São Paulo, 2018
Realização
cybernetic consciousness [?]
consciência cibernética [?]
EXHIBITION
E X POS I Ç Ã O
Conception and production Itaú Cultural
Ação Educativa e Cultural
Concepção e realização Itaú Cultural Conceito Marcos Cuzziol Projeto expográfico Henrique Idoeta Soares Projeto de acessibilidade Arteinclusão – Consultoria em Ação Educativa e Cultural
I TA Ú C U LT U R A L T E A M
E Q U I P E I TA Ú C U LT U R A L
President Milú Villela Chief administrative officer Sérgio M. Miyazaki
Presidente Milú Villela Diretor-superintendente Eduardo Saron Superintendente administrativo Sérgio M. Miyazaki
D E PA R T M E N T O F V I S U A L A R T S
N Ú C L EO DE A R T E S V I S UA I S
Manager Sofia Fan Executive production Bianca Selofite and Julia Sottili
Gerência Sofia Fan Coordenação Juliano Ferreira Produção-executiva Bianca Selofite e Julia Sottili
D E PA R T M E N T O F I N N OVAT I O N
N Ú C L E O D E I N OVA Ç Ã O
Manager Marcos Cuzziol
Gerência Marcos Cuzziol Coordenação Luciana Modé Pesquisa Tiago Barbosa D'Ambrosio Desenvolvimento de software Kenzo Okamura Configuração de hardware Fernando Oliveira
Concept Marcos Cuzziol Exhibition design Henrique Idoeta Soares Accessibility design Arteinclusão – Consultoria em
Chief executive officer Eduardo Saron
Coordination Juliano Ferreira
Centro de Memória, Documentação e Referência Itaú Cultural
Coordination Luciana Modé Research Tiago Barbosa D'Ambrosio
Consciência cibernética? / organização Itaú Cultural ; tradução Marisa Shirasuna e Suzana Vidigal. – São Paulo : Itaú Cultural, 2018. 120 p. : il., 21x24cm. Exposição realizada no Itaú Cultural no período de 8 de junho a 6 de agosto de 2017 ISBN 978-85-7979-111-6 1. Arte e tecnologia. 2. Tecnologia digital. 3. Arte cibernética. 4. Exposição de arte – catálogo. 5. Shirasuna, Marisa, trad. 6. Vidigal, Suzana, trad. I. Instituto Itaú Cultural. II. Título. CDD 700.105
Software development Kenzo Okamura Hardware configuration Fernando Oliveira
D E PA R T M E N T O F A U D I OV I S U A L S E R V I C E S A N D L I T E R AT U R E Manager Claudiney Ferreira Coordination of audiovisual content Kety Fernandes Nassar Audiovisual production Jahitza Balaniuk Editing Avoa Filmes (outsourced)
N Ú C L E O D E A U D I OV I S U A L E L I T E R AT U R A Gerência Claudiney Ferreira Coordenação de conteúdo audiovisual Kety Fernandes Nassar Produção audiovisual Jahitza Balaniuk Edição Avoa Filmes (terceirizada)
4
5
N Ú C L EO DE E D U CA Ç Ã O E R E L AC I O N A M E N TO
D E PA R T M E N T O F E D U C AT I O N A N D R E L AT I O N S
Gerência Valéria Toloi Coordenação de atendimento educativo Tatiana Prado Equipe Amanda Freitas, Caroline Faro, Danilo Fox, Thays Heleno, Victor Soriano e Vinicius Magnun Estagiários Aline Rocha, Bianca Melo, Bruna Caroline Ferreira, Caique Soares, Danielle de Oliveira, Edson Bismark, Elissa Sanitá, Fernanda Oliveira, Gabriel Lopez, Gabriela Lima, Guilherme Wichert, Juliana Cristina do Nascimento, Juliana Rosa, Juliane Lima, Kaliane Miranda, Kim Mansano, Luan Lima Silva, Luene Mantovani, Marcus Ecclissi, Maria Luiza Kazi, Mario Rezende, Paloma Xavier, Pamela Camargo, Pamela Mezadi, Patricya Maciel, Renan Jordan, Sidnei Santos, Thais Gonçalves, Vinicius Escócia, Vitor Augusto da Cruz e Wellington Rodrigues Coordenação de programas de formação Samara Ferreira Educadores Carla Léllis, Claudia Malaco, Edvaldo Santos, Josiane Cavalcanti, Lucas Takahaschi, Luisa Saavedra, Malu Ramirez, Raphael Giannini, Thiago Borazanian e Vinícius Rodrigues
Manager Valéria Toloi
D E PA R T M E N T O F C O M M U N I C AT I O N S A N D R E L AT I O N S
Coordination of educational services Tatiana Prado
Manager Ana de Fátima Sousa
Team Amanda Freitas, Caroline Faro, Danilo Fox,
Content coordination Carlos Costa
Thays Heleno, Victor Soriano and Vinicius Magnun
Content production and editing Amanda
Interns Aline Rocha, Bianca Melo, Bruna Caroline
Rigamonti, Fernanda Castello Branco and Maria
Ferreira, Caique Soares, Danielle de Oliveira, Edson
Clara Matos
Bismark, Elissa Sanitá, Fernanda Oliveira, Gabriel
Social networks Renato Corch
Lopez, Gabriela Lima, Guilherme Wichert, Juliana
Proofreading supervision Polyana Lima
Cristina do Nascimento, Juliana Rosa, Juliane Lima,
Proofreading Denise Chinem and Rachel Reis
Kaliane Miranda, Kim Mansano, Luan Lima Silva,
(both outsourced)
Luene Mantovani, Marcus Ecclissi, Maria Luiza Kazi,
Translation Marisa Shirasuna and Suzana
Mario Rezende, Paloma Xavier, Pamela Camargo,
Vidigal (both outsourced)
Pamela Mezadi, Patricya Maciel, Renan Jordan,
Design coordination Jader Rosa
Sidnei Santos, Thais Gonçalves, Vinicius Escócia,
Visual identity and communication
Vitor Augusto da Cruz and Wellington Rodrigues
Guilherme Ferreira
Coordination of educational programs
Website development Nuova Communicação
Samara Ferreira
Editorial production Luciana Araripe
Educators Carla Léllis, Claudia Malaco, Edvaldo
Photo editing André Seiti
Santos, Josiane Cavalcanti, Lucas Takahaschi, Luisa
Events and strategic communication Marina
Saavedra, Malu Ramirez, Raphael Giannini, Thiago
Rossana Ciancaglini (intern), Melissa Contessoto,
Borazanian and Vinícius Rodrigues
Simoni Barbiellini and Vanessa Golau
N Ú C L EO DE C OM U N I CA Ç Ã O E R E L AC I O N A M E N TO Gerência Ana de Fátima Sousa Coordenação de conteúdo Carlos Costa Produção e edição de conteúdo Amanda Rigamonti, Fernanda Castello Branco e Maria Clara Matos Redes sociais Renato Corch Supervisão de revisão Polyana Lima Revisão de texto Denise Chinem e Rachel Reis (terceirizadas) Tradução Marisa Shirasuna e Suzana Vidigal (terceirizadas) Coordenação de design Jader Rosa Identidade e comunicação visual Guilherme Ferreira Desenvolvimento do site Nuova Comunicação Produção editorial Luciana Araripe Edição de fotografia André Seiti Eventos e comunicação estratégica Marina Rossana Ciancaglini (estagiária), Melissa Contessoto, Simoni Barbiellini e Vanessa Golau
EXPEDIENTE NÚCLEO DE PRODUÇÃO D E E V E N TO S
D E PA R T M E N T O F E V E N T PRODUCTION
P U B L I S H I N G S TA F F
Gerência Henrique Idoeta Soares Coordenação Vinícius Ramos Produção Carmen Fajardo, Cecília Ungaretti (terceirizada), Daniel Suares (terceirizado), Érica Pedrosa Galante, Priscilla Mol (terceirizada), Renan Ortega (estagiário) e Wanderley Bispo
Manager Henrique Idoeta Soares
editorial coordination Carlos Costa editing Tatiana
Coordination Vinícius Ramos
Diniz editorial board Ana de Fátima Sousa and
Production Carmen Fajardo, Cecília Ungaretti
Marcos Cuzziol editorial organization Luciana
(outsourced), Daniel Suares (outsourced), Érica
Modé, Rafael Figueiredo and Tiago Barbosa
Pedrosa Galante, Priscilla Mol (outsourced), Renan
D'Ambrosio graphic design and typesetting
Ortega (intern) and Wanderley Bispo
Serifaria graphic design monitoring Guilherme Ferreira graphic production Lilia Góes (outsourced) editorial production Luciana Araripe proofreading supervision Polyana Lima proofreading Denise Chinem and Rachel Reis (both outsourced) translation Marisa Shirasuna and Suzana Vidigal
coordenação editorial Carlos Costa edição Tatiana Diniz conselho editorial Ana de Fátima Sousa e Marcos Cuzziol organização editorial Luciana Modé, Rafael Figueiredo e Tiago Barbosa D'Ambrosio projeto gráfico e diagramação Serifaria acompanhamento de projeto gráfico Guilherme Ferreira produção gráfica Lilia Góes (terceirizada) produção editorial Luciana Araripe supervisão de revisão Polyana Lima revisão Denise Chinem e Rachel Reis (terceirizadas) tradução Marisa Shirasuna e Suzana Vidigal
Sumário
Table of Contents Café com os Santiagos Café com os Santiagos Claudio Pinhanez, Heloisa Candello e Paulo Costa, IBM, 2017
Neuro Mirror – Interagindo com sua Autoimagem
Consciência Cibernética [?] Cybernetic Consciousness [?] Marcos Cuzziol
Neuro Mirror – Interacting with the Self-Image 10
Novas fantasmagorias: Odisseia e Infinities
Christa Sommerer e Laurent Mignonneau, 2017
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Auto-Iris Auto-Iris
New phantasmagorias: Odisseia and Infinities Regina Silveira, 2017
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Rejane Cantoni e Leonardo Crescenti, 2017
66
20
Notas sobre o Meta-Google, 2017 Eden: um ecossistema visual e sonoro
Notes on Meta-Google, 2017
Eden: a visual and sonic ecosystem Jon McCormack, 2000
Pascal Dombis, 2017 28
Terrível Simetria: Revisitando a Estética da Vida Cibernética
[já presente no Emoção Art.ficial 3.0]
Lifeless (Nano) Biomachines
Fearful Symmetry: Revisiting the Aesthetics of Cybernetic Life
Lifeless (Nano) Biomachines José Wagner Garcia, 2017
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38
Ruairi Glynn, 2012-2017
82
8
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Consciência Cibernética [?] Cybernetic Consciousness [?] Marcos Cuzziol
O cérebro humano é muito diferente de um computador digi-
The human brain is very different from a digital com-
tal: sinais são processados e armazenados de forma fundamen-
puter: signals are processed and stored in essentially
talmente diversa nesses dois “hardwares”, para dizer o mínimo.
diverse manners in these two pieces of “hardware”,
Entretanto, se por um lado é inviável para nós funcionarmos
to say the least. However, if on the one hand it is
como computadores digitais, por outro, softwares cada vez mais
unfeasible for us to work as digital computers, on
being would answer questions asked by a judge,
complexos e rápidos vêm realizando funções que antes só po-
the other hand increasingly more complex and faster
also human, without having direct contact with
deriam ser executadas por cérebros biológicos. E o fazem num
types of software are carrying out tasks that could
him. They would only exchange text messages,
ritmo inacreditável. Até onde esse poder das máquinas evoluirá?
only be performed by biological brains in the past.
instead. The computer task was to pretend to be
Existirá um limite?
And this happens at an unbelievable pace. How far
a human. Turing then proposes that, if a computer
will the power of machines go? Will there be a limit?
was able to consistently deceive the judge, it would be the same as answering “yes” to the question
Máquinas podem pensar? Revista Mind, volume 59, 1950: um artigo de Alan Turing analisa a questão. Entre outros feitos, é de Turing a proposta da “máquina computadora universal”, de 1937, em que se baseiam todos os computadores digitais até os dias de hoje. Turing inicia seu artigo descrevendo as dificuldades de definir “máquina” e “pensar” na questão acima. Seríamos nós máquinas biológicas? O que significa, de fato, pensar? Para escapar dessas armadilhas, propõe o jogo da imitação, hoje mais conhecido como teste de Turing: um computador e um ser humano responderiam às perguntas de um juiz, também humano, sem ter contato direto com ele, apenas trocando mensagens de texto. A tarefa do computador seria passar-se por humano. Turing
“can machines think?”.
Can machines think? Mind magazine, issue 59, 1950: an article by Alan
In the same article, Turing states that he believes it
Turing reviews the matter. Among other achieve-
would be possible, in about 50 years, programming
ments, Turing proposed, in 1937, a “universal com-
a computer to be successful in the imitation game
puter machine”, which paved the way for all digital
in at least 30% of the times after five minutes of
computers up to the present time. Turing starts
interaction with a human judge.
his article describing the challenges of defining “machine” and “thinking” within the context of this
Forty-seven years later, in 1997, decisions of a com-
matter. Would we be biological machines? What
puter program were taken for human ones. They
does “thinking” really mean? In order to avoid these
were made by Deep Blue, a computer developed
traps, he proposes the imitation game, known to-
by IBM with a single goal: defeating reigning world
day as the Turing test: a computer and a human
chess champion, Garry Kasparov. Deep Blue was
propõe então que, se um computador conseguisse enganar o juiz de forma consistente, tal fato seria equivalente a responder afirmativamente à pergunta “máquinas podem pensar?”.
Espaço expositivo, Consciência Cibernética, 2017. André Seiti | Exhibition space, Cybernetic Consciousness, 2017. André Seiti
No mesmo artigo, Turing afirma acreditar que, em cerca de 50 anos, seria possível programar um computador de forma que fosse bem-sucedido no jogo da imitação em pelo menos 30% das vezes, após cinco minutos de interação com um juiz humano. Em 1997, 47 anos depois, decisões de um programa de computador foram confundidas com as de um ser humano. Tratava-se do Deep Blue, computador desenvolvido pela IBM com um único objetivo: vencer o então campeão mundial de xadrez, Garry Kasparov. O Deep Blue perdeu a sequência de seis partidas jogadas em 1996, mas venceu a revanche em 1997. Na segunda partida daquele ano, o lance 37 do Deep Blue teria sido, segundo Kasparov, demasiado humano para um computador. Foi uma jogada estratégica: o algoritmo do Deep Blue abriu mão do lance esperado (mais
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The argument of the Chinese room There are opposite points of view on the subject. In 1980, John Searle published his “Chinese room” argument, defending that any intelligence proven by a digital computer program would necessarily
O argumento do quarto chinês Há pontos de vista opostos sobre a questão. Em 1980, John Searle publicou seu argumento do quarto chinês, defendendo que qualquer inteligência demonstrada por um programa de computador digital seria necessariamente uma imitação de inteligência, não consciência.
be an imitation of intelligence, not consciousness. In brief, imagine a computer program capable of
compensador no curto prazo) e não caiu na armadilha preparada por Kasparov. No lance anterior, 36, o Deep Blue já havia optado por uma jogada muito mais sutil (e estratégica) que o esperado. Derrotado, o enxadrista nunca aceitou que um programa de computador pudesse realizar lances geniais como aqueles. Em entrevistas, Kasparov chegou a fazer alusão à “mão de Deus” (referência ao gol de mão de Maradona que valeu a vitória da Argentina contra a Inglaterra na Copa de 1986), implicando existir um ser humano por trás de decisões do Deep Blue.
defeated in the set of six games in 1996, but won
passing the Turing test... in Chinese, though. The
the rematch in 1997. During the second game in that
program receives questions in Chinese, carries out
year, Deep Blue’s 37th move would have been too
a series of instructions that result in answers, also
human for a computer, according to Kasparov. It was
in Chinese, so as to deceive a human judge, who
a strategic move: Deep Blue’s algorithm gave up the
believes to be talking to another human being.
expected move (more interesting in the short term)
Now, imagine the author of the argument himself,
and did not fall into the trap prepared by Kasparov.
John Searle, in a separate room with an English
On the previous move, the 36th, Deep Blue had
copy of the program instructions described above.
already chosen a much more subtle (and strategic)
He receives the questions in Chinese, manually
move than expected.
carries out the program instructions step by step and hands over the result through an opening on
Espaço expositivo, Consciência Cibernética, 2017. André Seiti | Exhibition space, Cybernetic Consciousness, 2017. André Seiti
Defeated, the chess player never accepted the
the wall. John Searle would be, thus, reproducing
fact that a computer program could be able to use
the program (certainly in a much slower pace than
ingenious moves as such. In interviews, Kasparov
the computer) and would pass the Turing test in
even mentioned the “hand of God” (a reference
Chinese. However, there is a caveat: Searle does
to Maradona’s Hand of God goal, that gave Ar-
not speak Chinese.
gentina the victory over England in 1986 World Cup), implying there was a human being behind
So, if Searle can follow a sequence of instructions
Deep Blue’s decisions.
and answer questions in Chinese in a convincing way without even knowing the language, then the
Sem ter esse objetivo, e sem sequer ocultar que era um computador, o Deep Blue enganou o juiz mais bem qualificado para avaliar jogadores de xadrez, humanos ou não: Garry Kasparov.
Without this specific intention nor hiding its actual
original program would be doing exactly the same
condition of a computer, Deep Blue deceived the
thing. According to the argument, the program
most qualified judge to evaluate chess players,
does not understand Chinese and only carries out
whether human or not: Garry Kasparov.
the instructions that imitate its understanding.
Mas, mesmo passando no teste de Turing, uma máquina, rodando um conjunto de instruções, poderia ser consciente sobre o que está fazendo?
Nevertheless, even if passing the Turing test, could
There are several criticisms to this argument. For
a machine that is running a series of instructions
example, if a person could reproduce, as said
be conscious of what it is doing?
above, the functioning of a Chinese-speaking
Resumindo o argumento, imagine que exista um programa de computador capaz de passar no teste de Turing, mas em chinês. O programa recebe perguntas em chinês, executa uma série de instruções que resultam em respostas, também em chinês, de modo a enganar um juiz humano, que acredita estar conversando com outro ser humano. Agora, imagine que o próprio autor do argumento, John Searle, esteja num quarto isolado com uma cópia em inglês das instruções do programa descrito acima. Ele recebe questões em chinês, executa as instruções do programa passo a passo, manualmente, e devolve o resultado através de uma fenda na parede. John Searle estaria, desse modo, reproduzindo o programa (certamente, num ritmo muito mais lento que o do computador) e passaria no teste de Turing em chinês. Mas há um detalhe: Searle não fala chinês. Ora, se Searle pode executar uma sequência de instruções e responder a questões em chinês de maneira convincente sem sequer compreender o idioma, então o programa original estaria fazendo exatamente a mesma coisa. Segundo o argumento, o programa não compreende chinês, apenas executa instruções que imitam sua compreensão. Existem diversas críticas a esse argumento. Por exemplo, se uma pessoa reproduzisse, de maneira análoga ao exposto acima, o funcionamento dos neurônios de alguém que fala chinês, também não seria consciente da língua chinesa, mas a consciência estaria no conjunto, não na pessoa que meramente executa as instruções.
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person’s neurons, he would not be conscious of the Chinese language, but consciousness would be present in the whole set and not in the person that merely follows the instructions. The argument of the Chinese room and the Turing test illustrate two opposite ways of treating consciousness. The first, adopted by Searle, is that there is something special, still unknown, in the human brain that enables the consciousness
O argumento do quarto chinês e o teste de Turing ilustram duas formas antagônicas de tratar a consciência. A primeira, adotada por Searle, é a de que existe algo especial, ainda desconhecido, no cérebro humano que possibilita a consciência: ela não poderia ser reproduzida sem que se levasse em consideração esse algo a mais. A segunda, mais próxima da proposta original do teste de Turing, é a de que a consciência emerge do processamento de informações, independentemente do “hardware” que executa tais instruções: uma máquina, desde que suficientemente rápida e complexa, pode ser tão consciente quanto um ser humano. Possivelmente mais.
to exist: it could not be reproduced without considering this additional thing. The second, much closer to the original proposal of the Turing test, is that consciousness emerges from information processing, regardless of the “hardware” carrying
quadrillion floating point operations per second
out such instructions: a machine, provided that it
(7,000 TFLOPS), 636 thousand times faster than
is fast and complex enough, can be as conscious
the Deep Blue computer.
as a human being. Possibly more. Far-too-high numbers start making no more sense.
Increasing speed and complexity
Nevertheless, it is obvious that the capacity of
In 1997, Deep Blue’s processing power could handle
cally. Hans Moravec, in a 1998 article, estimates
Ve l o c i d a d e e c o m pl e x i d a d e c re s c e n te s
approximately 11 billion floating-point operations
the processing capacity of biological brains and
per second (11 GFLOPS). It was enough to exe-
compares them to computer capacity, building a
Em 1997, o Deep Blue apresentava um poder de processamento de aproximadamente 11 bilhões de operações de ponto flutuante por segundo (11 GFLOPS). Foi o suficiente para executar o programa que venceu Garry Kasparov. Para efeito de comparação, em 2017, um iPhone 7 tem sua capacidade de processamento estimada em 300 bilhões de operações de ponto flutuante por segundo – ou seja, um equipamento de bolso atual tem 27 vezes mais poder de processamento que o velocíssimo computador que derrotou Kasparov há 20 anos. Watson, computador da IBM que venceu o desafio Jeopardy! contra seus dois mais bem-sucedidos vencedores humanos, em 2011, era capaz de executar 80 trilhões de operações de ponto flutuante por segundo (80
cute the program that defeated Garry Kasparov.
curve that has shown to be extremely coherent
In comparison, in 2017 an iPhone 7 had a pro-
since then. In that curve, the processing power
cessing capacity estimated at 300 billion floating
of machines is estimated per unit cost of 1,000
point operations per second, i.e. today a pocket
US dollars (which is worth, in order of magnitude,
device has 27 times more processing power than
the price of a personal computer). According to
the super fast computer that defeated Kasparov
this curve, in 1997 a personal computer had a pro-
twenty years ago. Watson, the IBM computer that
cessing power equivalent to the brain of a spider.
won the Jeopardy! challenge against the two most
In 2015, such power would be comparable to the
successful human winners, was capable of execut-
brain of a mouse (number confirmed). In the early
ing 80 trillion floating point operations per second
2020s, a personal computer will attain the process-
(80 TFLOPS) in 2011. A present-day supercom-
ing power of a human brain (the Cray XC40 men-
puter, like the Cray XC40 at High Performance
tioned above runs close to this capacity, although
Computing Center Stuttgart, performs over 7
at a much higher cost). If we extend the curve
digital computers has been increasing dramati-
Espaço expositivo, Consciência Cibernética, 2017. André Seiti | Exhibition space, Cybernetic Consciousness, 2017. André Seiti
TFLOPS). Um supercomputador atual, como o Cray XC40 do High Performance Computing Center de Stuttgart, tem performance superior a 7 quatrilhões de operações de ponto flutuante por segundo (7.000 TFLOPS), 636 mil vezes mais que o Deep Blue. Números tão altos começam a perder o sentido, mas é evidente que a capacidade dos computadores digitais vem crescendo de forma vertiginosa. Hans Moravec, em artigo de 1998, estima capacidades de processamento de cérebros biológicos e as compara com as de computadores, traçando uma curva que se apresenta extremamente coerente desde então. Nela, o poder de processamento das máquinas é considerado por 1.000 dólares de custo (que representam, em ordem de grandeza, o valor de um computador pessoal). Segundo essa curva, em 1997, um computador pessoal tinha processamento equivalente ao de um cérebro de aranha. Em 2015, teria o equivalente ao de um cérebro de camundongo (valor que foi confirmado). No início dos anos 2020, um computador pessoal atingirá o poder
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even further to around 2045, a personal-comput-
quantum solutions. Google estimates that its ex-
er processing power will exceed that of all human
periments with quantum search algorithms are one
brains combined.
hundred million times faster than the traditional ones. Quantum algorithms of numerical factoriza-
As if that growth rate were not enough, today
tion can be billions of times faster than those used
computing seems to literally face a quantum leap.
today. The speed is such that, in some cases, there
Digital features may be soon replaced by the quan-
is no possible comparison with classical algorithms
tum, hence leading to a far higher growth rate of
running in digital computers.
A empresa canadense D-Wave comercializou quatro computadores quânticos de 1.000 qubits até 2016 (Google, Nasa, Lockheed Martin e University of Southern California são os usuários). Em janeiro de 2017, a D-Wave lançou seu novo modelo, de 2.000 qubits, adquirido por uma empresa de cibersegurança, a Temporal Defense Systems. A Google também anunciou o upgrade do seu modelo para o de 2.000 qubits.
processing capacity. It is quite difficult to state if consciousness deUnlike the classical bit, a quantum bit (qubit) can
pends on something in the human brain that is
store a “0” and a “1” simultaneously. Four quantum
still unknown. However, if it is a feature emerging
bits, for example, store 16 different numbers at the
from high-speed complex functions, then maybe
same time; eight qubits, would hold 256 numbers
conscious machines will be a reality in the short run.
simultaneously. And so forth. The fact is that 500
de processamento de um cérebro humano (o Cray XC40, citado anteriormente, está próximo dessa estimativa, embora com custo muito superior). Se estendermos ainda mais a curva, por volta de 2045, um computador pessoal terá mais poder de processamento que todos os cérebros humanos reunidos. Como se essa taxa de crescimento não bastasse, a computação parece enfrentar hoje, literalmente, um salto quântico. O digital pode ser em breve substituído pelo quântico, o que pode significar uma taxa de crescimento muito maior da capacidade de processamento. Diferentemente de um bit clássico, um bit quântico (qubit) pode armazenar “0” e “1” simultaneamente. Quatro bits quânticos, por exemplo, armazenam 16 valores diferentes ao mesmo tempo. Oito qubits, 256 valores simultâneos. E assim por diante. O fato é que 500 bits quânticos têm capacidade de armazenar simultaneamente um número de valores tão grande que, se fosse possível armazená-los em memória digital tradicional e se essa memória fosse tão eficiente que guardasse um valor de 500 bits por átomo, nem mesmo toda da matéria do universo conhecido seria suficiente para armazená-los.
number of values that, if it were possible to store
Cy b e r n e t i c Consciousness [?]
them all in a traditional digital memory and if this
The proposal of the exhibition Cybernetic Con-
memory were so efficient to store 500 bits per
sciousness [?] (Itaú Cultural, 2017) was to cast an
atom, not even all matter in the known universe
artistic eye on issues like those mentioned above.
would be enough to store them.
Obviously, none of the works presented are con-
quantum bits can store concurrently such a high
scious, but each one of them demonstrates importEspaço expositivo, Consciência Cibernética, 2017. André Seiti | Exhibition space, Cybernetic Consciousness, 2017. André Seiti
Until 2016, Canadian company D-Wave had
ant features that, in a near future, may become part
sold four 1,000-qubit computers (Google, Nasa,
of conscious cybernetic machines.
Lockheed Martin and University of Southern California are the buyers). In January 2017, D-Wave
Thus, in Odisseia (Regina Silveira, 2017), 3D mazes
launched its new 2,000-qubit model acquired by
were designed by a genetic algorithm that ran in the
Temporal Defense Systems, a cyber security com-
previously mentioned Cray XC40 of the Stuttgart
pany. Google also announced an upgrade to the
University (a major aesthetic feature of the work
2,000-qubit model.
was not created by human beings). Genetic algo-
A criação de algoritmos quânticos ainda está em seus primórdios. Não são todos os tipos de algoritmos que funcionam bem nesses equipamentos, pelo menos por enquanto. Mas algoritmos de otimização, de busca e, mais significativamente, os utilizados em aprendizagem de máquina são especialmente apropriados para soluções quânticas. A Google estima que suas experiências com algoritmos quânticos de busca sejam cem milhões de vezes mais rápidas que algoritmos de busca tradicionais. Algoritmos quânticos de fatoração numérica podem ser bilhões de vezes mais rápidos que os utilizados atualmente. A velocidade desses programas é tamanha que, em alguns casos, não há comparação possível com algoritmos clássicos rodando em computadores digitais. É muito difícil dizer se a consciência depende de algo ainda não conhecido no cérebro humano. No entanto, se ela for uma propriedade emergente de funções complexas executadas velozmente, então talvez máquinas conscientes sejam uma realidade em curto prazo.
rithms also play a key role in two other works: Eden
Consciência Cibernética [?]
The creation of quantum algorithms is still in its
(Jon McCormack, 2000), in which virtual creatures
early stages. Not all types of algorithms are best
evolve up to the point of surprising the creator him-
suited to these machines, at least for the time
self; and Lifeless (Nano) Biomachines (José Wagner
being. Nevertheless, algorithms for optimization,
Garcia, 2017), a work seeking solutions by simulating
search and - more significantly - those applied to
an interaction between nanomachines and organ-
machine learning are especially appropriate to
ic fibers. The Watson algorithms bring back the
A mostra Consciência Cibernética [?] (Itaú Cultural, 2017) teve como proposta trazer um olhar artístico sobre questões como as expostas acima. Obviamente, nenhuma das obras apresentadas é consciente, mas cada uma delas demonstra características importantes que, num futuro próximo, podem vir a fazer parte de máquinas cibernéticas conscientes.
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Nevertheless, the question mark in the exhibition name is crucial. By taking into account the two opposing views on consciousness, the set of artworks can serve either as an evidence of the impossibility of creating consciousness only through instruction processing, or as an argument over the emergence
Assim, em Odisseia (Regina Silveira, 2017), labirintos 3D foram projetados por algoritmo genético que rodou no já citado Cray XC40 da Universidade de Stuttgart (parte importante da estética da obra não foi criada por seres humanos). Algoritmos genéticos têm também papel fundamental em duas outras obras: Eden (Jon McCormack, 2000), em que criaturas virtuais evoluem a ponto de surpreender o próprio criador, e Lifeless (Nano) Biomachines (José Wagner Garcia, 2017), obra que busca soluções simulando a interação entre nanomáquinas e fibras orgânicas. Os algoritmos de Watson revivem personagens do livro Dom Casmurro, de Machado de Assis, em Café com os Santiagos (Claudio Pinhanez, Heloisa Candello e Paulo Costa, IBM, 2017). Redes neurais artificiais interpretam reações dos visitantes que se olham num espelho em Neuro Mirror (Christa Sommerer e Laurent Mignonneau, 2017). Mais de mil bions, pequenas máquinas luminosas que se comunicam entre si e com os visitantes, interagem como numa rede neural em Bion (Adam Brown e Andrew H. Fagg, 2005). Imagens fractais extremamente complexas são geradas sem processamento digital em Auto-Iris (Rejane Cantoni e Leonardo Crescenti, 2017). A complexidade dos dados resultantes de uma pesquisa de imagens no Google pode ser vista de forma poética em Meta Google (Pascal Dombis, 2017). Sonhos Urbanos (equipe Itaú Cultural e Google Deep Dream, 2017) traz o resultado de reconhecimento autônomo de padrões, em conjunto com vasta base de dados de imagens, gerados pelo algoritmo Deep Dream da Google. E Fearful Symmetry (Ruairi Glynn, 2012-2017) apresenta de maneira impactante a inteligência e a intencionalidade que podemos atribuir a um mero objeto controlado por software.
of consciousness in programs carried out in an increasingly faster way (after all, much of what these works show were hardly ever conceivable a few decades ago). What is consciousness? Is it a phenomenon deriving from information processing or an inherent characters of Dom Casmurro, a book written by
trait of the human brain? Only the real emergence
Machado de Assis, in Café com os Santiagos (Clau-
of a cybernetic consciousness or the discovery of
dio Pinhanez, Heloisa Candello and Paulo Costa,
something in the human brain still unknown that
IBM, 2017). Artificial neural networks interpret reac-
makes that possible can definitely solve this di-
tions of the visitors who see themselves in the mir-
lemma. As the processing power develops at an
ror in Neuro Mirror (Christa Sommerer and Laurent
increasingly high speed, the first assumption is like-
Mignonneau, 2017). More than a thousand bions,
ly to be confirmed within a few years. Before that,
tiny luminous machines that communicate with each
however, the question mark is still needed.
other and with the visitor, interact in a neural network in Bion (Adam Brown and Andrew H. Fagg, 2005). Extremely complex fractal images are generated
Entretanto, o ponto de interrogação do nome da mostra é crítico. Considerando-se as duas visões antagônicas sobre consciência, o conjunto de obras pode servir tanto de evidência da impossibilidade de se criar consciência apenas com processamento de instruções quanto também de argumento da eventual emergência da consciência em programas executados de modo cada vez mais rápido (afinal, muito do que é processado nessas obras dificilmente seria imaginável poucas décadas atrás). O que seria a consciência? Fenômeno emergente do processamento de informações ou característica inerente ao cérebro humano? Apenas a real emergência de uma consciência cibernética ou a descoberta de algo ainda desconhecido no cérebro humano que a possibilite pode responder definitivamente a esse dilema. Com a aceleração vertiginosa do poder de processamento, é possível que a primeira hipótese se confirme em poucos anos. Antes disso, entretanto, o ponto de interrogação permanece necessário.
B i b l i o g ra p hy
without digital processing in Auto-Iris (Rejane Cantoni and Leonardo Crescenti, 2017). The complexity
MORAVEC, Hans. When will computer hardware
of the data resulting from a Google image search
match the human brain? Journal of Evolution and
can be seen in a poetic way in Meta Google (Pascal
Technology, Carnegie Mellon University, v. 1, 1998.
Dombis, 2017). Sonhos Urbanos (Itaú Cultural team and Google Deep Dream, 2017) brings the result
TURING, Alan M. Computing machinery and
of autonomous pattern recognition together with a
intelligence. Mind, Oxford University Press, v. 59,
comprehensive image database generated by Goo-
p. 433-460, 1950.
gle’s Deep Dream algorithm. And Fearful Symmetry (Ruairi Glynn, 2012-2017) strikingly presents intelli-
SEARLE, John R. Minds, brains, and programs.
gence and intentionality that can be attributed to a
The Behavioral and Brain Sciences, Cambridge
mere software-controlled object.
University Press, v. 3, 1980.
B i b l i o g ra f i a MORAVEC, Hans. When will computer hardware match the human brain? Journal of Evolution and Technology, Carnegie Mellon University, v. 1, 1998. TURING, Alan M. Computing machinery and intelligence. Mind, Oxford University Press, v. 59, p. 433-460, 1950. SEARLE, John R. Minds, brains, and programs. The Behavioral and Brain Sciences, Cambridge University Press, v. 3, 1980.
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Novas fantasmagorias: Odisseia e Infinities New phantasmagorias: Odisseia and Infinities Regina Silveira
Os labirintos, imagens ancestrais de percursos intrincados e difíceis de percorrer, têm sido um motivo recorrente em meu trabalho desde os anos 1970. Nas séries gráficas iniciais, construí uma série de falsos labirintos (15 Laberintos), que logo configuraram continentes apertados para imagens de multidão (Middle Class & Co.). Depois, imaginei estruturas labirínticas para aprisionar carros e cidades (Destruturas Urbanas), executivos (Armadilhas para Executivos) e também pássaros e índios (Corredores para Abutres, Brazil Today). Muitas vezes, pensei em labirintos como armadilhas gráficas capazes de expressar ideias de poder ou controle, por associações irônicas com imagens geralmente apropriadas da mídia impressa; outras vezes, as próprias imagens de marcas de pneus ou de serpentes foram construídas diretamente como corpos ou configurações labirínticas (Snake, Sem Fim). Odisseia e Infinities são meus mais recentes labirintos, concebidos como ambientes fantasmagóricos de realidade virtual, ambos desenvolvidos simultaneamente entre maio de 2016 e junho de 2017, dentro da parceria técnica firmada pelo Itaú Cultural e o High Performance Computing Center (HLRS), um centro
Mazes, ancient images of tricky paths difficult to find the way through, have been a recurrent motif in my work since the 1970s. In the early graphic series, I built a series of false mazes (15 Laberintos)
partnership signed between Itaú Cultural and the
that soon formed tight continents with images of
High Performance Computing Center (HLRS),
crowds (Middle Class & Co.). Later, I imagined
an international center of excellence in high-tech-
maze structures to imprison cars and cities (De-
nology scientific research, headquartered at the
struturas Urbanas), executives (Armadilhas para
University of Stuttgart.
de excelência internacional em pesquisas científicas envolvendo alta tecnologia, com sede na Universidade de Stuttgart.
Executivos) and also birds and indigenous people (Corredores para Abutres, Brazil Today). Many
At their starting point and strictly in technical
times I thought of mazes as graphic traps able to
terms, the challenge posed by these works was to
express ideas of power or control, by ironic asso-
go beyond the local possibilities with the resources
ciations with images usually appropriated from the
made available by the HLRS, i.e. to be more dar-
print media; on other occasions, the very images
ing. In artistic terms, the challenge was the same
of tire tracks or snake bodies were used to build
as always when art is supported by high-definition
the mazes (Snake, Sem Fim).
technological means: proposing an invention in
Odisseia, Regina Silveira, 2017. André Seiti | Odisseia, Regina Silveira, 2017. André Seiti
Em seu ponto de partida e em termos estritamente técnicos, o desafio implicado nessas obras era ir além das possibilidades locais, com os recursos estendidos pelo HLRS, ou seja, ousar mais. Em termos de realização artística, o desafio era o de sempre quando a arte se apoia em meios tecnológicos de alta definição: propor uma invenção em que a ideia artística tivesse precedência sobre o meio. O resultado deveria ir além do divertissement do game e da forte simulação do real para se constituir, antes de mais nada, em experiência reflexiva e poética.
which the artistic idea would stand out against the Odisseia and Infinities are my newest mazes, con-
means. The result should surpass the game diver-
ceived as virtual-reality phantasmagoric environ-
tissement and the strong simulation of reality to
ments, both developed simultaneously between
open up, first of all, an opportunity for reflectional
May 2016 and June 2017 as part of the technical
and poetic experience.
Odisseia e Infinities deveriam, ainda, ser obras abertas e fortemente interativas, por suas próprias características técnicas: os usuários decidiriam os caminhos, sem deixar de experimentá-los como percursos existenciais muito difíceis.
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Moreover, Odisseia and Infinities should be open and strongly interactive works based on their own technical features: users would decide on the routes to follow, but not without trying them as very difficult existential journeys. Infinities was planned and carried out specifically for the cave of HLRS, as a response to the provoking phantasmagoric quality that this virtual-reality cave lends to the images included in the technical performances it houses in its tiny cubic space, the walls of which simply disappear when the illusionism reaches
Infinities foi planejado e realizado especificamente para a cave do HLRS, em resposta à provocativa qualidade fantasmagórica que essa caverna de realidade virtual empresta às figuras incluídas nas apresentações técnicas que abriga em seu pequeno espaço cúbico, cujas paredes simplesmente desaparecem quando o ilusionismo alcança seu grau mais potente. Imaginei Infinities como a experiência de sentir-se capturado dentro de um labirinto interminável, com paredes que alcançam a altura do peito e aparentemente se expandem até o horizonte, em todas as direções. Dentro deste ninho inextricável, o usuário perceberia sua situação como a de estar imerso num mar de águas rasas, sem terra à vista.
its peak. I imagined Infinities as an experience of feeling captured inside a maze with no end, with chest-high walls that apparently extend themselves in all directions across the horizon. In this inextricable nest, the user would see himself as if immersed in a sea of shallow waters without land in sight. However, the experience proposed in Infinities is Odisseia, Regina Silveira, 2017. André Seiti | Odisseia, Regina Silveira, 2017. André Seiti
not static: it includes variations and movements – all virtual, since the user’s real movement inside the cave is limited by the walls of the space in which he/she interacts. Five different configurations of
Contudo, a experiência proposta em Infinities não é estática: inclui variações e movimentos – todos virtuais, já que o movimento real do usuário dentro da cave é limitado pelas próprias paredes do espaço em que ele interage. Cinco diferentes configurações de labirintos vagarosamente emergem e submergem sequencialmente no chão preto e virtualmente infinito onde o usuário se coloca. Os movimentos de subida e descida dos labirintos são acompanhados pelas vibrações sonoras do instrumento musical conhecido como teremim, com sequências específicas para os muros que sobem, que permanecem altos ou que submergem no chão escuro.
mazes slowly emerge and submerge in sequence in the black and virtually infinite ground where the user stands. The mazes’ up and down movements are combined with sound vibrations of a musical instrument known as theremin, with specific sequences to the walls that rise, that stay high or those that submerge in the dark ground.
O usuário pode mover-se e virtualmente deslocar-se através das passagens entre os labirintos. Com o joystick na mão, pode também trespassar, fantasmagoricamente, os muros virtuais que o cercam, para ir adiante ou para simplesmente tentar escapar. Toda a experiência com Infinities dura apenas 5 minutos, mas potencialmente pode ser estendida tanto quanto for desejada ou tolerada.
The user can move and virtually walk through the passages between the mazes. With the joystick in hand, he can also, phantasmagorically, overpass the virtual walls around him to go further or simply try to escape. The whole Infinities experience lasts
Odisseia foi o ambiente imersivo em realidade virtual que criei com tecnologia mais próxima à dos games eletrônicos, dentro da parceria entre Itaú Cultural e HLRS, para participar da exposição Consciência Cibernética [?], utilizando recursos
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do supercomputador de Stuttgart. Mas, sem dúvida, desde a primeira visita ao HLRS e desde os primeiros insights para criar Odisseia, seu complexo planejamento e sua realização foram resultado de uma estreita colaboração técnico-criativa com o Itaú Cultural.
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only five minutes, although it can be potentially extended as long as it is wished or endured. Odisseia was a virtual-reality immersive environment I created with a technology closer to the one of the electronic games as part of the partnership between
Com forte apelo interativo, a obra levou muitos meses para ser imaginada e foi minuciosamente composta de minha associação com diversos colaboradores, institucionais ou não. Seu display inclui a contribuição de suas competências e sensibilidades – uma circunstância comum aos modos de operar do artista em obras dessa natureza.
Itaú Cultural and HLRS to take part in the exhibition Cybernetic Consciousness [?], using resources of the Stuttgart supercomputer. Nevertheless, beyond doubt, since the first visit to HLRS and since the first insights to create Odisseia, its complex planning and execution resulted from a close technical-creative collaboration with Itaú Cultural.
Frente à tarefa de imaginar Odisseia, meu primeiro passo foi fazer algumas prospecções sobre o hipercubo, para considerar os deslocamentos possíveis de usuários dentro de um espaço pluridimensional sem gravidade. Desde o início, imaginei corredores internos conectando as diversas faces do hipercubo, e já nos primeiros sketches e modelos 3-D investiguei as possibilidades de caminhar virtualmente os hipercubos por percursos labirínticos montados como sucessão de células de 3 x 3 metros que se pareciam com caminhos de formigas. Com eles, procurava montar narrativas visuais em que motivos gráficos invasivos – comuns em meu trabalho – seriam como que ameaças, pela sua acumulação, que se adensava insuportavelmente ao redor dos usuários do jogo e poderia funcionar como razão para que se deslocassem dentro do hipercubo à procura da saída. Para chegar à narrativa que Odisseia agora propõe, o projeto técnico foi se tornando gradualmente mais complexo e mostrando a necessidade de usar o poder de processamento proporcionado pela conexão com Stuttgart. A definição dos labirintos/corredores, sua localização e seu tamanho, uma escolha de natureza estética, ficou a cargo de algoritmos genéticos executados no supercomputador Cray XC40 do HLRS. Também a sua aplicação às possibilidades de uma
With a strong interactive appeal, the artwork took many months to be conceived and was meticulously built up by my association with several collaborators, either institutional or not. Its display includes the contribution of their competences and sensitivities – a circumstance commonly found in the way an artist works in projects of this nature.
To come up with the narrative now proposed by Odisseia, the technical design became gradually
In view of the task to conceive Odisseia, my first
more complex, showing a need to use the pro-
step was to research into the hypercube in order
cessing power delivered by the connection with
to consider the possible moves of users inside a
Stuttgart. The definition of mazes/aisles, their lo-
multidimensional space without gravity. Since the
cation and size, a choice of aesthetic nature, was
beginning, I imagined internal aisles connecting the
made by genetic algorithms ran in the Cray XC40
hypercube’s several faces. In the very first sketches
supercomputer of HLRS. It was also used to create
and 3D models, I investigated the possibilities of vir-
narratives that constantly change the accesses and
tually walking the hypercube through maze paths as-
aisles to the cube/ship that provides features that
sembled as a succession of 3 x 3-m cells that looked
are themselves the questions about the conscious-
like ant trails. With them, I sought to build visual nar-
ness and autonomous decisions of computers.
ratives in which the invasive graphic motifs – usual in my work – would be like threats as they would
As a reflectional game, Odisseia proposes a jour-
accumulate and unbearably densify around the game
ney without return set in an open and infinite daily
users and that could work as a trigger for him/her to
sky, where a huge cube operates as a transpar-
move inside the hypercube seeking an exit.
ent spaceship. With entrances and exits in each
Odisseia, Regina Silveira, 2017. André Seiti | Odisseia, Regina Silveira, 2017. André Seiti
narrativa que constantemente muda os acessos e os corredores do cubo/nave responde por características que são, em si mesmas, indagações sobre consciência e decisões autônomas dos computadores. Enquanto game reflexivo, Odisseia propõe uma jornada sem retorno, ambientada em céu diurno, aberto e infinito, onde um grande cubo opera como uma nave espacial transparente. Com entradas e saídas em cada face e uma disponibilidade alternada de caminhos, essa realidade virtual pretende ser a experiência de uma passagem – física e ao mesmo tempo subjetiva – pelo interior de um espaço vítreo e labiríntico, onde é possível caminhar sem gravidade em direção às possíveis saídas do cubo/nave. Nessa passagem pelos corredores do labirinto, a condição de não poder voltar aos espaços já percorridos, antes “causada” pelo acúmulo de padrões gráficos, é agora uma situação
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Credits
Créditos
passage – physical and, at the same time, subjec-
01. 15 Laberintos (1971)
tive – through the interior of a glassy and maze
screen printing on paper, 24 x 31 cm
space, where it is possible to walk without gravity
02. Middle Class & Co. (1971)
in the direction of possible cube/ship exits.
screen printing on paper, 60 x 50 cm
01. 15 Laberintos (1971) serigrafia sobre papel, 24 x 31 cm 02. Middle Class & Co. (1971) serigrafia sobre papel, 60 x 50 cm 03. Destrutura Urbana (1975) serigrafia sobre papel, 70 x 50 cm 04. Armadilha para Executivo I (1974) serigrafia sobre papel, 52 x 70 cm 05. Labirinto para Abutre I (1974) serigrafia sobre papel, 61,5 x 69 cm 06. Brazil Today (1977) serigrafia sobre cartão postal, 10 x 15 cm 07. Sem Fim III (2001) lito-offset sobre papel, 80,5 x 63 cm 08. Snake 1 e Snake 2 (2007) vinil adesivo e motos de brinquedo, dimensões variadas 09. Odisseia (2017) ambiente virtual interativo Coordenação técnica – Marcos Cuzziol Ambiente virtual – Odair Gaspar Ambientação sonora – Eduardo Verderame Programação – Kenzo Okamura Estudos em 3D – Rodrigo Barbosa 10. Infinities (2017) ambiente virtual interativo Coordenação técnica – Marcos Cuzziol Ambientação sonora – Eduardo Verderame Estudos em 3D – Rodrigo Barbosa
side and an alternated availability of paths, this virtual reality intends to be the experience of a
03. Destrutura Urbana (1975)
difícil causada pelos próprios participantes, cujos passos inapelavelmente trituram, quebram e esfacelam as superfícies transparentes (vidros?) que subdividem os espaços interiores recentemente percorridos. Na busca de uma saída que os leve de volta ao céu, sempre entrevisto através da quadrícula que recobre tudo, não haverá alternativa senão seguir adiante, pois voltar para trás será ficar em uma suspensão inquietante no interior do grande invólucro transparente e vazio, onde permanecem apenas fragmentos de corredores quebrados. Odisseia é um jogo imersivo aparentemente simples, mas é difícil. O trajeto proposto é o de entrar no cubo/nave, cruzar o labirinto e encontrar a saída para o céu. Na realização desses dois trabalhos, muitas vezes considerei que realidades virtuais podem ser novas espécies de fantasmagorias, ainda inscritas na secular cadeia do ilusionismo, com a mágica tavoletta de Filippo Brunelleschi (1377-1446) no marco zero: muito além do cinema e da própria realidade aumentada, com a diferença óbvia dos meios, da multissensorialidade e, sobretudo, da radicalidade do mergulho.
In this passage through the aisles of the maze,
screen printing on paper, 70 x 50 cm
the condition of not being allowed to go back to
04. Armadilha para Executivo I (1974)
the already covered spaces, which was “imposed”
screen printing on paper, 52 x 70 cm
by the accumulation of graphic patterns, is now a
05. Labirinto para Abutre I (1974)
difficult situation caused by the users themselves,
screen printing on paper, 61.5 x 69 cm
for they unappealably crush, break and mash the
06. Brazil Today (1977)
transparent surfaces (glass?) that subdivide the
screen printing on postcard, 10 x 15 cm
interior spaces recently covered in their journey.
07. Sem Fim III (2001) litho-offset on paper, 80,5 x 63 cm
Odisseia, Regina Silveira, 2017. André Seiti | Odisseia, Regina Silveira, 2017. André Seiti
Looking for an exit that lead them back to the sky,
08. Snake 1 and Snake 2 (2007)
which can always be seen through a small square
adhesive vinyl and toy motorcycles, varied sizes
cell that covers everything, there will be no choice
09. Odisseia (2017)
but to move forward, because returning would
Interactive virtual environment
mean to be in restless suspension inside a huge
Technical coordination – Marcos Cuzziol
transparent and empty enclosure, where there is
Virtual environment – Odair Gaspar
nothing apart from fragments of broken aisles.
Sound design – Eduardo Verderame Programming – Kenzo Okamura
Odisseia is an apparently simple immersive game,
3D Studies – Rodrigo Barbosa
but it is difficult. The route proposed is to enter the
10. Infinities (2017)
cube/ship, cross the maze and find the exit to the sky.
Interactive virtual environment Technical coordination – Marcos Cuzziol
While working on these two projects, many times
Sound design – Eduardo Verderame
I considered virtual realities as new species of
3D Studies – Rodrigo Barbosa
phantasmagoria still inscribed in the secular chain of illusionism, with the magic tavoletta, by Filippo Brunelleschi (1377-1446) at ground zero: far beyond movies and the augmented reality itself, with an obvious difference in the means, in the multi-sensoriality and, above all, in the radicalness of the immersion.
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Eden: um ecossistema visual e sonoro Eden: a visual and sonic ecosystem Jon McCormack (Monash University, Austrália)
“Aos olhos de muitos seres humanos, a vida parece ser um fenô-
“In the eyes of many human beings, life appears to
meno especial e único. Claro que há alguma verdade embutida
be a unique and special phenomenon. There is, of
nessa crença, já que não se sabe de nenhum outro planeta que
course, some truth to this belief, since no other planet
As a motivating concept for making art through
tenha uma biosfera tão rica e complexa. No entanto, essa visão
is known to bear a rich and complex biosphere. How-
software, I am inspired by the biological concept
denota um ‘chauvinismo orgânico’ que nos leva a subestimar a
ever, this view betrays an ‘organic chauvinism’ that
of an ecosystem, understood as the complex feed-
vitalidade dos processos de auto-organização em outras esferas de
leads to underestimate the vitality of the processes
back mechanisms between organisms and their
realidade. Isso também pode nos levar a esquecer que, apesar das
of self-organization in other spheres of reality. It can
environment1. Ecosystem models are interesting
muitas diferenças entre elas, as criaturas vivas e suas contrapartidas
also make us forget that, despite the many differences
because they demonstrate how diverse and het-
inorgânicas compartilham uma dependência crucial no imenso
between them, living creatures and their inorganic
erogeneous interrelations can arise through these
fluxo de energia e matéria. Em muitos aspectos, o que importa
counter-parts share a crucial dependence on intense
interactions. This contrasts with thinking of bio-
é a circulação, não as formas particulares que ela faz emergir.”
flows of energy and materials. In many respects the
logical evolution exclusively in competitive terms
— Manuel de Landa, A Thousand Years of
circulation is what matters, not the particular forms
of “survival of the fittest.” For example, a species
Nonlinear History, MIT Press 2000
that it causes to emerge.”
may alter its local physical environment creating
— Manuel de Landa, A Thousand Years of
a habitat for new species. A variety of heteroge-
Nonlinear History, MIT Press 2000
neous conditions and resources generated within
“Ecossistema” é um conceito popular, embora ainda nebuloso, que está sendo cada dia mais incorporado à cultura contemporânea. Grupos de ambientalistas querem preservá-lo; executivos querem traçar estratégias de sucesso e explorá-lo, e a mídia é parte dele.
1 In modern usage, the word “ecosystem” often has a connotation of a collection of interrelated components in some harmonious and balanced feedback configuration. This is not implied by my use of the term here, which is interpreted strictly in the biological sense.
1 Atualmente, a palavra “ecossistema” normalmente tem a conotação de uma coleção de componentes inter-relacionados em uma configuração harmônica e retroalimentar balanceada. Isso não é implícito no meu uso da palavra aqui, que é interpretada unicamente em sentido biológico.
the ecosystem allow different species to specialise “The Ecosystem” is a popular yet somewhat neb-
Eden, Jon McCormack, 2000. André Seiti | Eden, Jon McCormack, 2000. André Seiti
ulous concept that is being increasingly embraced by contemporary culture. Environmental groups want to preserve them, businesses want to success-
Como conceito motivacional para fazer arte através de software, inspiro-me no conceito biológico de um ecossistema,
and co-exist within different niches. Ecosystems
entendido como complexos mecanismos de retroalimentação entre os organismos e seus respectivos meio ambientes1. Modelos de ecossistema são interessantes porque demonstram como inter-relações diversificadas e heterogêneas podem surgir dessas interações. Isso contrasta com a consideração da evolução biológica exclusivamente em termos competitivos da “sobrevivência do mais adaptável”. Por exemplo, uma espécie pode alterar seu ambiente físico local criando um habitat para novas espécies. Uma variedade de condições heterogêneas e recursos gerados dentro do ecossistema permite que diferentes espécies se tornem específicas e coexistam em diferentes nichos. Ecossistemas sugerem múltiplas qualificações coexistindo, a manutenção da diversidade, das configurações que se adaptam e se auto-modificam: ideias que podem motivar e inspirar novas práticas artísticas.
fully strategize and exploit them, and the media are part of them.
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suggest multiple specialisations co-existing, the maintenance of diversity, of adaptive, self-modifying configurations: ideas that can motivate and inspire new kinds of artistic practices. Conventional evolutionary computing approaches to harnessing the creative power of biological evolution tend to focus on inter-species competition or on the optimisation of a population of agents to an explicit or artist-determined fitness function. In contrast, the ecosystemic approach involves establishing a dynamical system of interacting components with their environment and allowing the system to run its course. Unlike evolutionary optimisation, fitness is an implicit side
Abordagens convencionais da computação evolucionária para explorar o potencial criativo da evolução biológica tendem a focar na competição entre espécies ou na otimização de uma população de agentes em uma função de adequação explícita ou com cunho artístico. Por outro lado, a abordagem do ecossistema envolve estabelecer um sistema dinâmico de componentes interativos com seus ambientes e permitir que o sistema siga seu curso. Diferentemente da otimização evolucionária, a adequação é um efeito colateral implícito de componentes que lutam para manter a viabilidade em um ambiente, passando por dinâmicas alterações. Como conseguem isso é determinado pela lógica do sistema. Se aliados ao mundo real, os componentes digitais e físicos interagem e podem afetar um ao outro diretamente, levando a um conjunto aberto de possibilidades em termos de informação.
effect of components striving to maintain viability in a dynamically changing environment. How they achieve this is determined by the logic of the system. If coupled to the real world, the digital and physical components interact and may affect one another directly, leading to an informationally open set of possibilities. No explicit fitness evaluation is required to guide the evolution of individuals in an ecosystem population. Instead, rules dictate the kinds of relationships that act between individuals in the software and each is permitted to manipulate a virtual environment to gain resources and manip-
Nenhuma avaliação explícita de adequação é necessária para guiar a evolução dos indivíduos na população de um ecossistema. Pelo contrário, regras determinam os tipos de relacionamento que acontecem entre os indivíduos no software, e é permitido que cada um deles manipule um ambiente virtual para ganhar recursos e manipular as condições necessárias para a reprodução. Se um agente não consegue recursos suficientes, ficará impossibilitado de se reproduzir e eventualmente morrerá, garantindo que somente agentes capazes de adquirir recursos suficientes serão selecionados, de modo que sua adequação está implicitamente ligada à sua habilidade de obter recursos, estabelecer e manter as condições apropriadas, e de se reproduzir.
ulate the conditions required for reproduction. If an agent fails to gain sufficient resources, it will be unable to reproduce and will eventually die, enEden, Jon McCormack, 2000. André Seiti | Eden, Jon McCormack, 2000. André Seiti
suring that only agents able to acquire sufficient resources will be selected for, so their fitness is implicitly related to their ability to obtain resources, establish and maintain appropriate conditions, and to reproduce.
As interações entre indivíduos em um algoritmo evolucionário padrão são restritas à competição, ao passo que, em um ecossistema simulado, eles podem se engajar em simbiose, mutualismo, parasitismo, relação predador-presa e competição. Esta ampla gama de interações em potencial aumenta o escopo para a emergência de comportamentos de agentes e estruturas complexos. O artista que trabalha desta maneira
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Interactions between individuals in a standard evolutionary algorithm are often restricted to competition, whereas in a simulated ecosystem they may engage in symbiosis, mutualism, parasitism, predator-prey relationships and competition. This wide gamut of potential interactions increases the scope for the emergence of complex agent behaviour and struc-
atualmente precisa projetar o ambiente e regras de interação internamente coerentes. Assim, o sistema se move através de uma trajetória de estados que constituem a obra de arte.
ture. The artist working in this fashion is now required to design the environment and internally coherent rules of interaction. Then the system moves through a trajectory of states that constitute the artwork.
Este conceito “ecossistêmico” tornou-se cada vez mais popular entre os artistas nos últimos anos; entre os principais propulsores estão o artista de som italiano Augustino Di Scipio (Interface Ecossistêmica Audível - Audible Eco-Systemic Interface) e os artistas holandeses Erwin Driessens e Maria Verstappen (E-volver).
This “ecosystemic” concept has become increasingly popular with artists in recent years; leading proponents include Italian sound artist Augustino
often constituting warning calls, mating cries, or
Di Scipio (Audible Eco-Systemic Interface) and
indications of the presence of food or predators.
Dutch artists Erwin Driessens and Maria VerstapThe creatures generate all the sounds heard from
pen (E-volver).
No ecossistema audiovisual Eden, desenvolvido pelo autor, “animais” virtuais perambulam por um mundo eletrônico em duas dimensões, competindo um com outro por comida e parceiros.2 Este mundo inclui alimento (uma fonte de energia) e pedras (que oferecem proteção e abrigo). Tudo é operado de acordo com a “física conceitual” baseada nos estudos das dinâmicas do ecossistema. Os animais têm um sistema de inteligência artificial que os capacita a aprender e se adaptar em seu ambiente. Eles conseguem se movimentar, acasalar, lutar, comer e, mais importante, emitir e escutar sons. Os significados desses sons específicos do organismo vêm à tona durante a evolução do sistema; frequentemente constituindo células de alerta, procriando filhotes ou indicando a presença de comida e predadores.
the installation as they live in their environment, In the audiovisual ecosystem Eden, developed by
trying to survive. Using an evolutionary algorithm,
the author, virtual “animals” roam a two-dimension-
over time Eden’s creatures become more intelli-
al electronic world, competing with one another
gent, quickly learning tasks such as searching for
for food and mates . This world includes food (an
food, calling their kin and avoiding obstacles. Food
energy resource) and rocks (offering protection
is linked to seasonal variation, so some creatures
and shelter). Everything operates according to
learn to hibernate during the winter months to save
a “conceptual physics,” based on studies of eco-
energy, only to become active in spring and sum-
system dynamics. The animals have an artificial
mer when the food supply is more plentiful. One
intelligence system that enables them to learn
year in Eden time passes by in about 15 minutes
and adapt to their environment. They can move,
of real time. What is surprising is the diversity of
mate, fight, eat, and importantly make, and listen,
behaviours that emerge during different runs of
to sound. The organism-specific meanings of these
the system; the creatures become amazingly adept
sounds emerge during the evolution of the system;
at finding ways to survive in the Eden world.
2
The installation of Eden consists of two floating, translucent screens arranged in an ‘X’ shape (Fig2 Jon McCormack, "Eden: An Evolutionary Sonic Ecosystem" (estudo apresentado em Advances in Artificial Life, 6th European Conference, ECAL 2001, Praga, República Tcheca, 2001).
2 Jon McCormack, "Eden: An Evolutionary Sonic Ecosystem" (paper presented at the Advances in Artificial Life, 6th European Conference, ECAL 2001, Prague, Czech Republic, 2001).
ure 1). Video projections display different parts of the world on each screen, updated the world
Eden, Jon McCormack, 2000. André Seiti | Eden, Jon McCormack, 2000. André Seiti
As criaturas geram todos os sons ouvidos da instalação, já que moram no ambiente, tentando sobreviver. Usando um algoritmo evolucionário, com o passar do tempo as criaturas de Eden se tornam mais inteligentes, aprendendo rapidamente funções como procurar comida, chamar seus familiares ou evitar obstáculos. O alimento está ligado à variação da sazonalidade, de modo que algumas criaturas aprendem a hibernar durante os meses de inverno para economizar energia, tornando-se ativas novamente na primavera e no verão, quando a comida é mais abundante. Um ano no Eden são 15 minutos do tempo real. O que é surpreendente é a diversidade de comportamentos que emergem durante as diferentes conduções do sistema; as criaturas se tornam impressionantemente hábeis em encontrar maneiras de sobreviver no mundo do Eden. A instalação Eden consiste em duas telas flutuantes e translúcidas, arrumadas em forma de “X” (Figura 1). Projeções de vídeo mostram partes diferentes do mundo em cada tela, atualizam o mundo em tempo real. Como as telas são translúcidas, as criaturas aparecem flutuando na frente do visitante, criando a ilusão de um espaço complexo, em camadas, deixando nebulosa a distinção entre o espaço real e o virtual. Isso é ainda mais intensificado utilizando uma
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in real-time. As the screens are translucent, the creatures appear to float in front of the viewer, creating the illusion of a complex, layered space, one that blurs the distinction between the real and virtual spaces. This is further enhanced using a fog machine to attenuate the three-dimensional quality of the projections. A literal representation of the ecosystem is deliberately avoided. Rather, abstract graphic representations of the creatures and their
máquina de fumaça para atenuar a qualidade tridimensional das projeções. Evita-se, propositalmente, uma representação literal do ecossistema. Opta-se por representações gráficas abstratas das criaturas e da sua paisagem virtual. Essas representações, baseados em 17 tipos de padrões matemáticos, são reminiscências de alguma paisagem imaginária ou de um “espaço de código” dinâmico da vida artificial. Vários alto-falantes permitem que os visitantes humanos ouçam os sons produzidos pelas criaturas artificiais.
virtual landscape are used. These representations, based on mathematical tiling patterns, are reminiscent of some imaginary landscape or dynamic “codespace” of artificial life. Multiple speakers allow the human audience to hear the sounds being made by the artificial creatures. The movement of human visitors around the artwork is detected using an infrared camera. And then fed back into the virtual ecosystem to govern the availability of resources – if humans like Eden, Jon McCormack, 2000. André Seiti | Eden, Jon McCormack, 2000. André Seiti
what they see and hear, the virtual organisms are rewarded with an increased availability of food, thereby influencing their viability and the likelihood that they will produce offspring that the visitors will also find interesting. If nobody visits the installation, the food supply eventually dies out, leaving a foodless world. Shortly after, all the creatures die. To avoid this problem, over time the creatures learn to make interesting sounds to keep
O movimento dos visitantes ao redor da obra de arte é detectado através de uma câmera com infravermelho. Em seguida, são incorporados ao ecossistema virtual para governar a disponibilidade de recursos – se os humanos gostam do que veem e ouvem, os organismos virtuais são recompensados com mais comida, o que influencia sua viabilidade e a probabilidade de produzirem filhotes, pelos quais os visitantes também se interessarão. Se ninguém visitar a instalação, o abastecimento de alimentos termina, deixando o mundo sem comida. Pouco tempo depois, todas as criaturas morrem. Para evitar esse problema, com o passar do tempo, as criaturas aprendem a emitir sons interessantes para manter as pessoas no espaço da instalação e envolvidas com a obra. As criaturas não sabem da presença das pessoas no espaço da exibição, elas simplesmente aprendem que ao emitir sons interessantes, o abastecimento de alimento aumenta; assim, viverão mais tempo e reproduzirão com maior índice de sucesso. Uma relação simbiótica entre obra de arte e público evolui à medida que a obra se desenvolve.
people in the installation space and interested in the work. The creatures have no knowledge of people in the exhibition space, it’s just that they learn that by making interesting sounds, their food supply will increase; hence they will survive longer and reproduce more successfully. A symbiotic relation between artwork and audience evolves as the work develops.
Essa configuração significa que, com o passar do tempo, a obra de arte se tranforma e se adapta ao seu ambiente local (a exposição em galeria). Os sons e comportamentos mudam com o tempo, assim como novos comportamentos são aprendidos e como o comportamento do visitante humano também sofre alteração: uma relação simbiótica entre os mundos real e virtual.
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Eden usa o que se chama de interface reativa – algo que não requer o aprendizado de linguagem interativa e não opera usando métodos simplistas de ação e reação (tais como cliques no botão do mouse). O interesse do visitante influencia implicitamente o estado da obra, assim como em um ecossistema real, em que nossa presença e nossas ações têm efeitos implícitos e de longo prazo. O que torna este modelo de ecossistema diferente? Ecossistemas partem de abordagens anteriores em que consideram que o próprio meio é o sistema em que a evolução e a adaptação acontecem. Isso contrasta com a visualização ou sonorização de um processo, que talvez não tenham uma conexão direta com as metáforas e ideias incluídas na obra de arte. Trabalhos de arte ecossistêmicos atraem através da revelação de dinâmicas e mudanças complexas, de modo semelhante a como nos interessamos e nos sentimos inspirados por sistemas naturais complexos, os quais chamei de sublime computacional [computational sublime]3. Enquanto os métodos de ecossistema podem ser considerados um avanço enorme em relação às abordagens evolucionárias anteriores no campo das artes, ainda precisam demonstrar criatividade aberta, como aquela encontrada na evolução biológica. De novo, não é de se surpreender, assim como na evolução natural, que isso seja ao mesmo tempo ilusoriamente simples de descrever como processo algorítmico, e repleto de complexidades que vão muito além do biológico, englobando o social, o químico e o físico. Os ecossistemas computacionais serão um dia páreo para a diversidade e inventividade da natureza? Em outras palavras, podem ser fundamentalmente criativos? Ainda estamos para ver uma simulação de computador dar origem a algo
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This configuration means that, over time, the artwork
is riddled with subtle complexities that run “all the
changes and adapts to its local environment (the gal-
way down” beyond the biological, encompassing the
lery exhibition). The sounds and behaviours observed
social, chemical and physical.
change over time, as new behaviours are learnt and as human visitor behaviour changes too: a symbiotic
Will computational ecosystems ever rival the di-
relationship between the real and virtual worlds.
versity and ingenuity of nature? In other words, can they be fundamentally creative? We have yet to see
Eden uses what is termed a reactive interface – one
a computer simulation originate anything on par
that requires no interactive language to be learned
with human creativity. However, any objection is
and that does not operate using simplistic action/reac-
one of quality, not of possibility. We are still in the
tion methods (such as mouse clicks on buttons). The
pre-Cambrian dawn of computational evolution,
viewer’s interest implicitly influences the state of the
and nature had over two billion years of evolution
work, just as in a real ecosystem where our presence
before Homo sapiens arrived.
and actions have implicit and longer-term effects. What is needed is a system capable of introducing What makes this ecosystem model different? Ecosys-
novelty within itself. The physical entities of the
tems depart from previous approaches in that they
Earth were capable of such a task, in that an emer-
consider the medium itself the system within which
gent physical replication system emerged. This was
evolution and adaptation occurs. This contrasts with
achieved from the bottom up, in a non-teleological
the visualisation or sonification of a process, which
process of selection, self-assembly and self-organi-
may lack a direct connection to the metaphors and
zation. It was possible because atoms, molecules,
ideas embodied in the artwork. Ecosystemic artworks
genes, cells and organisms are all physical entities
appeal through their revealing of complex dynamics
and part of the same system. Computational sys-
and change, in a similar way that we find interest or
tems, on the other hand, are symbol manipulators,
inspiration in complex natural systems, what I have
meaning that you don’t get the physical complexity
termed the computational sublime3. While ecosys-
of the natural world, “for free,” you must specify
tem methods could be considered a major advance
it all explicitly. So far, no one knows exactly how
over previous evolutionary approaches in the arts,
much physical logic must be explicitly stated to
they have yet to demonstrate the open-ended
bootstrap the system into ongoing emergent, hi-
creativity found in biological evolution. Again, this
erarchical complexity.
is not surprising, as natural evolution, while deceptively simple to describe as an algorithmic process,
Likewise, it remains an open research problem how these processes could be incorporated into a creative evolutionary system, but one that is being
3 Jon McCormack e Alan Dorin, "Art, Emergence and the Computational Sublime" (estudo apresentado em Second Iteration: a conference on generative systems in the electronic arts, Melbourne, Austrália, 5-7 de dezembro de 2001).
3 Jon McCormack and Alan Dorin, "Art, Emergence and the Computational Sublime" (paper presented at the Second Iteration: a conference on generative systems in the electronic arts, Melbourne, Australia, 5-7 December, 2001).
actively pursued. This is a challenge that has implications well beyond art, testing the nature and our understanding of creativity itself.
equivalente à criatividade humana. No entanto, qualquer objeção se refere à qualidade, não à possibilidade. Ainda estamos na era pré-cambriana da evolução tecnológica, e a natureza teve mais de dois bilhões de anos de evolução antes de o homo sapiens surgir. Procura-se um sistema que seja capaz de introduzir novidades por si só. As entidades físicas da Terra eram capazes de f azê-lo, de modo que um sistema de replicação físico emergente foi capaz de surgir. Isso aconteceu de baixo para cima, em um processo seletivo não-teleológico, de auto-congregação, auto-organização. Foi possível porque átomos, moléculas, genes, células e organismos são todos entidades físicas e parte do mesmo sistema. Os sistemas computacionais, por outro lado, são manipuladores simbólicos, ou seja, não têm a complexidade física do mundo natural, “de graça”, é necessário especificar tudo explicitamente. Até agora, ninguém sabe ao certo o quanto de lógica física deve ser explicitamente informada para iniciar o sistema em um processo de complexidade emergente, hierárquica. Consequentemente, ainda está em aberto a questão de como estes processos poderiam ser incorporados a um sistema evolucionário criativo, mas esse é um objetivo que está sendo ativamente perseguido. É um desafio com implicações muito além da arte, testando a natureza e o nosso entendimento da criatividade propriamente dita.
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Lifeless (Nano) Biomachines – an Ontological Drift Lifeless (Nano) Biomachines – an Ontological Drift
Lifeless (Nano) Biomachines, José Wagner Garcia, 2017. André Seiti | Lifeless (Nano) Biomachines, José Wagner Garcia, 2017. André Seiti
José Wagner Garcia
BIO-OBJECT: “go away all by itself.”
BIO-OBJECT: “go away all by itself.”
Vivemos o século da simbiose e do self-assembly. Um fluxo de avanços tecnológicos que evoluiu da força animal para princípios cibernéticos e termodinâmicos, até o limiar atual das “machines making machines”. Um novo fluxo de narrativas tecnológicas que invadem os processos evolutivos próprios da máquina darwinista e provocam o ainda impensado pela evolução natural.
We are living the century of symbiosis and
A biologia sintética acena para a construção de uma espécie ainda sem nome, de objetos-quase-sujeitos, um improvável “life as technology” real. Estes sistemas tecnológicos biossinteticamente evoluídos são imprevisíveis. Às vezes, evoluem fora dos propósitos previstos e podem alcançar resultados impossíveis à mente humana. Esses seres-objetos permitem pensar sobre os limites borrados entre sujeito e coisa. Como se dará a interação de tais biomáquinas com os seres humanos? Seriam máquinas, propriamente ditas? Seres-objetos biomanufaturados, entidades que habitam o abismo ontológico entre o vivo e o não vivo?
A arte sempre enfrentou a indiferença da natureza porque rivaliza com ela em seu gesto atrevido de criar.
self-assembly. A tide of technological advances, that evolved from the animal strength into the cybernetic and thermodynamic principles and has reached as far as the present threshold of “machines making machines.” A new tide of
How such biomachines will interact with human
technological narratives that are invading the
beings? Would they be actual machines? Bioman-
evolutionary processes typical of the Darwinist
ufactured object-beings, entities that inhabit the
machine and causing what is still unthinkable in
ontological abyss between living and non-living?
Nos extremos do mundo físico, a matéria como massa ou energia praticamente desaparece, existindo somente como linguagem, como padrão semiótico que organiza esse aparente vazio. Em seu lugar, surge o espontâneo, o indeterminado, a primeiridade da mente-matéria, do espaço-tempo, onde arte e ciência comungam a mesma dimensão estética.
natural evolution. Art has always faced the indifference of nature for Synthetic biology has paved the way for the con-
art rivals it with its daring gesture of creating.
struction of a still-nameless species, of quasi-subject-objects, an unlikely real “life as technology.”
In the extremes of the physical world, matter as
These biosynthetically evolved technological
mass or energy nearly fades out and only exists
systems are unpredictable. Sometimes, their evo-
as language, like a semiotic pattern that organizes
lution veers away from the purposes set and may
this apparent emptiness. Its place is occupied by
achieve results that are impossible to the human
spontaneity, the indetermination, the firstness of
mind. These object-beings make us think about
mind-matter, of time-space, where art and science
the blurry boundaries between subject and thing.
share the same aesthetic dimension.
In medias res, o animal humano evolui no fluxo biológico contínuo da Animalia, que lhe é contingente, ou seja, este fluxo que tem início e natureza animal, anterior ao que chamamos de consciência, como espécie e como indivíduo. Por outro lado, dá origem ao fluxo evolutivo artificial que perpassa o contínuo natural. Dois fluxos, duas continuidades que, imbricadas, projetam o ser da humanidade para além de si mesmo: humano objeto e signo humano. Do vivo para o psíquico. Ser tecnológico
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The matrix of the world is woven by the interweaving of law and chance, of variety and harmony. Nothing is more natural than the human
Mesmo na tradição de pensar ser sujeito e ser objeto com modos ontologicamente distintos, ignorando suas existências em continuidade real, quem faz o objeto ser objeto é o ato de sujeitar.
artificial, the utmost and complete expression of the human mind. Producing thoughts, artifacts and artifices is its prerogative. Continuous and evolutionary tides: the organism wants to endure as a technological extension. According to Keith Ansell-Pearson, “it is necessary
Para a ciência clássica ocidental, a boa interpretação do real é aquela em que se pode reduzir a intencionalidade do objeto a zero. No perspectivismo ameríndio de Viveiros de Castro, conhecer bem alguma coisa é atribuir o máximo de intencionalidade ao objeto que se está conhecendo, isto é, “determinar o objeto do conhecimento como sujeito”.
to discuss the anthropomorphic assumption that the complexity process is inhuman.” This is a perspective in which hominization is an incomplete and indeterminable process.
Em termos semióticos, o objeto do signo é que determina o signo. O signo representa o objeto. A continuidade do fluxo semiótico, a semiose, reflete e revela a instância fundamental da natureza e da realidade.
Even by upholding the thinking tradition of being subject and object in different ontological modes, ignoring their existences in real continuity, the
é ser humano. No perspectivismo ameríndio de Viveiros de Castro, ser humano é gente. Para a onça, gente é onça. Para o caititu, caititu é gente. Tudo é gente humana. A matriz do mundo é tecida pelo entrelaçamento de lei com acaso, de variedade com harmonia. Nada mais natural que o artificial humano, expressão máxima e plena da mente humana. Produzir pensamentos, artefatos e artifícios é sua prerrogativa. Fluxos contínuos e evolutivos: o organismo quer perdurar como extensão tecnológica. Segundo Keith Ansell-Pearson, “é preciso discutir a premissa antropomórfica de que o processo de complexificação é inumano”. Um olhar sob o qual a hominização é um processo incompleto e indeterminável.
In medias res, the human animal evolves in the
act of subjecting is the one that turns the object
continuous biological tide of Animalia, which
into an object.
No sentido mais preciso, bio-objetos seriam transdutivos, pois a sua mera existência negaria o postulado inicial do materialismo, de acordo com o qual a natureza inerte não compreende, dentro de si mesma, uma organização superior.
is contingent on it, that is, this tide has an aniLifeless (Nano) Biomachines, José Wagner Garcia, 2017. André Seiti | Lifeless (Nano) Biomachines, José Wagner Garcia, 2017. André Seiti
mal-based start and nature, a prior step to what
To the Western classical science, a good inter-
we call consciousness, as species and an individual.
pretation of the real thing is the one in which we
On the other hand, it is the origin of the artificial
can have the intentionality of the object reduced
evolutionary tide, which spreads through the nat-
to zero. In Viveiros de Castro’s Amerindian per-
ural continuum.
spectivism, knowing something well is to attribute the maximum intentionality to the object being
Two tides, two continuities that, imbricatedly, project
known, that is, “determining the object of knowl-
the being of humanity beyond its own self: an ob-
edge as a subject.”
Na ontologia de Simondon, em que o objeto técnico tem sua gênese e genética compreendidas, a transdução é a dinâmica da individuação que preside as sucessivas transferências dos mundos físico, vivo, psíquico, coletivo e artificial com tudo aquilo que isso supõe, se considerada a variedade de substâncias implicadas neste entrelaçamento universal. Opera-se com os resíduos – o residual que fica fora da individuação do humano – em direção e passagem constante ao transindividual.
ject human and human sign. From living to psychic. Being technological is being human. According to
In semiotic terms, the object of the sign is what de-
Viveiros de Castro’s Amerindian perspectivism, a
termines the sign. The sign represents the object.
human being is a person. To the jaguar, a person is
The continuity of the semiotic flow, the semiosis,
a jaguar. To the collared peccary, a collared peccary
reflects and reveals the fundamental instance of
is a person. Everything is human people.
nature and reality.
O bio-objeto – composto de materialidade genética – pode ser definido como pertencente a uma lógica de embaralhamento, ou seja, um ser ao mesmo tempo sujeito e objeto, um novo arranjo autônomo e autorreplicativo, originário da combinação entre as inteligências artificiais e biológicas.
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In the most precise sense, bio-objects would be
Therefore, bio-objects are hybrid objects, that
transductive, because their mere existence would
is, the intraspecies fusion of human, animal and
deny the initial assumption of materialism, accord-
cybernetic elements, and they challenge our un-
ing to which inert nature does not comprehend,
derstanding on the existence of a forth kingdom
within itself, a superior organization.
to the tree of life, the synthetic kingdom, a new nature. A new iconoclast.
In Simondon’s ontology, in which the technical object has its genesis and genetic structure
How the interaction between this synthetic king-
comprehended, transduction is the dynamics of
dom and human beings will be? Would they be
individuation that leads the successive transfers
actual machines? Wouldn’t these bio-objects be
of physical, living, psychic, collective and artificial
entities that inhabit the ontological abyss between
worlds with all that this takes if we consider the
the living and non-living? Being a bio-object is
variety of substances implied in this universal inter-
about being able to “go away all by itself.”
weaving. Residues are used to work – the residue that stays out of the human individuation – towards
Hybrid beings, previously thought to be imaginary,
and constantly passing through the transindividual.
are now likely biological hybrids that allow thinking about a revolution in the blurry boundaries be-
Sistemas biológicos evoluídos sinteticamente são imprevisíveis e, às vezes, passíveis de evoluir fora dos propósitos previstos. Pertencem a outro arco do contínuo ou desvio do fluxo evolucionário natural. O bio-objeto é mistura de manufatura e metabolismo. Compreendê-lo significa compreender a ação de hormônios, neurotransmissores e proteínas em escala microscópica, que podem levar a resultados impossíveis para os processos lógicos humanos, mesmo no espectro mais audacioso da nossa imaginação. Quimeras. Portanto, bio-objetos são objetos híbridos, ou seja, a mistura intraespécies entre o humano, o animal e o cibernético, e desafiam nosso entendimento sobre a existência de um quarto reino da árvore da vida, synthetic kingdom), uma nova natureza. Um novo iconoclasta.
The bio-object – composed of genetic materiali-
tween subject and thing. Unexpected properties,
ty – can be defined as belonging to a scrambling
unprecedented in the evolutionary process, estab-
logic, that is, a being that is concurrently subject
lish a new ontological threshold in the dimension
and object, a new autonomous and self-replicating
of adaption to the environment and, at the same
arrangement originating from the combination of
time, a world with still-unknown cognitive fields.
Como se dará a interação desse reino sintético com os seres humanos? Seriam máquinas, propriamente ditas? Não seriam esses bio-objetos entidades que habitam o abismo ontológico entre o vivo e o não vivo? Ser um bio-objeto é ser capaz de “go away all by itself”.
artificial and biological intelligences. Thinking of evolution as a predetermined course Synthetically evolved biological systems are un-
of events is absurd. How could anything new or
predictable and, sometimes, able to evolve differ-
evolved from a potential previous state appear with-
ently from the planned purposes. They belong to
out the possibility of indetermination and of chance?
another arc of the continuum or a deviation from
Without spontaneity and the random or indeter-
the natural evolutionary flow.
minate mutation, there is no evolution. Chance is ontological. Without chance there is no law.
Lifeless (Nano) Biomachines, José Wagner Garcia, 2017. André Seiti | Lifeless (Nano) Biomachines, José Wagner Garcia, 2017. André Seiti
Lifeless (Nano) Biomachines, José Wagner Garcia, 2017. André Seiti | Lifeless (Nano) Biomachines, José Wagner Garcia, 2017. André Seiti
Seres híbridos, antes imaginários, agora possíveis híbridos biológicos que permitem pensar sobre uma revolução nos limites borrados entre sujeito e coisa. Inesperadas propriedades, inéditas para o processo evolutivo, estabelecem um novo limiar ontológico na dimensão adaptativa ao meio ambiente e, ao mesmo tempo, um mundo com vertentes cognitivas ainda desconhecidas.
The bio-object is a manufacturing and a metabolism mixture. Understanding it means to under-
According to Vilém Flusser, the cutting-edge
stand the action of hormones, neurotransmitters
science is poetic, for it “fragments itself and
and proteins on a microscopic scale, which can lead
makes room for a complex network of crossed
to results considered impossible for human logical
competences between humans and non-humans.
processes, even in our most daring spectrum of our
Once the capsule of the Self is broken, we would
imagination. Chimeras.
therefore have a multiple, hybrid subject crossed
Pensar a evolução como um curso predeterminado é um contrassenso. Como algo novo ou evoluído de um estado anterior potencial pode surgir sem a possibilidade da indeterminação e do acaso? Sem o espontâneo e a mutação aleatória ou indeterminada não ocorre evolução. O acaso é ontológico. Sem acaso não há lei.
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Segundo Vilém Flusser, a ciência de ponta é poética, “se fragmenta e dá lugar a uma complexa rede de competências cruzadas entre humanos e não humanos. Rompida a cápsula do Eu, teríamos, portanto, um sujeito múltiplo, híbrido, atravessado por diversas forças culturais e naturais, bem como interfaces tecnológicas”.
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by several cultural and natural forces, as well as technological interfaces.” Biocybernetic consciousness.
Hubot Project Design Hubot (human + robot) consists of an in-vitro,
Consciência biocibernética.
in-silico simultaneous reprogramming of patterns of beta-amyloid protein fibers using bio-inspired
D e s i g n d o Pro j e t o H u b o t
algorithms, so as to emulate the possibilities
Hubot (human + robot) consiste na reprogramação simultânea in vitro e in silico de padrões de fibras proteicas beta-amiloides utilizando algoritmos bioinspirados para emular as possibilidades de interação entre sua cadeia composta de 40 aminoácidos.
of interaction between the chains composed of 40 amino acids. By inserting these fibers into a sort of nanobot, built with the DNA origami technique, this re-
Pela inserção dessas fibras em um tipo de nanobot, construído pela técnica do origami de DNA, essa reprogramação intenta ser orientada artisticamente. Beta-amiloides são os principais constituintes das placas de amiloide observadas no cérebro de pacientes com a doença de Alzheimer. Nas doenças degenerativas em que essas fibras surgem com indicações de um processo desordenado, parecem apontar que este design é sintoma, senão o próprio problema.
programming intends to be artistically oriented. Beta-amyloids are the main constituents of the amyloid plaques observed in the brain of patients with Alzheimer’s disease. In degenerative diseases, when these fibers appear indicating a disordered process, they seem to point out that this design is a symptom, if not the problem itself. Therefore, the Hubot project aims at reprogram-
Portanto, o projeto Hubot visa reprogramar substâncias patogênicas via biologia sintética e convertê-las em uma nova ordem de organização complexa, sintetizando uma reprogramação de proteínas e peptídeos por meio de procedimentos artísticos e científicos.
ming pathogenic substances via synthetic biology, bringing about a new order of complex organization, synthetizing a reprogramming of proteins and peptides through artistic and scientific procedures. The aesthetic gaze that checks, investigates
O olhar estético que averigua, investiga e orienta esse diagnóstico propõe a atuação do projeto Hubot como um passo experimental e atrevido que junta a fundamentação heurística do fazer artístico com as zonas ainda desconhecidas pela ciência para romper essa fronteira tecnológica e dar um salto sobre o abismo ontológico entre mente e matéria, entre vivo e não vivo.
and guides this diagnosis proposes the Hubot project to be an experimental and daring step that puts together the heuristic fundamentals of art making with zones still unknown to science, to break this technological boundary and surpass the ontological abyss between mind and matter, living and non-living.
Lifeless (Nano) Biomachines, José Wagner Garcia, 2017. André Seiti | Lifeless (Nano) Biomachines, José Wagner Garcia, 2017. André Seiti
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Café com os Santiagos Café com os Santiagos
Café com os Santiagos, Claudio Pinhanez, Heloisa Candello e Paulo Costa, IBM, 2017. André Seiti | Café com os Santiagos, Claudio Pinhanez, Heloisa Candello and Paulo Costa, IBM, 2017. André Seiti
Claudio Pinhanez, Heloisa Candello e Paulo Costa
Imagine-se sentando para tomar café em uma varanda na Rua de Matacavalos, no Rio de Janeiro, em 1850, na companhia de Capitu, Bentinho e Escobar, as três personagens centrais do livro Dom Casmurro, de Machado de Assis. Que perguntas seriam feitas, que rumos essa conversa teria, seria possível desvendar o mistério da traição – ou não – de Capitu com o melhor amigo do seu marido? Quem será o pai do filho de Capitu? Bentinho Santiago ou Ezequiel Escobar?
Picture yourself taking a seat to have a cup of coffee on a porch at Rua de Matacavalos, in Rio de Janeiro, in 1850, together with Capitu, Bentinho and Escobar, the three main characters of Dom Casmurro, a book by Brazilian author Machado de Assis. What questions would come up? Which direction would this conversation take? Would it be possible to uncover the mystery of Capitu’s affair (or not?) with her husband’s best friend? Who
Café com os Santiagos materializa essa oportunidade na forma de uma obra de arte eletrônica em que visitantes interagem com chatbots, sistemas conversacionais baseados em inteligência artificial que associam frases e perguntas propostas pelos visitantes com sentenças extraídas de diálogos de Dom Casmurro. Em volta de uma mesa guarnecida com louça da época, cadeiras e chapéus demarcam a presença diáfana das três personagens, enquanto, em uma quarta cadeira, um tablet permite aos visitantes que digitem perguntas ou frases para elas. As falas das personagens e dos visitantes aparecem projetadas sobre a mesa, como se flutuassem em uma coreografia na qual, saindo da xícara do falante, circulam pela mesa e desaparecem dentro do bule ao centro. Diferentes fontes tipográficas associam-se a cada falante, enquanto o interior da xícara de cada um deles muda de cor (por meio também
might be the father of Capitu’s child? Bentinho Santiago or Ezequiel Escobar? Café com os Santiagos materializes this opportunity in the form of an electronic work of art, in which visitors interact with chatbots – artificial intelligence-based chat systems able to associate sentences and questions proposed by the visitor with sentences extracted from the dialogs in Dom Casmurro. Around a table set with dinnerware from that period, chairs and hats outline the sheer presence of the three characters, while on a fourth chair a tablet allows visitors to pose questions or simply talk to them. The words of the characters and the visitors are projected on the table, as if floating in
Café com os Santiagos, Claudio Pinhanez, Heloisa Candello e Paulo Costa, IBM, 2017. André Seiti | Café com os Santiagos, Claudio Pinhanez, Heloisa Candello and Paulo Costa, IBM, 2017. André Seiti
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choreography by coming out of the speaker’s cup,
Bentinho: “There’s nothing to explain.”
Bentinho: “Não há o que explicar.”
flying around the table and fading out inside the coffeepot at the center. Different typographic fonts
Capitu: “Yes, there is; I don’t understand your tears,
Capitu: “Há tudo; não entendo as tuas lágrimas nem as de Ezequiel.
are associated with each speaker, while the color
neither Ezequiel’s. What happened between you two?”
Que houve entre vocês?”
Bentinho: “[I told Ezequiel] he is not my son.”
Bentinho: “[Disse a Ezequiel] que não é meu filho.”
chariots and horses, slaves selling cocada, tropical
Capitu: “Such an injury can only be explained by sin-
Capitu: “Só se pode explicar tal injúria pela convicção sincera; en-
birds singing and cups tinkling can be heard, pictur-
cere conviction; however, although you were jealous
tretanto, você, que era tão cioso dos menores gestos, nunca revelou
ing the setting into the laziness of the coming eve-
of any tiny gestures, you never mentioned a slight
a menor sombra de desconfiança. Que é que lhe deu tal ideia?”
ning in the center of pre-republican Rio de Janeiro.
distrust. What made this cross your mind?”
inside each cup changes (through projection as well) according to the emotional meaning of the
da projeção) em uma indicação do valor emotivo da sentença. Permeando a obra, ouvem-se sons de carroças e cavalos que passam, a toada de escravos vendendo cocada, a melodia de pássaros tropicais e o tilintar de xícaras, que transportam o ambiente para um fim de tarde moroso no centro do Rio de Janeiro pré-republicano.
sentence. Traveling through the plot, the sound of
D i g i t a l i z i n g D o m C a s m u r ro
An extract like that one generates two pairs of
C o m p u ta d o r i za n d o D o m C a s m u r ro
Recent advances in artificial intelligence and natu-
antecedent-consequent used in Capitu’s chatbot
Avanços recentes em inteligência artificial e processamento de linguagem natural permitem construir, de maneira relativamente simples, sistemas computadorizados conversacionais que interagem com seres humanos imitando a estrutura de um diálogo, usando voz ou texto. O coração de Café com os Santiagos são três desses sistemas, construídos com a tecnologia Watson Conversation Service da IBM, um para cada personagem representada na cena.
ral-language processing allow building, quite simply,
training. In the first pair, sentences containing
conversational computing systems that interact with
terms similar to “explain” are associated with a sen-
human beings imitating the dialog structure using
tence that indicates astonishment. In the second
voice or text. The core of Café com os Santiagos is
pair, the denial of Bentinho’s fatherhood produces
composed of three systems of this sort, built with
an outraged answer by Capitu, claiming injury.
Nesta obra, os sistemas conversacionais, ou chatbots, funcionam como atores computacionais,1 e são treinados a partir de pares de frases antecedente-consequente extraídas de diálogos do livro. Por exemplo, o chatbot de Capitu é construído com pares em que o antecedente são frases ou perguntas dirigidas a ela por outras personagens e o consequente são as respostas da própria personagem. Em um dos diálogos mais importantes do livro, Bentinho confronta Capitu sobre a semelhança do filho Ezequiel com Escobar:
IBM’s Watson Conversation Service technology, one for each character depicted in the scene.
After compiling a collection of pairs for each character (about 120 for Bentinho, 70 for Capitu and 50
In this work, chatbots stand for computational ac-
for Escobar) from 14 different dialogs in the book,
tors1 and are trained with pairs of antecedent-con-
each chatbot goes through an automatic training.
sequent sentences extracted from the dialogs in
This way, after the input of a given sentence or
the book. For instance, Capitu’s chatbot is built
question, each character is able to find a matching
with pairs in which the antecedent are sentences
antecedent with the closest meaning and then use
or questions posed to her by other characters, and
the associated consequent to answer back.
the consequent are the answers of the character herself. In one of the most important dialogs in the
Some adaptations were made to build the con-
book, Bentinho confronts Capitu about the resem-
sequents so that some sentences from the book
blance between their son Ezequiel and Escobar.
could be better understood out of context of the original dialog. Likewise, some sentences were created based on dialogs between the characters
1 Um ator computacional é um “[…] computer program which assumes the role of one of the characters of the play”. Ver: PINHANEZ, Claudio. Computer theater. Proc. of the Eighth International Symposium on Electronic Arts (Isea’97). Chicago, set. 1997.
1 A computational actor is a “[…] computer program which assumes the role of one of the characters of the play”. See: PINHANEZ, Claudio. Computer theater. Proc. of the Eighth International Symposium on Electronic Arts (Isea’97). Chicago, Sep. 1997.
mentioned by Bentinho, the novel’s narrator. The guiding principle applied to the training corpora was to include only sentences that are really said by
Um trecho de diálogo como esse gera dois pares de antecedente-consequente usados no treinamento do chatbot de Capitu. No primeiro par, frases contendo termos semelhantes a “explicar” são associadas a uma frase que indica perplexidade. No segundo par, negativas à paternidade de Bentinho produzem uma resposta indignada de Capitu, clamando por injúria. Após a compilação de uma coleção desses pares para cada personagem (cerca de 120 para Bentinho, 70 para Capitu e 50 para Escobar) a partir de 14 diferentes diálogos do livro, realiza-se um processo de treinamento automático para cada chatbot. Com isso, cada um deles se torna capaz de, dada uma frase ou pergunta como entrada, encontrar o par com o antecedente mais parecido, e assim gerar como resposta o consequente associado. Na construção dos consequentes, algumas adaptações foram feitas para permitir que as frases do livro fossem compreensíveis fora do contexto do diálogo original, bem como foram criadas algumas frases a partir da menção de diálogos entre as personagens feitas pelo narrador do livro, Bentinho. O princípio norteador na elaboração dos corpora de treinamento foi somente incluir frases que são realmente ditas pelas personagens, seja de forma explícita (como parte de um diálogo, com travessão etc.), seja de forma implícita, de acordo com a narração de Bentinho. O escopo expressivo das personagens é factual no contexto da estória narrada no livro.
50
51
the character, either explicitly (as part of a dialog,
Although dialogs and interaction with characters
indicated by quote marks etc.) or implicitly, ac-
make up the core of Café com os Santiagos, the
cording to Bentinho’s storytelling. The expressive
portraying of Capitu, Bentinho and Escobar, and
range of the characters is based on facts within the
the creation of a setting of immersion in the 19th
context of the story told in the novel.
century are also key factors. The setting of the work sends, although it does not recreate, the vis-
A escolha de se manter fiel aos acontecimentos objetivos (diálogos) do livro é, ao mesmo tempo, um fator limitante e também provocador em Café com os Santiagos. Os atores computacionais não são capazes de responder ou conversar sobre assuntos ou temas sobre os quais nunca falaram no livro. A limitação inclui a incapacidade de responder a banalidades como qual é a cor preferida de cada uma, mas também a questões fundamentais: o chatbot de Escobar não tem como responder sobre a traição, visto que, na trama, ele morre afogado muito antes que a suspeição se manifeste em Bentinho. Parte do encanto e da perenidade de Dom Casmurro provém da ambiguidade da novela, e ater-se somente a diálogos reais foi visto como uma forma de manter essa característica fundamental. Para conservar a fluidez da interação e ter sempre uma resposta a qualquer pergunta ou frase do visitante, optou-se por um mecanismo de deflexão sempre que os chatbots são interrogados sobre assuntos além do escopo dos diálogos do livro: as personagens desviam o assunto oferecendo “Mais café?” ao visitante. Os atores computacionais são, assim, treinados para não responder o que não é apresentado na obra e, de uma
The choice of being faithful to the facts (dialogs)
itor back to the Empire era by using set design
in the book is, at the same time, a limiting and chal-
elements, such as chairs with crochet seat cover,
lenging aspect in Café com os Santiagos. Compu-
a lace tablecloth, warm-color schemes on the
tational actors are not able to answer or talk about
wallpapers and an oriental-style rug. The sound is
subjects or issues that were never approached in
bucolic, provincial, with crickets and urban birds
the book. Such limitation includes the inability to
alternating with chariots and peddlers. Characters
answer trivial questions such as the favorite color,
are materialized by the Victorian hats floating on
as well as fundamental ones: Escobar’s chatbot
the chairs, sometimes evoking a spiritualist session
cannot respond about the betrayal for in the plot
attended by ghosts from the past.
he drowns much before Bentinho gets suspicious. Café com os Santiagos, Claudio Pinhanez, Heloisa Candello e Paulo Costa, IBM, 2017. André Seiti | Café com os Santiagos, Claudio Pinhanez, Heloisa Candello and Paulo Costa, IBM, 2017. André Seiti
Part of the enchantment and perenniality of Dom
Contrasting with these setting elements there is the
Casmurro derive from the ambiguity of the novel,
projection of the lines of the characters and the
and the fact that it sticks only to real dialogs as a
visitors on the table and the tablet for interaction.
way of preserving this key characteristic.
The projection also modifies the dinnerware on the table by bringing up drawings made by portraitists
In order to save the interaction flow and to al-
that traveled around Brazil in the 19th century as if
ways have an answer to any question or sentence
they were part of the painting on the chinaware, or
coming from the visitor, a deflection mechanism
showing the visitors’ initials as if they were family
is activated anytime the chatbots are asked about
monograms. The color inside the cup changes,
subjects other than the novel’s dialogs: characters
following the mood and emotion of the text pro-
change the subject by offering the visitor “more
jected. The arabesque-moving texts emphasize the
coffee.” Therefore, computational actors are
transition and duality between past and present (or
trained not to answer any question not related to
future?). In Café com os Santiagos, visitors are in-
what is in the plot and, yet in context, they clear-
tentionally interacting with clearly computer-con-
ly - and sometimes even persistently - establish
trolled representations and not hidden machine-op-
these boundaries. Actually, finding and identifying
erated puppets. However, can characters be aware
the limits of the characters is the key part of the
of their history (or story?) beyond the plot written
experience and the concept of this artwork, as
by Machado de Assis? Can machines possibly find
discussed in detail further on.
meanings and answers that readers cannot?
forma clara, ainda que em contexto, delimitam essa fronteira de maneira por vezes até insistente. Encontrar e reconhecer os limites das personagens é, na verdade, parte fundamental da experiência e do conceito da obra, como discutido mais profundamente adiante. Embora os diálogos e a interação com as personagens sejam a peça central de Café com os Santiagos, a caracterização de Capitu, Bentinho e Escobar e a criação de um ambiente de imersão no século XIX são também fundamentais. O ambiente da obra remete, embora não recrie, ao período do Império com elementos cenográficos: cadeiras cobertas com assentos de crochê, uma toalha de renda, tons quentes no papel de parede e um tapete de inspiração oriental. O som ambiente é bucólico, provincial, com grilos e pássaros urbanos se intercalando com carruagens e vendedores ambulantes. As personagens são materializadas por chapéus vitorianos flutuando sobre as cadeiras, por vezes lembrando uma sessão espírita, como fantasmas do passado. A esses elementos ambientais contrastam-se a projeção dos textos das personagens e do visitante na mesa e o tablet para interação. A projeção também transforma a louça sobre a mesa, trazendo desenhos de retratistas que viajaram pelo Brasil no século XIX como se fossem parte da pintura da porcelana, ou mostrando as iniciais dos visitantes como se fossem monogramas de família. O interior das xícaras muda de cor com o humor e a emoção do texto sendo projetado. Os textos andando em arabescos reforçam a transição e a dualidade entre o passado e o presente (ou futuro?). Em Café com os Santiagos os visitantes estão, intencionalmente, interagindo não com fantoches operados por máquinas escondidas, mas com representações claramente controladas por computadores. Mas será que as personagens podem ser cientes da sua história (ou estória?) além do que escreveu Machado de Assis? Será possível a máquinas encontrarem significados e respostas que os leitores não conseguem?
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Seres incompletos e oráculos computacionais
I n c o m pl e te b e i n g s a nd c o m p u ta t i o n a l o ra c l e s
The difficulty of getting to know the impossible
Café com os Santiagos é uma exploração sobre as fronteiras do conhecimento e do possível. Por meio da materialização de personagens imaginárias pelo uso de tecnologias avançadas de computadores, a obra leva os visitantes a confrontar que não há como saber o que não pode ser sabido, nem mesmo com as tecnologias mais avançadas. A vida de uma personagem se resume ao que ela viveu em uma obra, isto é, sua vida é desconhecida por ela além do que o autor concretizou em palavras. Será que Bentinho era escravocrata ou Capitu feminista? Embora muito possa se especular, não há como saber. Sobre esses assuntos, as personagens nada afirmam em todo o texto de Dom Casmurro.
Café com os Santiagos is an exploration of the
noticeable presence of a machine as a character’s
boundaries of knowledge and possibilities.
reincarnating element. In the popular imaginary of
Through the materialization of imaginable char-
(pseudo) science fiction, computers many times
acters using computing advanced technolo-
are the modern version of Delfos’ oracle and are
gies, the work leads the visitor to face the fact
able to find answers to the most complex questions
that there is no way of knowing what cannot be
in the world. The most classic example is The Last
known, not even with the most advanced tech-
Question, a short story by Isaac Asimov, in which
nology. The life of a character is limited to the
successive computer generations are developed
life lived in the plot, that is, his life is unknown to
to solve the essential problem of how to revert
him except for what the author has put in words.
the universe entropy, up to the point when the last
Would Bentinho be a slavery supporter? Could
computer turns into God. This fascination with a
Capitu be a feminist? Although much can be pre-
machine as an oracle in the sci-fi universe is ridi-
sumed, nothing is conclusive. Throughout Dom
culed in The Hitchhiker’s Guide to the Galaxy, by
Casmurro, the characters do not say anything at
Douglas Adams, in which beings from all planets
all on these subjects.
unite to build a perfect computer to answer “[…]
As personagens de Café com os Santiagos são como as do filme A Rosa Púrpura do Cairo, de Woody Allen, desconhecedoras do mundo que está além dos ambientes recriados no estúdio. Personagens são como que seres incompletos, são existências limitadas pelos acontecimentos descritos na obra de que participam. As vidas de personagens são só completadas quando da imaginação de cada leitor, visitante ou espectador. Uma Capitu feminista e libertária na mente de uma leitora é tão verdadeira para ela como uma Capitu traidora e mesquinha o seria para outra leitora. Em Dom Casmurro, Capitu não se declara nem feminista nem escravocrata, e nega de pés juntos que traiu Bentinho. Embora completável na cabeça de cada leitor, a vida e substância de uma personagem é sempre limitada, seu mundo acaba no penhasco do que não foi dito. Em algum lugar entre significados subentendidos e “Mais café?”. A dificuldade de se conhecer o impossível é amplificada, na obra, pela presença perceptível de uma máquina como elemento reencarnador da personagem. Computadores, no imaginário popular da ficção (pseudo) científica, muitas vezes são a versão moderna do oráculo de Delfos, capazes de encontrar resposta às perguntas mais complexas do mundo. O
is more considerable in the work owing to the
the great question of life, the universe and everyCharacters from Café com os Santiagos are just
thing […]”. The response, “42”, is so disappointing
like those from the movie The Purple Rose of
as Capitu inviting for another cup of coffee.
Cairo, by Woody Allen. They have no knowl-
exemplo mais clássico é o conto “The Last Question”, de Isaac Asimov, em que gerações sucessivas de computadores são criadas para resolver o problema essencial de como reverter a entropia do universo, até que o último computador se transforma em Deus. Essa fascinação com a máquina como oráculo no universo sci-fi é ridicularizada em The Hitchhiker’s Guide to the Galaxy, de Douglas Adams, em que seres de todos os planetas se unem para construir um computador perfeito para responder “[...] the great question of life, the universe and everything [...]”. A resposta, “42”, é tão decepcionante quanto a oferta de mais café por Capitu.
edge of a world beyond the settings created in
Immersion and fun
the studio. Characters are like incomplete beings,
There were two reasons for choosing Dom Cas-
an existence limited by the events described in the
murro as the source of characters for this work:
novel they take part in. The characters’ lives are
the familiarity of most educated people in Brazil
only fulfilled by the imagination of each reader,
with the book, and the existence of ambiguities
visitor or spectator. A feminist and libertarian Ca-
and doubts as to the events told, especially as to
pitu in a reader’s mind is as real as an unfaithful
whether Capitu was unfaithful or not. For years,
and petty Capitu would be for another. In Dom
the book by Machado de Assis was a must-know
Casmurro, Capitu is neither a feminist nor a
subject in the university admission exams across
proslavery woman, and denies vehemently hav-
the country that became very popular because of
Imersão e diversão
ing cheated on Bentinho. Although each read-
a recently broadcast television series. Thus, when
er can fill in the gaps in his own mind, life and
entering the room, most of the visitors immedi-
substance of a character are always limited; his
ately recognize the characters, hence resulting in
world ends on the edge of the cliff of words left
a smooth interaction. Besides, uncertainties about
unsaid, somewhere between implied meanings
the events in the book prompt many visitors to
and “More coffee?.”
ask the first question (for example, “Capitu, did
Duas razões nortearam a escolha de Dom Casmurro como a fonte das personagens desta obra: a familiaridade da maioria da população educada no Brasil com o livro e a existência de ambiguidades e dúvidas em relação aos acontecimentos narrados, em particular sobre se houve ou não a traição de Capitu. O livro de Machado de Assis foi por anos leitura obrigatória
Café com os Santiagos, Claudio Pinhanez, Heloisa Candello e Paulo Costa, IBM, 2017. André Seiti | Café com os Santiagos, Claudio Pinhanez, Heloisa Candello and Paulo Costa, IBM, 2017. André Seiti
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para os vestibulares no país e popularizado por uma série televisiva recente. Assim, ao chegar ao espaço físico, a maioria dos visitantes imediatamente reconhece as personagens, o que facilita a interação. Além disso, as incertezas em relação aos acontecimentos no livro fazem com que muitos dos visitantes não tenham muita dificuldade em formular uma primeira questão (por exemplo, “Capitu, você traiu Bentinho?”). Dom Casmurro facilita o início da conversa, evita hesitações e permite a imersão rápida no universo das personagens e do livro.
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you cheat on Bentinho?”). Dom Casmurro makes
Machines are unable to know the story beyond the
the beginning of the conversation easier, prevents
pages of the book, neither will they be oracles capa-
hesitations and leads visitors to quickly dive into
ble of answering all kinds of questions. Far from this,
the characters’ universe and into the book itself.
today’s computers, even the most advanced ones, still find it very difficult to understand the simplest
At the same time, the interaction through natural
jokes told by visitors. In the middle of human distress
language allows the visitors to freely choose the
to try to understand endlessness, computers have
subject of the conversation with the characters,
embodied the hope to know the impossible. Ma-
often exploring small talk – like speaking about
chines and books – and their characters – have limits.
Mais café?
whether it is cold or raining or about each one’s
Ao mesmo tempo, a interação via linguagem natural permite aos visitantes escolher livremente o tema da conversa com as personagens, muitas vezes explorando banalidades – como se o dia estava frio ou chuvoso ou qual a comida preferida de cada um –, mas também engajando as personagens em situações de paquera, questionamentos sobre o futuro e outras formas de brincar com o chatbot e explorar os limites do seu conhecimento. Cerca de metade dos visitantes parece se engajar com a obra visando um mergulho no universo do livro por meio da conversa com as personagens. A outra metade dos visitantes tende a se dedicar mais a uma conversa de exploração, brincando com as personagens para tentar encontrar o que elas não fazem ou não conseguem entender. Em ambos os casos, quase sempre os visitantes atingem os limites do que os chatbots conhecem e são confrontados com uma situação em que um deles desconversa e oferece “Mais café?”. Embora existam maneiras diferentes de percorrer os caminhos do que está contido em Café com os Santiagos, há sempre um fim para qualquer trilha tomada, que é o limite do que o computador pode saber sobre a estória narrada no livro ou o que é correto extrapolar sobre a vida das personagens além do que aparece nas suas páginas. Não há como recriar a mente de Machado de Assis em um computador, ou em qualquer outro ser, para responder a essas perguntas que escritores odeiam receber de seus leitores.
favorite food –, but also engaging characters into
Máquinas não podem saber a estória de um livro além de suas páginas, nem serão oráculos capazes de responder a todo tipo de questionamento. Muito aquém, os computadores de hoje, mesmo os mais avançados, ainda têm enorme dificuldade para entender até as mais simples brincadeiras dos visitantes. Na angústia humana de tentar compreender a infinitude, tornam-se a esperança de saber o impossível. Máquinas e livros – e suas personagens – têm limites.
More coffee?
situations of flirting, questioning the future and oth-
Créditos
er forms of playing with the chatbot and exploring the limits of one’s knowledge. About half the visitors
Credits
seem to engage with the work aiming at plunging
Café com os Santiagos uses IBM Watson Developer
into the universe of the book through the conver-
Cloud’s natural-conversation processing technolo-
sation with the characters. The other half tends to
gy and expressive text-to-speech synthesis system
dedicate more time to an exploratory conversation,
developed at the IBM Research lab in Brazil. The
playing with the characters in an attempt to find out
work presents dialogs extracted and adapted from
what they do not do or cannot understand.
Dom Casmurro, a book by Machado de Assis. The soundscape was composed and recorded at Mon-
Café com os Santiagos usa tecnologia de processamento de conversação natural do IBM Watson Developer Cloud e sistemas de texto expressivo desenvolvidos no laboratório da IBM Research no Brasil. A obra contém diálogos extraídos e adaptados do livro Dom Casmurro, de Machado de Assis. A ambientação sonora foi composta e gravada no estúdio Monrei. A ambientação física da obra no Itaú Cultural contou com o apoio técnico, logístico e artístico da equipe de produção da exposição Consciência Cibernética [?] do Itaú Cultural.
In both cases, almost always the visitors reach the
rei studio. The production design at Itaú Cultural
limits of what a chatbot knows and are confronted
counted on the technical, logistic and artistic sup-
with a situation in which one of them (characters)
port from Itaú Cultural’s production team of the
Equipe técnica
is evasive and offers “More coffee?” instead. Al-
exhibition Cybernetic Consciousness [?].
Mauro C. Pichiliani – arquitetura de software e tecnologia Jom Monnazzi – ambientação de som e trilha sonora Haylla Conde – assistente de arte Victor Juliani – assistente técnico de software
though there are different itineraries one can follow to explore the content of Café com os Santiagos, all
Te c h n i c a l s t a f f
of them eventually reach an end. That is the limit
Mauro C. Pichiliani – software architecture and
of what the computer knows about the story told
technology
in the book or to what extent it is okay to push the
Jom Monnazzi – soundscape and soundtrack
Apoio
boundaries to know more about the lives of the
Haylla Conde – art assistant
IBM Brasil e IBM Research – Brasil
characters beyond what is written on the pages of
Victor Juliani – software technical assistant
the book. There is no way of recreating the mind of Machado de Assis in a computer, or in any other
Support
being, to answer these questions that writers hate
IBM Brasil and IBM Research – Brazil
to take from their readers.
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Neuro Mirror – Interagindo com sua Autoimagem
Neuro Mirror – Interacting with the Self-Image
Christa Sommerer e Laurent Mignonneau
Resumo
A b s t ra c t
development of the ego consists in a departure from
Esta instalação interativa foi desenvolvida para a exposição Consciência Cibernética [?], concebida pelo Itaú Cultural, em São Paulo, Brasil, no verão de 2017. Nesta obra, os visitantes puderam interagir com sua própria imagem e com aquela de seu alterego, com ajuda de um espelho digital.
This interactive installation was developed for the
primary narcissism and gives rise to a vigorous attempt
exhibition “Cybernetic Consciousness [?],” held at
to recover that state. This departure is brought about
Itaú Cultural in São Paulo, Brazil, in the summer of
by means of the displacement of libido onto an ego
2017. In this artwork, participants can interact with
ideal imposed from without; and fulfilling this ideal
their own image and with that of an alter ego with
brings about satisfaction. One part of the self-regard
the help of a digital mirror.
is primary – the residue of infantile narcissism; another
Pe s q u i s a d e F u n d o O espelho tem um papel central na instalação. De acordo com Sigmund Freud, crianças são completamente narcisistas nos seus primeiros anos de vida e estão totalmente preocupadas consigo mesmas. Isso é o que se chama de estágio id. À medida que as crianças se desenvolvem, começam a externar esse id, formando, assim, um ego personificado, uma autoimagem, em que projetam seus afetos. Somente no terceiro e no último estágio do desenvolvimento humano, o indivíduo se torna capaz de externar suas afeições internas, projetando-as no mundo externo e nas pessoas. Freud escreve: “O desenvolvimento do ego consiste no afastamento do narcisismo primário, dando abertura para uma tentativa
part arises out of the omnipotence which is corrobo-
B a c kg r o u n d R e s e a r c h
rated by experience (the fulfillment of the ego ideal),
The mirror plays a central part in this installation. Ac-
whilst a third part proceeds from the satisfaction of
cording to Sigmund Freud, children are completely
object-libido.” (Freud, p.100)
narcissistic in their early stages of life and are entirely preoccupied with their own self. This is the so-called
Freud uses the term “ego ideal” as something that
id stage. As children develop, they start to exter-
later on in human development controls the ego
nalize this id, thereby forming a personified ego, a
by means of moral and societal restrictions and
self-image onto which they project affections. Only
conventions. “The ego ideal opens up an important
in the third and last stage of human development,
avenue for the understanding of group psychology.
the individual becomes capable of externalizing his
In addition to its individual side, the ideal has a social
inner affections, projecting them onto the outside
side; it is also the common ideal of a family, a class
world and onto other persons. Freud writes: “The
or a nation.” (Freud, p.101)
Neuro Mirror, Christa Sommerer e Laurent Mignonneau, 2017. André Seiti | Neuro Mirror, Christa Sommerer and Laurent Mignonneau, 2017. André Seiti
vigorosa de recuperar esse estado. Este afastamento é ocasionado pelo deslocamento da libido em direção a um ideal do ego imposto de fora, sendo a satisfação provocada pela realização desse ideal. Uma parte da autoestima é primária – um resíduo de um narcisismo infantil; outra parte surge da onipresença corroborada pela experiência (a satisfação do ideal do ego), enquanto a terceira parte procede da satisfação do objeto-libido.” (Freud, p.100) Freud usa o termo “ideal do ego” como algo que, mais tarde, durante o desenvolvimento humano, controla o ego através das restrições e convenções morais e sociais. “O ideal do ego abre um importante campo para a compreensão da psicologia de grupo. Além do seu lado individual, o ideal tem um lado social; é também o ideal comum de uma família, uma classe ou uma nação.” (Freud, p.101)
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A mudança de uma completa auto-absorção para a externalização do eu nos outros é um passo psicológico importante, já que possibilita que o indivíduo entenda as emoções das pessoas. Já se sabe que isso é essencial no desenvolvimento de bebês, que desde pequenos têm suas mães e outros adultos interagindo com eles e imitando seu comportamento, dando a eles, portanto, uma devolutiva positiva e um espelhamento das suas emoções. Acredita-se que a criança começa a desenvolver seu próprio ego aos 21 meses de idade. Jacques Lacan também dá grande importância ao espelho no desenvolvimento da primeira infância. Para ele, a primeira vez que uma criança vê a sua imagem inteira em um espelho é um momento decisivo; é aqui que a criança começa a se tornar autoconsciente. “O estágio do espelho é um fenômeno de dupla importância. Em primeiro lugar, tem valor histórico, já que marca o ponto de virada do desenvolvimento mental de uma criança. Em segundo, caracteriza a essencial relação libidinosa com a imagem do corpo” (Lacan, 1953) . Lacan também chama atenção especial para o fato de essa autoimagem permanecer imaginária, já que só se baseia na projeção que mais tarde controla a concepção que se tem do ideal do ego. A antropologista e psicanalista Geza Róheim fala das pesquisas de Freud sobre o ego e demonstra que há uma forte conexão entre narcisismo e espelhos. De acordo com ela, “encontramos todas as chaves para as ideias e ritos coletivos centradas no espelho, no segundo nível ontogenético do desenvolvimento psicossexual, no amor próprio (narcisismo). Da mesma forma que o indivíduo mostra, durante a infância, esse estágio no seu puro estado, os tabus em torno dos espelhos se
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The shift from complete self-absorption to an
degree around the child: the motivation of the ta-
externalization of the self onto others is an im-
boo betrays the unconscious knowledge of the true
portant psychological step, as it enables the indi-
meaning. The petrification and conservation of the
vidual to understand the emotions of others. It has
infantile psychic constellation is characteristic of the
been proven to be essential for the development
sorcerer predicting from mirrors, and the mirror-look-
of babies that since the early stages mothers or
ing of kings.” (Róheim translated by Bergler, 1951)
other adults interact with them by imitating their behavior, thereby giving them positive feedback
Mirrors also play an important role in mytholo-
and mirroring their emotions. It is believed that the
gy and culture and, besides that, they appear in
child starts to develop its own ego at around the
many works of art and in rites. One example is the
age of twenty-one months.
scene in Jean Cocteau´s movie Orphée, where the protagonists leave the real world by walking into
Jacques Lacan also attributes great importance to
a mirror (Cocteau, 1950). Mirrors are often associ-
the mirror in early child development. For him, the
ated with death, the afterlife, points of access into
first time a child sees a complete image of itself in a
others worlds, superstitions and magical beliefs.
mirror is a decisive moment; it is then that the child
In some cultures, mirrors need to be covered if evil
starts to become self-conscious. “The mirror stage
spirits are to be averted; in others, they become a
is a phenomenon to which I assign a twofold value.
tool that makes it possible to tell one´s true nature
In the first place, it has historical value, as it marks a
or to foresee the future.
decisive turning point in the mental development of the child. In the second place, it typifies an es-
Mirroring as a method has also been used in
sential libidinal relationship with the body image”
psychological therapy to trigger empathy, under-
(Lacan, 1953). Lacan also draws special attention to
standing and healing, and neuroscience recently
the fact that this self-image remains imaginary, as it
found physiological evidence of mirroring effects
is only based on a projection that later on controls
in the brain. Italian neurophysiologist Giacomo
one’s conception of the ego ideal.
Rizzolatti discovered the so-called mirror neurons in 1999. According to him, they are activated in the
Anthropologist and psychoanalyst Geza Róheim
temporal lobe of our brain whenever we observe
refers to Freud’s investigations of the ego and
other people’s actions (Rizzolatti et al., 2007). It
shows that there is a strong connection between
is interesting to note that the same neurons are
narcissism and mirrors. According to him, “We find
also activated whenever we imitate the actions
the key to all collective ideas and rites, centering
that we see others perform. Another important
around the mirror, in the second ontogenetic level
finding is that mirror neurons allow an immedi-
of the psychosexual development, in self-love (nar-
ate and intuitive understanding of the actions of
cissism). In the same way as the individual shows
other people. What a person looks like, how he/
this stage in its purest state in childhood, so the ta-
she speaks, behaves and moves - all of this is im-
boos grouped around mirrors concentrate to a great
mediately processed by the mirror neurons. Vast
concentram, em alto grau, ao redor das crianças: a motivação revela o conhecimento inconsciente do seu significado real. A petrificação e a conservação da constelação psíquica infantil é característica da feiticeira fazendo previsões através do espelho e dos reis admirando sua própria imagem.” (Róheim traduzida por Bergler, 1951) Os espelhos também têm um importante papel na mitologia e na cultura e, além disso, aparecem em muitos trabalhos de arte e ritos. Um exemplo é a cena no filme Orfeu, de Jean Cocteau, em que os protagonistas vão embora do mundo real entrando em um espelho (Cocteau, 1950). Espelhos são normalmente associados à morte, à vida após a morte, aos acessos a outros mundos, às superstições e às crenças mágicas. Em algumas culturas, espelhos precisam ser cobertos para afastar espíritos diabólicos; em outras, são ferramentas para desvendar a natureza verdadeira de alguém ou para prever o futuro. O método de olhar-se no espelho sempre foi usado no processo da terapia psicológica para trazer à tona empatia, compreensão e cura, e recentemente a neurociência encontrou evidências psicológicas que o ato de olhar-se no espelho provoca no cérebro. O neurofisiologista italiano Giacomo Rizzolatti descobriu os chamados neurônios-espelho, em 1999. De acordo com ele, eles são ativados no lóbulo temporal do cérebro sempre que observamos a ação de outras pessoas (Rizzolatti et al., 2007). É interessante notar que os mesmos neurônios também são ativados sempre que imitamos as ações que vemos outros performarem. Outro importante achado é que os neurônios espelho permitem
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the self from the other person on the basis of the brain region in which these neurons are activated. We can say that certain aspects of the theories of Freud, Róheim and Lacan have now been con-
nós mesmos é fortemente influenciada pelas imagens que criamos dos outros. Os neurônios-espelho têm uma importante função nesse processo, permitindo que diferenciemos o eu e o outro, dependendo na região cerebral em que esses neurônios são ativados.
firmed on a physiological level. “Neuroscience investigations have demonstrated physiological mechanisms of mirroring at single-cell and neural-system levels that support the cognitive and social psychology constructs. Why were these neural mechanisms selected, and what is their adaptive advantage? Neural mirroring solves the ‘problem of other minds’ (how we are able to gain access to and understand the minds of others) and makes intersubjectivity possible, thus facilitating social behavior” (Iacoboni, 2009).
Podemos dizer que certos aspectos das teorias de Freud, Róheim e Lacan agora foram confirmadas no seu teor psicológico. “As pesquisas na neurociência demonstraram a existência de mecanismos psicológicos de espelhamentos em células simples ou sistemas neurais, que dão suporte à construção da psicologia cognitiva e social. Por que esses mecanismos neurais foram selecionais e quais as suas vantagens adaptativas? Os espelhos neurais resolvem o ‘problema de outras mentes’ (como somos capazes de acessar e entender a mente das outras pessoas) e tornam a intersubjetividade possível, facilitando, assim, o comportamento social” (Iacoboni, 2009).
In computer science too, the modeling of artificial brains and neural networks has helped us achieve a deeper understanding of human brain activities.
uma compreensão imediata e intuitiva das ações de outras pessoas. Como uma pessoa é, como ela fala, se comporta ou se movimenta – tudo isso é imediatamente processado pelos neurônios-espelho. Grande quantidade de informações e experiências prévias ajudam essas células nervosas a, por exemplo, ativar os sentimentos de dor, alegria e empatia. E mais, os neurônios-espelho também têm um papel fundamental na intuição: eles podem nos ajudar a processar informações incompletas e a fazer previsões sobre o comportamento dos outros. É interessante notar que a imagem que temos de
Neuro Mirror, Christa Sommerer e Laurent Mignonneau, 2017. André Seiti | Neuro Mirror, Christa Sommerer and Laurent Mignonneau, 2017. André Seiti
amounts of previous inputs and experiences help
Early research in Cybernetics in the 1950s and
these nerve cells to, for example, activate feelings
1960s led to speculations on how communication
of pain, joy and empathy. What is more, mirror
and interactions between machines and humans
neurons also play a major role in intuition: they
could give rise to new forms of artificial conscious-
can help us process incomplete information and
ness (McCullogh in Pias, 2003). Currently, learning
make predictions about the behavior of others. It
can be simulated through artificial neural networks
is interesting to note that the image we have of
and such networks in combination with large da-
ourselves is strongly influenced by the images we
tabases (Big Data) facilitate the recognition of
create of others. Mirror neurons play an important
complex patterns for Deep Learning applications
role in this regard, as they allow us to distinguish
(Schmidhuber, 2015).
Na ciência da computação, os modelos de cérebros artificiais e redes neurais também nos ajudaram a ter um entendimento mais profundo das atividades cerebrais humanas. Pesquisas anteriores sobre cibernética, nos anos 1950 e 1960, especulavam como a comunicação e a interação entre máquinas e humanos poderia abrir espaço para novas formas de consciência artificial (MacCullogh in Pias, 2003). Hoje em dia, o aprendizado pode ser simulado via redes neurais artificiais e tais redes, combinadas com grandes bancos de dados (Big Data), facilitam o reconhecimento de padrões complexos para aplicações de aprendizagem profunda (deep learning) (Schmidhuber, 2015).
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Podemos argumentar que o aprendizado automático (machine learning) ou IA (inteligência artificial), como também é chamado (Stuard, 2010), pode nunca chegar ao nível de complexidade e adaptabilidade do cérebro humano, quanto menos habilitar a consciência real de uma máquina. Mas é preciso admitir que a inteligência artificial fez avanços incríveis nos últimos anos. O aprendizado automático não só impactará na forma com que interagimos com os computadores e vice-versa; também afetará a psicologia humana. Sherry Turkle argumenta que “os computadores afetam a conscientização de nós mesmos, dos outros e do nosso relacionamento com o mundo”, e que isso leva ao que ela chama de “Segundo Eu” (Turkle, 1984). Pioneiro em arte midiática, Roy Ascott vai ainda além e argumenta que as redes digitais e de telecomunicações impactarão tanto a consciência humana quanto a artificial (Ascott, 2000). Em festivais artísticos midiáticos, a questão em torno de como a inteligência artificial vai transformar a criatividade humana está na pauta do dia (Stocker et al., 2017).
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We can argue that machine learning or AI, as it is
image of the interacting person, but with a time
also called (Stuart, 2010), might never attain the lev-
delay of a few seconds. On the right screen, how-
el of complexity and adaptability of the human brain,
ever, another person is shown – a young man, who
let alone enable real machine consciousness, but we
acts and moves his head. After a while, the partici-
do have to acknowledge that AI has made tremen-
pant will notice that the young man’s head assumes
dous progress in the past years. Machine learning will
the same positions and makes the same motions
not only impact the way we interact with computers
as he or she does. He seems to be imitating all
and vice versa; it will also affect human psycholo-
the behaviors of the participant and at times the
gy. Sherry Turkle argues that “computers affect the
participant might also imitate his behavior.
awareness of ourselves, of one another, and of our relationship with the world,” and that this leads to
In fact, this person is programmed to be an avatar
what she calls a “Second Self” (Turkle, 1984). Media
that reacts to the participant. He “learns” by observ-
art pioneer Roy Ascott goes a step further and ar-
ing the participant´s behavior and acts accordingly.
gues that digital and telecommunications networks
A neural network program was developed to enable
will impact both human and artificial consciousness
him to approximately determine the participant’s
(Ascott, 2000). In media arts festivals, the question
next actions from his or her previous ones. Neuronal
as to how AI will change human creativity is a subject
networks can predict the future and create extrap-
of current discussion (Stocker et al., 2017).
olations of the participant’s behavior. After having interacted with this avatar for a certain length of
Neuro Mirror
time, the participant starts to be able to control
Based on the various study areas mentioned above,
him, but never completely succeeds in doing so.
we decided to create an interactive art installation called “Neuro Mirror”. This artwork does not at-
According to Lacan´s theories, mirrors play an im-
tempt to demonstrate the latest benefits of ma-
portant role in the creation of self-consciousness.
chine learning, mirror neurons and psychological
Through mirror gazing we can create a mental im-
theories, but instead it uses scientific findings in a
age of ourselves that affects the ego and the ego
rather conceptual and artistic manner.
ideal. On the other hand, when we start to be able
Neuro Mirror Baseado nas várias áreas de estudo citadas acima, decidimos criar uma instalação de arte interativa chamada “Neuro Mirror”. Esta obra não pretende demonstrar os últimos benefícios do aprendizado automático [machine learning], as teorias de neurônios-espelho ou psicológicas, mas sim aplicar descobertas científicas de uma maneira conceitual e artística. A instalação consiste em três telas arrumadas como tríptico. Essa configuração foi escolhida com a intenção de incutir
to control the behavior of other people through The installation consists of three screens that are
mirroring, this “other” can become an extension of
arranged like a triptych. This configuration was
ourselves. Parents usually mirror themselves onto
chosen with the intention of instilling a sacral
their children, and children become extensions of
feeling. When a person sits in front of these three
their parents. A child has to break this pattern in
screens, he or she will see him- or herself displayed
order to fully develop his or her own ego and ego
in a mirror image in the middle screen. The person
ideal. Only at the point in time when the mirroring
can easily recognize him- or herself, although im-
is interrupted and the other individual exhibits an
age distortion effects have been added to the live
unexpected behavior, we start to see him or her as
image. The screen on the left side also displays an
an independent person.
um sentimento sacral à arte. Quando alguém senta em frente às três telas, enxerga sua imagem espelhada na tela do meio. A pessoa pode facilmente se reconhecer, embora tenham sido adicionados efeitos de distorção da imagem ao vivo. A tela da esquerda também mostra uma imagem dela interagindo, mas com alguns segundos de atraso. Na tela da direita, no entanto, aparece outra pessoa – um homem jovem, que atua e move a cabeça. Após alguns instantes, o visitante percebe que a cabeça do jovem homem adota as mesmas posições e faz os mesmos movimentos que a ele faz. O jovem parece imitar todos os comportamentos do visitante e, às vezes, o visitante pode também imitar seu comportamento. Na verdade, essa pessoa está programada para ser um avatar, que reage a partir da imagem do participante. Ele “aprende” observando o comportamento do visitante e age de acordo com ele. Um programa de redes neurais foi desenvolvido para que fosse capaz de determinar, de forma aproximada, a próxima ação do visitante a partir das anteriores. As redes neurais podem prever o futuro e extrapolar o comportamento do participante. Após interagir com esse avatar por um tempo, o visitante começa a ser capaz de controlá-lo, mas nunca é bem-sucedido por completo. De acordo com a teoria de Lacan, os espelhos têm um papel importante na criação da autoconsciência. Ao nos olharmos no espelho, podemos criar uma imagem mental de nós mesmos, que afeta o ego e o ideal do ego. Por outro lado, quando começamos a ser capazes de controlar o comportamento de
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outra pessoa através do espelhamento, esse “outro” pode se tornar uma extensão de nós mesmos. Pais normalmente se espelham nos filhos, e os filhos se tornam extensões dos pais. Uma criança tem que quebrar esse padrão a fim de desenvolver por completo o seu próprio ego e seu ideal do ego. Somente quando o espelhamento é interrompido e o outro indivíduo exibe um comportamento inesperado, começamos a ver o outro como uma pessoa independente.
The intention of “Neuro Mirror” is to evoke these
Iacoboni, M. (2009) From Imitation, Empathy,
types of emotional processes and to induce us to
and Mirror Neurons, Annual Review of Psychol-
question our self (ego), our image of ourselves
ogy, Volume 60.
A intenção de o “Neuro Mirror” é evocar esses tipos de processos emotivos e provocar o nosso questionamento em relação ao eu (ego), nossa autoimagem (ideal do ego) e a maneira com que nos espelhamos nos outros, criando um alterego ou um segundo eu.
Freud, S. (1957), The Standard Edition of the
(ego ideal) and the way we mirror ourselves onto others by creating an alter ego or a second self.
McCullogh, W.S. (2003) “Summary of the Points of Agreement Reached in the Previous Nine Connetik The Macy Conferences 1946-1953, Trans-
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Networks: An Overview, Neural Networks, Vol 61,
ration with Anna Freud, Volume XIV (1914-1916),
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On the History of the Psycho-Analytic Movement Papers on Metapsychology and Other
Stuart J. R. and Peter Norvig, P. (2010), Artificial
Works, London: The Hogarth Press and the In-
Intelligence: a Modern Approach, 3rd edition, Up-
B i b l i o g ra f i a :
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per Saddle River, N.J. : Prentice Hall.
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Auto-Iris Auto-Iris Rejane Cantoni e Leonardo Crescenti
Auto-Iris é uma instalação imersiva e interativa. Um cinema-luz
Auto-Iris is an immersive and interactive installation. A
is composed of ordinary devices. Projectors and
de imagens fractais pulsantes geradas em tempo real, por meio
cinema-light of fractal pulsing real-time images that
video cameras used in the project have nothing
da replicação ao infinito da tela de projeção e do mecanismo de
result from the ad-infinitum replication on the projec-
but factory settings.
controle de abertura de íris das câmeras.
tion screen and the iris aperture control mechanism of the cameras.
Auto-Iris utiliza projetores, câmeras de vídeo, sistemas customi-
The clues leading to this project derive from the 2006 photo essay Luz + Luz, by Leonardo Cres-
zados de controle de panorâmica e rotação. Utiliza luz, vídeo
Auto-Iris uses projectors, video cameras, customized
centi. The original experiment applied the 1980s
feedback e ritmo fractal para inundar os sentidos dos visitantes.
systems of panoramic and rotation control, in addi-
and 1990s technology, Sony’s Handycam video
tion to light, videos feedback and fractal rhythm to
camera, video projectors and manual tripods.
Os visitantes de Auto-Iris, submersos nesse ambiente visual via-
overwhelm the visitors’ senses.
jante e divertido, experienciam as manifestações de loops, de
Auto-Iris, an installation designed in 2017 by the
vídeo feedbacks e de tentativas de íris mecânicas que, em modo
Visitors to Auto-Iris, immersed themselves in this
Cantoni-Crescenti duo, speculates on the evo-
automático, compensam as variações da luz e da imagem e a
wandering and amusing visual setting, experience
lution of optical-mechanic capabilities of video
presença dos observadores.
manifestations of loops, videos feedbacks and at-
cameras and projectors. What can machines do
tempts of mechanical iris, which automatically com-
and what they cannot do? What happens when
pensate for light and image variations, as well as the
machines do things by themselves? Can they be
observers’ presence.
compared to behavioral beings?
Auto-Iris é um experimento de ficção tecnológica. O experimento tem uma arquitetura simples, utiliza um conjunto de câmeras de vídeo, projetores de vídeo e cabeças eletrônicas. As cabeças eletrônicas foram desenhadas para o projeto. O equipamento óptico é composto de máquinas corriqueiras. Os projetores e as câmeras de vídeo utilizados no projeto não possuem nada além das configurações de fábrica.
Auto-Iris, Rejane Cantoni e Leonardo Crescenti, 2017. André Seiti | Auto-Iris, Rejane Cantoni and Leonardo Crescenti, 2017. André Seiti
As pistas para esse projeto derivam do ensaio fotográfico de 2006 Luz + Luz, de Leonardo Crescenti. O experimento original utilizou tecnologia dos anos 1980 e 1990, câmeras de vídeo Handycam da Sony, projetores de vídeo e tripés manuais. A instalação Auto-Iris, desenhada em 2017 pelo duo CantoniCrescenti, é uma especulação sobre a evolução das capacidades óptico-mecânicas das câmeras de vídeo e dos projetores. O que máquinas podem e o que não podem fazer? O que acontece quando máquinas fazem coisas sozinhas? Podemos compará-las a seres dotados de comportamentos?
At present, it is difficult to offer answers to these Auto-Iris is a tech-fiction experiment. Its archi-
questions or foresee what consequences ensue
tecture is simple, using a set of video cameras,
and will ensue from the learning and robotic al-
video projectors and electronic heads specifically
gorithms. The Auto-Iris project, though, furnish-
designed for the project. The optical equipment
es curious clues.
No presente é difícil formular respostas a essas questões ou prever quais são e serão as consequências de algoritmos de aprendizagem e da robótica, mas o projeto Auto-Iris sugere pistas curiosas.
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Auto-Iris, Rejane Cantoni e Leonardo Crescenti, 2017. André Seiti | Auto-Iris, Rejane Cantoni and Leonardo Crescenti, 2017. André Seiti
H ow d i d A u to - I r i s h a rd wa re g e n e ra te these ideas? Auto-Iris is an immersive and interactive installation. A cinema-light of fractal pulsing real-time images resulting from a cyclical configuration of video feedback, of optical feedback and of an automat-
Como o hardware de Auto-Iris nos levou a essas ideias? Auto-Iris é uma instalação imersiva e interativa. Um cinema-luz de imagens fractais pulsantes geradas em tempo real por meio de uma configuração cíclica de vídeo feedback, de feedback óptico e do mecanismo de controle automático de abertura de íris das câmeras.
ic control mechanism to open the camera irises. In the current version, the project is composed of three hardware units and one programmable logic controller. Each unit has a projector, a video camera and a customized electronic head of two axles: for panning and rotation. The three units
Na versão atual, o projeto se compõe de três unidades de hardware e um sistema de controle lógico programável. Cada unidade possui um projetor, uma câmera de vídeo e uma cabeça eletrônica customizada de dois eixos de movimentação: de pan e de rotação. As três unidades são idênticas e obedecem às mesmas regras operacionais.
are identical and follow the same operating rules.
Ru l e 1 : v i d e o a n d optical feedback In Auto-Iris, images are generated from the interacAuto-Iris, Rejane Cantoni e Leonardo Crescenti, 2017. André Seiti | Auto-Iris, Rejane Cantoni and Leonardo Crescenti, 2017. André Seiti
tion between video cameras and projector luminous screens. The operational logic is simple: repeating
R e g r a 1 : f e e d b a c ks de vídeo e óptico Em Auto-Iris, imagens são geradas a partir de interações entre câmeras de vídeo e telas luminosas de projetores. A lógica operacional é simples: consiste em repetir infinitas vezes o mesmo procedimento.
the same procedure an endless number of times. Take unit 1: we project the light on the wall and catch it with a video camera. The light captured
Considere a unidade 1: projetamos a luz do projetor na parede e a captamos com uma câmera de vídeo. A tela de luz captada, um retângulo de pouca luminosidade, é enviada ao
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projetor. A câmera capta a nova imagem e, outra vez, alimenta o projetor, que projeta agora um novo retângulo dentro de outro e uma nova luz. A câmera então capta dois retângulos, alimenta o projetor, que projeta quatro retângulos e depois 8, 16, 36. A cada ciclo, criam-se imagens dentro de imagens, exponencialmente mais luminosas.
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on the screen, a low-brightness rectangle, is sent to the projector. The camera catches the new image and, once again, feeds the projector, which now projects a new rectangle inside another, as well as a new light beam. Then, the camera captures two rectangles, feeds the projector, which projects four rectangles and 8, 16, 36 afterwards.
A mesma operação é repetida infinitas vezes. Quando a câmera de vídeo é apontada para a projeção, o tempo requerido no processamento de vídeo feedback altera a imagem original. A cada vez, os processos de entrada e saída de vídeo geram imagens distintas. O feedback óptico amplifica a luz. O mecanismo automático de controle de abertura de íris da câmera reage às novas condições de luz. Formam-se corredores de telas dentro de telas. Uma infinidade de formas e de cores autossimilares, manipulações fantasmagóricas da imagem original.
In each cycle, images are created inside images that are exponentially brighter. The same sequence is repeated endless times. When the video camera is pointed to the projection, time needed for video-feedback processing changes the original image. At each time, the video input-output processes create different images. Optical feedback amplifies the light. The automatic control mechanism of the camera iris aperture responds to the new light conditions.
Além da coreografia da íris automática com o vídeo feedback, Auto-Iris utiliza escala arquitetônica, luz ambiente e deslocamento espacial da cabeça eletrônica para gerar imagens.
Aligned-screen sequences form inside the screens. A myriad of shapes and self-similar colors, phantasmagoric manipulations of the original image. off. The motors alternate their idle and busy
Re g ra 2 : p e r c e p ç ã o e s p a c i a l
Apart from the choreography of the automatic iris
periods randomly. Theoretically speaking, posi-
Na instalação, cabeças eletrônicas, câmeras de vídeo e projetores estão dispostos paralelamente entre si, fixados no teto. As cabeças eletrônicas, controladas por um Arduino, movem as câmeras nos eixos x rotação.
with the video feedback, Auto-Iris uses an architec-
tion-and-form schemes will never be repeated.
As direções e as velocidades dos movimentos são decisões aleatórias do sistema. O Arduino controla a posição dos eixos ligando e desligando os motores. Os tempos de descanso e de atividade dos motores são aleatórios. Em hipótese, composições de posicionamento e forma jamais se repetirão.
tural scale, ambient lighting and spatial displacement of the electronic head to generate images.
Arduino can move only one, two, three or all axles simultaneously. It can also pull the six axles over
Ru l e 2 : s p a t i a l p e r c e p t i o n
concurrently at a given time. That is, the rotation
In the installation, electronic heads, video cameras
and panning movements ranging from -90o to +90o,
and projectors are set out parallel to each other
from -30o to +30o, respectively, can occur at any
and attached to the ceiling. The electronic heads,
time following a variety of independent directions.
controlled by an Arduino, move the cameras in panning and rotation.
Camera movements impact mechanical-iris operations. Motivated by the electronic head move-
O Arduino pode movimentar somente um eixo, dois, três ou todos os seis eixos simultaneamente. Também pode estacionar os seis eixos em dado momento. Ou seja, movimentos
Movement directions and speed are random
ments, the units behave as an interactive group.
decisions made by the system. Arduino controls
While performing the operations of video feedback
the axle positions by turning the motors on and
and optical feedback, each unit sees the operations
Auto-Iris, Rejane Cantoni e Leonardo Crescenti, 2017. André Seiti | Auto-Iris, Rejane Cantoni and Leonardo Crescenti, 2017. André Seiti
de rotação e panorâmicos compreendidos entre -90o e +90o e -30o e +30o, respectivamente, podem ocorrer a qualquer tempo, com direções independentes e variáveis. A movimentação das câmeras impacta as operações das íris mecânicas. Motivadas pela movimentação das cabeças eletrônicas, as unidades passam a se comportar como um grupo interativo. Cada unidade, enquanto desempenha as operações
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As a general rule, image results can suggest landscapes of endless corridors, stained glasses, flowers, ferns, forests, clouds and other fractal geometries. And what is more amazing: sometimes, images can move on their own through self-animation.
Ru l e 3 : i n te ra c t i o n The presence of visitors also disturbs the system. When we stand near the screen or when we use
Via de regra, os resultados imagéticos podem sugerir ao visitante paisagens de corredores intermináveis, vitrais, flores, samambaias, florestas, nuvens e outras geometrias fractais. E o mais surpreendente: às vezes, as imagens podem se mover por elas mesmas, autoanimando-se.
our hand to block the view of the camera lens, we disrupt the mechanical-iris operation. When the cameras spot us, the experience is common. Our image is replicated on a myriad of layered screens inside other screens. All the time,
Re g ra 3 : i n te ra ç ã o A presença dos visitantes também perturba o sistema. Quando nos colocamos próximos à tela ou quando colocamos a mão de modo a obstruir a lente da câmera, perturbamos a operação da íris mecânica.
we are walking along a continuous corridor leading us towards a focal point that tends to infinity. When we place our hand in front of the camera lens, the experience changes. Blocking the lens view means not allowing the camera to see, the
de vídeo feedback e de feedback óptico, passa a enxergar operações executadas pelas unidades vizinhas. A percepção do desempenho de unidades vizinhas produz imagens derivadas de geometrias ainda mais complexas. As novas imagens são formadas por mais e menores pontos, linhas e planos. Possuem estruturas mais detalhadas em muitas escalas de ampliação. Ângulos críticos tendem a gerar determinados padrões. Às vezes, quando a cabeça eletrônica rotaciona uma câmera, a sucessão de telas geradas pela configuração cíclica, pelos loops, forma um corredor helicoidal que se torce em direção ao infinito. Outras vezes, outros ângulos formam espirais planas, arbitrariamente distantes, semelhantes às imagens telescópicas de galáxias.
Auto-Iris, Rejane Cantoni e Leonardo Crescenti, 2017. André Seiti | Auto-Iris, Rejane Cantoni and Leonardo Crescenti, 2017. André Seiti
executed by its neighbor units. The perception of
projection darkens and, when the blocking element
neighbor-units’ performance produces images de-
is removed, the previous pattern is not restored.
riving from even more complex geometries.
Instead, another pattern appears on the screen and, unlike the previous one, the new pattern is not
New images are formed adding more and smaller
stationary. The adjustment for a new pattern tends
dots, lines and planes. They have better detailed
to generate pulsing images that are self-animated
structures in many magnification scales. Critical
and dynamically metamorphose themselves as if
angles tend to generate certain patterns. Some-
having a life of their own.
times, when the electronic head rotates a camera, the stream of screens generated by the loop-based
How it actually occurs is not totally clear to the
configuration forms a helical corridor that twists
observer. The experience is magic and arises from
towards infinity. On other occasions, other angles
the constructive engineering of the mechanical
form flat spirals, randomly distant, similar to tele-
iris. In automatic mode, the mechanical iris opens
scope images of galaxies.
and closes according to the screen brightness.
Quando as câmeras nos enxergam, a experiência é corriqueira. Nossa imagem é replicada nas várias camadas de telas dentro de telas. Por todo o caminho, estamos dentro de um corredor interminável que aponta na direção de um ponto de convergência que tende ao infinito. Quando colocamos a mão na frente da lente da câmera, a experiência é outra. Ao obstruirmos a lente, a câmera não enxerga, a projeção fica escura e, quando removemos a obstrução, o padrão anterior não retorna. No lugar dele, outro padrão emerge na tela, e este, distinto do padrão anterior, não é estacionário. O ajuste para um novo padrão tende a gerar imagens que pulsam, se autoanimam, se metamorfoseiam dinamicamente, parecendo ter vida própria. Como isso ocorre exatamente não é de todo claro para o observador. A experiência é mágica e decorre da engenharia construtiva da íris mecânica. Em modo automático, a íris mecânica abre e fecha de acordo com a iluminação da tela.
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Quando submetida a uma cena escura, ela compensa a baixa luminosidade se abrindo, o que possibilita maior entrada de luz.
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When submitted to a darker scene, it compensates the low brightness by opening itself for more light to come in.
A coreografia da íris é infinita. Em decorrência da configuração cíclica, dos loops que produzem distintas e infinitas captações e projeções de imagens, o controle da íris está sempre funcionando e, sempre atrasado, processa o que ficou claro demais e precisa ser escurecido e vice-versa infinitamente. O ajuste automático de cores opera de modo similar. Por exemplo: se em um dado momento do loop uma imagem tender ao vermelho, a autocorreção de cores desviará para o verde, que é a cor oposta, e vice-versa, ocorrendo com todas a cores infinitamente.
Iris choreography is infinite. Due to the loop-style configuration that captures and projects images indefinitely in different combinations, iris control
Nevertheless, for us it is not obvious to consider
is always activated and invariably lags behind when
that Auto-Iris performances emerge exclusively
processing what was too bright and needs darken-
from machinic processes. Oneiric, psychedelic
ing and vice-versa over and over again.
universes, galaxies, fractal gardens expressed by fractal geometry and its dynamics induce the
Color automatic adjustment operates in a similar
mind to associate results with physical and natural
fashion. If at a certain point of the loop, for exam-
phenomena. In Auto-Iris, the unwary visitor usually
ple, an image tends to red, the color self-correction
ascribes the system performance to preset routines
feature will veer it to green, which is the opposite
or other human interventions. They tend to infer,
O b s e r va ç õ e s
color, and vice-versa. The same will happen to all
for example, that images were prerecorded or that
É interessante observar que o hardware de Auto-Iris não é novo ou raro. Nós, humanos, há tempos desenhamos máquinas de ver à semelhança de nossos corpos com fins práticos de capturar, armazenar e reproduzir imagens em movimento.
the colors continually.
he is watching a film or computer animation.
O b s e r va t i o n s neither new nor rare. For a long time, we - human
And how can a machinic sys te m p ro d u c e s u c h results on its own?
beings - have designed machines-that-see just like
The dream of automation is not new. Science
our bodies for the practicality of capturing, storing
fiction and science have long foreseen an auto-
and reproducing moving images.
mated future in which our machines turn us into
Hoje, câmeras de vídeo e projetores são máquinas muito comuns, muito fáceis de operar e portáteis. Estão em todas as partes, ruas, casas, escolas, elevadores, carros, computadores, celulares, instrumentos cirúrgicos, satélites, drones e em nossos corpos. Quando manipulamos uma câmera de vídeo, imaginamos estar diante de uma máquina de ver que opera à nossa semelhança. Via de regra, ela vê, focaliza, balanceia a luz, as cores e registra o que viu de acordo com instruções pré-programadas. Isto é, consideramos que, na maioria dos casos, as máquinas já sabem o que fazer. Para nós, no entanto, não é óbvio considerar que as performances de Auto-Iris emerjam exclusivamente de processos maquínicos. Os universos oníricos, lisérgicos, as galáxias, os jardins fractais expressos pelas geometrias fractais e suas dinâmicas induzem a mente a associar os resultados a fenômenos
It is interesting to observe that Auto-Iris hardware is
better beings. In this context, humans, cyborgs Today, video cameras and projectors are very
and robots live longer and better. They have an
common, user-friendly portable machines. They
expanded perception of the world, efficient and
are everywhere on the streets, in houses, schools,
natural communication means, the ability to learn
elevators, cars, computers, mobile phones, surgi-
without being explicitly programmed. Everyone –
cal instruments, satellites, drones, as well as in our
humans, cyborgs and robots – enjoys autonomy.
bodies. When we manipulate a video camera, we imagine ourselves dealing with a machine-that-
Considering this is not a futuristic scene anymore,
sees operating just as we do. As a rule, it sees,
it seems natural to speculate about what kind of
focuses, balances light and color and records what
machines we are creating. The Auto-Iris project
it saw according to the preset instructions. That is,
wonders: are machines evolving? On their own? In
in most part of the cases, we assume that machines
this case, what happens when machines do things
already know what to do.
by themselves?
físicos, naturais. Em Auto-Iris é comum o visitante desavisado atribuir o desempenho do sistema a rotinas pré-programadas ou a outros agenciamentos humanos. Inferir, por exemplo, que as imagens foram pré-gravadas ou que ele assiste a um filme ou a uma animação computacional. Auto-Iris, Rejane Cantoni e Leonardo Crescenti, 2017. André Seiti | Auto-Iris, Rejane Cantoni and Leonardo Crescenti, 2017. André Seiti
E c o m o u m s i s te m a m a q u í n i c o po de, por si mesmo, pro duzir esses resultados? O sonho da automação não é novo. Há tempos a ficção científica e a ciência preveem um futuro automatizado no qual nossas máquinas nos melhoram. Nesse cenário, humanos, ciborgues e robôs vivem mais e melhor. Possuem percepção expandida do mundo, meios de comunicação eficazes e naturais, habilidade de aprender sem serem explicitamente programados. Todos, humanos, ciborgues e robôs, possuem autonomia. Considerando que esse já não é mais um cenário do futuro, parece-nos natural especular sobre que tipo de máquinas estamos criando. O projeto Auto-Iris se pergunta: as máquinas estão evoluindo? Por si mesmas? E, nesse caso, o que acontece quando máquinas fazem coisas sozinhas?
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N o t a s s o b r e o M e t a - G o o g l e , 2 01 7
N o t e s o n M e t a - G o o g l e , 2 01 7
Pascal Dombis
Meta-Google confronta o legado de William Burroughs em relação ao Google, a empresa símbolo do atual capitalismo digital global, a fim de questionar nossa relação com a proliferação pictórica digital.
Meta-Google confronts William Burroughs’ heritage
William Burroughs certamente é um dos artistas mais influentes do século XX. Seus textos experimentais e a maneira como usa o fator aleatório como processo criativo foram minha fonte de inspiração durante anos, especialmente a famosa técnica cut-up desenvolvida pelo artista Brion Gysin e por Burroughs em Paris, nos anos 1960. Ao desestruturar textos de maneira não linear, o cut-up permite que se crie uma nova linguagem que combina, a meu ver, com os universos digital e tecnológico da atualidade.
William Burroughs is surely one of the most influ-
with Google, the symbol company of today’s soft global digital capitalism, in order to question our relationship with pictorial digital proliferation. have selected a few sentences and aphorisms that I am to insert in my new work:
ential artists of the 20 century. His experimental th
writings and his use of the random factor as a Image is time, time is junk.
Imagem é tempo, tempo é porcaria.
Words are still the principal instruments of control.
Palavras ainda são os principais instrumentos de controle.
nonlinear way, Cut-Up allows to create a new lan-
What is word? - Image is trapped in word - Do you
O que é a palavra? – A imagem está aprisionada na palavra – Você
guage which is, for me, a very closed match for
need words?
creative process have inspired me for many years and especially the famous Cut-Up technique developed by artist Brion Gysin and Burroughs in the 1960s, in Paris. By destructuring texts in a random
today’s digital and technological universes.
William Burroughs era fascinado pelas estratégias de controle e pela linguagem humana. Ele acreditava que a linguagem era um parasita, um vírus vindo do espaço sideral. De acordo com ele, as palavras escritas vinham antes das faladas, “eu adianto a teoria de que, na revolução eletrônica, o vírus é uma unidade muito pequena da palavra e da imagem”, o que levou Burroughs a escrever muitos textos sobre o sistema de controle das linguagens escritas e suas relações com as imagens. A partir deles, selecionei algumas sentenças e aforismos que vou inserir em meu novo trabalho:
The scanning pattern we accept as reality has been im-
William Burroughs was fascinated by control strate-
posed by the controlling power on this planet oriented
gies and by the human language. He believed that
towards total control.
language was a parasite, a virus from outer space. According to him, written words came before spo-
When the Internet became mainstream in the
ken words, “I advance the theory that in the elec-
1990s, we all saw it as a powerful opportunity to
tronic revolution a virus is a very small unit of word
change the world. However, as revealed by Edward
and image,” which led Burroughs to write many
Snowden, the Internet also turned out to be the
texts on the control system of written languages
infrastructure of a mass surveillance system where
and their relationship with images. Out of them, I
everyone is being watched and observed. And that
Meta-Google, Pascal Dombis, 2017. André Seiti | Meta-Google, Pascal Dombis, 2017. André Seiti
precisa de palavras? O padrão de digitalização que aceitamos como realidade foi imposto pelo poder controlador deste planeta, orientado para o controle total.
Quando a internet se tornou dominante nos anos 1990, todos nós vimos que se tratava de uma poderosa oportunidade de mudar o mundo. No entanto, como mostrou Edward Snowden, ela também se tornou a infraestrutura de um sistema de vigilância em massa, em que todos estão sendo vistos e observados. E isso mudou a maneira com que encaramos hoje a cultura da internet: a visão utópica de algo que era capaz de
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Image Search, by googling “Google” in the major languages and on a monthly basis routine, leading to an accumulative data of hundreds of thousands of images. What interests me in this collection process is how these thousands of images relate to each other, and the meta-picture or the meta-story they are telling us. Also, to what extent they are representative of the Internet image flow and how they address issues related to the control mechanism in our readings of them. This google “Google” collection activity started as a critical and ironic quest (the “sprinkled sprinkler” story), but it turns out that I have been attracted
mudar o mundo transformou-se em um sistema de controle à la Burroughs. O Google (agora conhecido como Alphabet), com seu onipresente sistema de busca e suas implicações em tantos desenvolvimentos futuros, cristalizou esse crescente ceticismo em relação ao futuro digital, que está trazendo à tona cada vez mais preocupações. Entre elas está a inteligência artificial e a consciência cibernética e seus inerentes questionamentos sobre a vida e a morte. Para falar dessas questões capciosas, tenho usado o mecanismo de busca do Google em meu processo criativo, porque é a materialização visual mais acessível de como os algoritmos, os megadados e a inteligência artificial estão afetando e impactando nossas vidas hoje. Há anos coleciono imagens
Meta-Google, Pascal Dombis, 2017. André Seiti | Meta-Google, Pascal Dombis, 2017. André Seiti
changed the way we are now seeing the Internet
by what I found: the outcome images relate to
culture: from a utopian vision capable of changing
two different and opposite themes. As expected,
the world to a Burroughsian-like control system.
many images present Google marketing materials
The Google company (now aka Alphabet), with
(logo, products, company events…) and Google’s
the ubiquitous presence of its search engine and
wide range of activities for our future: AI, Virtual
its implication in so many future developments,
Reality, Biotech. But a similar set of images relate
crystallized this growing skepticism toward a digi-
to anti-Google images from all kinds of jokes or
tal future that is raising more and more concerns.
activism against global surveillance (“stop NSA”,
Among these concerns, lie Artificial Intelligence
“pro Snowden”), against digital capitalism (“Occu-
and Cybernetic Consciousness and their inherent
py”) and against the Internet itself (“off the grid”).
questioning over life and death.
Recently, I also noticed that more and more google “Google” images are linked to “vision” and to the
To address such cryptic issues, I’ve been using
human eye: Google glass, VR helmet. And with
Google Search in my creative process because it
Google Art project and the digitalization of all the
is the most accessible visual embodiment of how
artistic masterpieces kept in museums, Google is
Algorithms, Big Data and Artificial Intelligence
offering detail images of classical paintings and
are affecting/impacting our lives today. For many
especially zooms on the portrait’s eye, like the
years I have been collecting images from Google
Mona Lisa’s eye.
encontradas a partir da ferramenta de busca do Google, inserindo a palavra “google” no próprio Google, nos principais idiomas, todos os meses, o que me levou a acumular centenas de milhares de informações em imagens. O que me interessa nesse processo de coleta é como essas milhares de imagens se relacionam entre si, e qual a meta-imagem e meta-história elas estão nos contando. Além disso, até que ponto são representativas do fluxo imagético da internet e como lidam com assuntos relacionados a mecanismos de controle na leitura que fazemos delas. Esta coleção de “googles” do Google começou com um questionamento crítico e irônico (é a história do “regador regado”), mas acabei me interessando pelo que encontrei: imagens que apareceram se relacionavam com dois temas diferentes e opostos. Como esperado, muitas imagens apresentam peças de marketing do Google (logos, produtos, eventos corporativos), além de outras relacionadas às diversas atividades praticadas pelo Google visando nosso futuro: inteligência artificial, realidade virtual, biotecnologia. No entanto, um conjunto de imagens semelhantes falam a respeito de algo anti-Google, pelo tipo de piadas ou ativismo contra a vigilância global (“pare NSA”, “pro-Snowden”), contra o capitalismo digital (“Ocupação”) e contra a própria internet (“fora a rede”). Notei, recentemente, que cada vez há mais imagens ligadas à visão quando busco “google” no campo de busca do Google, e ao olho humano: o Google glass, o capacete de realidade virtual. E com o projeto Google Art e a digitalização de todas as obras de arte dos museus, o Google está oferecendo imagens detalhadas das pinturas clássica e zooms especiais nos olhos dos personagens retratados, com os da Mona Lisa, por exemplo.
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O material lenticular é um dos meus favoritos porque permite pregar uma grande quantidade de imagens e produzir uma superfície cheia de efeitos especiais inesperados. Usando muito mais imagens do que o necessário, maximizo as condições dos acidentes visuais e abro espaço para a imprecisão, o tremor ou o acaso, que gosto de confrontar com o processo digital frio e quase-perfeito-demais. Esse material também me permite brincar com o olhar do visitante. Dependendo da sua posição, a experiência visual nunca é a mesma. As imagens digitais são bem diferentes da leitura convencional que a retina faz das imagens. As imagens são circulares, têm fluxo contínuo. E o olhar do visitante se torna cada vez mais dinâmico, a distância das imagens desaparece, estamos imersos e mergulhados nas imagens digitais. Para mim, o material lenticular também questiona esse novo paradigma da leitura das imagens, trazendo uma experiência relacionada com o tempo e o espaço físico, em que o visitante tem que se movimentar para conseguir enxergar.
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Meta-Google, Pascal Dombis, 2017. André Seiti | Meta-Google, Pascal Dombis, 2017. André Seiti
Lenticular is one of my favorite materials because it allows me to stack a large number of images and to produce a surface full of unexpected visual effects. By employing much more images than necessary, I maximize the conditions for visual accidents and create room for fuzziness, tremor or chance that I like to confront with the cold and almost-too-perfect digital process. The material allows me also to play with the viewer’s gaze. Depending on her/his position, the visual experience is never the same. Reading digital images becomes quite different from the conventional retinal vision of images. Images are circulating, continuously flowing. And the viewer’s gaze becomes also more and more dynamic, there is no longer a distance from the images, we are immersed into them and we fall in the digital images. For me, the lenticular material also questions this
Das centenas de milhares de imagens “google” coletadas do Google, uma seleção aleatória é impressa no material lenticular e, em seguida, pregadas em chapas de metal pretas. Para mim, esta coleção negra é um tipo de gesto iconoclasta: o fundo preto tende a apagar todas as imagens e transformá-las em uma grande imagem negra monocromática. Mas ainda há alguns traços, sombras, imagens-fantasma, visíveis através da transparência deixada pelo espaço vazio do texto cortado de Burroughs, ou dos ângulos laterais e dos reflexos de luz externos. E essas sombras fantasmas revelam um tipo de intensidade negativa, dizendo que algo está prestes a desaparecer. Todo o paradigma da nossa relação com imagens mudou. A internet gera uma profusão de imagens em que não há nada para ser visto. Neste trabalho Meta-Google, tento questionar essa situação. Essas peças falam do desaparecimento das imagens através da sua circulação e proliferação. E, de alguma
new paradigm on the reading images by bringing
The whole paradigm of our relationship with imag-
a physical- and time-related experience, where the
es has changed. The Internet generates a profusion
viewer needs to move in order to see.
of images in which there is nothing to see. In this Meta-Google work, I try to question this situation.
From the hundreds of thousands of google “Goo-
These pieces are talking about the disappearance
gle” images collected, a random selection is print-
of images through their circulation and prolifera-
ed on lenticular and then stuck onto a black metal
tion. And somehow they echo the development
sheet. For me, this black assembly is a kind of
of Artificial Intelligence or Biotechnology where
iconoclastic gesture: the black background tends
the ultimate goal is the death of death and the
to erase all the images and transforms them in a
potential disappearance of humans as a biologi-
large monochromatic black picture. But there are
cal-only species. This Meta-Google series tends to
still some traces, some shadows, some ghost-im-
create a mirror-image of its own disappearance, a
ages, visible through the transparency left by the
meta-image that conveys the feeling that behind
empty cut space from Burroughs’ text or from the
each image there is something that is about to dis-
side angles and the outside light reflections. And
appear. Hence, an echo of Burroughs’ iconoclasm:
maneira, fazem eco sobre o desenvolvimento da inteligência artificial ou da biotecnologia, em que o objetivo principal é a morte da morte e o desaparecimento potencial dos humanos como espécies unicamente biológicas. Esta série Meta-Google tende a criar uma imagem-espelho do seu próprio desaparecimento, uma meta-imagem que comunica o sentimento de que, por trás de cada imagem, há algo prestes a desaparecer. Logo, é eco da iconoclastia de Burroughs:
Rub out the word, word begets image, image is virus.
Apague a palavra, a palavra gera a imagem, imagem é vírus.
these ghost shadows reveal a kind of negative intensity, saying that something is about to disappear.
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Te r r í v e l S i m e t r i a : R e v i s i t a n d o a Estética da Vida Cibernética
Fearful Symmetry: Revisiting the Aesthetics of Cybernetic Life Ruairi Glynn
É de comum acordo que as teorias de animação são moldadas pela tecnologia da sua época. É sabido que as teorias do balonismo sugeriam que a contração muscular envolvia fluídos e gases, até que essa teoria se esvaziou (perdoem-me o jogo de palavras) em 1780, quando o médico italiano Luigi Galvani descobriu que poderia animar os músculos da pata de um sapo morto estimulando-os com descargas elétricas. O resultado chamou a atenção para o fato de a eletricidade e a vida estarem intimamente relacionadas, e logo o maquinário pneumático e hidráulico de milênios em autômatos em busca de comportamentos semelhantes à vida dá espaço a servomecanismos e cérebros eletrônicos. O neurocientista W. Grey Walter interessou-se pela cibernética, reconhecendo que os processos de controle de retroalimentação negativa em máquinas eram análogos àqueles encontrados em sistemas nervosos biológicos. A estabilidade dinâmica dos sistemas sensoriais motores era, como apontado por Walter, algo que os psicólogos se adiantaram estudando, antes mesmo de os engenheiros começarem a formular seu próprio princípio de controle (1950: 207). As máquinas proporcionaram o meio necessário para modelar, fisicamente,
We would all agree that theories of animation are
(1950: 207). Machines provided a necessary means
shaped by the technology of their time. Notably
of physically modelling sensory-motor behaviour
balloonist theories had argued muscle contraction
that Walter hoped might uncover some of the many
involved fluids or gases, until their theories were
human brain mysteries. He built a series of Elec-
deflated (excuse the pun) in 1780 by Italian phy-
tro-Mechanical Animals called Machina Speculatrix.
sician Luigi Galvani discovering he could animate
Due to their domed shell body and slow pace, they
the muscles of dead frogs’ legs by stimulating
were often affectionately called tortoises and among
them with electric charge. Their performance
some of the earliest autonomous robots built.
turned opinion towards the view that electricity and life must be intimately related, and soon the
Each tortoise consisted of a pair of electrical circuits
pneumatic and hydraulic machinery of millennia of
built to simulate nerve-cell functions coupled to
automata in pursuit of life-like behaviour gave way
motor functions. A photoelectric receptor enabled
to servomechanisms and electronic brains.
the tortoises to sense and steer motion towards light – positive phototropic behaviour. The second re-
Neuroscientist W. Grey Walter came to an interest
ceptor, an electrical contact switch, sensed collision
in cybernetics recognising that negative feedback
with obstacles altering direction of travel. The ro-
control processes in machines were analogous to
bots would explore continuously their environment
those found in biological nervous systems. The
attracted to light sources until a threshold of light
dynamic stability of sensory-motor systems was, as
exposure would be met, at which point they would
Walter pointed out, something that physiologists
turn away – negative phototaxic behaviour – and the
had a head start on studying before engineers
process would begin over again. A recharging hutch
began formulating their own principles of control
with a light above assisted the tortoises in finding
Fearful Symmetry, Ruairi Glynn, 2012-2017. André Seiti | Fearful Symmetry, Ruairi Glynn, 2012-2017. André Seiti
comportamentos sensório-motores que Walter esperava que pudessem revelar alguns dos muitos mistérios do cérebro humano. Ele construiu uma série de Animais Eletromecânicos denominados Machina Speculatrix. Devido ao seu corpo abaulado, em forma de concha, e ao ritmo lento, eram afetivamente chamados de tortoises e estavam entre alguns dos primeiros robôs autônomos já construídos. Cada tortoise consistia em um par de circuitos elétricos construídos para simular a função de células nervosas acopladas a funções motoras. Um receptor fotoelétrico habilitou as tortoises a sentir e movimentar-se em direção à luz – comportamento fototrópico positivo. O segundo receptor, um interruptor de contato elétrico, detectava a colisão com obstáculos, alterando a direção da trajetória. Os robôs explorariam continuamente
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seu ambiente atraídos pelas fontes de luz, até que um limiar de exposição de luz fosse alcançado, ponto em que dariam meia volta – comportamento fototrópico negativo – e o processo começaria novamente. Uma gaiola recarregável com uma luz, na parte superior, dava suporte às tortoises na busca por uma fonte de energia, capacitando-as a sustentar atividade contínua de forma autônoma. Esses robôs, mesmo para os padrões de engenharia daquele tempo, eram primitivos do ponto de vista eletromecânico. O design extremamente enxuto, como descreveu o próprio Walter, não levou, entretanto, a uma economia de comportamentos. Em vez disso, o robô executou uma variedade de complexos padrões de movimento. Mais convincente é o fato de esses comportamentos terem sido “impressionantemente imprevisíveis”, com uma “estranha riqueza... [encontrada no] comportamento animal – e na psicologia humana”. Uma qualidade de “incerteza, aleatoriedade, livre arbítrio e independência”, lembrou Walter, “tão marcantemente ausentes na maioria das máquinas bem projetadas”. (1950: 44) Esses foram os sucessores dos autômatos imitadores de vida, representando uma mudança radical de abordagem. Enquanto The Writer (1772), de Pierre Jaquet-Droz, era formado por seis mil partes mecânicas primorosamente construídas, Walter construiu o seu a partir de um punhado de componentes eletromecânicos. Enquanto os autômatos programáveis eram completamente previsíveis e repetitivos, as duas tortoises de Walter, chamadas Elmer e Elsie, nunca repetiam exatamente o mesmo comportamento. Nem totalmente consistentes, nem aleatórias em movimento – pareciam operar no limiar entre a ordem e o caos, agindo com qualidade completamente diferente quando comparado a tudo que foi construído antes para imitar a vida. O sistema nervoso sensorial e motor do cérebro animal agora possuía um simulacro eletromecânico em máquinas. Diferentemente do cérebro do animal, entretanto, consistia em
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their way to a source of energy, giving them the
these tortoises was compellingly intelligent. While
ability to sustain continuous activity autonomously.
the other famed early cybernetic machine - the
These robots, even by the engineering standards of
Homeostat –, by Ross Ashby, attempted to find
the day, were electro-mechanically primitive. The
stability within itself, Walter’s tortoises attempt-
extreme economy of design, as Walter described it,
ed to find stability through their interaction with
didn’t lead, however, to an economy of behaviours.
their surrounding environment. By modifying the
Instead, the robot performed a variety of complex
environment, such as the location of sources of
patterns of movement.
light or obstacles, a surprising variety of behaviour patterns would emerge.
Most compellingly, these behaviours were “remarkably unpredictable” with a “strange richness … [found
One of the most interesting examples given by
in] animal behaviour – and human psychology.” A
Walter was observed when a tortoise passed in front
quality of “uncertainty, randomness, free will or in-
of a mirror. An on-board indicator light – intended
dependence,” Walter remarked, “so strikingly absent
only for Walter to observe the machines internal
in most well-designed machines.” (1950: 44)
state – was detected by the tortoises’ own photocell, causing an unexpected flickering behaviour.
These were the successors to life-imitating au-
The light sensed by the photocell activated a state
tomatons, representing a radical shift in approach.
change in the robot that in turn switched off the
Whereas Pierre Jaquet-Droz’s The Writer (1772)
light, which in turn changed the state of the ro-
consisted of 6,000 exquisitely crafted mechanical
bot back to its original light on state, which in turn
parts, Walter had built his from only a handful of
switched the light off again, leading to an oscillating
electromechanical components. Whereas pro-
motion and corresponding flickering light. Walter
grammable automatons were completely predict-
quipped; such behaviour could even be (mis)inter-
able and repetitive, Walter’s two tortoise named
preted as a form a self-recognition. When Elmer
Elmer and Elsie would never repeat the same exact
and Elsie were observed close to one another, a
behaviours twice. Neither entirely consistent, nor
similar but distinctive pattern of behaviour would
random in motion – they seemed to operate on
occur. Each attracted by the light of each other
the threshold between order and chaos, perform-
would enter into a reciprocally oscillating motion.
ing qualitatively differently to anything built to
Author of The Cybernetic Brain, Andrew Pickering,
imitate life before them.
likened it to a tragic mating dance (2010:43), a lively and seemingly creative higher-order behaviour
The sensor-motor nervous system of the animal
emerging from the interaction of a pair of robots
brain now had an electromechanical simulacrum
endowed each with only a couple of electrome-
in machines. Unlike the animal brain, however,
chanical nerve cells. Such interpretations, of course,
it consisted of only two analogous cells rather
were not beyond dispute, raising questions of where
than the billions of cells of a human brain. None-
indeed the intelligence and novelty lay in the be-
theless to observers, the volitional behaviour of
haviour of these machines.
somente duas células análogas ao invés de bilhões de células do cérebro humano. Não obstante para os observadores, o comportamento voluntário dessas tortoises era irresistivelmente inteligente. Enquanto o outro tornou famosa a máquina cibernética anterior – a Homeostat –, de Ross Ashby, desenvolvida para encontrar estabilidade nela mesma, as tortoises de Walter tinham a intenção de encontrar estabilidade através de sua interação com o ambiente ao redor. Através da modificação do ambiente, tais como a localização das fontes de luz ou de obstáculos, uma surpreendente variedade de padrões de comportamento viria à tona. Um dos mais interessantes exemplos dados por Walter foi observado quando a tortoise passou em frente a um espelho. Um indicador luminoso a bordo – instalado por Walter para observar a condição interna das máquinas – foi detectado pelas fotocélulas das próprias tortoises, provocando um inesperado comportamento de luzes piscantes. A luz percebida pela fotocélula ativou uma alteração de estado no robô que, por sua vez, apagou a luz, que por sua vez alterou o estado do robô de volta à sua luz original, que por sua vez apagou a luz novamente, levando a uma movimento oscilante e uma luz piscante correspondente. Walter brincou: esse comportamento poderia inclusive ser (mal)interpretado como uma forma de auto-reconhecimento. Quando Elmer e Elsie foram observadas perto uma da outra, poderia ocorrer um padrão de comportamento similar, porém distinto. Cada uma delas entraria em um movimento oscilante recíproco, atraídos pela luz do outro. Autor de O Cérebro Cibernético, Andrew Pickering relacionou isso a uma trágica dança de acasalamento (2010: 43), um vigoroso e aparentemente criativo comportamento de ordem superior, emergindo da interação de um par de robôs equipados cada um deles com somente algumas células nervosas eletromecânicas. É claro que tais interpretações não são absolutas e levantam questões sobre onde de fato se encontram a inteligência e a originalidade no comportamento dessas máquinas.
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disturbances he pleases, and terminals for output, from which he may observe what he can” (Ashby 1956:86). Without access to the box, the engineer has no choice but to develop a hypothesis, observing the relationship between in- and output signals. The hypothesis can be tested and refined
à caixa, o engenheiro não tem outra saída senão desenvolver uma hipótese, observando a relação entre entrada e saída de sinais. A hipótese pode ser testada e refinada com o tempo, embora talvez nunca seja possível saber o conteúdo da caixa. O objetivo, portanto, não é necessariamente saber o que tem dentro da caixa, mas sim saber como ela se comporta.
over time, although it may never be possible to know the contents of the box. The goal therefore is not to necessarily know what is in the box, but rather how it performs. “What is being suggested now is not that black boxes
“Não se trata de sugerir agora que as caixas pretas tenham comportamento parecido com objetos reais, mas sim que objetos reais são, de fato, todos caixas pretas, e que estamos operando com caixas pretas a vida toda.” Ashby, An Introduction to Cybernetics [Uma introdução à Cibernética] (1956:110)
behave somewhat like real objects but that the real objects are in fact all black boxes, and that we have in fact been operating with black boxes all our lives.” Ashby, An introduction to cybernetics (1956: 110) Borrowing from engineering terminology, Ashby adopted the expression Black Box, extending it to
Comportamento & Pe r f o r m a t i v i d a d e
Behaviour & Pe r f o r m a t i v i t y
describe the problem of studying all behaviour.
A estreita relação entre as características do ambiente e o comportamento das tortoises deu a Walter a oportunidade de estudar sua Machina Speculatrix modificando o ambiente em que elas vivem, em vez de manipular sua composição eletromecânica interna. Esta abordagem era surpreendentemente similar ao estudo dedutivo do comportamento animal exemplificado por Pavlov (1927), Thorndike (1898) e Skinner (1938), em que funcionamentos internos do cérebro são inacessíveis, de modo que os estímulos ambientais são modificados e o comportamento resultante é observado. Em engenharia elétrica, métodos dedutivos são também comuns sempre que as partes de um sistema são inacessíveis. Ashby descreve um engenheiro que “ganha uma caixa lacrada que tem terminais de entrada, em que é possível conectar uma voltagem, choque ou outra interferência qualquer, e terminais de saída, em que se pode observar o que acontece” (Ashby 1956:86). Sem acesso
The tight-coupling between the features of the en-
troduction to Cybernetics (1956), he develops the
vironment and the tortoise’s behaviour presented
argument that the Black Box encapsulates how we
Walter with the opportunity to study his Machina
all encounter the world and make sense of it. For
Speculatrix by modifying the environment they in-
the modus operandi of all human interactions with
habited, rather than tampering with their internal
the world, he gives the example of a child who
electromechanical composition. This approach was
learns to control a door handle without seeing or
strikingly similar to the deductive study of animal
understanding the internal mechanism. Once mas-
behaviour exemplified by Pavlov (1927), Thorndike
tered, most people live a comfortable life never
(1898) and Skinner (1938), where the inner work-
looking too closely at a door handle again and such
ings of the brain are inaccessible, so environmental
little mysteries constitute one of the innumerable
stimuli are modified and the resulting behaviour
daily Black Boxes we engage with in a world not
is observed. In electrical engineering, deductive
fully open to inspection.
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Dedicating considerable attention to it in An In-
methods are also common whenever parts of a system are inaccessible. Ashby describes an engineer
“Ashby went so far as to suggest the Black Box might
“given a sealed box that has terminals for input, to
not be just a useful device, but universal, suggesting
which he may bring any voltages, shocks, or other
that we never really see what’s causing a change, only
Pegando emprestado da terminologia de engenharia, Ashby adotou a expressão Caixa Preta, ampliando seu significado para descrever o problema que é estudar todos os comportamentos. Dedicando uma atenção considerável a isso em Uma Introdução à Cibernética (1956), desenvolveu o argumento de que a Caixa Preta encapsula a maneira como encontramos o mundo e dá um sentido a ela. Para o modus operandi através do qual todos os humanos interagem com o mundo, ele dá o exemplo de uma criança que aprende a controlar uma maçaneta sem ver ou entender seu mecanismo interno. Uma vez dominado esse procedimento, a maioria das pessoas vive confortavelmente sem olhar com cuidado para uma maçaneta novamente e esses pequenos mistérios são uma das inúmeras Caixas Pretas rotineiras com que nos relacionamos, em um mundo não totalmente aberto a inspeções. “Ashby foi mais longe, sugerindo que a Caixa Preta não seria somente um dispositivo útil, mas universal, que nunca realmente notamos o que está causando uma mudança, notamos somente um princípio explicativo que entendemos como sendo o mecanismo.” Glanville (2002: 62) A Caixa Preta de Ashby desenvolve a cibernética como uma abordagem para entender o mundo através de uma lente
88
performática. Como abordagem para um estudo científico, ela refuta a fixação clássica sobre a necessidade de “ver o que há dentro”, já que esse conhecimento não necessariamente ajuda a prever ou estudar fenômenos comportamentais emergentes. No caso dos animais eletromecânicos de Grey Walter, mesmo com sua profunda compreensão da composição material das máquinas, para ele “normalmente é quase impossível decidir se o que o modelo está executando é resultado do seu projeto ou da sua experiência”(1953:271). A Caixa Preta de Ross Ashby foi, sem dúvida, projetada com base nos desafios enfrentados ao construir e estudar sua própria Homeostat. Desafia tudo, dos familiares aos pioneiros da robótica ou sistemas autônomos desde então. À medida que o estudo de sistemas se torna cada vez mais complexo, do cérebro simples de dois neurônios das tortoises aos dos animais com milhões de neurônios, dos animais individuais aos sistemas ecológicos, das máquinas de contabilidade das empresas a economias inteiras, parece ser cada vez mais necessária a abordagem performativa para estudar comportamentos. Abordar um assunto com olhar cibernético é ter em mente o que o neurofisiologista Warren McCulloch e o psicólogo Kenneth Craik chamaram de “o movimento” das coisas, ou seja as relações entre as coisas e suas alterações no decorrer do tempo, os padrões de comportamento e a qualidade da interação que surge. Juntamente com Ashby e Walter, muitos dos primeiros ciberneticistas, entre eles Norbert Wiener e Claude Shannon, construíram modelos eletromecânicos a fim de estudar o comportamento auto-organizador. Enquanto o singular Governador de Watts pode ter simbolizado o princípio cibernético de controle retroalimentar circular, foram as multiplicidades dos mecanismos de retroalimentação e seus comportamentos de auto-organização emergentes que chamaram a atenção do pioneiro. Surgimento e auto-organização são essencialmente termos intercambiáveis na cibernética. Enquanto a auto-organização encontrou menos uso para além do campo,
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some explanatory principle we take as a mechanism.”
singular Watts Governor may have symbolised
Glanville (2002: 62)
the Cybernetic principle of circular feedback control, it was multiplicities of interacting feedback
Ashby’s Black Box develops cybernetics as an
mechanisms and their emergent self-organising
approach to understanding the world through a
behaviour that captured the pioneer’s imagina-
performative lens. As an approach to scientific
tion. Emergence and self-organization are es-
study, it counters the classical fixation with need-
sentially interchangeable terms in Cybernetics.
ing to “know what’s inside,” as such knowledge
While self-organization saw less use beyond the
doesn’t necessarily help predict or study the
field, emergence had a wider, although some-
emerging behavioural phenomena. In the case of
what notorious, philosophical position within the
Grey Walter’s electromechanical animals – even
arts and sciences.
with his intimate understanding of the material composition of the machines he found “it is often
Returning to the richness of Walter’s tortoises’
quite impossible to decide whether what the model
behaviour, let’s remind ourselves that the life-like
is doing is the result of its design or its experience”
behaviour arose out of their relationships to their
(1953: 271). Ross Ashby’s Black Box was undoubt-
environment, whether from their encounters with
edly shaped by the challenges he faced in building
mirrors, light sources, obstacles or another tor-
and studying his own Homeostat. Challenges all
toise. An environment in the cybernetic frame as
too familiar to pioneers of robotics and autono-
“all objects a change in whose attributes affect the
mous systems ever since. As the study of systems
system and also those objects whose attributes are
became increasingly complex, from the tortoises’
changed by the behaviour of the system” (Hall &
simple two-neuron brain up to the many millions
Fagen, 1956:20). From its first principles, cyber-
of animals, from individual animals to ecologies,
netics implicitly recognises that the behaviour of
from company accounting machines to entire
an agent-system is coupled with its environment.
economies, the performative approach to study-
Whether it is in the study of the brain, or social
ing behaviour appears increasingly necessary. To
or economic systems, behaviour does not occur
take a cybernetic approach to a subject is to be
within a vacuum, but is rather a continuous per-
concerned with what neurophysiologist Warren
formative exchange with an environment.
McCulloch and Kenneth Craik called “the go” of things, the relations between things and their
There can’t be a proper theory of the brain until there
changes over time, the patterns of behaviour and
is a proper theory of the environment as well. (…)
qualities of interaction that emerge.
the subject has been hampered by our not paying sufficiently serious attention to the environmental
Along with Ashby and Walter, many of the early
half of the process (…) the “psychology” of the
Cyberneticians, including Norbert Wiener and
environment will have to be given almost as much
Claude Shannon, built electromechanical mod-
thought as the psychology of the nerve network
els to study self-organising behaviour. While the
itself. (Ashby 1953: 86 - 87)
o surgimento ganhou espaço mais amplo e, de certo modo notório, filosófico, no campo das artes e das ciências.
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Voltando à riqueza do comportamento das tortoises de Walter, é preciso ter em mente que o comportamento semelhante à vida surgiu a partir dos seus relacionamentos com o ambiente, seja de encontros com espelhos, fontes de luz, obstáculos ou outra tortoise. Um ambiente, no enquadramento cibernético, significa “o conjunto de todos os objetos em que a mudança em seus atributos afeta o sistema e também em que seus atributos são alterados pelo comportamento do sistema” (Hall & Fagen, 1956:20). Partindo do princípio fundamental, a cibernética implicitamente reconhece que o comportamento de um sistema-agente está acoplado ao seu ambiente. Seja no estudo do cérebro, ou de sistemas sociais ou econômicos, o comportamento não ocorre no vácuo isoladamente, mas sim é uma troca performativa contínua com o ambiente. Não haverá uma teoria adequada do cérebro até que também haja uma teoria adequada do ambiente. (...) O assunto foi comprometido pois não prestamos atenção com seriedade suficientemente, à parte ambiental desse processo. (...) A “psicologia” do ambiente deve receber tanta importância quanto a psicologia da rede neural propriamente dita. (Ashby 1953: 86 - 87)
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that are believed to be robust can fail. These are what cybernetician Stafford Beer called “exceedingly complex systems,” one that is impossible to know and control fully (Beer 1959:12) and which necessitates a type of design strategy that accepts inherent fallibility in the model. I consider this to be one of cybernetics key con-
Considero essa uma das principais contribuições cibernéticas para se entender as fontes de vida emergente, inteligência e consciência, o que nos encoraja a equilibrar o foco de atenção também para as questões de projeto. Onde quer que exista engajamento em analisar a construção do comportamento, desde os típicos mercados robóticos às aplicações emergentes na arquitetura, nas artes e na performance, a parte ambiental [environment half] – que sugeri subestudada – deve ser considerada. Environment half é um conceito confuso e cria desafios consideráveis para os designers. Se um ambiente é o contexto em que um sistema-agente tem a intenção de existir ou ser observado, então dois observadores podem muito bem ter duas ideias diferentes sobre o que constitui um ambiente de um sistema-agente. A construção da Caixa Preta de Ashby nos adverte que podem ter coisas que estão “fora da nossa visão”, e isso pode ser mais importante do que imaginamos ou antecipamos ser. Onde ambientes são incorretos ou sub-definidos, isso pode ter consequências catastróficas para um sistema-agente projetado e, de fato, para o ambiente em que ele habita. Isso pode acontecer tanto na escala de projetos urbanos de infraestrutura quanto na escala da nanorobótica. É muito mais provável que tais falhas ocorram
tributions to understanding the sources of emer-
A growing reliance on discrete computational – in-
gent life, intelligence and consciousness and it en-
herently incomplete – models in the design indus-
courages us to rebalance our attention to design
try is developing presently with worryingly minimal
problems. Wherever one is engaged in crafting be-
concerns for the environmental half, to use Ashby’s
haviour, from typical robotics markets to emerging
phrase. In 2013, I organised and chaired the Smart
applications in architecture, arts and performance,
Geometry: Constructing for Uncertainty conference
the environmental half – which I suggest has been
at the Bartlett, to interrogate what I perceive as a
understudied – must be considered.
flawed and potentially damaging ideology of reliance on these systems – whether they are at the
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The environmental half is a messy concept and cre-
scale of parametric urbanism, building information
ates considerable challenges for designers. If an en-
modelling, or space syntax. As the debate on the
vironment is the context within which an agent-sys-
use of discrete computational models in architec-
tem is intended or observed to exist, then two
tural design is still in a process of maturing, we are
observers may well have different ideas about what
better served by examining the fields of computer
constitutes a given agent-system’s environment.
science and artificial intelligence that have wres-
Ashby’s Black Box construct warns us that there may
tled with the theoretical and technical challenges
be things that are “out of view,” and these may be
of messy complex and continuous-physical envi-
of greater importance than we fully anticipate or
ronments for over half a century.
appreciate. Where environments are incorrectly or under-defined, this can lead to potentially cata-
Whereas cybernetics conceived of intelligence
strophic consequences for a designed agent-system
as a continuous embodied exchange between
and indeed the environment it inhabits. This can
agent-system and environment, AI research, built
happen at the scale of urban infrastructure proj-
on the binary logic of computing science, took the
ects as much as at the scale of nanorobotics. Such
view that intelligence exists entirely in the comput-
failures are most likely to occur when the authors of
er’s brain. Intelligence was disembodied rather than
these systems become too confident that they have
seen in concert with its environment. This Car-
a complete understanding of the dynamics of their
tesian dualism led to what Stevan Harnad called
model. We only have to look back at the recent
the “Symbol Grounding Problem” (1990), where
crash of international monetary markets in 2008
engineers had made great progress in highly-struc-
to show how quickly and catastrophically systems
tured symbolic environments, such as chess games,
quando os autores desses sistemas se tornam tão confiantes que adquirem um completo entendimento das dinâmicas do seu modelo. Basta olharmos a recente quebra dos mercados financeiros internacionais em 2008 para demonstrar quão rápida e catastrófica pode ser a queda de um sistema que acreditamos ser robusto. Isso é o que o ciberneticista Stafford Beer chamou de “sistemas excessivamente complexos”, impossíveis de conhecer e controlar totalmente (Beer 1959:12) e que necessitam de um tipo de estratégia de projeto que aceite a inerente falibilidade no modelo. Uma crescente confiança em modelos computacionais discretos na indústria – incompletos por si só – está se desenvolvendo hoje com alarmantes preocupações mínimas em relação a environmental half, parafraseando Ashby. Em 2013, eu organizei e presidi a conferência Smart Geometry: Construction for Uncertainty, em Barlett, para questionar o que eu entendia como uma ideologia potencialmente prejudicial e fracassada de confiança nesses sistemas – seja na escala do urbanismo paramétrico, da modelagem de informação para construção ou da sintaxe espacial. À medida que o debate sobre o uso de modelagem computacional discreta em desenho arquitetônico, ainda é um processo de maturação, estamos melhor servidos examinando os campos da ciência da computação e da inteligência artificial que lutaram com os desafios teóricos e técnicos dos ambientes complexos e confusos, permanentemente físicos por mais de meio século. Enquanto os cibernéticos concebem a inteligência como uma contínua troca integrada entre sistema-agente e ambiente, a pesquisa em inteligência artificial, construída com base na lógica binária da ciência da computação, assumiu que essa inteligência existe inteiramente no cérebro do computador. A inteligência foi desencarnada do seu ambiente, em vez de ser vista como algo que age em conjunto com ele. Esse dualismo cartesiano resultou naquilo que Stevan Harnad chamou de “Problema do Aterramento dos Símbolos”
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(1990), em que engenheiros fizeram importantes progressos na construção de ambientes simbólicos altamente estruturados, tais como jogos de xadrez, mas penaram em construir robôs controlados por computadores capazes de realizar até as mais simples tarefas de navegação em ambientes físicos. O livro Elephants Don’t Play Chess, de Rodney Brooks, publicado em 1990, é uma das muitas críticas mordazes que vieram à tona, revivendo as formas não-congnitivas e não-representativas de inteligência integrada, característica dos primeiros dispositivos cibernéticos.
93
but struggled to build computer-controlled robots able to achieve even the simplest of navigational tasks in physical environments. Rodney Brook’s Elephant’s Don’t Play Chess, published in 1990, was one of a number of scathing critiques that emerged leading to a revival of the noncognitive and nonrepresentational forms of embodied intelligence characteristic of early cybernetic devices.
Fe a r f u l S y m m e t r y The value in revisiting these cybernetic principles
S i m e t r i a Te m í v e l [ Fe a r f u l S y m m e t r y ]
that Brooks demonstrated through machines of
A importância de revisitar esses princípios cibernéticos, que Brooks demonstrou através de suas próprias máquinas, como a Genghis (1989), é nos lembrar de onde as qualidades da vida e da inteligência podem ser encontradas em abundância, sem ter que recorrer a pesados processos computacionais. A natureza, afinal, não estava repleta de formas inteligentes de comportamento em animais com capacidades neurais mínimas. Como disse o cientista social Herbert Simon em The Sciences of the Artificial (1969/1996: 52), “uma formiga, vista como sistema comportamental, é bastante simples. A aparente complexidade de seu comportamento no decorrer do tempo é em grande parte reflexo da complexidade do ambiente em que ela se insere”. Ele ainda vai mais longe, argumentando que o comportamento humano é “amplamente” explicado pelo mesmo princípio.
where the qualities of life and intelligence can be
his own, such as Genghis (1989), is to remind us abundantly found without resorting to computationally-heavy processes. Nature, after all, was not full of intelligent forms of behaviour by animals with minimal neural capabilities. As social scientist Herbert Simon pointed out in The Sciences of the Artificial (1969/1996: 52), “An ant, viewed as a behaving system, is quite simple. The apparent complexity of its behaviour over time is largely a reflection of the complexity of the environment in which it finds itself.” He goes on a page later to argue that human behaviour is also “largely” explained by the same principle. What cybernetics argues so compellingly for is an equality of design opportunities in designing environments as well as in designing agent-systems to
Os cibernéticos defendem, com entusiasmo, a igualdade de oportunidades para projetar ambientes, assim como os sistemas-agentes que os ocupam. Isso também proporciona uma estrutura de teoria holística e coerente para estudar comportamentos. A inerente imprevisibilidade e a emergente novidade em projetos sobre comportamento em harmonia com seu ambiente têm implicações importantes para o design a que são subestimadas, mas parecem ser essenciais para
occupy them. It also provides a coherent and holistic theoretical framework for studying behaviour. The inherent unpredictability and the emergent novelty to be found in designing behaviour in concert with its environment has important implications for design that are under-appreciated but appear essential to understanding the mechanisms and possibilities of future animate technologies.
Fearful Symmetry, Ruairi Glynn, 2012-2017. André Seiti | Fearful Symmetry, Ruairi Glynn, 2012-2017. André Seiti
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Beer, S. (1959) Cybernetics and Management (Londres: English Universities Press).
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a compreensão de mecanismos e possibilidades das futuras tecnologias animadas. Simetria Terrível [Fearful Symmetry], exibido no Itaú Cultural em 2017, é cibernética em sua abordagem do comportamento e da estética. A inteligência de seu comportamento vem não só da máquina, mas também das trocas recíprocas entre o público e o operador da máquina. A complexidade dos movimentos é tanto resultado da complexidade do comportamento humano (o ambiente perceptual das máquinas), quanto são os mecanismos inerentes e a lógica computacional das máquinas. Assim como Grey Walter foi capaz de animar os robôs mais primitivos com efeitos dramáticos, Fearful Symmetry assume uma abordagem parecida usando um aparato sensorial bem mais sofisticado, conhecido como um trio de Kinects. Como escrevi anteriormente, “através da sinergia entre sensores de alta definição e atuação, os espaços se tornarão animados como nunca antes – com vida própria a olhos vistos, povoados com organismos, em constante conversa com seu entorno” (Glynn, 2014), e é com isso em mente que Fearful Symmetry explora a extraordinária estética emergente de um comportamento que moldará as artes, a arquitetura e o design deste século.
Fearful Symmetry, exhibited at Itaú Cultural in 2017, is cybernetic in its approach to behaviour
Gregory, J. (1927) The Animate and Mechanical
and aesthetics. The intelligence of its behaviour
Models of Reality. Philosophy, 2, p. 301-314.
comes not from the machine but rather from reciprocal exchanges between the audience and the
Glanville, R. (2002) Second order cybernetics. Sys-
machine performer. The complexity of movements
tems Science and Cybernetics, 3, 59-85.
is as much a result of the complexity of human behaviour (the machines perceptual environment)
Glynn, R. (2014) Animating Architecture: Coupling
as it is the machines inherent mechanics and com-
High-Definition Sensing with High-Definition Ac-
putational logic. Just as Grey Walter was able to
tuation. Architectural Design, 84(1), 100-105.
animate the most primitive of robots to dramatic Fearful Symmetry, Ruairi Glynn, 2012-2017. André Seiti | Fearful Symmetry, Ruairi Glynn, 2012-2017. André Seiti
effect, Fearful Symmetry takes a similar approach,
Hall, D and Fagen, Robert E. (1956) “Definition of
but using a far more sophisticated sensory appara-
System”, in: General Systems, Vol. 1 (1956). p. 18-28;
tus, namely a trio of Kinects. As I have previously written, “through the coupling of high-definition
Harnad, S. (1990) The Symbol Grounding Prob-
sensing and actuation, space will become evermore
lem. Physica D 42: 335-346.
animate – perceptively possessing a life of its own,
Brooks, R. A. (1990) Elephants don’t play chess. Robotics and autonomous systems, 6(1), 3-15. Gregory, J. (1927) The Animate and Mechanical Models of Reality. Philosophy, 2, p. 301-314. Glanville, R. (2002) Second order cybernetics. Systems Science and Cybernetics, 3, 59-85. Glynn, R. (2014) Animating Architecture: Coupling High-Definition Sensing with High-Definition Actuation. Architectural Design, 84(1), 100-105. Hall, D. e Fagen, Robert E. (1956) “Definition of System”, in: General Systems, Vol. 1 (1956). p. 18-28; Harnad, S. (1990) The Symbol Grounding Problem. Physica D 42: 335-346.
populated with agency, in constant conversation with
Simon, H. A. (1996) The sciences of the artificial.
its surrounding” (Glynn, 2014) and it is with this in
MIT press.
Simon, H. A. (1996) The sciences of the artificial. MIT press.
emerging aesthetics of behaviour that will shape
Walter, W. G. (1950a) “An Imitation of Life,” Sci-
the arts, architecture and design of this century.
entific American, 182 (May), 42–45.
Walter, W. G. (1950a) “An Imitation of Life,” Scientific American, 182 (May), 42–45.
mind that Fearful Symmetry explores the uncanny
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XXXX, em São Paulo, em XXXX de 2018.
in São Paulo, in XXXX 2018.
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Realização