Maio, 2015 Ocupação Dona Ivone Lara
Sonho Meu
Maio, 2015
Sonho Meu
A bênção, Dona Ivone! Editorial Coordenação editorial e edição Carlos Costa Conselho editorial Ana de Fátima Sousa Edson Natale Tiganá Santana Pesquisa e consultoria Lucas Nobile Coordenação de design Jader Rosa Projeto gráfico, diagramação e ilustrações Estevan Pelli (terceirizado) Tratamento de imagens André Seiti Humberto Pimentel (terceirizado) Produção editorial Lívia G. Hazarabedian Raphaella Rodrigues Supervisão de revisão Polyana Lima Revisão (terceirizada) Ciça Corrêa Rachel Reis Colaboradores Fernanda Castello Branco Pretinho da Serrinha Priminho Otavio Bontempo Susanna Lira Agradecimentos Musickeria (Luiz Calainho, Flávio Pinheiro e Taisa Rennó) Família de Dona Ivone Lara
foto: André Seiti
vonne Lara da Costa, nascida no Rio de Janeiro em 1921 e conhecida pelo nome artístico Dona Ivone Lara, é a dona da 23a Ocupação do Itaú Cultural, que reafirma a importância da música popular e das manifestações afro-brasileiras na constituição da nossa cultura. Ivone foi uma das primeiras mulheres a compor para o grupo de elite das escolas de samba cariocas. Cantava, compunha samba-enredo e de terreiro, tocava um instrumento (o cavaquinho) e dançava um miudinho inigualável. Trouxe refinamento musical para o gênero e garantiu às mulheres que lhe seguiram respeito e mais igualdade entre os homens do samba. Filha de Oxum, ela é também candomblé, miscigenação e memórias. Trabalhou com terapia ocupacional, usando a música como ferramenta para o tratamento de portadores de transtornos psíquicos, ao lado da médica Nise da Silveira, por 37 anos. Depois, dedicou-se à carreira artística, levando o seu samba por todo o país e por quatro continentes. Foi consagrada com prêmios e as suas composições são eternas na sua voz, na de outros artistas e no nosso imaginário. A Ocupação, uma parceria com a Musickeria, tem curadoria da equipe do Itaú Cultural e do músico Tiganá Santana e consultoria do jornalista Lucas Nobile. Rainha maior do samba, Ivone é invocada em um espaço sagrado, circular, sensorial, onde todos estão convidados a entrar na roda, conhecendo, ouvindo, sentindo e deixando a sua oferenda. O jornal Sonho Meu vem complementar o registro, com os personagens essenciais para essa história acontecer. No balaio de influências de Ivone há jongo, choro, samba, marcha dos ranchos carnavalescos, seresta, canto coral e dezenas de pessoas que trabalharam com ela durante sua atividade. Ao longo do ano, outros artistas referenciais para a cultura brasileira sobem ao palco da Ocupação. Agora, a vez é do samba. Confira em itaucultural.org.br/ocupacao. A bênção, Dona Ivone Lara! Itaú Cultural
foto capa: acervo da família
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Ocupação Dona Ivone Lara
canto dos mais velhos Relações e conexões atemporais nos unem aos nossos ancestrais. Este espaço abriga parte da roda de ascendentes, por sangue ou convívio, de Dona Ivone Lara
João da Silva Lara
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ona Ivone nunca encheu a boca para falar do pai, por quase não ter lembranças dele. Quando João morreu, a filha não tinha completado 3 anos. O que ela ouviu sobre ele chegou por meio de lembranças e relatos fragmentados dos parentes. Casado com Emerentina Bento da Silva, João era um autodidata por natureza. Sem estudo formal, aprendeu duas atividades. A primeira, de mecânico de bicicletas, rendeu-lhe o sustento. A segunda, de violonista de sete cordas, tinha caráter meramente recreativo. João era apaixonado por Carnaval e participava ativamente como instrumentista do Bloco dos Africanos de Vila Isabel (que contava também com Pixinguinha) e de ranchos tradicionais, como o Ameno Resedá e o Flor do Abacate. Assistente de motorista na distribuidora de óleos e combustíveis Caloric Company, o pai de Ivone inevitavelmente influenciou a filha em termos musicais, mas morreu cedo, aos 29 anos, espremido contra a parede por um caminhão da empresa, em um fatal acidente de trabalho.
Emerentina Bento da Silva
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ão deve ser tarefa das mais fáceis ficar viúva aos 19 anos, grávida e com uma filha de colo, em uma sociedade extremamente machista, patriarcal e provinciana. Essa foi a realidade da costureira e empregada doméstica Emerentina em 1924, no Rio de Janeiro, após a perda do marido João. Ela foi uma mulher determinada a garantir, além do sustento básico, educação às filhas. Depois de se casar pela segunda vez – e de mudar com a família de Botafogo para a Tijuca –, Emerentina conseguiu matricular a filha mais velha, Ivone, na tradicional Escola Municipal Orsina da Fonseca. Amante de música e cantora no rancho Flor do Abacate, não teve o prazer de ver a primogênita se formar no colégio nem cursar enfermagem na escola Alfredo Pinto. Em 1938, ela morreu de pneumonia. Além da educação rigorosa, Emerentina influenciou a filha musicalmente com as canções dos ranchos e outros sucessos dos anos 1930. Depois que ela morreu, conta-se, a filha mal podia ouvir no rádio a voz de Dalva de Oliveira, pois se lembrava, aos prantos, da mãe.
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Maria Teresa Bento da Silva (Vovó Teresa)
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á manifestações culturais e algumas personalidades que, de tão intimamente ligadas, suas histórias se confundem. É o caso do jongo, patrimônio imaterial brasileiro, e de Maria Teresa Bento da Silva, conhecida como Vovó Teresa. Nascida em 1865, na Paraíba do Sul (RJ), ela se estabeleceu no Morro da Serrinha, região de Madureira, na capital fluminense. Trabalhou como empregada doméstica do ex-presidente Marechal Hermes da Fonseca e, mais que isso, foi uma das principais divulgadoras e preservadoras do jongo no Brasil. Irmã de Emerentina Bento da Silva, morreu em 1979, aos 115 anos, e exerceu grande influência sobre a sobrinha Ivone Lara, principalmente na maneira de dançar o jongo. Quando pequena, a garota imitava as danças da tia às escondidas. Como se não bastasse a contribuição para o jongo, Vovó Teresa também trouxe ao mundo duas figuras de respeito no universo do samba, os filhos Hélio dos Santos, o popular Tio Hélio (autor de clássicos como “Prazer da Serrinha”), e Antônio dos Santos, conhecido como Mestre Fuleiro, compositor e primeiro diretor de harmonia da escola de samba Império Serrano.
“Chorei, Confesso” Que não se deve dar sem receber/Quem ama assim tem muito a sofrer.
“Em Cada Canto uma Esperança” Vai, vai meu samba triste/Vai mostrar que ainda existe/O poder do amor.
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Dionísio Bento da Silva (Tio Dionísio)
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orador do bairro de Inhaúma, no Rio de Janeiro, o paraibano Dionísio Bento da Silva era uma das figuras mais conhecidas do local. O motivo? Simples: o som que saía da sua casa nos fins de semana. Irmão de Emerentina Bento da Silva, Dionísio tocava cavaquinho e violão de sete cordas e foi um dos principais precursores do trombone no choro. Integrante do Bloco dos Africanos com o cunhado João, era respeitado entre os músicos e realizava saraus em casa, frequentados por nomes como Pixinguinha, Donga, Jacob do Bandolim e Cândido Pereira da Silva, o Candinho do Trombone. De todas as influências que a sua sobrinha, Ivone Lara, recebeu, as visitas ao tio estão entre as mais importantes. Quando criança, ela ia aos saraus da casa de Dionísio e ouvia pessoalmente esses compositores e instrumentistas. E, como não havia gravador na época, o tio, que ensinou Ivone a tocar cavaquinho, pedia a ela e a outras crianças que memorizassem as melodias que ali surgiam. Quando a sobrinha completou 17 anos, Dionísio tentou lhe arranjar um emprego na fábrica de tecidos Nova América, recusado por ela, que cursaria enfermagem. Mal sabia o tio que a sua maior contribuição à vida de Ivone estava garantida: a influência do choro, a memória das melodias.
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Lucília Guimarães Villa-Lobos
Zaíra de Oliveira
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O segundo e relevante fator de contribuição foi o uso dos seus conhecimentos na educação. Durante anos, ela foi a principal figura a dirigir o ensino do canto orfeônico (como se chamava o canto coral) na Escola Municipal Orsina da Fonseca. Lucília teve papel fundamental na vida de uma das alunas, Ivone Lara. A jovem e interna do colégio teve a rara voz de contralto descoberta pela regente do orfeão, Lucília. Segundo a garota, a professora lhe passou diversos conhecimentos em teoria musical, solfejo e abertura de vozes. A mestra tentou “educar” a voz da aprendiz. No futuro, Ivone comemoraria o fato de tal “educação” ter sido incompleta, o que não engessou o seu estilo, possibilitando que ela se tornasse uma das maiores intérpretes de samba de todos os tempos.
Considerada por pesquisadores uma das maiores cantoras negras do país, a soprano Zaíra era muito maior do que a associação com o marido. Ainda na década de 1920, conquistou sucesso popular com a marcha “Dondoca”, de José Francisco de Freitas, e gravou discos na Odeon, na Parlophon e na Victor com o Grupo da Velha Guarda, formado por Pixinguinha, João da Bahiana e, claro, Donga.
Araci Costa – Dona Iaiá
Nise da Silveira
sua contribuição para a música brasileira pode ser dimensionada por dois aspectos fundamentais. O primeiro foi a relação musical com o consagrado maestro Heitor Villa-Lobos, com quem se casou em 12 de novembro de 1913 e com quem conviveu por 22 anos. Para ter uma ideia da importância de Lucília, basta saber que ela foi a principal responsável por aprimorar os conhecimentos de Villa-Lobos sobre harmonia e por conferir certo acabamento estético a muitas composições do músico.
ascida em 1891, Zaíra foi vítima de duas grandes injustiças em seus 60 anos de vida. A primeira delas, em dezembro de 1921, quando ganhou um concurso no renomado Instituto Nacional de Música e, em um lastimável caso de racismo, foi proibida de receber o prêmio – uma viagem para a Europa – por ser negra. A segunda, o fato de ser lembrada no meio musical apenas como “a esposa de Donga” (Ernesto Joaquim Maria dos Santos), pioneiro do samba com a composição “Pelo Telefone”, de 1917.
A versatilidade de Zaíra era tamanha que ela também demonstrava desenvoltura em repertórios eruditos. Não à toa, foi uma das professoras de canto orfeônico das alunas do colégio Orsina da Fonseca. Entre as jovens estava Ivone Lara. Com a professora, a garota desenvolveu muito bem a técnica de abrir vozes, isto é, de cantar diferentes intervalos entre as notas em duos, em trios ou em formações maiores. Um aprendizado que Ivone definitivamente levaria consigo por toda a sua futura trajetória artística.
Alfredo Costa
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e houvesse um concurso justo no mundo do samba para premiar personalidades pelos serviços prestados ao Carnaval, fatalmente Alfredo Costa seria contemplado com algum troféu. E não é que esse prêmio existiu e o homem que trabalhava como guarda-freios de trem da Central do Brasil foi o vencedor de uma das suas edições? Em fevereiro de 1939, em concurso realizado pelo jornal O Radical, “trajando um finíssimo terno branco, camisa de seda amarela, gravata verde, sapatos pretos e chapéu-panamá”, Alfredo Costa recebeu o título de Cidadão Samba, maior honraria do Carnaval na época. Fundador do Prazer da Serrinha, embora a escola de samba nunca tenha conquistado nenhum título, Alfredo derrotou naquele ano Ubirajara Coutinho, do Lira do Amor, e Agenor de Oliveira, o popular Cartola. Com um estilo extremamente centralizador de comandar o Prazer da Serrinha, o dirigente ganhou o nada carinhoso apelido de “ditador”, colecionando alguns desafetos na escola, que se tornariam dissidentes e fundariam o grêmio Império Serrano. Em 1947, Seu Alfredo, como era conhecido, se tornaria sogro de Ivone Lara, que frequentava a quadra da escola e se casou com Oscar Costa, filho do presidente.
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asada com Alfredo Costa, Cidadão Samba de 1939, Araci era conhecida como Dona Iaiá e entrou para a história do Carnaval carioca como Rainha do Samba. Diferentemente do que muitos pensavam, ela não levou o título pela comodidade do matrimônio. Ela o fez por méritos próprios. Dois anos antes de o marido ganhar o concurso do jornal O Radical, Dona Iaiá foi eleita Rainha do Samba em disputa realizada pelo diário A Pátria. Na ocasião, recebeu a coroa da premiação das mãos do Cidadão Samba daquele ano – nada mais, nada menos que Paulo da Portela. Exímia passista, teve grande influência na trajetória de Ivone Lara quando a nora começou a frequentar o Prazer da Serrinha “oficialmente”, ou seja, depois de casada com o ciumento filho de Dona Iaiá e Seu Alfredo, Oscar Costa. Com a sogra, além de aprimorar canto e passos de dança, Ivone aprendeu muito sobre a arte de confeccionar vestidos.
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evolucionária, pioneira, fundamental. Todos esses adjetivos ainda ficam aquém de dar conta da tentativa de dimensionar a importância da médica Nise da Silveira. Nascida em 1905 em Maceió (AL), a psiquiatra revolucionou o tratamento de portadores de transtornos psíquicos no país ao trocar práticas como eletrochoque, lobotomia e outros procedimentos agressivos pela arte como meio fundamental para a recuperação e a ressocialização de doentes. Com esse trabalho, tornou-se uma referência no mundo. Na década de 1940, a assistente social Ivone Lara teve uma relação de grande proximidade com a doutora Nise no Hospital do Engenho de Dentro. Lá, atendendo a um pedido de Ivone, a psiquiatra montou uma sala com instrumentos musicais para a aplicação, de maneira intuitiva, de musicoterapia em diversos pacientes. Nesse tratamento extremamente humanizado, Ivone tocava cavaquinho, dançava, cantava e até compunha com internos do hospital, rotina que desempenhou durante 37 anos da sua vida.
“Minha Verdade” Nada poderá me afastar do que eu sou/Amor, é o meu ambiente.
“Sonho Meu” Traz a pureza de um samba/Sentido, marcado de mágoas de amor/Um samba que mexe o corpo da gente/E o vento vadio embalando a flor.
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foto: acervo da famĂlia
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Sonho Meu
Curiosidades O samburá na elite do Carnaval
Em 1965, ao compor o samba-enredo “Os Cinco Bailes da História do Rio”, com Silas de Oliveira e Antônio Bacalhau, Dona Ivone se tornou a primeira mulher a fazer parte da ala de compositores de uma escola de samba da elite do Carnaval carioca. Como os integrantes dessa ala desfilavam com um terninho branco, Ivone achava que a roupa não lhe cairia bem. Preferiu desfilar na ala das Baianas da Cidade Alta, onde se sentia mais à vontade. Durante os desfiles, levava sempre um samburá com comidas e bebidas para distribuir durante o préstito. Distinta, frustrava os integrantes da escola que a procuravam a fim de descolar bebida alcoólica para turbinar a folia. No samburá de Dona Ivone, só comes e bebes sem álcool.
A origem do Dona
A primeira vez que a compositora foi chamada pelo nome artístico “Dona” Ivone Lara foi em 1970, no disco Sargentelli e o Sambão – Ao Vivo – o Botequim da Pesada. O tratamento foi criado pelo próprio Sargentelli e pelo produtor Adelzon Alves. Em 1978, quando terminou de gravar o primeiro álbum solo, Ivone ainda
relutava em ser chamada de Dona. Aos 56 anos, achava-se nova demais para o tratamento. À revelia da artista, Adelzon mandou a arte do disco para a gráfica. O nome pegou e ela nunca mais o abandonou. Em parte, pois em 1985 lançou o LP Ivone Lara e disse publicamente que o Dona nunca havia lhe trazido sorte em termos de venda de discos.
Senhora de adjetivos
Entidade. Imaculada dama do samba. Pioneira. Estilista do contracanto. Rainha. Beleza do Rio. Diva. Síntese do samba. Lenda viva. Grande mestra. Deusa. Maior sambista de todos os tempos. Dona Ivone Lara foi reconhecida pela imprensa com todos esses adjetivos. Entre as reverências, a que mais pegou foi primeiradama do samba, defendida por Hermínio Bello de Carvalho. Uma das mais certeiras veio de Nei Lopes, senhora da canção. E a mais carinhosa, de Caetano Veloso, coisa mais linda do Brasil.
Por um “rockódromo”
Que Dona Ivone Lara gosta de outros gêneros musicais além do samba, isso não é novidade. Desde a infância, recebeu influência
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de estilos como choro, marcha-rancho carnavalesca, serestas e jongo. E a primeira-dama do samba já curtiu um rock. Em 1985, assistiu pela TV aos shows da primeira edição do Rock in Rio e elogiou os artistas brasileiros que participaram do festival. Mais: à época, discutia-se a possibilidade de desmontarem a Cidade do Rock, ao que Ivone retrucou: “Há espaço para todo mundo. Se existe o sambódromo, por que não pode haver o ‘rockódromo’?”.
Ameaçada de suspensão
Na década de 1970, Dona Ivone e integrantes do Império Serrano viajaram para uma apresentação em Paris. Para poder participar da turnê, a compositora teve de faltar no serviço que desempenhava no Hospital do Engenho de Dentro como assistente social. No retorno, deu de cara com seu superior, que lhe mostrou uma reportagem publicada na revista O Cruzeiro com uma foto de Ivone vestida de baiana na França. Sem jeito, ela ainda ouviu do chefe: “Se disser que faltou porque estava doente, leva uma suspensão”.
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Ocupação Dona Ivone Lara
Ivone Lara com as colegas da Escola Municipal Orsina da Fonseca / acervo da família
Ivone em registro pessoal / acervo da família
Oscar Costa, marido de Dona Ivone, com os dois filhos do casal / acervo da família
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Ocupação Dona Ivone Lara
O bordado dos encontros 1a
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GERAÇÃO
GERAÇÃO
Silas de Oliveira Apelidado de Viga Mestra do Império Serrano, nasceu em Vaz Lobo, na região de Madureira. Negro, esguio e calado, o filho de um pastor protestante (para quem samba era coisa do demônio) foi levado às rodas do Prazer da Serrinha pelo filho do presidente da escola, Oscar Costa. Considerado o maior compositor de samba-enredo de todos os tempos, Silas viveu o seu auge entre 1964 e 1969, ao compor “Aquarela Brasileira” (1964), “Glória e Graça da Bahia” (1966), “São Paulo, Chapadão de Glórias” (1967), “Pernambuco, Leão do Norte” (1968) e “Heróis da Liberdade” (1969). Em 1965, ele e Dona Ivone Lara se tornaram parceiros quando ela ajudou Silas e Antônio Bacalhau a terminar o consagrado “Os Cinco Bailes da História do Rio”.
Décio Antônio Carlos (Mano Décio da Viola) Outro gigante da história do samba-enredo, foi um dos nomes mais importantes da Serrinha e do Império Serrano. Assim como Silas, compôs inúmeros sambas de terreiro. As suas parcerias com Ivone Lara, “Sem Cavaco, Não” e “Agradeço a Deus”, têm grande valor na trajetória da compositora e são as primeiras músicas gravadas pela artista em um disco, Sargentelli e o Sambão – Ao Vivo – o Botequim da Pesada, em 1970.
Antônio dos Santos (Mestre Fuleiro) Primo de Dona Ivone, ficou conhecido como Fuleiro, apelido que ganhou na infância, em peladas de futebol no subúrbio carioca. Estivador do cais do Rio de Janeiro e grande pandeirista, foi o primeiro diretor de harmonia do Império Serrano, função que recebeu das mãos de Delfino Coelho, diretor do mesmo cargo no Prazer da Serrinha. Além de “Tiê” (Ivone Lara/Hélio/Fuleiro), Ivone gravou outros sambas do primo, como “Por Querer Liberdade” e “Vejo em Teus Lábios Risos”.
Hélio dos Santos (Tio Hélio) Irmão de Mestre Fuleiro e também primo de Ivone. Quando a prima tinha apenas 12 anos, ele e Fuleiro compuseram com ela aquela que se tornaria uma das canções mais famosas da carreira da artista, o partido-alto “Tiê”, em homenagem ao pássaro tiê-sangue, que fazia as vezes de uma boneca para a menina de origem simples. Compositor muito respeitado, Hélio é autor de outros sambas gravados por Ivone, entre eles os clássicos “Prazer da Serrinha” e “Cantei Só pra Distrair”.
Nelson Sargento Nascido em 1924, o autor do clássico “Agoniza, mas Não Morre” serviu o Exército, em que conquistou alta patente e o sobrenome artístico. Um dos patrimônios da Estação Primeira de Mangueira, é contemporâneo de Dona Ivone Lara, mas só se tornaram parceiros em 2001, quando ela gravou o samba “Nas Asas da Canção”, feito pelos dois. Onze anos depois, no disco Baú da Dona Ivone, Nelson interpretou “Vento da Tarde” (Ivone/Delcio Carvalho/André Lara). Na introdução, ele mesmo dimensionou a importância da compositora: “Se a música tivesse forma humana, seria Dona Ivone Lara”.
Jorge Aragão
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Delcio Carvalho Ao longo de toda a carreira, Dona Ivone gravou 63 composições (contando regravações) com Delcio Carvalho, o seu parceiro mais importante. Os dois fizeram a primeira canção juntos em 1972, “Derradeira Melodia”, no dia da morte de Silas de Oliveira. Ao lado do compositor nascido em Campos dos Goytacazes (RJ), Ivone conseguiu sucessos como “Sonho Meu”, “Acreditar”, “Liberdade”, “Alvorecer”, “Nasci pra Sonhar e Cantar” e “Candeeiro da Vovó”. A afinidade musical com Delcio, um dos maiores letristas da música brasileira, era tamanha que ele definia o encontro dos dois como uma “parceria mediúnica”.
Hermínio Bello de Carvalho O encontro entre Dona Ivone e esse poeta da música brasileira se deu na década de 1980, quando os dois já eram consagrados. Ela gozava de enorme sucesso nacional, e ele também com trabalhos ao lado de Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Paulinho da Viola, Elton Medeiros e Clementina de Jesus, entre outros nomes. A primeira parceria dos dois, “Unhas”, de 1981, não chamou muita atenção. Logo depois, compuseram um dos clássicos da carreira de Ivone, “Mas Quem Disse que Eu Te Esqueço”, com gravação antológica de Paulinho da Viola no disco Prisma Luminoso, de 1983.
Nei Lopes Poeta do primeiro escalão da música nacional e uma das maiores autoridades em cultura afro-brasileira, fez poucos mas brilhantes sambas com Dona Ivone. A parceria dos dois se deu na década de 1970, quando ele gravou a compositora solfejando algumas melodias, com o auxílio do cavaquinho. Anos depois, Nei fez letras para aquelas melodias de Ivone, criando assim canções como “Outra Vez” e “Felicidade Segundo Eu”, samba que teve gravação primorosa de Elizeth Cardoso, Paulinho da Viola, Elton Medeiros, Ivone Lara e Sereno. Nei ainda é autor de uma das mais belas homenagens musicais à artista, “Senhora da Canção”.
Caetano Veloso No disco Baú da Dona Ivone, lançado em 2012, Caetano Veloso declarou à autora de “Sonho Meu”: “Dona Ivone Lara, a coisa mais linda do Brasil”. Caetano, que gravara “Alguém Me Avisou” (Ivone Lara) ao lado de Maria Bethânia e Gilberto Gil em 1980, nutria grande admiração pela compositora desde 1965. Naquele ano, o músico viu o seu primeiro Carnaval no Rio de Janeiro e se emocionou com “Os Cinco Bailes da História do Rio”, de Ivone. Ele e a artista viriam a compor apenas nos anos 1980. Na época, Beth Carvalho preparava um disco e sonhou com uma composição feita pelos dois, que toparam a ideia e fizeram “Força da Imaginação”.
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O encontro se deu em uma das idas da primeira-dama do samba à quadra do bloco carnavalesco Cacique de Ramos, berço do grupo Fundo de Quintal, do qual Aragão fazia parte. A parceria entre os dois rendeu pouquíssimos sambas, mas com resultados exuberantes. Na década de 1980, a dupla escreveu dois clássicos da música brasileira: “Tendência” e “Enredo do Meu Samba”, tema de abertura da novela Partido Alto, de 1984, na voz de Sandra de Sá.
Arlindo Cruz Cria do Império Serrano, foi extremamente influenciado pelas melodias de Dona Ivone Lara desde a infância. Ex-integrante do Fundo de Quintal, tornou-se parceiro da compositora em 1985, quando fizeram com Sombrinha “Não Fique a se Torturar”, gravado no LP Ivone Lara, de 1985. Dois anos antes, ele e um parceiro cavaquinista gravaram pelo Fundo de Quintal a homenagem musical mais bonita já feita a Dona Ivone, o samba “Canto de Rainha”.
Montgomery Ferreira Nunis (Sombrinha) Nascido em São Vicente (SP), é autor de “Canto de Rainha” e “Não Fique a se Torturar”. Ao longo dos anos, ele e Ivone deram prosseguimento à parceria e escreveram sambas como “Essência de um Grande Amor” e “Receio o Amor”, além de ele ter gravado “Não Me Maltrata”, de Ivone Lara e Bruno Castro, no disco Baú da Dona Ivone, em 2012.
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Bruno Castro Nascido em 1973, portanto 51 anos depois de Dona Ivone Lara, tornou-se o último parceiro mais constante da sambista. No fim dos anos 1990, substituiu o cavaquinista Maurício Verde, que estava com a agenda cheia de compromissos com outros artistas, e passou a integrar o grupo de Dona Ivone como instrumentista. Aos poucos, passou a frequentar a casa da compositora para acompanhar com um instrumento harmônico – o cavaco – o processo de composição de Ivone e Delcio Carvalho. Anos depois, começaram a compor juntos e a artista foi gravando alguns temas da nova parceria. O ápice se deu em 2010, quando lançaram juntos o disco Nas Escritas da Vida, com 12 composições da dupla.
André Lara Neto de Dona Ivone, teve contato com a música da avó desde o berço. Além de cantar e tocar cavaquinho e banjo, tornou-se parceiro de Ivone nos anos 2000, com sambas como “Investida Fatal”, “Luta Imperiana” (ambos com Bruno Castro), “Vento da Tarde” e “Sombras na Parede”, feitos com a avó e com Delcio Carvalho.
“Espelho da Vida” O encanto que traz o desejo de amar/São lições que aprendi vendo o mar.
“Enredo do Meu Samba” Agora sei/Desfilei sob aplausos da ilusão/E hoje tenho esse samba de amor, por comissão.
Carregando os seus ancestrais, Ivone seguiu tecendo tramas com os companheiros que cruzaram o seu caminho, bordando novas rodas
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Os
da vida
Acompanharam Dona Ivone, dando forma e vida à sua música e ampliando a roda de parceiros, arranjadores e produtores que trabalharam nos seus discos de carreira
Adelzon Alves Clara Nunes, João Nogueira, Roberto Ribeiro e Dona Ivone Lara. O que esses nomes têm em comum, além da consagração na história do samba? Todos foram revelados e lançados (em termos fonográficos) por Adelzon Alves. No caso de Ivone, o radialista e produtor, sabedor da importância da artista nos redutos do Império Serrano, já a admirava havia muitos anos. E teve de esperar um longo período para convencê-la a entrar nos estúdios da Odeon para gravar um disco. Como se não bastasse o foco de Ivone em sua carreira de assistente social, havia outro fator que impedia a sambista de gravar: o ciúme do marido Oscar. Paciente e persistente, Adelzon – responsável pelo nome artístico “Dona” Ivone Lara – convenceu a artista a interpretar dois sambas, “Tiê” e “Agradeço a Deus”, no álbum coletivo Quem Samba Fica? Fica, de 1974. Com o sucesso do disco, informalmente chamado de “pau-de-sebo”, Ivone foi convidada para gravar o primeiro LP solo, Samba, Minha Verdade, Samba, Minha Raiz, lançado em 1978. No ano seguinte, gravou Sorriso de Criança, também pela Odeon. Nos outros dez discos de carreira de Ivone, nenhum outro produtor ou arranjador repetiria a sonoridade quentíssima alcançada pelos trabalhos de Adelzon.
Sergio Cabral O renomado produtor, pesquisador, jornalista e crítico musical trabalhou com Dona Ivone pela primeira vez no Unidos do Pujol, espetáculo dirigido por ele em 1974, que contava com outros artistas iniciantes, como Alcione, Leci Brandão e Roberto Ribeiro. Seis anos depois, voltou a dirigir a cantora nos palcos, dividindo os holofotes com Martinho da Vila no projeto Seis e Meia. Quando entrou em estúdio para produzir um disco de Dona Ivone pela primeira vez – Sor-
riso Negro, de 1981 –, tinha intimidade com a obra da sambista. Assim, conseguiram entregar ao público um excelente álbum, com arranjos e regência de Rosinha de Valença e participação de Maria Bethânia e Jorge Ben Jor. E, claro, um repertório recheado de sucessos, como “Sorriso Negro” (Adilson Barbado/ Jorge Portela), “Tendência” (Ivone Lara/Jorge Aragão) e “Alguém Me Avisou”, clássico composto apenas por Ivone.
Rildo Hora A primeira vez que ele ouviu falar de Dona Ivone foi pelo amigo Sergio Cabral. O primeiro contato entre os dois foi anos mais tarde, quando Rildo produzia e arranjava um disco de Martinho da Vila que contava com Ivone no coro. Em 1982, surgiu o convite para que ele produzisse um álbum da artista. Rildo, àquela altura, era responsável por sucessos de Martinho e de Beth Carvalho e cumpriu a tarefa com maestria. O resultado foi o LP Alegria, Minha Gente (Serra dos Meus Sonhos Dourados), que tinha como espinha dorsal sambas que marcaram a juventude de Dona Ivone no Prazer da Serrinha e no Império Serrano, além de apresentar a primeira gravação da antológica “Nasci pra Sonhar e Cantar”, de Ivone e Delcio Carvalho. Nos anos seguintes, ele voltaria a cuidar dos arranjos de diversos discos da sambista e também se tornaria o seu parceiro em canções como “Menino Brasileiro” e “Coração Apaixonado”, pontuadas pela inconfundível gaita de Rildo.
Paulo Roberto Pereira de Araújo (Paulão 7 Cordas) Muito influenciado por Rildo Hora e Ivan Paulo, o Carioca, Paulão se estabeleceu como instrumentista e arranjador nas décadas de 1980 e 1990, ao assinar trabalhos de Zeca Pagodinho, Beth Carvalho e Elton Medeiros. Nos
anos seguintes, fez arranjos para discos de Wilson Moreira, Teresa Cristina, Tantinho da Mangueira, Nei Lopes e Argemiro da Portela, entre outros nomes. Com ideias simples de arranjos e harmonias interessantes, Paulão assinou os arranjos de três álbuns de Dona Ivone Lara: Sempre a Cantar (2004), Canto de Rainha (2009) e Bodas de Coral no Samba Brasileiro (2010), disco comemorativo dos 35 anos de parceria entre Ivone e Delcio Carvalho.
João de Aquino Primo de Baden Powell, o também grande violonista tem uma sólida carreira como instrumentista, além de parcerias com letristas como Paulo César Pinheiro, Aldir Blanc, Hermínio Bello de Carvalho, Nei Lopes e Martinho da Vila. Como arranjador, assinou trabalhos com Monarco, Zeca Pagodinho, Nelson Sargento, Áurea Martins, Leny Andrade e Alaíde Costa, entre outros nomes. Em 2001, foi convidado para fazer os arranjos do disco Nasci pra Sonhar e Cantar, o primeiro de Dona Ivone Lara pelo selo francês Lusáfrica. Com excelentes ideias de formações instrumentais e introduções, tem responsabilidade pela sonoridade de um dos melhores álbuns da carreira de Ivone, com destaque para o arranjo da regravação do clássico “Nasci pra Sonhar e Cantar”.
Wanderson Martins Cavaquinista extremamente solicitado no meio do samba, tocou com Zeca Pagodinho, Beth Carvalho, Nei Lopes, Martinho da Vila, Monarco, Delcio Carvalho, Elza Soares e Nara Leão. Além de ter feito arranjos para Nei Lopes e Martinho, Wanderson integrou os grupos Toque de Prima e Nó em Pingo d’Água. Em 2004, foi convidado para ser um dos arranjadores do disco Sempre a Cantar, o segundo de Dona Ivone lançado pelo selo Lusáfrica.
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Conhecedor do universo musical da artista, fez arranjos respeitosos e interessantes para “Receio o Amor” (Ivone Lara/Sombrinha), “Nova Era” (Ivone/Delcio Carvalho), “Força do Criador” (Ivone/Bruno Castro), com destaque para o bandolim de Hamilton de Holanda, e o pot-pourri com “Acreditar”, “Alguém Me Avisou” e “Sonho Meu”, interpretado pelo Toque de Prima.
Leonardo Bruno Com boas ideias, Leonardo Bruno assinou arranjos em faixas de discos de Zeca Pagodinho, Beth Carvalho, Nei Lopes, Alcione, Dudu Nobre, Marcos Valle, Rildo Hora e Martinho da Vila. Em 2004, foi um dos quatro arranjadores convidados para trabalhar no disco Sempre a Cantar, de Dona Ivone Lara. Assinou arranjos em três faixas: “Luz da Paz” (Ivone/ Bruno Castro), com linda introdução com sopros e o solfejo da compositora, “O Trovador” (Ivone/Delcio Carvalho) e a dolente “Vem Novamente” (Ivone/Delcio Carvalho), um dos destaques do álbum.
Túlio Feliciano Respeitado diretor musical de shows, principalmente espetáculos ligados ao samba, ganhou prêmios e dirigiu apresentações de Emílio Santiago, Beth Carvalho e Arlindo Cruz, entre outros nomes. Com Dona Ivone, o principal trabalho foi a produção do único DVD da carreira da artista, Canto de Rainha, gravado em 2009 no Canecão, Rio de Janeiro. Com roteiro muito bem construído por Feliciano, o espetáculo trazia as parcerias da sambista com Delcio Carvalho, Jorge Aragão, Hermínio Bello de Carvalho e Bruno Castro, com participação de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Beth Carvalho, Delcio Carvalho, Jorge Aragão, Bruno Castro e Velha Guarda do Império Serrano
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“Tiê” A estrela no céu corre\Eu também quero correr\A estrela atrás da lua\E eu atrás do meu tiê.
“Quisera” Pra cicatrizar/O remédio é cantar/Benditos sons que não deixam/Que as mágoas e queixas/Me venham matar.
Arranjos
Ocupação Dona Ivone Lara
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esde que surgiram os primeiros batuques do samba, a presença feminina foi fundamental para que essa cultura se perpetuasse. A mulher era a autoridade religiosa que abençoava nos terreiros os primeiros encontros entre os músicos. Era também a anfitriã, que cozinhava para alimentar os participantes. Além disso, era a musa inspiradora e, até hoje, a passista é a imagem mais representativa dessa cultura. Ao longo da história do samba, gênero musical mais representativo da identidade brasileira, mulheres atuaram de diversas formas: pastoras, baianas, passistas, madrinhas, carnavalescas, porta-estandartes, intérpretes e mesmo operárias do samba. Um painel de cores, sentimentos e sons. Com a criação das escolas de samba, o panorama da presença feminina se diversificou, realçado pela beleza e pela força de ícones e referências femininas para as futuras gerações. Uma mulher, em especial, nesse cenário transformou definitivamente o papel feminino no samba: Dona Ivone Lara.
Dona Ivone Lara transformou o papel da mulher no mundo do samba como primeira compositora de samba-enredo
É dançado por casais que se umbigam a certa distância enquanto os outros batem palmas, em uma roda desenvolvida no sentido antihorário. Dessa forma, acreditavam que
Herança dos bantos de Angola, o ritmo e a dança ancestrais do samba sobrevivem no Morro da Serrinha, em Madureira
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por Pretinho da Serrinha
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regrediam no tempo, indo ao encontro dos seus ancestrais (hoje, almas). O jongo é cantado em versos curtos e improvisado, sem obrigação da rima. Antes da dança, é necessário benzer-se nos tambores em sinal de respeito. Essa expressão cultural é o que diferencia a Serrinha das outras comunidades do Rio
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SE Ritmo e dança produzidos nas senzalas, avô do samba, é tocado em compasso binário e executado numa variação de 6/8, em três tambores: o caxambu (grave), o candongueiro (médio) e o angona ou angoma puíta (agudo).
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De origem humilde e com formação musical sofisticada, sempre se destacou na música. Mas, no mundo do samba, a situação da mulher não era fácil e, para romper o padrão, Dona Ivone enfrentou o machismo das rodas de samba e a repressão do próprio marido, conciliou a vida profissional como assistente social e sambista e se consagrou como a grande dama do samba. Ao se tornar a primeira compositora de sambaenredo, ela rompeu com a tradição, em que a mulher atuava apenas como coadjuvante, e se tornou uma brilhante protagonista. Com vigor e competência, mostrou composições poéticas e harmoniosas e a sua voz, um dos registros mais sublimes do samba.
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Dona Ivone Lara fez da música o seu reinado e deixou um legado significativo para as novas gerações: não devemos nos restringir e temos de procurar ampliar os nossos talentos e sonhos Leia o texto completo em itaucultural.org.br/ ocupacao.
Susanna Lira – cineasta, produtora e diretora do documentário Damas do Samba.
por Susanna Lira
o Morro da Serrinha, no bairro de Madureira, Rio de Janeiro, conviviam várias manifestações culturais. O jongo era uma delas. A palavra, oriunda do quimbundo, língua dos negros bantos de Angola, chegou ao Brasil com os escravos dessa etnia que, na sua maioria, foram para a região centro-sul do país.
Grande dama do samba
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de Janeiro. Vovó Teresa, mãe do grande Mestre Fuleiro e tia de Dona Ivone Lara, Vovó Marta, Vovó Maria Joana, mãe de santo, rezadeira e mãe do Mestre Darcy do Jongo, Vovó Líbia, Seu Nascimento, Mano Elói, um dos fundadores da escola de samba Império Serrano, Seu Pedro, Seu Gabriel da Congonha e outros foram os principais precursores desse legado.
Coisas do jongo Eu faço parte da quarta geração de jongueiros da Serrinha. Aprendi na Império do Futuro, primeira escola de samba mirim do Carnaval. Quando cheguei à roda, estavam os três tambores para eu escolher. Por algum motivo que desconheço, fui direto no candongueiro, na minha opinião um dos mais difíceis para uma criança de 10 anos. Mais tarde, soube que meu avô Cosmelino Simplício era um dos maiores tocadores de candongueiro da Serrinha – coisas do jongo. O jongo na Serrinha misturou várias gerações, em 1993, numa temporada no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro. No mesmo grupo estavam integrantes da segunda geração – Mestre Darcy, Mestre Fuleiro, Dona Djanira, Dona Eva, também filha de Vovó Maria Joana e irmã do Mestre Darcy, e Dona Eunice, esposa do Mestre Darcy – e da terceira geração, Deli, Lazir e Luiza. Essas três, ao lado da Tia Maria, são as pessoas que seguram o jongo na Serrinha até os dias de hoje com oficinas, shows e outros eventos. Eu, ainda criança, representando a quarta geração de jongueiros, tive o prazer de fazer parte desse grupo tocando cavaquinho. O Mestre Darcy sempre dizia que o jongo é um movimento de resistência cultural. Ele estava certíssimo. Mesmo hoje, com a cena musical bem diferente do que era no seu tempo, o jongo resiste pela força da cultura daquele lugar chamado Morro da Serrinha
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Pretinho da Serrinha, Ângelo Vítor Simplício da Silva, nasceu no Morro da Serrinha. Aos 36 anos, é um nome do samba nacional. Multi-instrumentista, foi mestre de bateria da escola Império Serrano aos 10 anos e trabalhou com diversos artistas da cena contemporânea. (Texto com colaboração de Priminho, Waldemir dos Santos Lino, também do Morro da Serrinha, advogado e um dos fundadores da Império do Futuro.)
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“Sorriso Negro” Negro é destino, é amor/Negro também é saudade.
A presença feminina
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“Liberdade” Tudo que é feliz não tem direito à eternidade/Porque sempre chega a vez/De entrar em cena a saudade.
Maio, 2015
Maio, 2015
Sonho Meu
OCUPAÇÃO DONA IVONE LARA PROGRAMAÇÃO PARALELA sábado 16 maio a domingo 21 junho 2015 terça a sexta das 9h às 20h [permanência até as 20h30] sábado, domingo e feriado das 11h às 20h
RODA DE SAMBA
VISITAS ESPECIAIS
Na abertura da mostra – sábado 16 de maio –, o público pode cantar, dançar e conhecer os 12 principais clássicos de Ivone Lara na roda que o grupo Samba Virado apronta, às 12h e às 17h, ao lado do espaço expositivo.
A equipe de educadores do Itaú Cultural elaborou uma programação especial para esta 23a Ocupação. Nos dias 16, 17, 30 e 31, a visita temática A Cultura Africana e o Nascimento do Samba propõe relações entre a obra de Dona Ivone Lara e alguns dos trabalhos expostos no Espaço Olavo Setubal, também na sede do instituto. E essa aproximação ainda ocorre na visita-oficina Candeeiro da Vovó (nos dias 23 e 24), que termina com uma atividade durante a qual os participantes são convidados a criar objetos com base em composições da sambista.
Samba Virado é Edinho Almeida (voz e violão), Mestre Nico (percussão), Ricardo Perito (cavaco), Tiganá Macedo (percussão) e Victor Eduardo (percussão). A formação se deu para a homenagem à baluarte do samba Dona Ivone Lara, e as releituras primam pela reverência e pelo respeito, ressaltando o caráter à frente do tempo na produção da artista. RODA DE SAMBA VIRADO sábado 16 maio 12h e 17h
A CULTURA AFRICANA E O NASCIMENTO DO SAMBA [visita temática] dias 16, 17, 30 e 31 das 17h às 18h 20 vagas [interpretação em Libras (Língua Brasileira de Sinais) nos dias 30 e 31]
REVERÊNCIA E RESSIGNIFICADO NA MÚSICA AFRO-BRASILEIRA
MULHERES TOCAM NA RUA PARA DONA IVONE
O encontro e a tradução recíproca entre dois artistas, Tiganá Santana e Fabiana Cozza, que reverenciam a formação afro-brasileira e a ressignificam. Com canções compostas por Tiganá Santana, o espetáculo dialoga com outros autores, inclusive Dona Ivone Lara. O violonista Leonardo Mendes acompanha a dupla. Tiganá e Fabiana preparam um disco com o repertório do espetáculo.
O Itaú Cultural reserva o último domingo de cada mês para ocupar a Rua Leôncio de Carvalho (ao lado do instituto) com shows, oficinas e outras atividades voltadas para toda a família. Em maio, a programação é embalada pelo som do bloco Ilú Obá de Min – que celebra a cultura afro-brasileira há mais de dez anos. Composto exclusivamente de mulheres, o grupo se apresenta, às 11h e às 15h30, em harmonia com a Ocupação dedicada à rainha do samba, Dona Ivone Lara. Completam a programação o coletivo Confraria da Colagem e a Casa do Brincar. Confira a programação completa em itaucultural.org.br.
TIGANÁ SANTANA & FABIANA COZZA domingo 17 às 19h
ILÚ OBÁ DE MIN domingo 31 das 11h às 15h30 rua leôncio de carvalho [ao lado do itaú cultural]
CANDEEIRO DA VOVÓ [visita-oficina] dias 23 e 24 das 11h às 12h30 20 vagas
A exposição possui uma área com piso sensorial para surdos sentirem a música de Dona Ivone Lara.
OCUPAÇÃO Dona Ivone Lara Realização Itaú Cultural Curadoria Itaú Cultural e Tiganá Santana Consultoria Lucas Nobile Projeto expográfico Vânia Medeiros e Grissel Piguillem Pesquisa audiovisual Solange Santos (Memória Coletiva) ITAÚ CULTURAL Presidente Milú Villela Diretor superintendente Eduardo Saron Superintendente administrativo Sérgio M. Miyazaki NÚCLEO DE MÚSICA Gerência Edson Natale Coordenação Andréia Schinasi Produção Otávio Bontempo NÚCLEO DE COMUNICAÇÃO E RELACIONAMENTO Gerência Ana de Fátima Sousa Coordenação de conteúdo Carlos Costa Produção editorial Lívia G. Hazarabedian e Raphaella Rodrigues Produção e edição de conteúdo Fernanda Castello Branco Produção Isabella Protta Edição do site Fernanda Castello Branco Supervisão de revisão Polyana Lima Revisão de texto Rachel Reis (terceirizada) Coordenação de design Jader Rosa Comunicação visual Richner Allan
Projeto gráfico e diagramação Estevan Pelli (terceirizado) Tratamento de imagens André Seiti, Humberto Pimentel e MR Estúdio (terceirizados) NÚCLEO DE AUDIOVISUAL E LITERATURA Gerência Claudiney Ferreira Coordenação Kety Fernandes Produção Jahitza Balaniuk Roteiro, captação e edição de imagens Luiza Fagá Captação de imagens André Seiti Produção de som Ana Paula Fiorotto e Mariana Lopes da Silva (estagiária) NÚCLEO DE PRODUÇÃO DE EVENTOS Gerência Henrique Idoeta Soares Coordenação Edvaldo Inácio Silva e Vinícius Ramos Produção Ana Francisca Salles, Aline Arroyo (terceirizada), Daniel Suares (terceirizado), Erica Pedrosa Galante, Fábio Marotta, Laís Silveira (terceirizada) e Wanderley Bispo NÚCLEO DE EDUCAÇÃO E RELACIONAMENTO Gerência Valéria Toloi Coordenação de atendimento educativo Tatiana Prado Equipe Hugo Alves, Luisa Saavedra, Nathalie Bonome, Thays Heleno, Victor Soriano e Vinicius Magnun
Estagiários Alan Ximendes, Alessandra Boa Ventura, Amanda de Freitas, Ana Paula Sampaio, Ana Tramontano, Breno Gomes, Bruna Linndy, Carolina Candido, Carolina Luditza, Caroline Faro, Cesar Brito, Daiana Terra, Elaine Lino, Felipe Leiva, Felipe Nogueira, Felipe Silvani, Gabriela Akel, Giovani Monaco, Jaqueline Chile, João Bueno, João Leopoldo, Kleithon Barros, Leandro Lima, Marcella Serrano, Paloma Rodrigues, Rafael Freire, Renata Sterchele, Roger Dezuani, Thais Seixas, Thomas Angelo, Victoria Pinheiro e Willian Augusto Coordenação de programas de formação Samara Ferreira Educadores Bianca Selofite, Carla Léllis, Claudia Malaco, Débora Fernandes, Guilherme Ferreira, Josiane Cavalcanti, Lucas Takahaschi, Malu Ramirez, Raphael Giannini e Thiago Borazanian SAMBABOOK DONA IVONE LARA Realização Musickeria Entretenimento Direção executiva Luiz Calainho Direção artística e produção Afonso Carvalho Direção de marketing e negócios Flávio Pinheiro Direção musical Alceu Lima Supervisão artística Diogo Nogueira Produção executiva Marcia Madela, Taisa Rennó e Pedro Magaldi Fotos Guto Costa Direção de making of Adriana Penna
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Roteiro Rossana Maurell e Adriana Penna Edição Marcio Isensee e Sá Pesquisa adicional Lucas Nobile Câmera adicional Mauren Mcgee APOIO Acessibilidade MAM (Museu de Arte Moderna de São Paulo) AGRADECIMENTOS Adelzon Alves, Fabiana Cozza, Dyonne Boy, Hermínio Bello de Carvalho, Iberê Cavalcanti, Leci Brandão, Luisa Dionizio, Marcel Fracassi, Marcia Zaíra, Susanna Lira e Zélia Duncan Musickeria Luiz Calainho, Flávio Pinheiro e Taisa Rennó MAM (Museu de Arte Moderna de São Paulo) Daina Leyton Família de Dona Ivone Lara Elza Gusmão da Silva, Eliana Soares Martins da Costa, Alfredo Lara da Costa, Jorge Augusto Lara Martins da Costa, André Luis Lara Martins da Costa, Maria Aparecida Jacó, Sheila Mara de Oliveira, Susana dos Santos, Marilza e Bebeto Produtora Miriam Alves de Souza Escola Municipal Orsina da Fonseca Acervo Delcio Carvalho Bertha Nutels Jongo da Serrinha Tia Maria do Jongo e Lazir Sinval Museu de Imagens do Inconsciente Luiz Carlos Mello e Gladys Schincariol