São Paulo, 2018
expediente coordenação editorial Carlos Costa edição Duanne Ribeiro e Thiago Rosenberg conselho editorial Ana de Fátima Sousa, Ana Paula Fiorotto, Claudiney Ferreira, Glaucy Tudda, Ícaro Mello, Kety Fernandes, Laura Escorel, Letícia Santos, Ricardo Tayra e Tânia Rodrigues diagramação Helga Vaz produção editorial Luciana Araripe supervisão de revisão Polyana Lima revisão Karina Hambra e Rachel Reis (terceirizadas)
as imagens desta publicação pertencem ao arquivo do instituto de estudos brasileiros da universidade de são paulo (ieb/usp) – fundo antonio candido de mello e souza, com exceção das identificadas diferentemente nas legendas. foto da capa: ana luisa escorel | ilustração: gilda de mello e souza
A Ocupação Antonio Candido propõe um percurso através de um pensamento marcado pelo entendimento da cultura como uma ferramenta civilizatória, emancipatória. A obra de Candido, sociólogo e crítico literário, entende o estudo e a criação como atos livres e libertadores – compreende, como ele diz em “O Direito à Literatura”, que “uma sociedade justa pressupõe o respeito dos direitos humanos, e a fruição da arte e da literatura em todas as modalidades e em todos os níveis é um direito inalienável”. Essa convicção – que transparece no professor tanto na busca por um texto claro, que comunique, quanto nas suas intervenções no sentido de interpretar o país ou de marcar posições político-sociais – guia a curadoria da Ocupação, que, a partir de documentos inéditos conservados no acervo de Candido – cadernos de estudo, projetos esboçados, notas e diários – exibe o seu processo de trabalho: permite ver como ele planejava as suas atividades, como retornava, corrigia, reelaborava raciocínios anteriores. Esta publicação segue por esse caminho, reunindo manuscritos, datiloscritos e artigos publicados de Candido. Nos dois primeiros casos, trata-se de projetos – curtos ensaios que esquematizam as veredas dos estudos a fazer. Eles trazem discussões sobre a origem da criação literária, sobre as inter-relações entre literatura e sociedade (o que nos remete ao título de uma das suas grandes obras) e sobre as concepções históricas em torno da forma literária mais influente dos últimos séculos, o romance.
antonio candido na zona rural de bofete (sp), em janeiro de 1948, durante trabalho de campo da pesquisa que levaria a os parceiros do rio bonito (1964)
Mesmo iniciais, essas considerações são já amplamente embasadas. O estilo dos textos, sem cair em um didatismo ou na simplicidade jornalística, aborda temas complexos de maneira clara – e proporciona uma leitura prazerosa. Apresentamos por fim textos que chegaram ao público – resenhas de Candido em que ele expõe o seu primeiro contato com a obra de grandes autores da nossa literatura: Clarice Lispector e João Cabral de Melo Neto. O conteúdo publicado neste livreto, assim, esboça o fluxo das pesquisas do professor, desde as anotações e as formas mais elaboradas das ideias até o conteúdo finalizado e impresso. A Ocupação também conta com um site. Em itaucultural. org.br/ocupacao, podem ser acessados outros originais do homenageado – como o caderno Revolucionário, em que Candido analisa a figura dos que pretendem mudar a sociedade. Além disso, o conteúdo digital abrange fotografias e vídeos que fazem parte do acervo, assim como entrevistas realizadas com familiares, amigos e pesquisadores próximos da vida e da obra do crítico. Itaú Cultural
foto: guilherme maranhĂŁo
Acervo e memória Antonio Candido afirma, na conclusão de “O Direito à Literatura”, ensaio que orientou a curadoria desta Ocupação, originalmente escrito para uma palestra no curso organizado em 1988 pela Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo e, posteriormente, publicado em Vários Escritos: “Portanto, a luta por direitos humanos abrange a luta por um estado de coisas em que todos possam ter acesso aos diferentes níveis da cultura”. Tal consciência, da luta por direitos e contra a desigualdade social, esteve presente em toda a sua trajetória intelectual, o que pode ser verificado através da análise de seu acervo pessoal, do qual foram selecionados os itens expostos na Ocupação Antonio Candido. Formado por um conjunto de aproximadamente 5 mil fotografias, 45 mil itens de acervo textual e uma quantidade ainda não contabilizada de itens museológicos – como máquinas de escrever, discos de vinil, prêmios e diplomas –, o acervo pessoal dos professores Antonio Candido e Gilda de Mello e Souza foi doado pela família ao Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB/USP) em 2017 e, graças ao apoio do instituto Itaú Cultural, receberá o processamento técnico necessário para tornar seu acesso público, até dezembro de 2019.
A iniciativa, que pretende colaborar para a construção de uma cultura de memória no país, tem na Ocupação Antonio Candido a primeira ação cultural voltada para a difusão do acervo. A seleção de documentos buscou apresentar as atividades de Antonio Candido como intelectual, educador e militante, assim como alguns aspectos de sua infância e vida familiar. Quanto a esta publicação, o princípio que a orienta é mostrar ao leitor as etapas do processo de trabalho de Antonio Candido através de três tipos diferentes de acervo textual: documentos manuscritos, datilografados e impressos, nos quais podemos acompanhar seu obsessivo trabalho de aperfeiçoamento do texto e das ideias. No ano em que se completa o centenário de nascimento de Antonio Candido, a realização deste evento em torno de sua memória representa um incentivo a pesquisadores e profissionais interessados em desenvolver estudos acadêmicos ou projetos culturais a respeito desse acervo pessoal, que remonta a meados do século XIX. Meticulosamente organizado e armazenado por seus titulares, o acervo demonstra a clareza de ambos os professores a respeito da importância de investigar o passado para compreender o presente e poder construir a perspectiva de um futuro mais humano. Laura Escorel
antonio candido, na década de 1930, em poços de caldas (mg)
acima, os pais de antonio candido, clarisse tolentino de mello e souza e aristides de mello e souza, no final da dĂŠcada de 1910. na pĂĄgina ao lado, da direita para a esquerda, antonio candido e seus irmĂŁos, roberto de mello e souza e miguel de mello e souza, em 1927
antonio candido e sua mulher e parceira intelectual, a professora de estĂŠtica e crĂtica de arte gilda de mello e souza, em 1979 foto: marina de mello e souza
fotos: marina de mello e souza
antonio candido e suas filhas. nesta página, da esquerda para a direita, laura de mello e souza, marina de mello e souza e ana luísa escorel, em 2015 (foto: Guilherme Maranhão). na página ao lado, laura, à esquerda, marina, à direita, e ana luísa, ao centro, em 1980
foto: bob wolfenson
Generosidade no conteúdo e na forma Antonio Candido publicou seu primeiro livro, Brigada Ligeira, em 1945. Na obra, o autor reuniu alguns dos textos que vinha produzindo desde 1943 para a coluna Notas de Crítica Literária, do jornal paulistano Folha da Manhã – foi nesse espaço que o crítico reconheceu o talento de nomes como Clarice Lispector, João Cabral de Melo Neto e Guimarães Rosa, até então pouco conhecidos. À época, ele também atuava como assistente no curso de sociologia da Universidade de São Paulo (USP) e, com o crítico de cinema Paulo Emílio Salles Gomes e outros intelectuais de esquerda, fundava a União Democrática Socialista – movimento político que se opunha ao Estado Novo e, em 1947, daria origem ao Partido Socialista Brasileiro (PSB). A consciência política e a atenção às questões sociais sempre estiveram mescladas à sensibilidade analítica do crítico literário. “Confesso que, por toda a minha vida, mesmo nos momentos de mais agudo esteticismo, nunca fui capaz de perder a preocupação com os fatores sociais e políticos, que obcecaram a minha geração como uma espécie de memento e quase de remorso”, disse ele em 2011 à revista Trans/Form/Ação, editada pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Essa preocupação se manifesta tanto no conteúdo quanto na forma dos textos assinados por Candido. Seja abordando os elos entre a produção literária e as realidades histórica e social –
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como fez nos ensaios reunidos em Literatura e Sociedade (1965) –, seja analisando a obra de um dos seus autores favoritos, Graciliano Ramos – tema dos artigos que compõem Ficção e Confissão (1956) –, o crítico sempre se expressou com uma generosidade semelhante àquela que demonstrava no trato pessoal. Sem se colocar acima dos leitores, expunha suas ideias – por mais complexas que fossem – de forma bastante clara e acessível, fazendo jus à noção de que a literatura deve ser entendida como um direito básico do ser humano – noção defendida no ensaio “O Direito à Literatura”, produzido em 1988 e posteriormente publicado em reedições do livro Vários Escritos (1970). Além das coletâneas de ensaios, Candido é autor de obras de maior fôlego e que o consagraram, entre outras razões, como um dos grandes intérpretes do Brasil. É o caso de Formação da Literatura Brasileira – Momentos Decisivos (1959). Tido ainda hoje como uma referência para os estudos dessa área, o trabalho investiga a consolidação, entre os séculos XVIII e XIX, de um sistema literário no país, abrangendo autores, obras e públicos. Outro longo e importante estudo é Os Parceiros do Rio Bonito, concluído em 1954, como tese de doutorado em ciências sociais, e publicado dez anos depois. Fruto de uma pesquisa de campo realizada em diferentes municípios paulistas – Piracicaba, Tietê, Porto Feliz, Conchas, Anhembi, Botucatu e, principalmente, Bofete –, a obra explora os impactos do latifúndio e da urbanização, entre outros fatores, na cultura caipira.
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O Grupo Social e Sua Manifestação no Plano Literário Com temas próximos aos de Literatura e Sociedade, livro publicado em 1965, o caderno O Grupo Social e Sua Manifestação no Plano Literário trata das relações entre o campo literário e as formações sociais. Antonio Candido apresenta um plano de trabalho desse tema, do qual reproduzimos aqui alguns tópicos. O conceito de sistema literário – presente, por exemplo, na obra citada acima e também em Formação da Literatura Brasileira – não é explicitado, mas transparece nas análises desse caderno. Candido distingue “manifestação literária” – parte de relações dentro de uma sociedade – de literatura propriamente dita, que não “coincide” com as condições em que é produzida. No entanto, o teórico fala de como se relacionam as influências da comunidade e a criação individual, e também discorre sobre o papel do intelectual. Por fim, coloca todo esse pensamento no pano de fundo da sociologia da literatura: explica os cinco modos como essa área lidou com o tema e propõe um sexto, próprio.
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[1] O estudo das relações entre as manifestações literárias e a vida social se acha quase sempre obscurecido por uma série de formulações insatisfatórias. Inclusive certas expressões consagradas, que perturbam uma focalização adequada da realidade. V.g. [por exemplo — do latim verbi gratia]: Literatura e Sociedade – mais impróprio fator que “indivíduo e sociedade”; pois aqui estamos num grau máximo de abstraEm caso algum temos um ção, em que praticamente a essência de hofenômeno literatura tão mem se define relativamente à essência de genérico que recubra o sociedade. Mas em caso algum temos um fenômeno geral sociedade fenômeno literatura tão genérico que recubra o fenômeno geral sociedade. Em nenhuma sociedade a literatura é, como a religião ou o estado, um sistema universal de associação ou manifestação. Há sempre grupos humanos que produzem ou consomem um certo tipo de literatura, ou deixam de fazê-lo. O erro está em transpor para o plano da sociologia ou da história social a perspectiva
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da crítica e da apreciação literária. Essencialmente valorativas e discriminatórias, estas selecionam um certo tipo de literatura, e o apresentam como a literatura, deixando cair o mais. Uma literatura de elite, que exprime os ideais estéticos duma determinada minoria e se impõe ao crítico e ao amador. Ora – enquanto isto, outros grupos estão produzindo ou consumindo outros tipos de literatura, esteticamente nulos, mas sociologicamente apreciáveis. Daí a necessidade de reportar as manifestações literárias dos grupos em funA história literária vai ção das quais se originam e vivem. buscar as obras desprezadas A história literária vai buscar as obras a fim de melhor explicar as desprezadas a fim de melhor explicar as obras triunfantes obras triunfantes. À sociologia, elas interessam, uma e outra, como formas de manifestação da vida grupal, de ajustamento de relações humanas, de projeção dos valores coletivos ou emergência de “proposições” individuais que se tornam norma social. Impropriedade portanto da expressão
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literatura e sociedade, como perigo de se desconhecer a dinâmica efetiva das relações entre os diferentes grupos da sociedade e os respectivos tipos de manifestação literária. Quando a literatura oral, primitiva ou folclórica passa para a literatura erudita, deixa de haver coincidência entre a manifestação literária e a comunidade globalmente considerada; passa a haver ajustamento entre manifestação literária e os objetivos diversificados dos vários grupos. Desde que haja propriamente literatura, deixa de haver... literatura e sociedade. [2] Vários problemas no plano sociológico: 1 – origem da literatura 2 – literatura como complemento de símbolos sociais e sistema de comunicação 3 – literatura como expressão do grupo 4 – literatura como expressão dos indivíduos e ajustamento ao grupo 5 – literatura grupalmente produzida, e episódio
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do mecanismo do ajustamento grupal. Este é que é o setor que vou encarar. Duas etapas: I – A manifestação literária como atividade do grupo no plano do folclore (cururu) II – A manifestação literária como atividade do grupo no plano da literatura erudita (literatura comemorativa) Conclusão: III – A literatura enquanto manifestação do grupo. [3] I – No plano do folclore Cururu: sua função social. Sua secularização. A emergência do indivíduo. II – No plano erudito Exéquias: sua função social. Produção pelo grupo (grupos para produzi-la). A dissolução do papel social de escritor nas malhas da expressão grupal.
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O livro Arte e Sociedade foi publicado pelo sociólogo Roger Bastide em 1945 e resume cursos ministrados por ele em 1939 e 1940. Antonio Candido foi seu aluno e, em 1993, declarou sobre o mestre: "Eu, pessoalmente, lhe devo muito e às vezes me surpreendo, relendo a anos de distância algum escrito dele, ao verificar até que ponto certas ideias que julgava minhas são na verdade não apenas devidas à sua influência, mas já expressamente formuladas por ele. Se for permitida uma informação de cunho pessoal, contarei que a sua opinião foi decisiva para eu optar entre a sociologia e a literatura como atividade universitária. Consultei-o a propósito nos primeiros anos do decênio de 1950 e ele disse francamente que me achava mais qualificado para a segunda".
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[6] Há na arte, do ponto de vista sociológico, um problema de reversibilidade ininterrupta entre a manifestação individual (-izada) e a manifestação coletiva (-izada): aquela exprimindo a criação no seu aspecto inovador (próprio) e esta exprimindo a regulamentação da expressão. O indivíduo emerge e traz a sua contribuição nova, que frequentemente é a resposta, ou a premonição relativa às novas formas de sociabilidade (ou sentimento coletivo). A coletividade aceita o que se enquadra numa regulamentação; o que puder ser incorporado à experiência social. Conforme e estádio considerado, pode haver predominância de um ou outro impulso na criação; que pode também, conforme a organização social, parecer de origem eminentemente individual ou eminentemente coletiva (sem que na verdade seja uma coisa nem outra; mas fruto daquela tensão reversível mencionada acima). Vamos ilustrar este processo de criação por reversibilidade em dois estádios culturais diferentes, – o da cultura cabocla e o da civilização. Mas da cultura cabocla em mudança, em contato com a vida urbana, na qual tende a resolver-se; e da civilização urbana em contato com a cultura cabocla, procurando incorporá-la. I – O cururu paulista no meado do século XX. II – A literatura comemorativa em Minas na segunda metade do século XVIII.
O cururu é um gênero musical que envolve trova, repente e dança, originário do interior de São Paulo. Antonio Candido conheceu essa manifestação em 1947 e a partir desse contato desenvolveu seu doutorado em sociologia. Essa pesquisa, ampliada para uma etnografia do caipira, se tornou o livro Os Parceiros do Rio Bonito.
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Introdução, colocando o problema sociológico da criação literária, mormente a teoria da reversibilidade indivíduo-grupo como fator genético. Critério do trabalho e motivos da reunião dos dois exemplos-casos. Primeira Parte, mostrando o problema da emergência do indivíduo como fator de ajustamento às novas condições trazidas pela mudança cultural. Capítulo 1º: O Cururu. Definição, histórico. Área. Hipótese da ligação com as monções. Menções na bibliografia. Estado do conhecimento a respeito. Capítulo 2º: Descrição minuciosa e tipologia. Análise diferencial. Capítulo 3º: Função social: análise dos três tipos relativamente à organização social. Estudo da evolução de estrutura com referência à mudança sociocultural. Segunda Parte, mostrando o enquadramento, e de certo modo a absorção do indivíduo pelo grupo como sinal de eficiência social da literatura enquanto elemento de reforço da solidariedade e expressão das formas de ajustamento intergrupal (com referência também ao mecanismo de superordenação e
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da subordinação). Capítulo 1º: A literatura comemorativa. Definição, manifestações. Importância cultural e social no setecentos brasileiro. Manifestações Capítulo 2º: Organização da literatura comemorativa. Os tipos de “criador” e de público. Constelação dos fatores: a circunstância, a associação, o público. Capítulo 3º: Análise do caso de Paracatu sob este ponto de vista. Conclusão, correlacionando os dois casos e estabelecendo o que resultar para o conhecimento das relações de causação entre a situação social e a obra de arte, com referência a casos concretos e evitando a formulação genérica – “literatura e sociedade”. [7] Muito importante: o momento em que o cururu para ser uma atividade puramente recreativa, e como tal sujeita a julgamentos com base nos conceitos morais e religiosos: que o cururueiro é folgado; ou que não se vai ao cururu por ser “farra”; ou mandriice etc. Nhô Zuim, v.g., de influência protestante, se mantém alheio aos folguedos por não achá-los compatíveis com os seus padrões de austeridade.
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[8] Problemas sociológicos diretamente ligados à questão da literatura comemorativa (no caso em vista). 1 – O caráter quase corporativo do agrupamento reunido para “produzir” a comemoração. Cp. as celebrações em que as corporações de ofício eram solicitadas a tomar parte numa festa – com a reunião adrede dos capazes de escrever e falar, para igual fim. A comemoração criava uma atmosfera propiciadora do desenvolvimento de uma autoconsciência literária – reunindo os escritores, ou reunindo pessoas letradas que funcionavam como tal. Portanto: 1) correlação: corporação-criação 2) correlação: corporação fortuita-ocasião-criação 3) correlação: corporação-corporação fortuita 2 – Mais: disto decorre que a comemoração propiciando a associação-produtora (corporação fortuita) definia o status do criador, que via deste modo, e independentemente de outros critérios, estabelecido o seu papel na sociedade (generalizar: como, para o escritor na batata, não badamecos de arraial, a associação-para-produção [permanente, como academias; provisórias, como reunião] é um elemento importante de definição do status e papel). Portanto: comemoração associação (assim a corporação) criação status e papel.
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3 – Daí decorre o problema, a considerar-se, do intelectual como grupo ou camada. Como colocar o problema numa sociedade pouco diferenciada? Embrião de quê? Função própria ainda indistinta das funções genéricas dos grupos dirigentes (militares, magistrados, sacerdotes, fazendeiros, professores). Camada, elite, grupo desvinculado: isto no todo; em espécie, o escritor neste conjunto. Portanto: status e papel em que sentido? Definição do ponto de vista da estrutura e da função (isto é; do ajusta mento do status na estrutura social de então; e estudo do papel enquanto comportamento com finalidade e em função dos demais aspectos da vida social). 4 – Tudo isto, naturalmente, ligado ao caráter próprio da literatura comemorativa tomada no conjunto – a saber a sua função como proposição de valores ao grupo (restrito, dos criadores, ou amplo, de todos os espectadores e leitores); como reforço de normas, ou redefinição das mesmas; como consagração de padrões literários fixados, e de alcance geral etc. Analisar a situação do p.v. político-social, compreendendo os sentimentos envolvidos (apelados); religiosos; estético. Lealdade monárquica; integração na comunidade ultramarina; temor religioso; respeito aos líderes (inclusive os que tão bem falam etc.); proposição de valores
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relacionados à estrutura de dominação (padrões morais e literários eruditos: capítulo com a repressão da cultura popular) [9] Status do intelectual
camada social do intelectual
O intelectual pertence a esta ou aquela classe; mas tende a estabelecer com os seus pares relações que os unem de certo modo por cima das classes (Mannheim, Tietê). Mas em que medida a solidariedade grupal (extraclasses) representa um segmento durável e configurado estruturalmente, ou um “ambiente”, um vínculo associativo abrangendo parte da personalidade e deixando-a em aspectos significativos ligada a outros grupos (econômicos, profissionais, de casta), “mais definidores” da posição real? Naturalmente, o problema varia conforme a variação dos dados. Em sociedades altamente diferenciadas, o processo de especialização do intelectual pode ser de modo a definir-lhe uma posição característica, tornando-a superior à dos outros papéis que desempenha. Mas no caso em que a vida intelectual é um aspecto aleatório, um episódio, da função do indivíduo? Aí o problema da sua relação com a classe de origem é diferente, e o desvalido é que
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tende a se apresentar como intelectual – o militar, magistrado ou fazendeiro se apresentando de preferência em função destes papéis, revestidos de maior significação social. Função da comemoração literária como superação momentânea das diferenças estamentais, em benefício de uma integração no grupo extraclasse da inteligência. (Graduar, combinar, dosar). Significado disto para a formação de uma “intelligentsia”.
[10] Limiar de tensão indivíduo-grupo na criação literária. Se é ultrapassado em qualquer sentido, desfigura e mesmo pode anular a obra. Se a tensão se resolve por uma individualização extremada, chegamos à impossibilidade de transmissão do conhecimento e da emoção: o criador identifica indevidamente a sua contemplação inefável e inexprimível com a obra acabada, que pressupõe um terceiro termo, artesanal, que estabelece a viabilidade, a comunicação, e cujas raíO caráter artístico vem da zes mergulham na experiência e na senposição variável entre os sibilidade coletivas. Se a tensão se resolpolos indivíduo-grupo da ve por uma extrema identificação com o criação literária mediano, o normotípico, a obra deixa de ser artística para tornar-se um episódio não significativo da vida quotidiana – como o cromo da folhinha, a reportagem de jornal, a informação radiofônica. O caráter artístico vem da posição (extremamente variável) entre os dois polos da tensão,
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sem jamais confundir-se com um destes.
[11] O caso de Paracatu. Um tosco arraial. Que literatura possível? A superimposição de padrões eruditos, de curso limitado aos iniciados, cuja função (do ponto de vista sociológico) é ligar aquela comunidade às demais comunidades em que são prezados os mesmos valores estéticos e filosóficos. A distância entre os colaboradores literários e o povo era máxima; mas nessas ocasiões a atmosfera de comunhão criada pela circunstância comemorativa impunha uma proximidade física e um objeto comum de contemplação (a morte da Infanta), que faziam da literatura decorrente ao mesmo tempo um elo de reforço da solidariedade e uma definição dos status respectivos. Reforço (união), pela coparticipação nos valores comuns (religiosos, políticos, dinásticos); definição da diferença, pelo papel desempenhado por cada grupo na celebração: os promotores, detentores da expressão literária, e o simples espectador, excluído da participação intelectual na mesma. No outro polo, a cultura popular, exprimindo-se num lento processo formativo (ver a ordem contra o fandango, cad.
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Paracatu, pag. 19-23: a justiça régia comprimindo a expressão da poesia popular ao reprimir as desordens do petit peuple – que punham em cheque, uma e outras, a superestrutura da cultura oficial). A literatura não se forma no povo (nos países civilizados). No Brasil, contudo, ela só se universalizou mais ou menos no momento em que uma certa cultura folclórica e popularesca se fixou como expressão da grande maioria do povo, e teve como consequência um abaixamento relativo da elevação greco-romana e palaciana da literatura oficial, como o que vemos aqui. Literatura brasileira e literatura popular brasileira se formam paralelamente, e com o Romantismo se entrecruzarão frequentemente, graças sobretudo ao veículo da modinha e do recitativo. Aqui (caso Paracatu), vemos as duas potências em plena separação, no seu esboço (isto é, no momento em que uma e outra se esboçavam aqui). "... nossa cultura tradicional...
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se compraz em opor o patético do amor infeliz ao cômico da barriga cheia.
* “... notre culture traditionnelle... se plait à opposer le pathètique de l’amour malheureux et le comunique du ventre plein. Dans l’immense majorité des sociétés humaines, les deux problèmes sont placés sont placés sur le même plan parce que, dans l’um et l’autre domaine, la nature laisse l’homme
Na imensa maioria das sociedades humanas os dois problemas são colocados no mesmo plano, porque, em um e outro terreno, a natureza deixa o homem
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en présence du même risque: le sort de l’homme repu offer la même valeur émotive, et peut servir de pretexte à la même expresion lyrique, que celui de l’homme direé. L’expérience primitive affirme, d’ailleurs, la continuité entre les sensations organiques et les expériences spirituelles.” (Levy Strauss, Structures, 45) V. Audrey Richards, pgs. 162 e §§.
[13] O trabalho comporta um aspecto metodológico definido, a saber: a tentativa de determinar as manifestações literárias que apresentam valor hermenêutico do ponto de vista sociológico. O estudo do “período”, à Taine (correlação geral obra-meio no sentido amplo) conduz a resultados interessantes, de natureza histórica, e tem como resultado positivo a tendência para a descoberta de “leis”, de correlações latas; como resultado negativo, o desvio de atenção dos ligamentos afetivos, para a consideração esquemática do todo. Na prática, vemos frequentemente a dubiedade dos resultados pela dificuldade em mostrar o nexo real dos “fatores” postulados (econômico, político etc.) com as obras estudadas (v.g., o livro de Knights, o lamentável de Nelson W.S.). Mais insatisfatório ainda é a aplicação do ponto de vista meio-causa no estudo das obras e autores isolados (v.g., os livros de Heitor Ferreira Lima e Edson Carneiro sobre Castro Alves). (La Fontaine et les fables).
em presença do mesmo risco: o destino do homem farto oferece o mesmo valor emotivo, e pode servir de pretexto para a mesma expressão lírica, que o do homem amado. A experiência primitiva afirma, aliás, a continuidade entre as sensações orgânicas e as experiências espirituais." (Levy Strauss, As Estruturas Elementares do Parentesco, p. 76, da edição brasileira de 1982 pela editora Vozes) V. Audrey Richards, pgs. 162 e
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Outro método, mais fácil como atitude teórica, e mais relativo como sociologia da literatura, é o estudo da sociedade na medida em que é espelhada pelo livro. De que modo as instituições, ou não, os valores são expressos por determinado autor; em que medida o seu livro é “representativo” (obra de Bruford sobre Chekov; obra de Silvio Romero sobre Martins Pena). Não fica esclarecida a função da obra, mas apenas a sua correspondência ao tempo – o que é o nível mais elementar em que se pode propor a questão (já visto pelos românticos, depois de Mme. de Staël. “Poets are the chronicles and abstracts of their time”). § Um terceiro método, mais sociológico, embora até agora menos fecundo que os anteriores, consiste no estudo da relação entre a obra e o público: o destino, a aceitação, a interdependência. Aí já entramos no aspecto funcional, e já estamos na correlação da obra com as necessidades e exigências dos grupos. Mas não só tais estudos são frequentemente arbitrários e conduzidos sem técnica, como deixam de lado o problema importante da utilização, pelo escritor, dos valores efetivamente propostos pelos grupos (que é necessário diferençar). (Schücking, Guillemin, Leavis, Bruford sobre o teatro alemão). * Um quarto método, bastante sociológico, é do estudo da posição social do escritor, procurando correlacionar o seu status, a sua produção e a organização social. Belo ponto de vista que esclarece aspectos sociais decisivos
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da produção intelectual, e que será certamente um dos principais caminhos da sociologia da literatura (Beljame, Henri Brunschvicg) *Finalmente, o quinto método, empregado sobretudo pelos etnólogos, e pelos que tomam os seus trabalhos como ponto de partida, consiste no estudo das raízes sociais da literatura a partir das suas origens nas sociedades primitivas, e quase sempre correlacionando-a com as manifestações culturais destas: trabalho, religião, festa etc. (Gunniere, Wallaschek, Bücher, Hirn; Boas em parte Thomson etc.). A estes vimos propor um sexto, que visa esclarecer em que medida as associações para a produção literária podem revelar a infraestrutura social. Em que medida interesses e valores conduzem os homens a se unirem para produzir literatura, e em que medida existem manifestações Em que medida as literárias profundamente entrosaassociações para a produção das com as necessidades do grupo literária podem revelar a – não só por exprimir (“espelhar”) infraestrutura social? o que nele se passa, mas sobretudo por determinar, nele, formas específicas de sociabilidade, e formas de definição da sua solidariedade (quer esclarecendo-a, quer superimpondo-a, quer revelando-a). Normalmente, tal método se caracteriza por um alcance muito especial: não se aplica a toda e qualquer interpretação de obras destacadas (o que compete sobretudo à crítica literária),
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nem dá conta de toda a criação literária. Visa principalmente a esclarecer as formas elementares da criação, e sua função na organização social como força definidora de valores e mantenedora de certos controles grupais. A existência de casos concretos em que vemos não apenas uma associação de produtores literários (academia permanente v.g.), mas uma associação de produtores literários (eventuais, o que reforça) para uma determinada produção, permite esclarecer ao mesmo tempo a sociologia do produtor e a sociologia da obra criada. Mais: o vínculo associativo consciente, e claramente orientado, define um tipo de associação demarcado – cujo conhecimento permite esclarecer a associação virtual, difusa, que, no fundo, une os escritores de uma geração, uma cidade, uma escola, um círculo. Da estrutura especificada e diferenciada, à estrutura difusa, virtual, vai a possibilidade de compreender o fenômeno geral da ligação entre obra produzida e “atmosfera” produtora; entre obra produzida e ordenação de tendências, sentimentos, do conjunto dos escritores em função das normas sociais e artísticas estabelecidas. Seria conveniente conhecer melhor a posição, profissão, comportamento dos autos da polianteia. Pois neste tipo de estudos o caráter sociológico concreto vem da possibilidade de definir a relação da obra com tais elementos que caracterizam a função social dos indivíduos – função social que neste caso se complementa ou
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transfere pela função literária. A manifestação literária (muito próxima do jornalismo, da notícia, do [ininteligível]) vem compor (com outros fatores) uma determinada atuação mediante a qual o indivíduo, o grupo, o público definem ou redefinem a sua atitude em face de certos valores.
[14] A literatura como norma, como regra: mas como ponto de encontro entre a norma e a possibilidade de retificá-la, fugir-lhe ao império, como exceção. A sociologia interessada neste caráter conector, que liga o ajustamento no coletivo à emergência do coletivo. A literatura permite maior âmbito de excepcional que as outras formas de arte. Na pintura, na escultura, o elemento artesanal, a matéria, o instrumento estabelecem uma comunhão necessária do artista com o artífice, manobrando ambos no mesmo mundo material de elementos necessários à obra. Na literatura, o elemento comum se dissolve por excesso de generalidade: a palavra, que é de todos, a letra, que é de todos. Daí as formas de construção artística, na literatura, gozarem de uma grande margem de liberdade. O criador não está adstrito aos instrumentos
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de um grupo artesanal específico – mas de toda a coletividade. A sua liberdade nasce do fato de transcender o artesanato, – o vínculo que o prende a grupos não artísticos. Daí estabelecer em bases diferentes o seu enquadramento nas normas, que não são tanto as de técnica quanto as novas serão do grupo. Desenvolve-se então a dialética da regra e da exceção.
[15] No ensaio, muita liberdade especulativa. Sim, mas estreitamente infraestruturada pela análise do caso concreto. Levy Strauss vem mostrar como a sociologia superou a fase de temor da especulação, do mesmo modo que Mannheins mostrou como superou a fase de temor da aplicação social. Notar no prefácio que este ensaio e o do Cururu correspondem à minha evolução: recusa de optar entre sociologia e literatu- Recusa de optar entre sociologia e literatura pelo sentimento de ra pelo sentimento de quanto se quanto se completam. Recusa de completam na construção de uma optar entre sensibilidade visão do homem: recusa de optar e investigação entre sensibilidade e investigação: donde consequência necessária o estudo dos pontos de contato da sociedade com a criação literária; a sociologia da literatura.
[16] Aprofundar o caso Paracatu com pesquisas locais etc. A englobar: 1 – Áureo Trono 2 – Senhora Sant’Ana (Jaú) 3 – São Gonçalo de Amarante
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antonio candido, no inĂcio dos anos 1960, em aula na faculdade de filosofia, ciĂŞncias e letras de assis
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Nas Origens da Teoria do Romance
Nas Origens da Teoria do Romance foi publicado, como Antonio Candido nota, em “manifestação de solidariedade” ao professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Angelo Ricci (1915-1966), que, poucos meses antes da sua morte, teve os direitos de lecionar cassados pela ditadura militar. O artigo enfoca a recepção do romance desde os séculos XVII e XVIII, quando se constituía como uma novidade popular, mas de segunda classe, até o século XIX, quando atinge o status de “literatura séria”. É um percurso pelos primeiros leitores e críticos desse gênero, em que se forma um modo de compreendê-lo e se renovam as ferramentas da teoria literária. Também aqui se pode ver o modo de trabalhar do homenageado desta Ocupação. Sobre a folha datilografada, multiplicam-se correções, remanejamentos, exclusões.
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Descobridor de autores A carreira de Antonio Candido como crítico literário começa na revista Clima, que durou de 1941 a 1944 e da qual também faziam parte o crítico de cinema Paulo Emílio Salles Gomes, o dramaturgo Alfredo Mesquita, o crítico de teatro Décio de Almeida Prado e a professora de estética e crítica de arte Gilda de Mello e Souza – com quem Candido se casaria. Em 1943, passa a publicar na Folha da Manhã (até 1945) – periódico do qual extraímos os textos desta seção – e no Diário de S.Paulo (até 1947). Produziu 162 escritos nesse período de atividade. Entre as qualidades encontradas no trabalho de Candido nesse campo está a habilidade de reconhecer, de pronto, em autores estreantes grandes escritores. É o caso dos dois artigos que publicamos nesta seção. Neles, o crítico apresenta seus primeiros contatos com obras de Clarice Lispector e João Cabral de Melo Neto.
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"Perto do coração selvagem" 16/7/1944
“Todos os homens que estão fazendo um O que se poderia dizer, com maior justeza, é grande nome em arte... fazem-no porque evi- que os escritores brasileiros se contentam em tam o inesperado; porque se especializam em geral com processos já usados, apenas um ou pôr as suas obras no mesmo encaixe que as outro arriscando em tentativas mais ousadas. outras, de modo que o público sabe imediataQuanto mais não valesse, o livro da Sra. mente onde tem o nariz”, dizia certo crítico de Clarice Lispector valeria como tentativa, e é arte a Jolyon Forsyte Júnior e, aconselhando-o como tal que devemos julgá-lo, porque nele a a abandonar as suas veleidades pessoais e en- realização é nitidamente inferior ao propósito. trar na rotina comum, acrescentou estas sábias Original não sei até que ponto o será. A crítica palavras: “e isto é tanto de influências me mete Há quem procure uma via mais mais fácil para o senhor certo medo, pelo que acentuadamente sua, preferindo quando não há uma oritem de difícil e, sobreo risco da aposta à comodidade ginalidade muito acentudo, de relativa e pouco do ramerrão. É o caso da Sra. tuada no seu estilo”. concludente. Em relaClarice Lispector Assim, na bitola coção a Perto do Coração mum da arte, o melhor para o artista seria so- Selvagem, se deixarmos de lado as possíveis frear os seus ímpetos originais e procurar uma fontes estrangeiras de inspiração, permanece excelência relativa dentro de uma certa roti- o fato de que, dentro de nossa literatura, é uma na, mediana mas honesta e sólida. O próprio Galsworthy talvez possa ser dado como exemplo do que põe na boca do seu personagem. No entanto, mesmo na craveira ordinária dos talentos, há quem procure uma via mais acentuadamente sua, preferindo o risco da aposta à comodidade do ramerrão. É o caso da Sra. Clarice Lispector (1), que nos deu no fim do ano passado um romance de som mais ou menos raro na nossa literatura moderna, já qualificada de “ingenuamente naturalista” por um crítico de valor, numa frase que me parece exagerada.
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performance da melhor qualidade. A autora — ao que parece uma jovem estreante — colocou seriamente o problema do estilo e da expressão. Sobretudo desta. Sentiu que existe uma certa densidade afetiva e intelectual que não é possível exprimir se não procurarmos quebrar os quadros da rotina e criar imagens novas, novos torneios, associações diferentes das comuns e mais fundamente sentidas. A descoberta do cotidiano é uma aventura sempre possível, e o seu milagre uma transfiguração que abre caminhos para mundos no-
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vos. As telefonistas de Proust — transformadas adamente psicológico, talvez seja melhor chaem divindades fatais — o corvo de Poe, os ob- mar de aproximação. O seu campo é ainda a jetos de Hoffman, o sanduíche de Harpo Marx alma, são ainda as paixões. Os seus processos e são outros tantos processos de protestar contra a sua indiscriminação repelem, todavia, a ideia o ramerrão, o hábito, a deformação profissio- de análise. São antes uma tentativa de esclarecinal causada pelos sentidos mecanizados. A mento através da identificação do escritor com Sra. Clarice Lispector aceita a provocação das o problema, mais do que uma relação bilateral coisas à sua sensibilidade, e procura recriar um de sujeito-objeto. mundo partindo das suas próprias emoções, É desta maneira que a Sra. Clarice Lispecda sua própria capacidade tor procura colocar o O ritmo do livro é um ritmo de de interpretação. Para ela, seu romance. O ritmo procura, de penetração, que como para os outros, a meta do livro é um ritmo permite uma tensão psicológica é, evidentemente, buscar de procura, de penepoucas vezes alcançada na o sentido da vida, penetrar tração, que permite nossa literatura moderna no mistério que cerca o houma tensão psicológimem. Como os outros, ela nada consegue, a ca poucas vezes alcançada na nossa literatura não ser esse timbre que revela as obras de ex- moderna. Os vocábulos são obrigados a perdeceção e que é a melhor marca do espírito sobre rem o seu sentido corrente para se amoldarem a resistência das coisas. Antigamente se chamavam de análise os romances mais ou menos psicológicos, que procuravam estudar as paixões — as paixões da literatura clássica — dissecando os estados de alma e procurando revelar o mecanismo do espírito. Hoje o nome convém a um número bem menor de obras. Os romances são mais universalistas, e as suas delimitações perderam muito em sentido e jurisdição. Aos livros que tentam esclarecer mais a essência do que a existência, mais o ser do que o estar, com um tempo mais acentu-
às necessidades de uma expressão muito sutil e muito tensa, de tal modo que a língua adquire o mesmo caráter dramático do que o entrecho. A narrativa se desenvolve a princípio em dois planos, alternando a vida atual com a infância da heroína. A sua existência presente, aliás, possui uma atualidade bastante estranha, a ponto de não sabermos se a narrativa se refere a algo já passado ou em vias de acontecer. Todos esses processos, que sentimos conscientes e escolhidos, correspondem à atmosfera do livro, que parece dar menos importância às condições de
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espaço e tempo do que a certos problemas in- por um estado inefável em que a suprema fetemporais, encarnados pelos personagens. O licidade é o supremo poder, porque no coração tempo cronológico perde a razão de ser ante a selvagem da vida pode-se tudo o que se quer, intemporalidade da ação, que foge dele num rit- quando se sabe querer. mo caprichoso de duração interior. Em pequena Joana se recusava a admitir Talvez devamos procurar no capítulo cha- que as galinhas fossem somente o que lhe dimado O Banho o melhor ponto de apoio para a ziam que elas eram, e que ela própria via que compreensão de Joana, a personagem da Sra. eram. Como todos os da sua estirpe — de inClarice Lispector. satisfeitos e obstinados aventureiros dentro do Descobrimos nele que a menina é diferente. próprio eu — Joana reputava bem desprezíveis A tia não sabe por que, nem ela própria. O que os argumentos dos sentidos, aos quais sobrepuesta sabe é justamente o nha a visão mágica da exisA pobre Joana nada pode, que disse àquela: “Eu postência. O seu drama é o de so tudo”. Diante de Joana como todos nós. Mas possui Tântalo, sempre pensando uma virtude que nem a todos não há barreiras nem emtocar o alvo e sentindo-o é dada, recusar violentamente pecilhos que a façam dessempre fugitivo ante si. a lição das aparências e lutar viar do seu destino — que, Com a diferença que para por um estado inefável em quase uma missão, é proTântalo isso era condição que a suprema felicidade é o curar acercar-se cada vez de desespero, enquanto supremo poder mais do “selvagem coraque para ela nisto estava a ção da vida”. O coração selvagem pode ser um própria razão de ser da vida, e portanto a sua céu e pode ser um inferno. Como nunca o atin- glória, a sua esplêndida uniquidade. Única. gimos, é sempre um inferno especial, em que o Joana pode ser considerada má no sentido em suplício máximo seja o de Tântalo. Com efeito, que segue a ética da uniquidade. “Eu posso este romance é uma variação sobre o suplício tudo”. Tudo para ela é possível desde que sigde Tântalo. Joana passeia pela vida e sofre, nifique a realização do seu eu. Os outros nada sempre obcecada por algo que não atinge. valem e não importam. Importa o seu corpo Move-se perenemente entre aquelas “for- que ela mira amorosamente na banheira, a mas vãs e aparências” de que o poeta julgou sua alma, que ela sente latejar no escuro do se ter libertado e, como ele, apenas entrevê mundo. Em torno dela, o silêncio, porque ela a zona mágica em que tudo se transmuda e a é única e, portanto, só. Acima dela, o coração convenção dos sentidos cede lugar à visão es- selvagem da vida, do qual só se aproximam os sencial da vida. “Eu posso tudo”. A pobre Jo- solitários, que encontram a suprema felicidade ana nada pode, como todos nós. Mas possui no supremo antagonismo com o mundo. uma virtude que nem a todos é dada, recusar violentamente a lição das aparências e lutar
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Mas, como a vida, o romance da Sra. Clarice Lispector é um romance de relação. É
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impossível a glória apenas entrevista supremo isolamento, porque a ela só têm acesso os anormais, que são os supremos desadaptados. Portanto, Joana vive em contato com os seus semelhantes. Antes de mais ninguém, com o seu marido. De certo ponto em diante, o livro deixa de ser casulo da heroína para entrar por outros destinos adentro. O seu esplêndido isolamento, a sua força de exceção, que aterrorizava a tia, se vê obrigada a medir forças com a vida e sofrer as limitações que esta impõe. Joana perde algo da supremacia que lhe vimos, mas a sua uniquidade a leva a despojar-se de todos os que nela interferem para buscar de novo a solidão. Uma constatação se impõe, e ela a sente fatal: os outros vivem mais do que ela, porque são capazes de se esquecerem. Na sua consciência aguçada existe uma frieza que é incompatível com o fluxo normal da existência, e é por isto que ela cede o marido tão facilmente e que reconhece a verdade maior da mulher-da-voz e de Lídia. É vitalmente uma fraca. Mas à sua frente se abrem campinas que os outros não veem; se abre uma noção de
tilo conveniente para o que tinha a dizer. Soube transformar em valores as palavras, nas quais muitos não veem mais do que sons ou sinais. A intensidade com que sabe escrever e a rara capacidade de vida interior poderão fazer desta jovem escritora um dos valores mais sólidos e, sobretudo, mais originais da nossa literatura, porque esta primeira experiência já é uma nobre realização.
— (1) — Clarice Lispector — Perto do Coração Selvagem — A Noite Editora — Rio
plenitude pela autorrealização que vale a renúncia à comodidade da existência corrente, porque vai lhe permitir (quando?) a vitalidade definitiva de um cavalo novo, perto do coração selvagem da vida. * De tal estofo são feitas as grandes obras. O livro da Sra. Clarice Lispector não o é, certamente. Todavia, poucos como ele, têm, ultimamente, permitido respirar numa atmosfera que se aproxima da grandeza. E isto, em grande parte, porque a sua autora soube criar o es-
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neste rodapĂŠ, antonio candido escreve sobre pedra do sono, primeiro livro do poeta e diplomata joĂŁo cabral de melo neto, publicado em 1942
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notas de crítica literária
Poesia ao norte 13/6/1943
Tenho em mãos dois livros de poesia, am- sociológica, a crítica sob todos os seus aspecbos de rapazes apenas saídos da adolescência tos. Tendência que predomina sobretudo em e ambos nortistas: Pedra do Sono, do Sr. João São Paulo, onde o número de poetas e ficcioCabral de Melo Neto (1), de Recife, e Anjo dos nistas desaparece ante o acúmulo de críticos e Abismos, do Sr. Rui Guilherme Barata (2), de pesquisadores. É com prazer que constato essa Óbidos, Pará. inclinação como que pragmática de utilizar São dois poetas radicalmente diversos e de a inteligência e a sensibilidade na análise do méritos também desiguais. Enquanto o per- nosso tempo e dos seus problemas — porque nambucano já se apresenta de posse dos seus me parece que dessa auscultação ansiosa pode meios pessoais de expressão, o paraense ainda resultar uma linha de pensamento e de conduse encontra preso demais à imitação. De qual- ta que seja o nosso roteiro. quer modo, representam bem a poesia da ge* ração novíssima, e não me lembro de moço alO Sr. João Cabral de Melo Neto tem como gum do Sul que tenha estreado tão bem quanto epígrafe do seu livro o desafio heroico de Mallareles, nos dois últimos anos. mé: “Solitude, récif, étoile...”. Com razão, porÉ interessante como o Norte se interessa que Pedra do Sono é uma aventura arriscada. O pela poesia. O grupo das seu ponto de partida são Pedra do Sono é a obra de um “Publicações Norte”, de as imagens livremente Recife, apareceu através poeta extremamente consciente associadas ou pescadas dela ou da sua crítica. que procura construir um no sonho, sobre as quais mundo fechado para a sua No Ceará, um Congreso autor age como ordeemoção, a partir da escuridão so de Poesia nos mandanador. É esta disposição das visões oníricas va notícias no fim do ano poética que caracteriza o passado — por sinal que num manifesto cheio livro do Sr. João Cabral de Melo Neto. de dignidade intelectual. Pedras do Sono é a obra de um poeta extreDe um modo geral, me parece que a lite- mamente consciente que procura construir um ratura, mais no Norte do que no Sul, é ainda mundo fechado para a sua emoção, a partir da a grande via de expressão. Entre nós, centro- escuridão das visões oníricas. Os poemas que -sulinos, manifesta-se na mocidade uma certa o compõem são, é o termo, construídos com tendência para o ensaio, a pesquisa histórica e rigor, dispondo-se os seus elementos segundo
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um critério seletivo, em que se nota a ordenação vigorosa que o poeta imprime ao material que lhe fornece a sensibilidade. Disso já se depreendem as duas características principais desses poemas, tomados em si: hermetismo e valorização por assim dizer plástica das palavras. Trabalhando um material caprichoso, como é o do sonho e o da associação livre, o Sr. Cabral de Melo tem necessidade de um certo rigor por assim dizer construtivista. Daí se fechar dentro dos seus poemas, onde há um mínimo de matéria discursiva e um máximo de libertação do vocábulo — entendendo-se por tal a tendência para deixá-lo valer por si, manifestando o poder de sugestão que possui. As palavras, que têm um poder sugestivo maior ou menor conforme as relações que as ligam umas com as outras, se dispõem nos seus poemas quase como valores plásticos, nesse sistema fechado que assume às vezes o caráter de composição pictórica, e a beleza nasce da sua interrelação. Não se conclua porém que esta poesia seja um edifício racionalista. Muito pelo contrário, o trabalho ordenador a que é devida se exerce sobre os dados mais espontâneos da sensibilidade. Daí a riqueza do livro, que alia a ordenação da inteligência ao que há de mais essencialmente espontâneo no homem. *
A tendência vamos dizer construtivista do Sr. Cabral de Melo se mostra na sua incapacidade quase completa de fazer poemas em que não haja um número maior ou menor de imagens materiais. As suas emoções se organizam em torno de objetos precisos que servem de sinais significativos do poema — cada imagem material tendo de fato, em si, um valor que a torna fonte de poesia, esqueleto que é do poema. O verso vive exclusivamente dela. Numa poesia em que há, por mínima e escondida que seja, uma intenção ou uma possibilidade de interpretação discursiva, as palavras se esbatem diante da realidade maior da frase e da imagem, elas próprias ultrapassadas pelo valor simbólico do que querem exprimir. Quando leio: “Eu sou a Moça-Fantasma que espera na Rua do Chumbo o carro da madrugada. Eu branca e longa e fria a minha carne é um suspiro frio, na madrugada da Serra” (Carlos Drummond de Andrade)
percebo logo um elemento narrativo, uma sequência verbal que se sobrepõe, evidentemente, como música e como significado, aos substantivos: moça, rua, carro, serra etc.
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Agora, porém, se passo a uma poesia em que não há sequência verbal — no sentido de ligação discursiva — mas tão somente esforço de sugestão emotiva pela simples força dos vocábulos, sentirei de repente a desmedida importância que estes adquirem. Tornam-se salientes no poema, se impõem a mim como partes de um estereograma. E os poemas do Sr. Cabral de Melo são, em certo sentido, estereogramas poéticos. Veja-se, por exemplo: “Dentro da perda da memória Uma mulher azul estava deitada Que escondia entre os braços desses pássaros friíssimos Que a lua sopra alta noite Nos ombros nus do retrato. E do retrato nasciam duas flores (Dois olhos, dois seios, dois clarinetes) Que em certas horas do dia Cresciam prodigiosamente Para que as bicicletas do meu desespero Corressem sobre os seus cabelos; E nas bicicletas que eram poemas Chegavam meus amigos alucinados; Sentados em desordem aparente Ei-los a engolir regularmente os seus relógios Enquanto o hierofante armado cavaleiro Movia inutilmente o seu único braço.”
sociativo através do qual o poeta vai construindo solidamente as imagens que são, ao mesmo tempo, os elementos significativos e o arcabouço do poema. Note-se, então, o valor dominante que os substantivos exprimindo coisas passam a adquirir, ao lado das imagens por eles formadas. O poema todo parte da imagem — mulher azul — que condiciona quatro pontos principais de ossificação: pássaros, lua, retrato, cabelos. Em torno deles se veem dispor as outras imagens materiais: flores, olhos, seios, clarinetes, bicicletas, amigos, hierofante, braço. Estas palavras comandam os versos, estruturam o poema e dependem de uma vontade ordenadora que, após havê-los selecionado, os dispõe, dentro da composição, como valores por assim dizer plásticos. E assim são quase todos os poemas do Sr.
Nessas duas influências – a do cubismo e a do surrealismo – é que julgo encontrar as fontes da sua poesia
Este poema é dos mais belos do autor, e nele encontramos todas as características da
Cabral de Melo. Não o chamo porém de cubista, porque ele não é só isso. O seu cubismo de construção é sobrevoado por um senso surrealista da poesia. Nessas duas influências — a do cubismo e a do surrealismo — é que julgo encontrar as fontes da sua poesia. Que tem isso justamente de interessante: engloba em si duas correntes diversas e as funde numa solução bastante pessoal. Não obstante, há certos momentos em que temos a impressão de que o Sr. Cabral de Melo
sua poesia. Percebemos imediatamente que o vago fio discursivo é apenas o zigue-zague as-
está despoetizando demais as suas poesias, e fazendo uma natureza morta, ou qualquer ou-
(Pedra do Sono)
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tra composição pictórica. Veja-se a Homenagem a Picasso: “O esquadro disfarça o eclipse Que os homens não querem ver. Não há música aparentemente Nos violinos fechados. Apenas os recortes de jornais diários Acenam para mim com o juízo final”. Para não se dizer que o poeta se submete aí à exigência da homenagem, leia-se a Composição, que começa assim: “Frutas decapitadas, mapas, Aves que prendi sob o chapéu, Não sei que vitrolas errantes,” etc.
a sua “réussite” pessoal, que é das boas. Quanto à poesia pura é que não sei se o seu barco alcançará as estrelas ou se ficará pelos escolhos. Toda pureza implica um aspecto de desumanização. É o problema permanente da pureza ressecando a vida. Nos nossos tempos de poesia mais comunicativa, já transcendida a fase hermética pura, quase sempre vítima da sua autofagia, soa com certo ar de raridade o livro do Sr. Cabral de Melo. E nos leva a crer que a voz (?) do cisne mallarmeano está sempre viva, a ponto de vir ressoar na última geração da nossa literatura. Pureza poética, surrealismo, cubismo, — coi-
Como quer que seja, há nele qualidades fortes de poesia, e eu não sei de ninguém nos últimos tempos que tenha estreado com tantas promessas
Essa tendência do Sr. Cabral de Melo leva-o frequentemente ao exagero de um certo composicionismo verbal a que ele não sabe fugir. Daí o ar experimental que corre por certas partes do livro, não sei se devido apenas a isso ou também ao caráter de primeira expedição literária desse livrinho de moço. Como quer que seja, há nele qualidades fortes de poesia, e eu não sei de ninguém nos últimos tempos que tenha estreado com tantas promessas. Seus poemas são realmente belos, e representam a riqueza de uma incontestável solução pessoal. * Mas essa riqueza não vai sem um certo empobrecimento humano. “Solitude, récif, étoi-
sas que estão soando agora como requinte, mesmo quando tão talentosamente representados por alguém como o nosso poeta. O erro da sua poesia é que, construindo o mundo fechado de que falei, ela tende a se bastar a si mesma. Ganha uma beleza meio geométrica e se isola, por isso mesmo, do sentido de comunicação que justifica neste momento a obra de arte. Poesia assim tão autonomamente construída se isola no seu hermetismo. Aparece como um cúmulo de individualismo, de personalismo narcisista que, no Sr. Cabral de Melo, tem um inegável encanto, uma vez que ele está na idade dessa espontaneidade na autocon-
le...”. Como Mallarmé, o poeta pernambucano se atirou em busca da poesia pura. Não discuto
templação. O Sr. Cabral de Melo, porém, há de aprender os caminhos da vida e perceber que
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lhe será preciso o trabalho de olhar um pouco à roda de si, para elevar a pureza da sua emoção a valor corrente entre os homens e, deste modo, justificar a sua qualidade de artista. * De tendência oposta é o Sr. Rui Guilherme Barata. Dele, aliás, não se pode dizer o que eu disse do poeta pernambucano. Não se encontra no seu livro o que se poderia considerar como uma solução mais ou menos pessoal. Anjo dos Abismos revela, da primeira à última linha, uma identificação profunda com a poesia do Sr. Augusto Frederico Schmidt. Vento, mar, noite, morta amada, janelas abertas: — não falta nada. Identidade no arsenal das imagens, na busca dos termos, nos cacoetes poéticos, — como a repetição constante de um dado vocábulo (o mar entra vinte e nove vezes nos quarenta versos da poesia Ode ao Mar), ou as imagens que se formam sempre acompanhadas por um adjetivo amplificador: “estranhas mulheres coroadas”; “escuridão da noite encarcerada”; “árvores loucas que procurassem o céu” etc. A impressão que fica é que o moço poeta nada mais quis do que escrever exatamente como o grande cantor da Estrela Solitária. E, no entanto, o Sr. Rui Guilherme Barata é um bom poeta. A sua identificação é um fenômeno que se apresenta como tal intensidade, que nos leva a pensar nele como na Lucy Citty Ferreira do Sr. Augusto Frederico Schmidt. E aí está o maior elogio que se lhe pode fazer. A bela fluidez, o halo majestoso, a nobre melancolia e o ritmo largo do Sr. Augusto Frederico Schmidt, o Sr. Rui Guilherme Barata os possui em certo grau. Seus poemas se leem
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com prazer, e nunca se tem a sensação deprimente de pastiche. Revelam, como foi dito, mais identificação do que propriamente imitação. Pena é que este processo seja de natureza a cortar as asas do jovem poeta paraense. Porque não creio que quem se mostra de tal modo tomado pela maneira de outrem consiga um dia se livrar dela. —
(1) João Cabral de Melo Neto — Pedra do Sono — Pernambuco — 1942 (2) Rui Guilherme Barata — Anjo dos Abismos — Poesias — Livraria José Olímpio Editora — Rio — 1943
ao longo da vida, antonio candido doou cerca de 30 mil livros para diversas instituições públicas e privadas de ensino, guardando consigo alguns volumes selecionados – cerca de 6 mil – pelos quais tinha apego especial. destacam-se nessa seleção, por exemplo, diversas edições de em busca do tempo perdido, do escritor francês marcel proust (1871-1922), seu autor predileto. a foto mostra um detalhe dessa coleção final | foto: andré seiti
no verso da foto ao lado, de 1938, antonio candido escreve: "eu sou o de branco. aviso porque vocĂŞs podem ter esquecido a minha cara e me confundirem"
ocupação antonio candido Concepção e realização Itaú Cultural Curadoria Itaú Cultural e Laura Escorel Projeto expográfico Erica Pedrosa, Henrique Idoeta Soares e Heloísa Vivanco (terceirizada) itaú cultural Presidente Milú Villela Diretor-superintendente Eduardo Saron Superintendente administrativo Sérgio M. Miyazaki
núcleo de audiovisual e literatura Gerência Claudiney Ferreira Coordenação Kety Fernandes Nassar Produção-executiva e audiovisual Ana Paula Fiorotto, Letícia Santos e Ricardo Tayra Captação de imagens, roteiro e edição Karina Fogaça Captação de imagens Sacisamba (terceirizada) Captação de som Tomás Franco (terceirizado) Pesquisa audiovisual Solange Santos (terceirizada)
núcleo de enciclopédia Gerência Tânia Rodrigues Coordenação Glaucy Tudda Produção-executiva Icaro Mello Estagiários Lucas Rosalin e Moisés Baião
núcleo de educação e relacionamento Gerência Valéria Toloi Coordenação de atendimento e formação Samara Ferreira Equipe Amanda Freitas, Caroline Faro, Edinho dos Santos, Edson Bismark, Elissa Sanitá (estagiária), Gabriela Lima (estagiária), Lívia Moraes (estagiária), Lucas Cardoso dos Santos (estagiário), Luísa Saavedra, Maria Luisa Ramirez, Mariane Souza (estagiária), Monique Rocha (estagiária), Raphael Giannini, Renan Jordan (estagiário), Roberta Suzi Correia (estagiária), Sidnei Junior, Tayna Maria Santiago da Silva (estagiária), Thiago Borazanian, Victor Soriano, Vinícius Magnum e Vitor Luz
núcleo de comunicação e relacionamento
Gerência Ana de Fátima Sousa Coordenação de conteúdo Carlos Costa Produção e edição de conteúdo Duanne Ribeiro e Thiago Rosenberg Redes sociais Renato Corch Supervisão de revisão Polyana Lima Revisão de texto Karina Hambra e Rachel Reis (terceirizadas) Produção editorial Luciana Araripe Identidade visual Helga Vaz (terceirizada) Comunicação visual Estúdio Claraboia (terceirizado) Captação de imagens André Seiti Edição de imagens André Seiti e Marcos Ribeiro (terceirizad0)
núcleo de produção de eventos
Gerência Henrique Idoeta Soares Coordenação Vinícius Ramos Produção Agenor Neto, Carmen Fajardo, Érica Pedrosa, Juliana Mendes (terceirizada), Wanderley Bispo e Isabella Bevilacqua (terceirizada)
agradecimentos Ana Luisa Escorel, Antonio Prata, Bel Pedrosa, Bob Wolfenson, Caros Amigos, Celso Lafer, Centro Universitário das Faculdades Associadas de Ensino (Unifae), Cinemateca Brasileira, Comunidade Educativa Cedac, Cristiano Mascaro, Cristina Fonseca, Diário de S.Paulo, Editora Ouro sobre Azul, Editora Paz e Terra, Editora Record, Eduardo Sona, Elisabete Ribas, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP), Festival Literário de Poços de Caldas (Flipoços), Folha da Manhã, Folha de S.Paulo, Fundação Padre Anchieta – TV Cultura, Guilherme Maranhão, Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP, Instituto Moreira Salles, Isa Grinspum Ferraz, Jornal do Brasil, José Miguel Wisnik, Laura de Mello e Souza, Laura Escorel, Luiz Ruffato, Marcello Rollemberg, Marcia Coutinho Ramos Jimenez, Maria Azevedo Sena Silva, Marina de Mello e Souza, Milton Hatoum, Museu da Imagem e do Som de São Paulo (MIS/SP), Moacir Teixeira, O Estado de S. Paulo, Superfilmes, Suzana de Moraes Barros, Univesp, Versátil Videos e Walnice Nogueira Galvão
Centro de Memória, Documentação e Referência Itaú Cultural | Itaú Cultural Ocupação Antonio Candido / organização Itaú Cultural. - São Paulo : Itaú Cultural, 2018. 104 p. : il. ; 19x25 cm ISBN 978 - 85 -7979 -107 -9 1. Antonio Candido, 1918 - 2017. 2. Literatura brasileira. 3. Crítica literária. 4. Sociologia. 5. Política. 6. Exposição de arte – catálogo I. Instituto Itaú Cultural. II. Título. CDD 869.909