austrian artists  24 use the AdSense  25 service to make money out of displaying advertisements in several websites. Such money earned virtually “effortlessly” is then automatically used to buy Google’s shares, which are then transferred to a kind of company  26 which, one day, would become Google’s owner (hence the “eat itself” that appears in the title of the work). It is clear that the effective acquisition of Google would take thousands of years to happen, as the purchase of all Google’s shares through this process is very time consuming. Of course: the money that Google sends forward to those who show the advertisements generated is a small portion of what Google itself earns. In addition to that, Google often blocks the operation of the work for it violates AdSense terms of use.  27 The artists themselves recognize such delay: on the work website, they embedded a clock displaying

24  Google Will Eat Itself é um projeto de http://ubermorgen.com,

Alessanndro Luidovicio e Paulo Cireo. Mais informações podem ser encontradas no site do projeto http://gwei.org/ (em inglês).

25  AdSense é um serviço do Google que coloca propaganda em websites na internet em troca de remuneração aos donos dos sites onde a propaganda é mostrada. Mais informações podem ser encontradas na página oficial do serviço https://www.google.com/adsense/.

26  Mais precisamente trata-se de uma empresa no domínio público,

de acordo com os autores: “Entregamos a propriedade comum das ‘nossas’ ações do Google para a GTTP Ltd. (Google To The People Public Company [Empresa Pública Google para o Povo]) que as distribui de volta para os usuários (que clicam) / para o público”, como se pode ler no site http://gwei.org/pages/gttp/gttp.php (em inglês).

27  Uma das primeiras cartas sobre a violação dos termos de uso do AdSense enviada pelo Google ao Google Will Eat Itself pode ser encontrada em http://gwei.org/pages/google/google_letter.html (em inglês).

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24  Google Will Eat Itself is a project by http://ubermorgen.com, Alessandro Luidovicio and Paulo Cireo. Further information can be found at the project website http://gwei.org/ (in English). 25  AdSense is a Google service that puts advertisements on

websites on the internet in exchange for a pay made to the owners of the websites where the advertisement is displayed. Further information can be found at the service official page at https:// www.google.com/adsense/.

26  More precisely it is a public domain company, according to the authors: “We hand over the common ownership of “our” Google Shares to the GTTP Ltd. (Google To The People Public Company) which distributes them back to the users (clickers) / public,” as is seen on the website http://gwei.org/pages/gttp/gttp.php (in English). 27  One of the first letters on breaching AdSence’s terms of use sent by Google to Google Will Eat Itself can be found at http:// gwei.org/pages/google/google_letter.html

(in English).


site da obra, um relógio contador que calcula quanto tempo ainda levará para que a obra consiga fazer com que o Google se “coma” por completo. Nesse processo autofágico, que dá um nó no “prosumismo” consumista, a remuneração do trabalho dos usuários e o ciclo de sua exploração acaba ganhando alguma forma.

a countdown of the time remaining for Google to “eat” itself completely through the work. In this autophagic process, which puzzles the consumeristic “prosumism,” compensation for the users’ work and its exploitation cycle eventually becomes more visible in a way.

Seja como for, reconhecer que vivemos numa sociedade pornográfica implica reconhecer que tudo se passa como se muitos impasses estivessem já explicitados e até superados. Reconhecer que vivemos numa sociedade pornográfica implica reconhecer que a imagem consumível tornada ela mesma substituta do que (supostamente) representa nos mantém ainda num estado, por mais complexo que seja, de controle e alienação.

Whatever it is, recognizing that we live in a pornographic society implies recognizing that everything happens as if many deadlocks had already been explained and overcome. Recognizing that we live in a pornographic society implies recognizing that the consumable image turned into a replacement of what (supposedly) it represents still keeps us in a state, no matter how complex it is, of control and alienation.

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Condi c iona m e nto Post- M e dia P ó s - M í dia Conditionin g

Axel Stockburger

I ntrodução

Ao longo da última década, pôde-se testemunhar uma significativa transformação das instituições e das práticas associadas à “nova artemídia”, que corresponde a uma crise que se mostrou no encerramento de vários festivais e instituições importantes. Enquanto a década de 1990, particularmente o período que conduz à bolha do “ponto com”, tinha sido um momento de esperança para artistas, curadores e teóricos que atuavam nessa área e enormes verbas públicas e privadas deixaram traços visíveis na academia, nos festivais e nas instituições dedicadas, esse processo parece ter tomado o rumo oposto após a virada do século. No momento, o rótulo “novas mídias” é usado por cada vez menos artistas e teóricos e, em um sentido mais amplo, ficou fora de moda. Por um lado, as novas mídias tornaram-se 149

I ntrodu c tion

Throughout the last decade one could witness a significant transformation of the institutions and practices associated with ‘new media art’, which amounts to a crisis that showed itself in the closure of numerous important festivals and institutions. While the 1990’s, especially the period leading up to the dotcom bubble, had been a time of hope for artists, curators and theorists working in this field and plenty of public and private funding streams left visible traces in academia, festivals as well as dedicated institutions, this process seems to have been reversed after the turn of the century. At present, the ‘new media’ tag is used by fewer and fewer artists and theorists, in a broader sense it has become unfashionable. On the one hand, new-media became


fator fundamental na ascensão do setor de indústrias criativas; por outro, as posições artísticas que atuam dentro desse âmbito não foram efetivamente introduzidas no mundo mais amplo da arte nem no mercado.

a key factor in the rise of the creative industries sector, on the other hand, the inclusion of artistic positions operating within its sphere into the wider art-world as well as the market has not really taken place.

Curadores e teóricos, assim, começaram a discutir a presente situação e descreveram as características do estado atual como uma “condição pós-mídia”. No entanto, a ideia de “pós-mídia” tem uma tradição ligeiramente mais antiga e, quando introduzida pela primeira vez na década de 1970, seu significado era um tanto diferente. No pequeno texto a seguir, discutirei algumas dessas leituras divergentes do “pós-mídia” no intuito de chegar a um melhor entendimento de como se apresentam na atualidade certas esperanças e desejos subjacentes que estavam intimamente relacionados à interação entre as artes plásticas e o campo de rápido desenvolvimento da mídia digital.

O P ó s - M í dia co m o Pot e n c ia l E m an c i pação do Pod e r da M í dia d e Massa

Inicialmente, o termo em si apareceu no cenário da teoria com Félix Guattari, tratando de uma “revolução do pós-mídia que viria”  1 como uma forma de reapropriação da mídia do domínio dos canais da mídia de massa. Ele estava convencido de que

Curators and theorists have thus begun to discuss the current state of affairs and described the characteristics of the present situation as a “post-media condition”. However the notion “post-media” has a slightly longer tradition and when it was first introduced in the 1970s it stood for a slightly different meaning. In the following short text I will engage with some of these divergent readings of “post-media” in order to gain a better understanding of how certain underlying hopes and desires that were bound up with the interaction between fine art and the rapidly developing field of digital media present themselves in the current situation.

Post- m e dia as p ot e ntia l e m an c i pation fro m t h e p ow e r of m ass m e dia

The term itself initially appeared in the landscape of theory with Félix Guattari call for a “post media revolution to come”  1 as a form of re-appropriation of media from the dominance of mass-media channels. He was convinced that autonomous

1  Guattari, Félix. Soft Subversions, Sylvère Lotringer (Ed.), David

L. Sweet e Chet Weiner (Trads). Nova York: Semiotext(e), 1996, p. 106.

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1 Guattari, Félix. Soft Subversions . Sylvère Lotringer (Ed.), David L. Sweet and Chet Weiner (Trans.). New York: Semiotext(e), 1996, p. 106.


grupos autônomos e descentralizados, como aqueles com quem entrou em contato nas experiências do rádio livre dos anos 1970 (Radio Alice), poderiam proporcionar uma força emancipatória que levaria a uma “revolução na inteligência, na sensibilidade e na criatividade”  2 por meio da geração de novos modos de subjetividades singularizadas. Os atuais críticos dessas alegações, como por exemplo Richard Barbrook,  3 e o coletivo francês Tiqqun com sua ideia de “capitalismo cibernético”,  4 criticam essa posição como uma hipótese ingênua. Enquanto Barbrook repudia essa ideia como um retorno poético de 68 fantasias a serem realizadas em formato digital que chegaram muito perto da cultura capitalista dos Technopriests californianos neoliberais, o Tiqqun destaca que, dentro de um sistema cibernético, cada enunciado já está profundamente enredado nas medidas de controle que o neutralizam simplesmente porque faz parte do ciclo de feedback de informação da comunicação com o qual o sistema foi projetado para lidar desde o princípio.

and decentralised groups, such as the ones he came in contact with in the free radio experiments of the 1970s (Radio Alice), could provide an emancipative force leading to “a revolution in intelligence, sensitivity and creativity”  2 through the generation of new modes of singularized subjectivities. Present day critics of these claims, such as for example Richard Barbrook  3 as well as the French tiquun collective with their notion of “cybernetic capitalism”  4 criticize this position as a naïve assumption. While Barbrook dismisses it as a poetic return of 68 fantasies to be realised in digital form that came awfully close to the capitalist culture of neoliberal californian technopriests, Tiquun point out that within a cybernetic system, every enunciation is already deeply enmeshed with the measures of control that defuse it, simply because it is part of the information feedback loop of communication the system is designed to cope with right from the start.

Por um lado, as “assemblages coletivas de enunciação que absorvem ou atravessam especialidades”,  5 como Guattari diz, certamente se transformaram no me-

On the one hand the “collective assemblages of enunciation that absorb or traverse specialities”  5 as Guattari put it, have indeed become the core

2 Guattari, Félix. Regimes, Pathways, Subjects. In: Incorporations. Jonathan Crary e Sanford Kwinter (eds.). Nova York: Urzone, 1992, p. 30. 3 Barbrook, Richard. The Holy Fools (Long Mix), 2007; disponível em:

http://www.imaginaryfutures.net/2007/04/13/the-holy-fools-long-mix-by-richardbarbrook/ (Acessado em: 12.5.2012).

4 Tiqqun. The Cybernetic Hypothesis, 2001; disponível em:

http://cybernet.jottit.com/ (Acessado em: 12.5.2012).

5 Guattari, Félix. Soft Subversions, Sylvère Lotringer (Ed.), David

L. Sweet e Chet Weiner (Trads). Nova York: Semiotext(e), 1996, p. 106.

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2 Guattari, Félix. Regimes, Pathways, Subjects. In: Incorporations.

Jonathan Crary e Sanford Kwinter (eds.). New York: Urzone, 1992, p. 30.

3 Barbrook, Richard. The Holy Fools (Long Mix), 2007;

available: http://www.imaginaryfutures.net/2007/04/13/the-holy-foolslong-mix-by-richard-barbrook/ (Accessed: May 12, 2012).

4  Tiqqun. The Cybernetic Hypothesis, 2001; available: http:// cybernet.jottit.com/ (Accessed: May 12, 2012).

5 Guattari, Félix. Soft Subversions . Sylvère Lotringer

(Ed.), David L. Sweet and Chet Weiner (Trans.). New York: Semiotext(e), 1996, p. 106.


canismo do core business das empresas de mídia de hoje, como o Facebook. Por outro, fenômenos como Anonymous ou Wikileaks também apareceram nesse cenário. O Tiqqun afirma que, “enquanto a ascensão do controle no fim do século XIX ocorreu por meio da dissolução de ligações personalizadas − que permitiu o aparecimento de pessoas falando no “desaparecimento das comunidades” −, no capitalismo cibernético o mesmo ocorre ao promover uma nova união das ligações sociais totalmente permeada do imperativo de uma autopilotagem e de pilotagem de terceiros no serviço da unidade social: trata-se do dispositivo-futuro da humanidade como cidadãos do Império”.  6 Para devolver algum crédito a Deleuze e Guattari, por volta de 1980 em Mille Plateaux, eles já admitiam que, “também se poderia dizer que uma pequena quantidade de subjetivação nos afastou da escravização maquinal, mas uma grande quantidade nos traz de volta a isso”.  7 De qualquer modo, muitas das esperanças de emancipação política com base na nova prática de mídia descentralizada, que estavam no cerne do engajamento artístico no campo da nova artemídia, foram frustradas pelas realidades políticas e econômicas, seja pela censura chinesa no uso da internet, seja pelo crescimento das funções de vigilância com plataformas de mídia social.

6 Tiqqun. The Cybernetic Hypothesis, 2001; capítulo IV; disponível em: http://cybernet.jottit.com/chapter_4 (Acessado em: 12.5.2012).

7 Deleuze, Gilles. Guattari, Félix. Continuum Press. Londres, Nova

York, 2004, p. 506.

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business mechanism for present day media companies such as Facebook, on the other hand, phenomena like Anonymous or Wikileaks have also appeared on the stage. Tiquun claim that, “whereas the rise of control at the end of the 19 th century took place by way of a dissolution of personalized bonds – which gave rise to people talking about ‘the disappearance of communities’ – in cybernetic capitalism it takes place by way of a new soldering of social bonds entirely permeated by the imperative of selfpiloting and of piloting others in the service of social unity: it is the device-future of mankind as citizens of the Empire”.   6 To return some credit to Deleuze and Guattari, around 1980 in Mille Plateaux they already conceded that, “it could also be said that a small amount of subjectification took us away from machinic enslavement, but a large amount brings us back to it.”   7 In any case, many of the hopes for political emancipation on the basis of new de-centralised media practice, which were at the heart of artistic engagement in the field of new media art, have been thwarted by the political and economical realities, be it Chinese Internet censorship or the growth of surveillance functions with social media platforms.

6 Tiqqun. The Cybernetic Hypothesis, 2001; chapter IV; available: http://cybernet.jottit.com/chapter_4

(Accessed: May 12, 2012).

7 Deleuze, Gilles. Guattari, Félix. Continuum Press. Londres, New York, 2004, p. 506.


( N ova ) art e m í dia − Es p e c ifi c idad e Midi áti c a e A utorr e f l e x ão

Enquanto a teoria de Guattari de uma “era pós-mídia”  8 caracterizou-se pelo potencial de emancipação política, a teórica de arte Rosalind Krauss, que descreveu a “condição pós-mídia” em seu livro Voyage on the North Sea,  9 tinha por objetivo uma emancipação da lógica da especificidade da mídia. Aqui, “pósmídia” significava a revogação do princípio modernista de uma peculiaridade positivista da mídia que se empenhava para atingir a pureza, como apresentado por Clement Greenberg. Tomando a obra de Marcel Broodthaers como exemplo, Rosalind tenta discutir como os artistas cada vez mais mobilizavam as obras nos interstícios entre as convenções de mídia − mas também no seu interior − a fim de compreender as posições artísticas idiossincráticas que ficam fora do espectro de uma abordagem positivista purificadora da mídia artística. Ela escreve, “primeiro, [...] a especificidade das mídias, mesmo a modernista, deve ser entendida como diferencial, autodiferenciadora e, portanto, como uma estratificação das convenções que jamais simplesmente caíram na fisicalidade do seu suporte”. “A individualidade”, como Broodthaers diz, “condena a mente à monomania”. Segundo [...] é 8 Guattari, Félix. Towards a Post-Media Era, Alya Sebti e Clemens (Trads.), 1990; disponível em: http://www.postmedialab.org/towards-a-postmedia-era (Acessado em: 12.5.2012). 9 Krauss, Rosalind. A Voyage on the North Sea, Post-Medium Condition,

Thames & Hudson: Nova York, 1999.

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( N e w ) m e dia art – m e dia s p e c ifi c it y and s e l f r e f l e x ion

While Guattari’s notion of a “post-media era”  8 was characterised by the potential for political emancipation, the art theorist Rosalind Krauss who described the “post-medium condition” in her book “Voyage on the North Sea”  9 aimed for an emancipation from the logic of medium specificity. Here, “post-medium” stood for the revocation of the modernist principle of a positivist medium specificity striving for purity, as it was put forward by Clement Greenberg. Taking the work of Marcel Broodthaers as an example, Krauss attempts to address how artists increasingly mobilised works in the interstices between but also on the very inside of media conventions in order to get a grip on idiosyncratic artistic positions which fall outside the spectrum of a positivist purifying approach to artistic media. She writes, “first, (…) the specifity of mediums, even modernist ones, must be understood as differential, self differing, and thus as a layering of conventions never simply collapsed into the physicality of their support. ‘Singleness’ as Broodthaers says, ‘condemns the mind to monomania’. Second (…) it is precisely the onset 8 Guattari, Félix. Towards a Post-Media Era, Alya Sebti e Clemens (Trans.), 1990; available: http://www.postmedialab.org/ towards-a-post-media-era (Accessed: May 12, 2012). 9 Krauss, Rosalind. A Voyage on the North Sea, Post-Medium Condition, Thames & Hudson: New York, 1999.


justamente o aparecimento das ordens superiores de tecnologia − “robô, computador” – que nos permite, tornando antigas técnicas ultrapassadas, compreender a complexidade interna da mídia às quais essas técnicas prestam suporte”.  10 Em seus últimos artigos, a teórica vai mais adiante ao introduzir o termo “suporte técnico”  11 para captar a explosão de diversas abordagens estéticas em torno da produção artística que têm deliberadamente ficado à margem da classificação relacionada à mídia. Como essa observação se relaciona com o mundo da “nova artemídia” em que a tentativa de estabelecer novas formas de mídia dentro do regime da arte e de explorar e realizar experimentos com suas condições subjacentes específicas era claramente uma grande força propulsora?

P ó s - m í dia – D os Lag os ao O c e ano

of higher orders of technology, ‘robot, computer’ – which allows us, by rendering old techniques outmoded, to grasp the inner complexity of the mediums those techniques support”.  10 In her recent writings she even went one step further by introducing the term “technical support”  11 in order to grasp the explosion of diverse aesthetic approaches to art making that have deliberately stepped outside media-related classification. How does this observation relate to the world of ‘new media art’ where the attempt to establish new forms of media within the regime of art and to explore and experiment with their underlying specific conditions was clearly a major driving force?

Post- m e dia – fro m l a k e s to t h e o c e an

Há bem pouco, Domenico Quaranta fez uma tentativa bastante criteriosa de esclarecer o que está em jogo para a nova artemídia da “Perspectiva do PósMídia”,  12 como foi intitulado seu artigo “Rhizome” de 2011. Nesse texto, o crítico faz uma densa introdução à genealogia do conceito, dá exemplos de artistas e

the concept, gives examples of artists and engages at

10 Ibid. p. 53. 11 Krauss, Rosalind. Two Moments from the Post-Medium Condition, 2006,

10 Ibid. p. 53. 11 Krauss, Rosalind. Two Moments from the Post-Medium

n. 116, p: 55-62.

12 Quaranta, Domenico. The Post-Media Perspective, Rhizome, 2011; disponível em: http://rhizome.org/editorial/2011/jan/12/the-postmediaperspective/ (Acessado em: 12.5.2012).

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Very recently Domenico Quaranta has delivered a very insightful attempt to clarify what is at stake for new media art from “the postmedia perspective”  12 as his 2011 Rhizome article was entitled. In this text he delivers a solid introduction into the genealogy of

Condition, 2006, n. 116, p: 55-62.

12 Quaranta, Domenico. The Post-Media Perspective, Rhizome, 2011; available: http://rhizome.org/editorial/2011/jan/12/ the-postmedia-perspective/ (Accessed: May 12, 2012).


ocupa-se longamente da opinião de Peter Weibel e Lev Manovich sobre o assunto. Peter Weibel, que fez a curadoria da mostra “A Condição Pós-Mídia” em 2005, afirma que “a arte da mídia técnica, ou seja, a arte que tem sido produzida com a ajuda de um dispositivo, constitui o cerne da nossa experiência midiática. Essa experiência midiática tornou-se a norma para todas as experiências estéticas. Portanto, na arte não há mais nada além da mídia. Ninguém pode escapar da mídia.”  13 Weibel argumenta que, devido a essa situação, surge uma nova esfera midiática abrangente e unificada que deve ser chamada de “a condição pós-mídia”. Ela apareceu com as tecnologias digitais e caracteriza-se por um arranjo vertical de inúmeros tipos diferentes de mídia, sem um único dominante, bem como a crescente emancipação do observador, visitante ou usuário. Lev Manovich faz o fim da especificidade da mídia no âmbito digital tomar um rumo ligeiramente diferente  14 ao tentar descrever o desenvolvimento histórico dessa condição em três fases: em primeiro lugar, o surgimento de novas estratégias artísticas da obra intermídia dos vanguardistas do século passado; em segundo, a introdução do filme, da fotografia e do vídeo como sistemas midiáticos refletindo sobre formas midiáticas tradicionais; e, em terceiro lugar, o advento do digital, levando à cria-

length with Peter Weibel’s and Lev Manovich’s takes on the matter. Peter Weibel, who curated a show entitled “The Post-Media Condition” in 2005 writes, “the art of the technical media, i.e., art which has been produced with the aid of a device, constitutes the core of our media experience. This media experience has become the norm for all aesthetic experience. Hence in art there is no longer anything beyond the media. No one can escape from the media.”  13 Weibel argues that due to this situation a new all encompassing and unified media sphere has emerged that should be refered to as “the post-media condition”. It has emerged with digital technologies and is characterised by a vertical arrangement of innumerable different types of media, without a single dominant one, as well as the increasing emancipation of the observer, visitor or user. Lev Manovich takes the end of medium specificity in the digital realm into a slightly different direction  14 when he attempts to describe the historical development of this condition across three phases: Firstly, the emergence of new artistic strategies of intermedia work by the avantgardes of the last century; Secondly the introduction of Film, Photography and Video as media systems reflecting back on traditional mediatic forms; and, thirdly, the advent of the digital, leading to

13 Weibel, Peter. The Post-Media Condition. In: AAVV, Condição Pós-Mídia, cat., Centro Cultural Conde Duque: Madri, 2006, p. 98. 14 Manovich, Lev. The Language of New Media, MIT Press: Boston, Mass, 1999.

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13 Weibel, Peter. The Post-Media Condition. In: AAVV, Condição Pós-Mídia, cat., Centro Cultural Conde Duque: Madri, 2006, p. 98.

14 Manovich, Lev. The Language of New Media, MIT Press: Boston, Mass, 1999.


ção de versões e às estruturas processuais abertas. Domenico Quaranta conclui que “um conjunto de barreiras verticais (entre a mídia e diferentes circuitos de distribuição) é substituído por um divisor horizontal. Arte e mídia podem usar os mesmos meios, ser idênticos em termos formais e propagarem-se pelos mesmos circuitos de distribuição, porque é sua natureza profunda que as distingue, não os elementos acidentais. Dessa perspectiva, a despeito da mídia utilizada para sua expressão, a arte que é mais consciente das consequências culturais, sociais e políticas das novas mídias está muito provavelmente propensa a alcançar uma posição de importância fundamental e readquire inesperadamente uma função social: combater o achatamento da cultura com a complexidade, o torpor com a sensação e a padronização com o pensamento crítico”.  15 Aqui, apesar de concordar com a maior parte dessa observação, questionaria se a “natureza profunda” que Quaranta afirma distinguir a arte de outras formas culturais não nos leva de volta a uma espécie de mistificação essencialista. Estou convencido de que não há necessidade de reintroduzir nenhuma ideia da natureza oculta a fim de descrever a demarcação da arte. Em vez disso, parece muito mais promissor considerar o texto de Jacques Rancière: “As práticas de arte in situ, a transposição do filme para formas espacializadas de instalações museoló-

processual open ended structures and versioning. Domenico Quaranta concludes that “a set of vertical barriers (between media and different distribution circuits) is replaced by a horizontal divider. Art and media can use the same means, be identical in formal terms and travel on the same distribution circuits, because it is their deep-seated nature that distinguishes them, not incidental elements. From this perspective, independently of the medium it uses to express itself, the art that is most aware of the cultural, social and political consequences of the new media is in line for a position of key importance and unexpectedly reacquires a social function: to combat the flattening of culture with complexity, numbness with sensation and standardization with critical thought”.  15 Here, although I agree with most of this observation, I would pose the question whether the “deep-seated nature” that Quaranta claims to distinguish art from other cultural forms doesn’t lead us back into a kind of essentialist mystification. I am convinced that it is not necessary to re-introduce any idea of hidden nature in order to describe the demarcation of art. Instead it seems a lot more promising to consider Jacques Rancière’s writing: “In situ art practices, displacements of film towards spatialized forms

15 Quaranta, Domenico, The Post-Media Perspective, Rhizome, 2011, p. 9; disponível em: http://rhizome.org/editorial/2011/jan/12/the-postmediaperspective/ (Acessado em: 12.5.2012).

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15 Quaranta, Domenico. The Post-Media Perspective, Rhizome, 2011, p. 9; available: http://rhizome.org/editorial/2011/ jan/12/the-postmedia-perspective/ (Accessed: May 12, 2012).


gicas, as formas contemporâneas de espacialização da música e as práticas atuais de teatro e dança − todas elas rumam no mesmo sentido, na direção de uma não especificação dos instrumentos, materiais e aparelhos específicos para diferentes artes, uma convergência em uma mesma ideia e a prática da arte como uma forma de ocupar o lugar no qual as relações entre órgãos, imagens, espaços e tempos são redistribuídas. A própria expressão ‘arte contemporânea’ atesta isso”.  16 E Rancière faz uma observação de extrema importância sobre as estruturas que permitem estabelecer uma distinção entre o artístico e o não artístico quando afirma que “arte” não é o conceito comum que unifica as diversas formas de arte. O que o termo “arte” designa em sua singularidade é a definição de um espaço de apresentação pelo qual as coisas da arte são identificadas como tal. E o que estabelece a ligação da prática artística à questão do comum é a constituição, ao mesmo tempo material e simbólica, de um espaço-tempo específico, de uma suspensão com relação às formas comuns de experiência sensorial”.  17 Prossegue dizendo que aquilo que se tornou mais complexo e entrou em uma fase ou condição diferente é justamente não a inter-relação de vários sistemas midiáticos com suas respectivas regras e discursos, mas a proliferação de distintas estruturas do espaço-tempo dedicadas à experiência da arte. Assim como Weibel e Manovich sustentam, com proprie16 Rancière, Jacques. Aesthetics and Its Discontents, Cambridge: Polity Press, 2009, p. 22.

17 Ibid.: p. 23.

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of museum installations, contemporary forms of spatialising music, and current theatre and dance practices,– all these things head in the same direction, towards a despecification of the instruments, materials and apparatuses specific to different arts, a convergence on a same idea and practice of art as a way of occupying place where relations between bodies, images spaces and times are redistributed. The very expression ‘contemporary art’ testifies to this“.  16 And he makes a crucial point regarding the structures that enable a distinction between the artistic and the non-artistic when he states that “art” is not the common concept that unifies the different arts. What the term ‘art’ designates in its singularity is the framing of a space of presentation by which things of art are identified as such. And what links the practice of art to the question of the common is the constitution, at once material and symbolic, of a specific space-time, of a suspension with respect to the ordinary forms of sensory experience”.  17 It follows that what has become more complex and entered a different stage or condition, is precisely not the interrelationship of different media systems with their respective rules and discourses, but the proliferation of different frames of space-time dedicated to the experience of art. Thus, as Weibel and Manovich rightly claim, changes in distribution and in its wake the

16 Rancière, Jacques. Aesthetics and Its Discontents. Cambridge: Polity Press, 2009, p. 22. 17 Ibid.: p. 23.


dade, mudanças na distribuição e, na sua esteira, a participação do público devem ser nosso foco se quisermos alcançar uma melhor compreensão do que está em jogo. Da mesma forma que o surgimento da internet confirmou uma guerra de unhas e dentes pelo controle dos canais de distribuição na indústria fonográfica entre empresas de entretenimento, artistas e consumidores, o mundo da arte tem seu equivalente: longas batalhas pelo poder de “distribuição do sensível”,  18 como diria Rancière.

participation of audiences should be our focus if we want to get a better understanding of what is at stake. Just as the rise of the Internet has chimed in a tooth and nails war over the control of distribution channels in the music industry between entertainment companies, artists and consumers – the artworld has its equivalent: Long running battles over who holds power over the “distribution of the sensible”  18 as Rancière would put it.

Atualmente, sob o aspecto do que eu chamaria de “condicionamento pós-mídia”, as instituições do mundo artístico tradicional − movidas por um mercado crescente com sólidos navios de guerra como as bienais e seus líderes militares institucionais, os curadores − nos levariam a crer que a equivalência da mídia na condição pós-mídia corresponde a um mercado aberto, no qual não precisamos mais tentar contestar os direitos de distribuição, desistir das esperanças e das aspirações dos ativistas e artistas das novas mídias e promover uma fusão com as forças tradicionais da arte, o próprio mundo da arte. Ao mesmo tempo que estou convencido de que a guetização com frequência autoinfligida precisa ser superada, gostaria de salientar que, no coração da produção artística nos últimos 200 anos, sempre restou a questão de como uma prática que é percebida como algo superficial e indigna em um dia pode alterar o regime estético e remodelar a constelação mais uma vez na próxima. 18 Rancière, Jacques. The Politics of Aesthetics, Nova York: Continuum Books, 2004, p. 11.

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At present, under the guise of what I would call ‘post-media conditioning’, the institutions of the traditional art world, powered by a growing market, with massive warships like the biennials and their institutional warlords, the curators – would have us believe that the equivalence of media in the post-media condition amounts to an open market, where we need not attempt to contest the distribution rights any longer, give up the hopes and aspirations of new media activists and artists and merge with the traditional forces of art, the one art world. While I am convinced that the often self-inflicted ghettoisation needs to be overcome, I would like to point out that at the heart of making art in the last two hundred years, there always remained the question how a practice that is perceived outside and unworthy on one day, can alter the aesthetic regime and reshape the constellation once more on the next.

18 Rancière, Jacques. The Politics of Aesthetics. New York: Continuum Books, 2004, p. 11.


Que tipo de problema isso representa para aqueles cujo trabalho está transitando entre os aspectos material e imaterial, entre a manifestação e a versão, entre a colaboração e a apropriação, abraçando ao mesmo tempo os inúmeros canais que se abriram? Uma vez que as respostas a essas perguntas importantes não podem ser respondidas de modo satisfatório neste texto devido a seu alcance limitado, gostaria apenas de mencionar duas posições que evidenciam essas questões muito brevemente. Um exemplo é o artista Artie Vierkant, que escreve em seu manifesto o texto “The Image Object PostInternet” [A imagem objeto pós-internet] (2010), que ele distribui em formato pdf em seu site: “A obra de arte está igualmente na versão de um objeto que se poderia encontrar em uma galeria ou um museu e as imagens e outras representações divulgadas pela internet e publicações impressas”.  19 Outro grande exemplo que deixa visível a transformação do público é a recente ascensão da arte de rua, que depende na essência dos poderes dispersos de divulgação de cada fã que tira fotos e coloca-as em circulação na internet. Sem esse exército de fotógrafos e editores, fenômenos como o grafiteiro Banksy não seriam capazes de romper a barreira de informações até esse ponto.

What kind of problems does this pose for those whose work is switching between material and immaterial aspects, between manifestation and version, between collaboration and appropriation, simultaneously embracing the countless channels that have opened up? Since answers to these important questions cannot be satisfyingly answered in this text due to its limited scope, I would just like to mention two positions who highlight these issues very briefly. One such example is the artist Artie Vierkant who writes in his manifesto like text “The Image Object Post-Internet” (2010) that he distributes as a pdf from his website: “The work of art lies equally in the version of an object one would encounter at a gallery or museum and the images and other representations disseminated through the Internet and print-publications”.   19 Another great example that makes the transformation of audiences visible is the recent rise of street art that essentially depends on the dispersed powers of dissemination of individual fans who take photos and circulate them on the Internet. Without this army of photographers and publishers phenomena like the graffitti artist Banksy would not be able to break through the information barrier to such an extent.

19 Vierkant, Artie. The Image Object Post Internet, 2010; disponível em:

http://jstchillin.org/artie/vierkant.html (Acessado em: 12.5.2012).

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19 Vierkant, Artie. The Image Object Post Internet, 2010; available: http://jstchillin.org/artie/vierkant.html (Accessed May 12, 2012).


Con c lusão

Tentei determinar como a leitura estética e política da noção de “pós-mídia” passou de uma força potencial de emancipação pelo desenvolvimento de novas subjetividades para uma situação aparentemente igualitária em relação à especificidade da mídia em decorrência das transformações causadas pela tecnologia digital. Esse desenvolvimento obscurece muitas das mudanças sociopolíticas provocadas pelo capitalismo pós-industrial. A alegação de que dentro de uma “condição do pós-mídia” toda prática midiática pode ser considerada igual em relação ao sistema de arte reverbera com muita força com as ideologias do mercado livre. Por essa razão, parece ainda mais necessário o enfoque dado às razões específicas e individuais de escolha da mídia pelo artista, bem como a questão de qual público ele atrai e de que maneira. As grandes questões aqui são, evidentemente, as batalhas legais atuais em torno dos direitos de propriedade intelectual. De qualquer forma, o discurso em torno do pós-mídia permite ir além da interpretação equivocada de mídia como um mero sistema de suporte técnico, a fim de manter um olho aguçado sobre o aparecimento de estruturas inéditas de referência no sentido de Jaques Rancière, dentro da rede intricada da mídia contemporânea.

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Con c lusion

I have tried to trace how the aesthetical and political reading of the notion of “post-media” has shifted from a potential force for emancipation through the development of new subjectivities, towards a seemingly egalitarian situation in relation to media specificity as a result of the transformations brought about by digital technology. This development shadows many of the sociopolitical changes brought about by post-industrial capitalism. The claim that within a “post-media condition” all media practice can be considered equal in relation to the art system, reverberates quite strongly with free market ideologies. For this reason it seems even more necessary to focus on the specific and individual reasons of an artist’s choice of medium as well as the question which audience engages with it in which way. Major issues here are quite obviously the current legal battles surrounding intellectual property rights. In any case, the discourse surrounding post-media allows to move beyond the misunderstanding of media as mere technical support system, in order to keep a keen eye on the appearance of novel frames of reference in Jaques Rancière’s sense, within the intricate web of contemporary media.


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Emoção Art.ficial 6.0

NÚCLEO DE PRODUÇÃO

Núcleo de Educação

DE EVENTOS DIVISION OF

Cultural DIVISION OF

ITAÚ CULTURAL

EVENT PRODUCTIONS

CULTURAL EDUCATION

Presidente

Gerência Manager

Gerência Manager

President

Henrique Soares

Valéria Toloi

Milú Villela

Produção Production

Coordenação Coordination

Diretor superintendente

Edvaldo Inácio Silva

Samara Ferreira

Chief Executive Officer

Érica Pedrosa Galante

Atendimento educativo

Eduardo Saron

Paula Micaela Wernicke

Educational Service

Superintendente administrativo

Rodrigo Vasconcelos da Costa

Ana Laura Estaregui

Chief Administrative Officer

Vinicius Soares Ramos

Camila Gordillo de Souza

Sergio Miyazaki

Wanderley Bispo

Claudia Malaco Machado

Emoção Art.ficial 6.0

Claudia Teles dos Santos

Concepção e realização

NÚCLEO DE COMUNICAÇÃO E

Cintia Maria da Silva

Conception and Production

RELACIONAMENTO DIVISION

Daniel Bergamini Verna

Itaú Cultural

OF COMMUNICATION AND

Débora Silveira Fernandes

Projeto expográfico

RELATIONSHIP

Felipe Valletta Marques Giuliana Oliveira Giusti

Exhibition Design

Estudio Alvaro Razuk

Gerência Manager

Leonardo Matsuhei Araki Normande

Alvaro Razuk

Ana de Fátima Sousa

Luara Alves de Carvalho

Isa Gebara

Produção editorial Editorial Production

Marcus Vinicius Arantes Valente

Marcella Verardo

Raphaella Rodrigues

Otávio Bontempo

Ricardo Amado

Coordenação de revisão

Paulo Ricardo Gomides Abe

Revision Coordination

Rafael Anacleto

NÚCLEO DE INOVAÇÂO

Polyana Lima

Rafael Chioatto Orlando

DIVISION OF INNOVATION

Revisão (terceirizada)

Rosilaine Reis de Souza Vieira

Revision (outsourced)

Ruana Negri Crusca

Gerência Manager

Denise Chinem

Sylvia Sato

Marcos Cuzziol

Rachel Reis

Thiago Borazanian da Conceição

Produção Production

Direção de arte e Design

Victor Onodera Israel

Guilherme Kujawski

Art direction and Design

Agradecimento Acknowledgment

Vinicius Francisco

Estevan Pelli

Renata Bittencourt

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Centro de Documentação e Referência Itaú Cultural­­ Catalogação na publicação (CIP) Emoção Art.ficial 6.0 : arte e tecnologia. – São Paulo : Itaú Cultural, 2013.

178 p.

ISBN 978-85-7979-042-3

1 . Arte e tecnologia. 2. Arte e ciência. I. Título.

CDD 700.105

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Realização:

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