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São Paulo 2017
COORDENAÇÃO EDITORIAL C A R LO S CO S TA E D I Ç Ã O - E X E C U T I VA A M A N DA R I G A M O N T I CONSELHO EDITORIAL A N A D E FÁT I M A S O U Z A CLAUDINEY FERREIRA DUANNE RIBEIRO F E R N A N DA F E R R E I R A SA N TOS G L A DYS SC H I N C A R I O L LU I Z C A R LO S M E L LO M A R I A C L A R A M ATO S RAPHAELLA RODRIGUES SIMONI BARBIELLINI TA N I A R O D R I G U E S TAY N Á M E N E Z E S VA L É R I A TO LÓ I DIREÇÃO DE ARTE JADER ROSA P ROJ E TO G R Á F I CO L U C I A N A O R VAT EDIÇÃO DE FOTOGRAFIA ANDRÉ SEITI COORDENAÇÃO DE REVISÃO P O LYA N A L I M A R E V I SÃO ( T E RC E I R I Z A DA ) CIÇA CORRÊA RACHEL REIS PRODUÇÃO EDITORIAL BRUNA GUERREIRO CO L A B O R A R A M N E S TA E D I Ç ÃO C A R LO S CO S TA C ÁT I A M AC H A D O DUANNE RIBEIRO G L A DYS SC H I N C A R I O L J U C I N É I A A N J O S DA S I LVA K AY K Y AV R A H A M MANOEL GODINHO MARCEL CÂNDIDO M A R I A C L A R A M ATO S MICHELLE SOMMER V E R Ô N I C A A L M E I DA L A P PA V E R Ô N I C A PA P O U L A M E N D E S
A S I M AG E N S D E S TA P U B L I C AÇ ÃO S ÃO D E A U TO R I A D E S C O N H E C I DA E P E R T E N C E M A O A R Q U I V O N I S E DA S I LV E I R A , E XC E TO A S P OS T E R I O R M E N T E I D E N T I F I C A DA S F OTO DA C A PA S E B A S T I ÃO B A R B O S A F OTO DA Q U A R TA C A PA J O N A S C U N H A F OTO DA C O N T R A C A PA M Á R I O M A G A L H Ã E S DA S I LV E I R A F OTO DA S PÁG I N A S F OTO DA S PÁG I N A S
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HOMENAGENS A NISE
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MANOEL GODINHO
MARCEL CÂNDIDO
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FICHA TÉCNICA
I T A Ú C U LT U R A L | EDITORIAL
A Ocupação Nise da Silveira é um mergulho na vida de uma mulher revolucionária e necessária. A doutora Nise (1905-1999), uma das principais cientistas brasileiras, foi uma alquimista da psique que redefiniu com determinação novos caminhos pelos territórios da medicina, da filosofia e da arte. Alagoana, estudou na Bahia e viveu no Rio de Janeiro, cercada de gatos, loucos e livros. Ela se autodenominou uma psiquiatra rebelde e dizia levar um cangaceiro debaixo da pele, mas ergueu uma obra estruturada no amor. Não a palavra devastada pelo uso irresponsável, e sim o sentimento vivo, posto em prática e presente em seus principais conceitos: emoção de lidar, afeto catalisador, animal coterapeuta; o respeito irrestrito ao ser humano. A exposição apresenta materiais do acervo pessoal da doutora, nunca antes exibidos em panorama tão amplo, que falam sobre sua família, sua prisão, a relação com o médico e pensador Carl Gustav Jung (1875-1961), a terapia por meio das atividades expressivas, o mergulho nas imagens do inconsciente, a arqueologia do psiquismo – sua forma particular de fazer ciência. Há ainda trabalhos dos clientes da Seção de Terapêutica Ocupacional e Reabilitação (Stor), do Hospital Psiquiátrico de Engenho de Dentro – sua contribuição no meio das artes –, e o
legado contemporâneo do Museu de Imagens do Inconsciente (MII) e da Casa das Palmeiras. Esta publicação expande as possibilidades e a homenagem à doutora Nise por meio de cartas endereçadas a ela e remetidas por pessoas da equipe do Itaú Cultural que, durante o processo de trabalho, foram tocadas pelos ensinamentos da médica, pelo exemplo de sua vida coerente com suas ideias. A coordenadora do MII, Gladys Schincariol, que conviveu por anos com Nise, soma-se ao grupo. Para complementar o conjunto, um texto autoral de Kayky Avraham, militante do Movimento da Luta Antimanicomial e artista, uma matéria sobre a psiquiatria, da jornalista Verônica Papoula Mendes, e uma análise crítica da pesquisadora Michelle Sommer sobre a produção do MII. Homenagens feitas a Nise por atuais clientes do MII fecham o ciclo. A quem se debruçar sobre esses conteúdos o exercício proposto é olhar outra vez para o que nossa sociedade tacha de louco, olhar para si e reconhecer se não somos iguais. Esta é a 37ª edição do programa Ocupação Itaú Cultural, um constante resgate de pesquisadores e artistas que estão no alicerce da cultura e das artes brasileiras. Neste ano, apenas mulheres passaram pelo programa: Laura Cardoso (1927-), Conceição Evaristo (1946-), Aracy Amaral (1930-) e Inezita Barroso (1925-2015). Conheça todos os homenageados em itaucultural.org.br/ocupacao.
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Estimada Nise, Um dos mais fabulosos conceitos desenvolvidos pelo médico e pensador suíço Carl Gustav Jung foi a sincronicidade. Uma contestação ao que chamam de coincidência, uma forma diferente de olhar para o acaso. Como você bem sabe, Jung era um mago e via uma realidade harmônica na qual o homem e sua psique estão alquimicamente relacionados ao mundo físico. E a sincronicidade é quando o pensamento vira realidade. Ao resolver escrever esta carta, nos moldes das que você publicou no livro Cartas a Spinoza (1995), vejo a sincronicidade no teor da sua primeira missiva ao mestre [Baruch de Spinoza (1632-1677) viveu na Holanda e é um dos principais filósofos modernos]*. O que você disse a ele é o que eu quero dizer a você. O fulgor de sua obra venceu o tempo e a área de pesquisa. Em sincronia também está a falta de formação do remetente para discutir com propriedade o teor dos ensinamentos do destinatário. Você não era exatamente filósofa e eu não sou, de forma nenhuma, médico. Mas somos humanos e guardamos em nós todas as capacidades para enfrentar a vida e expor nossos pensamentos. Por fim, a ligação pelo afeto – você se surpreende como Spinosa transformou as pessoas e quanto de afeto destinavam a ele seus seguidores. O mesmo vejo em você. Sincronicidade completa, e a carta que eu deveria escrever em outra perspectiva já foi escrita. Mas aí não acaba minha ânsia de falar e agradecer tudo o que você desperta em mim. Por isso, agora me afasto
de seu texto e sigo meu caminho. Nele, sua presença será um farol. A primeira vez que sua luz me orientou foi um percurso tranquilo. Ia navegando e vi seu exemplo de mulher nordestina que seguiu por caminhos pioneiros, na medicina, nas artes, na vida. Vi que desbravar e conquistar é possível. A segunda vez foi em tempo de tempestade, mar bravio, e a luz apontou que o caminho não estava na superfície, mas nas profundidades. Eu precisava me conhecer para entender melhor meu lugar no mundo. Precisava mergulhar em minha psique. Comecei a ler seus livros, a pensar nesse lugar íntimo e necessário onde moram os sonhos, onde a palavra fracassa, onde o tempo e o espaço não existem. A encarar o inconsciente, as sombras. A aprender a morrer e renascer. Nesse mergulho, sua rota me indicou Jung e vocês me mostraram que nesse mesmo lugar escuro estava também a luz. Como você mesma falou: “A vida não é isso ou aquilo. A vida é isso e aquilo”. Vocês souberam atravessar a noite longa e deixaram registrados mapas que ensinam, a quem quiser navegar, o caminho que leva ao dia iluminado. Aqui, pouco poderia reproduzir conceitos e teorias que comprovam o que eu sinto. E não estou apto para fazer ciência. Aqui posso apenas contar da lição que ficou. É preciso olhar para dentro, desvendar os símbolos, vencer o medo e se recriar. Sempre. E com afeto se encontram a estabilidade e a coragem para isso. Nunca tive gatos, mas sei que tenho o mesmo nome do seu último felino e me dedico a outros animais. Tenho dois cachorros, que governam minha casa e meus hábitos. Olho para isso com orgulho. E encontro em sua história razão para seguir assim esta existência de amor incondicional. Nunca cuidei de loucos, mas tenho por tudo o que está à margem grande atração. E tenho uma história para contar
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sobre isso. Afinal, o que é ser louco? Louco sou eu quando tomado pela dor ou pela alegria intensas. Louco é quem não é feliz e quem não suporta estar triste... Meu pai, há alguns anos, desenvolveu uma demência. Atravessou sua noite escura. Quando já estava bem, recuperando as capacidades, deixei um livro seu para ele. Passados alguns meses, ele ligou para mim e agradeceu. Ele se recusava a ir para a terapia ocupacional. Mas começou a escrever e a deixar fluir seus pensamentos e sua criatividade. Ele reencontrou a capacidade de se expressar e o amor a si mesmo. E estas são as chaves que levo do seu molho, Nise, o amor e a necessidade de expressar a criatividade. E a projeto num lugar muito iluminado. Farol no firmamento. Porque há na espiritualidade universal, dos indígenas aos cristãos, uma busca incessante por estas duas questões: o amor e a verdade. E o primeiro é o único caminho possível. Para terminar, abandono as palavras e proclamo um grande baile, como os que sei que você promovia no Engenho de Dentro, para desespero dos médicos vestidos de branco. Uma grande dança colorida com uma música feliz. E vamos todos dançar com você. Viva, Nise! Carlos C A R LO S CO S TA É J O R N A L I S TA E PA R T I C I P O U D O P R O C E S S O CO L A B O R AT I VO D E C R I A Ç Ã O DA O C U PAÇ ÃO N I S E D A S I LV E I R A
*O nome do filósofo tem sido grafado de várias formas ao longo do tempo – há uma discussão acadêmica sobre a forma mais apropriada. Optamos por usar nos textos produzidos para esta publicação o modo utilizado por Nise: Baruch de Spinoza.
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N A PÁG I N A A N T E R I O R C A R LO S PERTUIS (1910-1977) E O C AC H O R R O S E R TA N E J O – U M A RELAÇÃO QUE AJUDOU NISE A F U N DA M E N TA R S U A S T E O R I A S S O B R E A I M P O R TÂ N C I A D O A N I M A L COT E R A P E U TA N E S TA PÁ G I N A N I S E E M DIVERSAS SITUAÇÕES, COM C Ã E S E G ATO S. O G ATO M A L H A D O B R A N CO E P R E TO Q U E E L A S E G U R A N O CO LO É C A R L I N H O S , S E U Ú LT I M O CO M PA N H E I R O
AO L A D O F OTO D E C E L S O M E I R A , 1 9 8 6 . AG Ê N C I A O G LO B O ABAIXO F OTO D E RO N A L D O T H E O B A L D, 1 9 8 1
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Nise, Fora a minha curiosidade por uma obra que se aventura nos caminhos da loucura, o que primeiro me encaminhou pelo seu trabalho foram as cartas para o filósofo holandês Baruch de Spinoza*. Nos seus escritos, o psiquiatra Carl Jung tem um papel maior: é nele que a sua prática encontra uma teoria. Mas essa influência me afasta um pouco; me incomoda a proximidade do pensamento de Jung com certo misticismo. Eu precisava, então, de outra porta de entrada. Cartas a Spinoza acabou sendo esse pórtico. Sendo formado em filosofia e tendo estudado partes da ética spinozana na faculdade, é natural que esse livro em particular tenha me atraído. Ademais, só de folheá-lo se vê que é intrigante: trata de filosofia em segunda pessoa, em uma conversa, aproximando-se de cada ideia devagarinho, mobilizando tanto o raciocínio quanto as vivências. É a um passo analítico e afetuoso – e, com o tempo, eu aprenderia que a dialética entre esses dois polos (se são polos) é a marca de toda a sua trajetória. Mas confesso: na verdade, impressiona-me que se aborde Spinoza com tanta emoção. O que mais me marcou na leitura do filósofo foi a sua elaborada metafísica, que dispensa um deus antropomórfico, planejador de mundos e gestor de criaturas; e sua perspectiva política que explica, entre outras coisas, como se manipula o medo para erigir o poder. Em oposição a essa satisfação intelectual, as suas cartas
traziam uma familiaridade que não era a da erudição, mas a do compartilhamento de uma forma de sentir. Pensando em como escrever esta carta, lembrei-me que o filósofo francês Gilles Deleuze havia se referido a essas visões tão diferentes (contraditórias?) a respeito do holandês. Em Espinosa – Filosofia Prática, Deleuze fala de duas leituras, por um lado leitura sistemática à procura da ideia de conjunto e da unidade das partes, mas por outro, ao mesmo tempo, a leitura afetiva, sem ideia de conjunto, onde se é levado ou colocado, posto em movimento ou em repouso, agitado ou acalmado dependendo da velocidade desta ou daquela parte. Quem é espinosista? Às vezes, certamente, aquele que trabalha “sobre” Espinosa, sobre os conceitos de Espinosa, à condição de isso ser feito com bastante reconhecimento e admiração. Mas também aquele que, não filósofo, recebe de Espinosa um afeto, um conjunto de afetos, uma determinação cinética, uma pulsão, e faz assim de Espinosa um encontro e um amor.
Como eu havia dito, Nise, penso que seu livro vagueia entre essas duas maneiras de ver. Estudante aplicada toda a vida, a visão sistemática não lhe escaparia. Porém, parece-me mais significativo o caráter diletante, tentativo, das cartas. A senhora se aprofunda mais ou menos em certos trechos, é repelida por uma ou outra abordagem, contribui com os saberes psiquiátricos em alguma vez. É a leitura afetiva o que sobressai. Sendo assim, que afetos a senhora recebe de Spinoza? Qual foi seu encontro com ele?
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IMAGENS DE NISE NA SUA P R I M E I R A I DA À S U Í Ç A E E M U M GRUPO DE ESTUDO NO RIO DE J A N E I R O ; N E S TA PÁ G I N A , N O TO P O E AO L A D O, E L A D I V I D E A C E N A CO M C A R L G U S TAV J U N G E M F OTO S D O A R T I S TA V I S U A L A L M I R M AV I G N I E R
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Creio que vocês se encontram em uma concepção do que é viver, de como buscamos o que faz bem e tropeçamos no que faz mal. Como Deleuze explica, em Spinoza os seres são definidos pelos afetos de que são capazes, isto é, pelas maneiras segundo as quais são afetados pelas coisas. Esses modos de sentir não são só individuais, ocorrem sempre em relacionamento com os outros, com o mundo. Com efeito, são encontros que podem ser positivos ou negativos. Nossa sorte é decidida nesses contatos. Não está aí uma das raízes do seu conceito de afeto catalisador, Nise? No entendimento de que o cuidado e a atenção se disseminam e curam, na percepção de que os animais podem ser terapeutas? Por outro lado, o seu trabalho agiu para reconstruir, nos clientes, as capacidades de sentir. Acredito que os espaços que a senhora construiu conseguiram proporcionar “bons encontros”, no sentido de Spinoza, relações que intensificam o ser. Eu não visitei a Casa das Palmeiras, mas conheci o Museu de Imagens do Inconsciente (MII) – no antigo Hospital Psiquiátrico de Engenho de Dentro, hoje Instituto Municipal Nise da Silveira – e senti isto: apesar das dificuldades de
infraestrutura, o ateliê do museu prossegue atuando como um amplificador de vida. Sabe como um dos clientes que entrevistamos descreveu esse local, doutora? Oásis. Não um terreno murado em que se é deixado; pelo contrário, um lugar de opulência ao qual se chega em meio a viagens difíceis. Nise, criadora de oásis! Mesmo depois de ter avançado no seu O Mundo das Imagens e de ter entendido como a senhora usa a teoria junguiana para descortinar o inconsciente por meio das produções expressivas, o que me atinge com mais força no seu trabalho é essa firme ética de respeito, de defesa da dignidade alheia, de justiça. Combater o que aleija as capacidades de alguém e dar vazão às suas potencialidades: é de Spinoza essa convicção, assim como é sua, Nise. Espero que também possa ser minha. Com admiração, Duanne D U A N N E R I B E I R O É J O R N A L I S TA , M E S T R E E M C I Ê N C I A DA I N F O R M A Ç Ã O, E S P E C I A L I S T A E M G E S T Ã O C U LT U R A L E B A C H A R E L E M F I L O S O F I A . P A R T I C I P O U D O P R O C E S S O C O L A B O R AT I V O D E C R I A Ç Ã O DA O C U PAÇ ÃO N I S E D A S I LV E I R A .
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Querida doutora Nise, Começo esta carta com dificuldade. Sinto que me falta capacidade, confiança e sensibilidade para lhe fazer uma homenagem. Pensei em desistir do desafio, já que há tempos deixei de contar com a minha criatividade para qualquer iniciativa. Nos últimos anos, tenho dedicado minha energia a garantir algumas poucas atividades que considero obrigatórias – muito embora estas também tenham sido fortemente abaladas. Sigo escrevendo porque acredito que a senhora é uma das poucas com quem posso conversar de fato. Custei a aceitar que as pessoas que não têm depressão dificilmente entenderão o que é ter essa doença; muitas delas tentarão – o que já é de um alento inimaginável –, mas outras tantas também não se darão ao trabalho – a tristeza é algo difícil de ser encarado, e como é! Mas vejo que a senhora tem outro tipo de compreensão disso tudo. Não fui sua paciente – nem mesmo sei se poderia ter sido; os principais frequentadores da seção de terapêutica ocupacional, por exemplo, eram diagnosticados com esquizofrenia e estavam internados no Hospital de Engenho de Dentro. Mas de que importa saber exatamente de qual mal padecemos? Padecemos. E a senhora lançou-se em mares
indóceis, em que o conforto de estar na superfície durava pouco. Lembro agora de uma entrevista em que a senhora diz dar o seguinte conselho para aqueles que gostariam de trabalhar ao seu lado: “Antes de tudo compre um escafandro, aprenda a descer no fundo do mar e a subir levando alguém com você. Esse alguém pode chegar ao nível onde você está, mas não se surpreenda se ele for além do seu nível – o que tem acontecido entre nós algumas vezes”*. Tive a oportunidade de conhecer o Museu de Imagens do Inconsciente (MII) e, mesmo sem sua presença ali, ao observar as pinturas de Adelina, Emygdio, Fernando** e tantos outros, percebi o afeto, o respeito e o olhar atento que você destinou a seus pacientes. Acredito muito no poder que exercemos uns nos outros e creio que sua serenidade foi determinante para que cada um expressasse seus sentimentos mais profundos por meio de cores e formas. Confesso que, diariamente, procuro em olhares alheios a tranquilidade e a força que me faltam. E que poder de mudança nosso olhar tem, Nise! Nos últimos seis anos mais ou menos, visitei quase uma dúzia de homens vestidos de branco que em 15 minutos de conversa misturada a muitas lágrimas diziam ter o diagnóstico do meu caso. A visita invariavelmente acabava com mais dois ou três remédios diferentes para aumentar a já longa lista. Aliás, creio que a senhora se espantaria com a quantidade de remédios prescritos para todo e qualquer tipo
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M A R I A C L A R A M ATO S | C A R TA S A N I S E IMAGENS DE NISE EM AT I V I DA D E S T E R A P Ê U T I C A S N O E N G E N H O D E D E N T R O. N A S E G U N DA F OTO, E L A G A N H A F LO R E S D E A D E L I N A GOMES (1916-1984) N O T O P O D E S TA PÁ G I N A F OTO D E LU I S C A R LO S SA L DA N H A , 1 9 8 0
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de desordem comportamental e psicológica hoje em dia. No meu caso, cheguei a temer mais os efeitos dos medicamentos do que os da própria depressão. E esse sentimento de inaptidão e de frustração que sinto agora em parte deriva deles. Não lhes tiro o valor. Em parte, escrevo também por causa do uso deles. Não sou pesquisadora, tampouco alguém da ciência, mas pelo que sei a luta antimanicomial do final dos anos 1970 e a reforma psiquiátrica fizeram com que os manicômios fossem progressivamente substituídos por unidades de serviços comunitários e abertos; a lobotomia não é mais praticada como tratamento de doenças mentais; e as técnicas relacionadas ao eletrochoque evoluíram amplamente. Mas vejo que aprendemos muito menos do que a sua trajetória tem a nos oferecer. Tanto no sentido do afeto como cura quanto no que se refere ao papel da arte como dispositivo para recuperação e como campo fértil para estudos clínicos. Hoje vivemos tempos obscuros, de ódio e de intolerância em relação às artes, Nise – acho que não preciso explicar muito sobre momentos históricos como esse, já que a senhora foi presa durante o governo de Getúlio Vargas, um pouco antes da instauração do Estado Novo. Acredito que seja mais um momento de correnteza contra a sua maré de questionamentos, entendimentos e bem-aventuranças. Mas desejo terminar esta carta da maneira mais positiva possível, inspirada pelo otimismo que paira em suas falas sobre seu trabalho e sobre seus clientes. Tenho certeza
de que a senhora ficaria feliz em conhecer algumas pessoas que estudam a psiquiatria hoje em dia – aposto que iria adorar bater um papo com meu atual psiquiatra; o doutor Eduardo é de uma sensibilidade ímpar! Tenho sempre ao meu lado O Demônio do Meio-Dia, de um autor norte-americano chamado Andrew Solomon. Nos momentos em que me faltou o ar ele me ajudou a enxergar a superfície; que bom seria poder compartilhar com a senhora alguns trechos! Ganhei esse livro há alguns anos de um amor muito especial, que resolveu ficar e tornar-se farol. E que a vida seja feita desses felizes encontros. Assim como o nosso. Com amor, Clara M A R I A C L A R A M ATO S É J O R N A L I S TA E PA R T I C I P O U D O P R O C E S S O C O L A B O R AT I V O D E C R I A Ç Ã O DA O C U PAÇ ÃO N I S E D A S I LV E I R A .
*Citação de Nise da Silveira em entrevista concedida ao pesquisador Edson Passetti, em 1992. ** Adelina Gomes, Carlos Pertuis, Emygdio de Barros, Fernando Diniz e Raphael Domingues são clientes que atravessaram Nise da Silveira e estão eternizados em sua obra. A produção deles tem lugar de destaque na arte brasileira contemporânea.
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Dra. Nise, É essencial que evoquemos sua atuação neste momento em que debatemos o protagonismo da mulher. Você, para mim, foi mais do que protagonista de sua própria história – e da de pessoas que frequentaram o Engenho de Dentro. Você foi e é precursora de uma linha de pensamento e atuação em nosso país. Você é precursora em seu gesto, em seu afeto e nas premissas de seu trabalho cotidiano. Acho necessário chamá-la de doutora – esse título por muito tempo negado às mulheres ou usado com deboche. Você, que foi a primeira mulher a se formar na Faculdade de Medicina da Bahia, em 1926. A única mulher em uma classe com 157 homens – nem banheiro feminino tinha! Nise, quão decidida era você aos 16 anos. Deixou sua família, mudou-se para a Bahia – uma menina, naquela época, com tamanha independência. Como podia? Todos os dias, segurava o xixi até a hora do almoço, corria para casa, voltava correndo e, de novo, segurava até o final do dia. “Mulher era feito anjo, não mijava”, disse você em uma entrevista feita por Dulce Chaves Pandolfi em 1992, ano em que nasci. E, hoje, 25 anos depois, mulher até mija, viu? Mas tem de chamar de xixi ou “ida ao banheiro”. Mulher tem de saber se portar. Senão, não pode. Você conta que, nas aulas, ao lado dos 157 colegas, era tratada como alguém que fosse menos. E você foi se impondo por sua dedicação e sua inteligência. Você nem se vangloria tanto disso, mas aposto que os humilhava, não é? Eles se achavam tão melhores e nem deveriam chegar aos seus pés! Você se impôs, Nise, com o poder da palavra.
Um fator que me atrai muito a pensar sobre você é a empatia feminina, Nise. Ao mesmo tempo que obedece a essa regra do comportamento feminino, você rompe com outros padrões de comportamento a nós fixados, porque você se impõe esse sentimento rigidamente, de maneira séria, formal. Explico: você sabe que nós, mulheres, somos criadas para ter empatia com humanos e outros seres vivos. Daí também vem o mito da maternidade como um desejo natural e uma capacidade inata. Aliás, gostaria demais de saber por que você nunca foi mãe. Será que foi por ter decidido priorizar sua carreira e sua dedicação – querendo ou não, maternal – a seus clientes, lugares e animais? Eu acho bem bonito isso, essa dedicação por completo a um trabalho de toda a vida. Enfim, essa socialização feminina, da empatia, aparece quando você retorna para o Hospício da Praia Vermelha – “Aperte o botão”/“Não aperto”. Aí começou a rebelde, como você diz, quando se recusou a dar o eletrochoque em um paciente. Essa nunca poderia ser a atitude de um homem – você imagina um homem daqueles que trabalhavam no hospício questionando o porquê de apertar um botão que ele mesmo criou? E olhar para um louco como um igual? O homem é criado para competir, para rir daqueles que são, a seu ver, menos do que ele. Então, Nise, se não fosse você, com sua delicadeza feminina e sua rebeldia – que vem do sangue mesmo, desde quando você decidiu fazer uma faculdade que mulheres não faziam –, naquela sala, naquele momento, essa ordem imposta nunca teria sido questionada. Ou seriam anos ainda de sofrimento de pessoas que nada de errado fizeram antes que alguém apontasse que algo estava errado ali. Tinha de ser você, Nise!
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ABAIXO NISE AOS 16 ANOS D E I DA D E; AO L A D O A Ú N I C A MULHER ENTRE OS FORMANDOS
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E somado a essa delicadeza vinha o profissionalismo. A mulher de luta! Não se deixava abalar, batia de frente, combatia e questionava. E aí está o contraponto aos padrões a nós impostos. Além, é claro, de sua organização, seu rigor científico, sua postura metódica de trabalho – características mais do que necessárias para conferir seriedade a uma mulher combatendo preceitos masculinos. Você desmontou estereótipos e marcou história, fez seu nome. Quem daqueles outros 157 chegou tão longe?! Tem outra coisa que eu gostaria de contar, cá entre nós. Divagação minha. Graças a você, Nise, estou vivenciando um embate comigo mesma. Eu já me identifiquei com diferentes expressões artísticas – fazia desenhos sem forma, fotografava
A U L A D E A N ATO M I A N A FAC U L DA D E D E M E D I C I N A DA B A H I A | AC E RVO DA F U N DAÇ ÃO BIBLIOTECA NACIONAL
interpretações próprias, escrevia o que pensava, manipulava meu corpo de maneira a vê-lo como arte minha. Com a chegada à vida adulta e os estudos na faculdade de jornalismo, fui me forçando a deixar esse lugar, eu me afundei em uma racionalidade e em uma maneira de me expressar de um jeito que não parece ser eu mesma. Desde que mergulhei em seu trabalho, passei a questionar: o que me tornei? Esse caminho foi natural? O que é natural? Sempre que me surge a oportunidade, volto a esse questionamento do que é a loucura. Loucura nossa, individual, loucura do outro. Durante uma imersão em debates sobre processos de criação nas artes – e, especificamente, na fotografia – e o que significam, quando pensava no meu só me vinha a loucura. O que é a arte senão essa exteriorização do inconsciente? Pego-me tentando racionalizar a arte. Buscando criar uma leitura crítica da produção – minha ou não. Precisamos explicar tudo? Divirto-me com as teorias a respeito da arte: o autor quis demonstrar; o autor se inspirou; a infância do autor... Eu mesma já percorri teorias, inventei hipóteses, para justificar escolhas minhas. Elas devem até ter alguma origem, e podem ser justificáveis, mas não acho que seja algo feito por meio de uma escolha racional. Não necessariamente. E se eu fiz apenas porque quis fazer? Por isso tudo eu lhe agradeço, doutora Nise. Com carinho e admiração, Amanda A M A N DA R I G A M O N T I É J O R N A L I S TA E F OTÓ G R A FA E PA R T I C I P O U D O P R O C E S S O C O L A B O R AT I V O D E C R I A Ç Ã O DA O C U PAÇ ÃO N I S E D A S I LV E I R A .
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Rio de Janeiro, setembro de 2017.
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Cara Nise, Nós, do Museu de Imagens do Inconsciente (MII), estamos empolgados com a oportunidade de participar desta merecida homenagem a você, nossa querida mestra. Desejamos que essa “ocupação” desperte o interesse do grande público e que as autoridades, enfim, possam reconhecer a importância da divulgação, ampliação e preservação de sua obra. Trata-se de um patrimônio da humanidade, de maior importância para a formação das gerações vindouras. Queiram os deuses e as deusas que sua figura humana, arauto das liberdades e do respeito ao diferente e às diferenças, leve a todos alguma luz, esperança e coragem no enfrentamento deste momento sombrio de caos político e social que atravessamos. A crise é ética e de valores, Nise. Estão de volta os tempos de censura às artes, de restrição à liberdade de expressão, da absurda “cura gay”. Infelizmente, estamos retrocedendo. As máscaras caíram, a Sombra do homem está solta. O capitalismo venceu. O neoliberalismo venceu. A indústria farmacêutica venceu. A indústria armamentista venceu. Estamos na era da medicalização e da violência gratuita. São tempos difíceis. Inspire-nos à resistência, Nise. Nós sabemos dos tantos momentos sombrios da história que você atravessou e com que bravura os enfrentou. Que sua vida possa servir de exemplo.
Fico imaginando você, lá no hospício de Engenho de Dentro em 1946, no pós-guerra, retornando do exílio, depois de ter sido presa pela ditadura de Vargas e afastada do seu trabalho de médica por oito anos. Você foi chegando, única mulher, a um universo masculino e machista, culta, inteligente e com mania de liberdade.... Insurgiu-se contra a ordem estabelecida e a psiquiatria cartesiana com seus tratamentos agressivos. Iniciou uma revolução pessoal que durou até o fim de sua vida. Transformou a realidade com a qual não concordou. Você foi valente, Nise! E coerente. Não ficou apenas na briga. Apresentou alternativas de tratamento mais humanas. Liderou um movimento. Criou seu próprio método de terapia – expressiva, valorizando as relações afetivas, respeitando a subjetividade e a criatividade. O que você fez foi sem precedentes na história da psiquiatria, da psicologia e das artes. Seu interesse pelo estudo e pela pesquisa foi sua principal chave de trabalho. Lembremos suas palavras no prefácio do seu livro Imagens do Inconsciente: Meu trabalho não se inspirou na psiquiatria atualmente predominante, caracterizada pela escassa atenção que concede aos fenômenos intrapsíquicos em curso durante a psicose. Ao contrário, meu interesse maior desde cedo foi penetrar, pouco que fosse, no mundo interno do esquizofrênico. [...] Na escola viva que eram os ateliers de pintura de modelagem, a escola que eu frequentava cada dia, constantemente levantavam-se problemas. Dificuldades
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MUSEU DE IMAGENS DO INCONSCIENTE (MII) (2016) | LUCIANO BOGADO
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que conduziam a estudos apaixonantes e muitas vezes tornavam necessária a procura de ajuda fora do campo da psiquiatria – na arte, nos mitos, religiões, literatura, onde sempre encontraram formas de expressão as mais
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profundas emoções humanas.
E foi desses ateliês que nasceu o Museu de Imagens do Inconsciente. Reconhecida internacionalmente por seu trabalho científico e humanista no campo da saúde mental, e da cultura, você é considerada hoje uma das mais importantes mulheres brasileiras do século XX. Você virou um Mito, Nise. Transcendeu. Povoa o imaginário popular com sua Sabedoria. Conhecida como o anjo duro, é um símbolo de luta e de defesa dos animais e dos loucos. Despertou nas consciências a função do feminino, do afeto, da maternagem, da alteridade, do cuidado com o outro, com o ser humano sensível que adoece. Inaugurou uma nova era, de integração do princípio feminino. Sua voz corajosa insurgiu-se contra os manicômios da época e fez denúncias, inconformada com o ciclo infindável das reinternações:
Algo espúrio haverá por trás da inércia diante de tais evidências. Não será difícil detectá-las: a indústria da loucura é uma lucrativa aplicação de capital. As poderosas multinacionais produtoras de psicofármacos bem o demonstram. O que interessa, portanto, é o lucro
proporcionado pelo indivíduo internado ou reinternado. Quanto mais vezes, melhor... [...] Aquilo que se impõe é uma verdadeira mutação, tendo por princípio a abolição total dos métodos agressivos, do regime carcerário e a mudança face ao indivíduo, que deixará de ser o paciente para adquirir a condição de pessoa com direito de ser respeitada.
Juntaram-se à sua voz as de muitos outros psiquiatras e trabalhadores da saúde mental da rede pública, de doentes e seus familiares que se uniram exigindo mudanças. A reforma psiquiátrica brasileira foi um dos grandes movimentos libertários do final do século passado na esfera das políticas públicas e dos direitos humanos. Quebrou-se, enfim, a hegemonia do leito, das clínicas conveniadas. Manicômio nunca mais. Essa foi uma das suas bandeiras. De fato, muitas coisas mudaram nesse sentido. Veja só o texto que copiei de um folheto de divulgação de um evento de comemoração dos 30 anos da Luta Antimanicomial. A Política Nacional de Saúde Mental busca consolidar um modelo de atenção e cuidado aberto e de base comunitária. A proposta é garantir uma livre circulação das pessoas em sofrimento psíquico pelos serviços, pela comunidade e pela cidade por meio da substituição de formas tradicionais de tratamento produtoras de exclusão, como o manicômio, por um novo paradigma que prevê tratamento mais humanizado e baseado na integralidade do cuidado.
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No Rio, no último dia 18 de maio, a festa de celebração dos 30 anos da luta, organizada pela Rede de Atenção Psicossocial da Zona Norte, foi na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), em solidariedade ao triste abandono e à situação financeira precária da maior, e outrora melhor, universidade do estado. Você iria gostar de ver. A Saúde Mental ocupou a Uerj por uma educação de qualidade. Os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) estiveram presentes com suas barracas de artesanato e comidinhas. Todos, usuários e profissionais, em perfeito convívio. Houve palestras, mesas-redondas, exposições, performances e apresentações teatrais, abordando-se temas polêmicos, como o suicídio, a violência e a segregação social, de raça e de gênero, nessa cidade partida.
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D E S F I L E D O B LO CO LO U C U R A S U B U R B A N A N O E N G E N H O D E D E N T R O, N O C A R N AVA L D E 2 0 1 7. U M A DA S P R I N C I PA I S AT R AÇÕ E S C A R N AVA L E S C A S DA ZO N A N O R T E C A R I O C A , O B LO C O, DESDE 2001, ROMPE OS MUROS DO HOSPÍCIO E R E S G ATA O C A R N AVA L D E R U A D O B A I R R O, R E U N I N D O USUÁRIOS, FAMILIARES E F U N C I O N Á R I OS DA R E D E D E S A Ú D E M E N TA L , ALÉM DE MORADORES DA R E G I Ã O, C R I A N D O U M M OV I M E N TO D E INTEGRAÇÃO COM A CO M U N I DA D E T E N D O C O M O M OT I VA Ç Ã O A LO U C U R A DA A L EG R I A
G L A DYS SC H I N C A R I O L | C A R TA S A N I S E
O ponto alto da festa foram as bandas de música que sempre animam as rodas e põem todo mundo para dançar e cantar. Harmonia Enlouquece, Sistema Nervoso Alterado, Bateria Ensandecida do Bloco Loucura Suburbana e outras bandas e artistas se apresentaram num palco improvisado, fazendo a alegria geral. Arte cura. Arte é vida. Seu nome foi muito lembrado, Nise, em imagens, letras de música e poesias, numa demonstração de que sua memória está viva. Imagine que um grupo de jovens ficava distribuindo frases suas, sábios conselhos, como bilhetinhos amorosos, passados de mão em mão. Uma maneira singela e educativa de espalhar seus ensinamentos. A sensação do dia foi causada pela “bonequinha Nise”, de óculos e de coque, com um gatinho no colo. Muitas pessoas levaram suas Nises para casa. Sua figura inconfundível associada ao gato tornou-se um ícone, principalmente entre os jovens, que são os maiores entusiastas do seu trabalho. A festa foi mesmo bonita e refletiu as importantes mudanças operadas no sistema. Muitas coisas melhoraram com certeza, mas, apesar dos avanços, nem tudo são flores. Depois da festa, a volta à realidade do cotidiano é difícil. A crise que assola o país pune certamente os segmentos mais frágeis da sociedade. Falta de um tudo nos serviços de saúde mental. Recursos humanos, materiais, infraestrutura, alimentação de qualidade, transporte, moradia, assistência médica. Não sei onde vamos parar. Há ainda muitos desafios pela frente. Se a vida em sociedade já é difícil para um “sujeito normal”, imagine para os não normais!
Sei que não adiantaria choramingar com você pelas dificuldades; você me daria logo um “sacode”, me chamaria de sangue de barata e me mandaria ir à luta e trabalhar. E estudar. Era o que você sempre fazia. Você me diria para acreditar que toda crise leva a uma transformação e que do caos surge a ordem. E me mandaria, com certeza, manter o Museu Vivo, aberto a todos. Eu comecei esta carta com a missão de refletir sobre a atualidade da sua obra, em que medida a terapêutica ocupacional, a psicologia e a psiquiatria levam hoje seu trabalho como referência. O que você atingiu, o que chegou a influenciar, que áreas poderiam se aperfeiçoar com suas ideias. Mas me perdi nos meandros das minhas reflexões e no calor das emoções que a avalanche de más notícias tem me provocado. Desculpe, Nise, acho que não cumpri minha missão. Precisaria ainda de páginas e mais páginas. Prefiro encerrar relembrando duas frases suas que estão nas últimas páginas do seu livro O Mundo das Imagens e que me são caras. “Não se pode pretender chegar à compreensão da história tomando-se apenas uma única dimensão entre as muitas que tecem sua complexa contextura.” “O homem precisa não esquecer que faz parte de um vastíssimo sistema de interações do qual ele até agora apenas estudou a superfície. Há ainda muitas coisas a descobrir.” Salve, Nise! De sua mais humilde discípula, Gladys G L A DYS SC H I N C A R I O L É CO O R D E N A D O R A D O M U S E U D E I M AG E N S DO INCONSCIENTE.
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A ARTE DA LOUCURA
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OU A LOUCURA DA ARTE?
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KAYKY AVRAHAM
A A RT E DA LO U C U R A O U A LO U C U R A DA A RT E ?
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K AY K Y AV R A H A M
“A arte de ser louco é jamais cometer a loucura de ser um sujeito normal.” Raul Seixas A história da loucura foi feita de muito sofrimento e perseguição em diversas culturas. Ter nascido louco com certeza foi uma punição. Todavia, há registros de vários “loucos” que souberam sobreviver por meio da arte, tanto no campo artístico quanto no literário. A loucura tem uma fase mágica que é o processo da criação, em que a mente torna tudo possível, as ideias fluem e formas e cores se tornam combinações perfeitas na busca do belo, abrindo novos caminhos para a discussão de novas percepções. Vejo que a loucura me tirou uma vida considerada normal nos padrões atuais e que obtive alguns prejuízos dos quais não consigo me recuperar. Minha primeira internação foi aos 14 anos de idade, quando conheci o músico Raul Seixas. Na época, não tinha ideia de quem era; mas de tudo o que ele me disse algo nunca esquecerei: “Bem-vindo à Sociedade Secreta”. Naquele momento, nada fez nenhum sentido para mim. Ao longo da vida tive várias crises e, quando chegava ao grau máximo da euforia, era internado e entrava em outro mundo, no qual nada era real, o tempo era muito lento e com os efeitos da medicação tudo ficava muito difícil. O convívio com outras pessoas que tinham um sofrimento mental me fez aprender a compartilhar diferentes experiências e histórias de vida. Com o passar dos anos, fui entendendo a frase de Raul Seixas – a Sociedade Secreta que ninguém conhece não guarda segredos, mas os templos, que são os manicômios, e os seus membros, sim. Os chamados “loucos” pela sociedade
N E S TA E N A P R Ó X I M A PÁ G I N A TRABALHOS DE RAPHAEL DOMINGUES (1912-1979), UM D OS C A M A F E U S D E N I S E DA S I LV E I R A – C U J A P R O D U Ç Ã O N O F I N A L DA D ÉC A DA D E 1 94 0 IMPRESSIONOU A CRÍTICA DE ARTES. RAPHAEL PRODUZIU SOB A CONDUÇÃO DE ALMIR M AV I G N I E R E M A R T H A P I R E S, E M P E R Í O D OS D I S T I N TOS, E S E U S D E S E N H O S O C U PA M U M LU G A R D E D E S TAQ U E N A H I S TÓ R I A DA A RT E B R A S I L E I R A
moderna são verdadeiros mártires da história, pois estão presos sem ter cometido nenhum crime, confinados em muralhas físicas e mentais, desprovidos de liberdade e vivendo em sofrimento constante. Atualmente, a chamada sociedade moderna vive a era da depressão. Esta, por sua vez, vem sendo considerada uma epidemia no planeta, vista como uma dor sem motivo da qual muitos sofrem e pela qual a vida perde o sentido.
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As pessoas que estão inseridas nos padrões de normalidade não dão credibilidade a um “louco”, pois vivemos em uma sociedade da estética que teme ter em suas relações pessoas com distúrbios mentais por medo de sofrer alguma agressão. Entretanto, conheço muitas histórias de pessoas que, mesmo com sofrimento mental, conseguiram ser respeitadas, como alguns artistas e líderes religiosos que em público expuseram suas vidas com a bipolaridade, a depressão e, recentemente, com a crise de pânico. Essas atitudes fazem com que as pessoas mudem seu olhar sobre os chamados “loucos”. A loucura não tem cura. O paciente é diagnosticado e, a partir daí, tem duas opções: aceita o tratamento proposto ou reluta em receber ajuda. Com o complexo processo da reforma psiquiátrica, temos o início do fechamento de alguns manicômios e o surgimento de uma rede de apoio, os chamados Centros de Atenção Psicossocial (Caps), espaços dedicados ao atendimento de pessoas com transtornos mentais, oferecendo atendimento multidisciplinar, suporte nas crises e várias atividades artísticas com o intuito de inserir seus pacientes no convívio social. Como usuário do Caps Itapeva, vejo a necessidade de buscar novas tecnologias no tratamento e incentivar a produção artística, único meio capaz de transformar as fases de euforia em verdadeiras obras de arte e os momentos de baixa, como a depressão, na criação de músicas e poesias. Se hoje estou estabilizado, foi graças ao poder da arte. C A R L O S H E N R I Q U E G A R C I A , C O N H E C I D O C O M O K AY K Y AV R A H A M , N A S C E U E M 1 9 6 9, E M S Ã O PA U LO, O N D E S E TO R N O U M I L I TA N T E D O M O V I M E N TO DA L U TA A N T I M A N I C O M I A L . É P I N T O R , A R T I S T A M U LT I M Í D I A E C I N E A S T A , C O M O F I L M E S O C I E D A D E S E C R E T A .
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O POTENCIAL AUTOCURATIVO DA PSIQUE VERÔNICA PAPOULA MENDES
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Nise da Silveira revolucionou os tratamentos das doenças psíquicas no Brasil no século XX. Na época em que o estudo da medicina psiquiátrica disseminava a lobotomia e o eletrochoque, Nise lutou para que seu método – que envolvia afeto, conforto emocional e espaço livre –, aliado à expressão artística, fosse reconhecido como outro caminho a ser seguido no cuidado com os pacientes. No Hospital Psiquiátrico de Engenho de Dentro, antigo Centro Psiquiátrico Nacional, no Rio de Janeiro, ela criou em 1946 a Seção de Terapêutica Ocupacional e Reabilitação (Stor) e, por meio de diversas atividades expressivas, foi aos poucos comprovando que seu trabalho no ateliê de pintura era um meio de acesso ao mundo interno do esquizofrênico. As obras produzidas revelam vivências, traumas dos indivíduos que, ao se expressar, avançam rumo à cura. A médica psiquiatra percebeu que, por trás de cada paciente, havia uma história humana que justificava sua tormenta mental e que, por serem autodidatas – nenhum dos “clientes”, como ela preferia se referir a seus pacientes, teve anteriormente iniciação nas artes plásticas –, retratavam com naturalidade o inconsciente. Pelas séries de imagens produzidas, ela podia verificar a dinâmica do mundo interno e as transformações emocionais que aconteciam no inconsciente, acompanhando a evolução clínica de cada caso.
F OTO S D E A U L A D O AT E L I Ê AO A R L I V R E . AC I M A E M YG D I O DE BARROS (1895-1986) EM PRIMEIRO PLANO; ABAIXO A D E L I N A G O M E S ( D E CO S TA S ) , NISE E UMA ENFERMEIRA
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A S P I N T U R A S D E E M YG D I O D E BARROS SURPREENDERAM A C R Í T I C A , R E C E B E N D O E LO G I O S DE NOMES COMO MÁRIO PEDROSA (1900-1981): “EM S U A P I N T U R A N Ã O S E D E N OTA NEM GROTESCO NEM DELÍRIO N E M P E S A D E LO, E S I M U M A F O R Ç A P O É T I C A , U M L I R I S M O, U M V I G O R M E TA F Í S I C O, U M HUMOR, UM EXPRESSIONISMO M O D E R A D O D E V E R DA D E I R O A R T I S T A” ; E F E R R E I R A G U L L A R ( 1 9 3 0 - 2 0 1 6 ) : “ E M YG D I O D E B A R R O S É TA LV E Z O Ú N I C O G Ê N I O D A P I N T U R A B R A S I L E I R A” ADELINA GOMES, ALÉM DE E S C U LT U R A S , F L O R E S D E P A P E L E TRABALHOS EM CROCHÊ, D E I XO U U M A I M P O R TA N T E COLEÇÃO DE IMAGENS QUE R E V E L A M M E TA M O R F O S E S D O H U M A N O E M V E G E TA L , O U S E U R E V E R S O, P R E S E N T E E M M I TO S D E D I V E R S A S C U LT U R A S E É P O C A S, DA G R ÉC I A A N T I G A À AMAZÔNIA CONTEMPORÂNEA
A S M A N DA L A S S Ã O U M S Í M B O LO D E U N I DA D E DA P S I Q U E . FERNANDO DINIZ (19181 9 9 9 ) , AU TO R DA S M A N DA L A S R E U N I DA S AQ U I , P RO DU Z I U T E L A S, D E S E N H O S, TA P E T E S, M O D E L A G E N S . M E S C L AVA O F I G U R AT I VO E O A B S T R ATO EM COMPLEXAS ESTRUTURAS. E M PA R C E R I A CO M O C I N E A S TA MARCOS MAGALHÃES (1958), REALIZOU A ANIMAÇÃO E S T R E L A D E O I TO P O N TA S ( 1 9 96 ) , P R E M I A DA N OS F E S T I VA I S D E C I N E M A D E G R A M A D O E H AVA N A
Psicologia junguiana na América Latina “A psique que vivia em estado de desorientação também estava produzindo imagens que buscavam a unidade, a ordem, como a mandala, que é circular e se opõe à situação de conflito e de caos. A descoberta do potencial autocurativo pela psique, que busca o equilíbrio, foi o ponto de partida de Nise da Silveira para os estudos e o contato com Carl Gustav Jung”, conta Luiz Carlos Mello, atual diretor do Museu de Imagens do Inconsciente (MII), no Rio de Janeiro. Após Nise enviar uma carta ao renomado psiquiatra suíço Carl Gustav Jung, em 1954, com as mandalas que os pacientes haviam pintado e descrevendo sua técnica de terapia ocupacional, teve início um relacionamento profissional que introduzia a psicologia junguiana na América Latina. Ao responder sua carta, Jung diz: “Essas formas demonstram que a psique perturbada, fragmentada, possui um potencial reorganizador e autocurativo que se configura sob a forma de imagens circulares denominadas mandalas”. Após trocas de correspondências, a médica brasileira participou do Congresso Internacional de Psiquiatria em 1957, em Zurique, a convite do próprio Jung.
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A luta antimanicomial Ao humanizar o tratamento, Nise anteviu os caminhos da psiquiatria atual. Para Bernardo Horta, autor da biografia Nise – Arqueóloga dos Mares, a médica constatava o que Jung afirmava: “Se para o neurótico – o que seria todos nós, segundo Freud – o tratamento é por meio da palavra, ou seja, a psicanálise, para o esquizofrênico, segundo Jung, a palavra não dá conta. Para esse paciente, o tratamento deveria ser pela imagem”, diz. Com a reforma psiquiátrica no Brasil e o avanço da medicina e da indústria farmacêutica, manicômios foram sendo fechados e tratamentos que visavam à melhora do indivíduo tomaram o lugar dos de antigamente – mesmo que ainda hoje técnicas como o eletrochoque sejam utilizadas e consideradas eficientes em muitos casos de esquizofrenia e depressão, elas ocupam outro lugar. Por mais que as pesquisas científicas alcancem méritos incontestáveis, principalmente relacionados aos tratamentos da esquizofrenia e da depressão, ainda não é possível descobrir a cura, mas sabe-se que liberar experiências reprimidas por meio da expressão artística é um método eficaz. Até hoje psiquiatras e cientistas dessa área tentam decifrar o cérebro e confessam que ainda não podem precisar nem mesmo a porcentagem exata que realmente conhecem da mente humana.
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O H O S P I TA L DA P R A I A VERMELHA, ONDE NISE FOI D E T I DA D U R A N T E A D I TA D U R A D O E S TA D O N O VO | A R Q U I VO CENTRAL DO IPHAN-RJ
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Mal-estar contemporâneo Ao traçar um histórico dos transtornos mentais é possível dizer que os diagnósticos se alternam em razão, até mesmo, da evolução da sociedade e da época em que se vive. Atualmente, a depressão é considerada o mal-estar de ordem psíquica que faz mais vítimas. Dados estatísticos da Organização Mundial da Saúde (OMS) coletados entre 2005 e 2015 apontam que no Brasil a depressão atinge 11,5 milhões de pessoas (5,8% da população), enquanto o Ministério da Saúde mostra que o índice de suicídios no país subiu 12% entre 2011 e 2015. Em períodos de guerra, ficava claro o motivo da tormenta. Hoje, pode-se justificar os altos índices de depressão e até suicídios seguindo a lógica de estudiosos como o sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017): “Viver entre uma multidão de valores, normas e estilos de vida em competição, sem uma garantia firme e confiável de estarmos certos, é perigoso e cobra um alto preço psicológico”. O estresse e a pressão da sociedade moderna geram no indivíduo uma angústia e ele busca ajuda nos consultórios de psicólogos e psiquiatras. “A grande queixa do paciente que toma medicamento para a depressão é que ele está bem, sente-se equilibrado e consegue realizar as tarefas do dia a dia, mas tende a querer deixar a medicação por não se reconhecer em situações de trauma. Por exemplo, a aflição em se ver zen diante de uma situação de morte”, afirma Alfredo Simonetti, médico
psiquiatra e mestre em psicologia clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Os próprios médicos assumem que não há como saber quais são os medicamentos certos para cada pessoa no tratamento de depressão e outras doenças psíquicas. Então, inicia-se um processo com medicação e terapia analítica. O médico vai alternando medicamentos até ouvir do próprio paciente que ele se sente melhor. Porém, há muitos relatos de pacientes que melhoram já com a primeira medicação.
PINTURAS DE RAPHAEL D O M I N G U E S P RO DU Z I DA S N O AT E L I Ê D O E N G E N H O DE DENTRO
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P R O D U Ç ÃO D E C A R LO S P E R T U I S D E 1 9 5 9 N O AT E L I Ê D O E N G E N H O D E D E N T R O. ELE FEZ DESENHOS, PINTURAS, M O D E L AG E N S, X I LO G R AV U R A S E E SC R I TOS. E M S UA P RO DU Ç ÃO P I C TÓ R I C A T E M R E L E VO A EXPERIÊNCIA MÍSTICA DO S A G R A D O, Q U E P E R M E I A TO DA
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Esquizofrenia e depressão É importante dizer que existe diferença entre esquizofrenia e depressão, apesar de ambas serem transtornos mentais: a depressão não apresenta alucinações e delírios, e o paciente pode conviver pacificamente em sociedade; assim como o esquizofrênico – quando não apresenta surtos. Os medicamentos também podem ser diferentes. “A esquizofrenia é uma doença de evolução crônica caracterizada por sintomas classificados em positivos (alucinações e delírios) e negativos (embotamento afetivo e pobreza no discurso). A esquizofrenia normalmente é tratada com medicamentos inibidores das funções psicomotoras, que podem encontrar-se aumentadas em estados, por exemplo, de excitação e de agitação. Paralelamente, eles atenuam também os sintomas neuropsíquicos considerados psicóticos, como os delírios e as alucinações. O paciente esquizofrênico irá conviver com a doença durante toda a vida”, afirma Durval Mazzei, psiquiatra, psicanalista, mestre em psiquiatria pelo Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE) e autor dos livros Psicanálise e Medicina e Toxicomanias. Já a depressão tem graus, de moderado a grave, e o paciente com tratamento medicamentoso e acompanhamento psicanalítico pode vir a se recuperar e não precisar tomar a medicação para o resto da vida. Os diagnósticos também são feitos por base comparativa, porém aliados aos relatos de melhora dos pacientes. “Às vezes, uma perda emocional pode desencadear um estado depressivo e a pessoa precisa usar a medicação durante um tempo. Agora, se o paciente tiver muitos episódios de depressão durante a vida, talvez ele tenha de tomar o medicamento por mais tempo, ou até fazer a troca ou o uso concomitante com outros”, conclui o psiquiatra. V E R Ô N I C A PA P O U L A M E N D E S É J O R N A L I S TA . AT U A N A S Á R E A S D E S A Ú D E , E D U C AÇ ÃO, C U LT U R A E C O R P O R A T I V A .
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ARTE, NECESSIDADE VITAL
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Arte, necessidade vital & arte, fluido vital. Mais de 70 anos unem e separam essas duas frases. Ainda que a convergência de ambas tenha como âncora o Museu de Imagens do Inconsciente (MII); no arco temporal entre 1947 e 2017, lá e cá, os estados contextuais das
A R T E , N E C E S S I DA D E V I TA L & A R T E , F LU I D O V I TA L
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MICHELLE SOMMER
produções artísticas modernas e contemporâneas são distintos.
Arte, Necessidade Vital é o título da conferência pronunciada por Mário Pedrosa (1900-1981) na ocasião do encerramento da exposição de pintura dos pacientes do Hospital Psiquiátrico de Engenho de Dentro, realizada em 1947, no salão do Ministério de Educação e Saúde, no Rio de Janeiro, e publicada no mês seguinte no jornal Correio da Manhã. “Arte, fluido vital” é uma frase dita por um cliente – para utilizar o termo de Nise da Silveira (1905-1999) ao referir-se aos pacientes do hospital – que escutei enquanto uma tela era pintada entre os corredores adjacentes da exposição Museu Vivo, em cartaz no MII, em setembro de 2017, para comemorar os 70 anos dos ateliês do museu, suas principais coleções e a produção atual. Lá, em 1947, no contexto do moderno, Mário Pedrosa impulsionou a discussão para uma arte não reduzida a um fato histórico submetido a adaptações e distorções temporais, mas expandida a uma “necessidade vital” que residiria na condição absoluta de todo ser vivo. Naquilo que designou como “arte virgem” – na qual incorporou a arte das crianças, a arte dos pacientes psiquiátricos e a arte popular – estaria uma produção duplamente avessa: tanto às operações industriais capitalistas que restringiriam os artistas à condição de “bichos-da-seda da produção em massa” quanto às vertentes tradicionais plásticas modernas.
I M AG E N S DA E X P OS I Ç ÃO N OV E A R T I S TA S D E ENGENHO DE DENTRO NO MUSEU DE ARTE MODERNA D E S Ã O PA U LO, E M 1 9 4 9
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“A atividade artística é uma coisa que não depende, pois, de leis estratificadas, frutos da experiência de apenas uma época na história da evolução da arte. Essa atividade se estende a todos os seres humanos, e não é mais ocupação exclusiva de uma confraria especializada que exige diploma para nela se ter acesso. A vontade de arte se manifesta em qualquer homem de nossa terra, independente do seu meridiano, seja ele papua ou cafuzo, brasileiro ou russo, desequilibrado.” Mário Pedrosa, 1947 “Que é a arte, afinal, do ponto de vista emotivo, senão a linguagem das forças inconscientes que atuam dentro de nós?” Mário Pedrosa, 1947
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negro ou amarelo, letrado ou iletrado, equilibrado ou
A potência subjetiva individual livre da produção artística do hospital psiquiátrico sugeria uma capacidade comum de criatividade. Mário Pedrosa reivindicou a inclusão de uma perspectiva afetiva no mundo encantado das formas, pautada pela descoberta do inconsciente e ausente de barreiras impostas pelas confrarias acadêmicas com seus esforços intelectualizantes. Nas tentativas de inscrição da arte com a minúsculo, a abertura para o desvio da produção artística do Museu de Imagens do Inconsciente é um impulso para a incorporação de uma linha de fuga arejada que desafiava as definições normativas de subjetividade ante a sufocada tradição moderna. No domínio da tradição moderna desse período estão o formalismo, a técnica e a plasticidade, entre as
definidas categorias de pintura e escultura, como critérios de julgamento de qualidade estética, então envoltas no debate entre abstração e figuração. As peculiaridades na configuração do Museu de Imagens do Inconsciente geraram um cenário profícuo para contaminações entre lugares de produção artística que se deu com a aproximação regular de artistas à produção regular de clientes, então internos em um ambiente confinado intramuros – uma aproximação que, quase simultaneamente, se expandiu à crítica. Os afetos catalisadores das produções artísticas estavam concentrados ali e geraram influências mútuas entre artistas como Mavignier, Serpa, Palatnik e Pape, para citar alguns, e clientes como Raphael, Emygdio, Adelina, Carlos e Fernando. Acionou-se uma interlocução ativa entre as passagens de Mário Pedrosa, Ferreira Gullar, León Degand, Murilo Mendes, Albert Camus, Carl Jung, e daí surgiram também textos críticos que foram imediatamente produzidos e disseminados em periódicos com amplo domínio público. Os impulsos de expressão, manifestados como uma vontade de configuração comum a todos, seja no domínio consciente ou no inconsciente, estavam contaminados e tomaram forma no moderno. Nesse cenário, tanto a produção artística do Museu de Imagens do Inconsciente quanto a exposição pública desses trabalhos em espaços institucionais – então em formação no país – impõem descontinuidades na formulação sobre o entendimento de modernismo estético no Brasil em seu âmbito tradicional. E esse desvio singular se torna parte integrante da historiografia da arte moderna brasileira.
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DESENHO DE RAPHAEL DOMINGUES E PINTURA DE C A R LO S P E R T U I S, D E S TAQ U E S DA P RO DU Ç ÃO D O F I N A L D OS A N O S 1 94 0 D O S AT E L I Ê S D E ENGENHO DE DENTRO
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Em 2017, a situação mudou, os tempos são outros. No Hospital Psiquiátrico de Engenho de Dentro, no Museu de Imagens do Inconsciente, está a exposição Museu Vivo, que “procura manter a preciosa base estrutural humanística legada pela mestra”, como se lê no texto curatorial. E, de fato, a mantém, por meio dos esforços de uma pequena equipe que luta para assegurar que os ateliês terapêuticos sigam em funcionamento do setor de ensino, pesquisa e divulgação em atividade e da reserva técnica com 360 mil obras em conservação em condições de qualidade.
I M AG E M DA E X P O S I Ç ÃO M U S E U V I V O , N O M U S E U D E I M AG E N S D O I N CO N S C I E N T E ( M I I ) , E M 2 01 7 | LU C I A N O B O G A D O / I TA Ú C U LT U R A L
A reforma psiquiátrica consolidou-se e, mesmo com todos os seus poréns, constituiu um passo essencial para a garantia dos direitos humanos e a cidadania das pessoas com transtornos mentais. Hoje, no sistema aberto, as internações de Engenho de Dentro são pontuais e os 52 clientes regulares estão, também, no espaço extramuros, não isolados, mas em contaminação com as influências e as referências do mundo. Neste contexto do agora, em 2017, a frase “Arte, fluido vital” ecoa entre as paredes do Museu de Imagens do Inconsciente como marca do contemporâneo, fluido, como as substâncias que apresentam a capacidade de escoar. E na fluidez do contemporâneo está, também, a dispersão. No tempo do hoje, os afetos catalisadores do MII – artistas, críticos, pensadores e clientes – estão distribuídos, irregularmente espalhados pelo mundo, alguns entre produções contemporâneas conceituais e discursivas, entre o embaralhamento de categorias artísticas que estão agora expandidas a proposições. No contemporâneo, a ênfase reside no sujeitoprodutor de conteúdo. E esse sujeito – tão esquecido entre a aceleração capitalista e a crise que se tornou um modo de viver –, seja ele mais ou menos consciente, artista ou não, está em todos os lugares. E esse sujeito está também lá, no Hospital Psiquiátrico de Engenho de Dentro, entre Manoel, Vagner, José, Jonathan, Anita, Sérgio, Francisco, com suas produções ora com qualidades estéticas pontuais, ora não. Entre todos os sujeitos, na economia e na política dos cuidados, luta-se, sobretudo e ainda, pela inclusão de perspectivas afetivas não discriminatórias.
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PINTURA DE VILMA QUEIROZ FIGUEIREDO E DESENHOS DE FRANCISCO NORONHA, D E S TAQ U E S DA P R O D U Ç ÃO
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CONTEMPORÂNEA DO MII
Se o problema da criação segue sendo libertar os criadores – independentemente dos endereçamentos “para”, com suas finalidades específicas –, no entendimento da arte como campo de ação temos ao menos uma direção a ser seguida, entre tantas direções possíveis não excludentes. Um caminho que foi plantado lá, há mais de 70 anos: a construção de um sentido mais amplo para além do “campo” da arte posto; rumando à expansão das bordas e à derrubada de barreiras para a libertação dos sujeitos; todos os sujeitos.
M I C H E L L E SO M M E R É P ÓS - D O U TO R A N DA E M L I N G UAG E N S V I S UA I S [ P RO G R A M A D E P ÓS G R A DUAÇ ÃO E M A RT E S V I S UA I S DA E SCO L A D E B E L A S A RT E S DA U N I V E R S I DA D E F E D E R A L D O R I O D E J A N E I R O ( P P G AV/ E B A / U F R J ) ] , D O U TO R A E M H I S TÓ R I A , T EO R I A E C R Í T I C A D E A R T E [ P P G AV DA U N I V E R S I DA D E F E D E R A L D O R I O G R A N D E D O S U L ( U F R G S ) ] , CO M E S TÁG I O D O U TO R A L P E L A U N I V E R S I T Y O F A R T S LO N D O N / C E N T R A L S A I N T M A R T I N S, M E S T R A E M P L A N E JA M E N TO U R B A N O E R EG I O N A L [ P RO G R A M A D E P ÓS - G R A DUAÇ ÃO E M P L A N E J A M E N T O U R B A N O E R E G I O N A L ( P R O P U R ) D A U F R G S ] N A Á R E A D E C I D A D E , C U LT U R A E P O L Í T I C A , E A R Q U I T E TA E U R B A N I S TA [ P O N T I F Í C I A U N I V E R S I DA D E C ATÓ L I C A D O R I O GRANDE DO SUL (PUC/RS)].
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Nise da Silveira rejeitava a palavra paciente em relação aos internos dos hospitais psiquiátricos. Ela determinava o uso de clientes para reforçar a relação de troca, mas preferia sempre se referir a eles pelos nomes. Cada pessoa é um universo. São muitas as histórias de reações severas da doutora quando ouvia alguém se referir a seus clientes como pacientes. Em uma entrevista, retrucou: “Paciente! Que coisa ruim. Paciente é uma coisa passiva. Que se trabalha em cima. Não chamo ninguém de paciente. Considero o maior insulto do mundo”. Para encerrar esta publicação, convidamos os clientes da Seção de Terapêutica Ocupacional e Reabilitação (Stor), do Museu de Imagens do Inconsciente (MII), para criar homenagens a Nise em uma sessão de outubro de 2017. O resultado ilustra as próximas páginas.
HOMENAGENS A NISE
Carta 1 Jucineia Anjos da Silva Selo e desenho de fundo verde Manoel Godinho Pinturas Marcel Cândido Carta 2 Cátia Machado Gato Verônica Almeida Lappa
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P E S Q U I S A , CO N C E P Ç ÃO, C U R A D O R I A E R E A L I Z AÇ ÃO L U I Z C A R L O S M E L L O E I T A Ú C U LT U R A L P ROJ E TO E X P O G R Á F I CO C L A U D I A A F O N S O E VÂ N I A M E D E I R O S P ROJ E TO D E I LU M I N AÇ ÃO GRISSEL PIGUILLEM C O N S U LT O R I A G L A DYS SC H I N C A R I O L E P R I SC I L L A M O R E T PESQUISADORES G A B R I E L L A R O D R I G U E S, M A R CO S F LO R E N C E M A R T I N S S A N TO S, M A R I A N A S G A R I O N I E SO L A N G E SA N TOS ( T E RC E I R I Z A D OS ) P ROJ E TO D E AC E S S I B I L I DA D E ARIANA CHEDIAK E MUSEUS ACESSÍVEIS ( TERCEIRIZADOS)
I T A Ú C U LT U R A L PRESIDENTE MILÚ VILLELA D I R E TO R-S U P E R I N T E N D E N T E EDUARDO SARON S U P E R I N T E N D E N T E A D M I N I S T R AT I VO S É R G I O M . M I YA Z A K I
NÚCLEO DE COMUNICAÇÃO E RELACIONAMENTO
FICHA TÉCNICA
GERÊNCIA A N A D E FÁT I M A S O U S A COORDENAÇÃO DE CONTEÚDO C A R LO S CO S TA PRODUÇÃO E EDIÇÃO DE CONTEÚDO E EDIÇÃO DO SITE A M A N DA R I G A M O N T I , D U A N N E R I B E I R O E M A R I A C L A R A M ATO S REDES SOCIAIS R E N ATO CO R C H SUPERVISÃO DE REVISÃO P O LYA N A L I M A TRADUÇÃO DE FAC-SÍMILES ADÉLAÏDE CAILLAUD REVISÃO DE TEXTO C I Ç A CO R R Ê A E R AC H E L R E I S ( T E RC E I R I Z A DA S ) DIREÇÃO DE ARTE JADER ROSA COMUNICAÇÃO VISUAL A R T H U R C O S TA , L U C I A N A O R VAT ( T E R C E I R I Z A DA ) E YO S H I H A R U A R A K A K I PRODUÇÃO EDITORIAL BRUNA GUERREIRO E D I Ç ÃO D E F OTO G R A F I A E C A P TAÇ ÃO D E I M AG E N S ANDRÉ SEITI
NÚCLEO DE EDUCAÇÃO E RELACIONAMENTO GERÊNCIA VA L É R I A TO LO I CO O R D E N AÇ ÃO D E P ROJ E TOS E S P EC I A I S TAY N Á M E N E Z E S CO O R D E N AÇ ÃO D E AT E N D I M E N TO E F O R M AÇ ÃO SAMARA FERREIRA EQUIPE A M A N DA F R E I TA S , C A R O L I N E FA R O, E D S O N B I S M A R K ( E S TA G I Á R I O) , E DVA L D O C A R M O D O S S A N TO S, E L I S S A S A N I TÁ ( E S TAG I Á R I A ) , G A B R I E L A L I M A ( E S TAG I Á R I A ) , J U L I A N A C R I S T I N A N A S C I M E N TO ( E S TAG I Á R I A ) , K A L I A N E M I R A N DA ( E S TAG I Á R I A ) , L I V I A M O R A E S ( E S TAG I Á R I A ) , LU I S A S A AV E D R A , M A R I A LU I S A R A M I R E Z , M A R I A N E S O U Z A ( E S TAG I Á R I A ) , PA M E L A M E Z A D I ( E S TAG I Á R I A ) , R A P H A E L G I A N N I N I , R E N A N J O R DA N ( E S TAG I Á R I O) , S I D N E I J U N I O R , T H AY S H E L E N O, T H I A G O B O R A Z A N I A N , V I C TO R S O R I A N O E V I N Í C I U S M A G N U N
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NÚCLEO DE PRODUÇÃO DE EVENTOS GERÊNCIA H E N R I Q U E I D O E TA S OA R E S COORDENAÇÃO VINÍCIUS RAMOS PRODUÇÃO A G E N O R N E TO ( T E R C E I R I Z A D O) , C R I S T I A N E Z A G O, É R I C A P E D R O S A , I S A B E L A B E V I L A C Q U A ( T E R C E I R I Z A DA ) , WA N D E R L E Y B I S P O E W E L L I N G TO N R O D R I G U E S ( E S TAG I Á R I O)
AGRADECIMENTOS
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A L E X A N D R E M A G A L H Ã E S DA S I LV E I R A B E R N A R D O C A R N E I R O H O R TA C A S A DA S PA L M E I R A S D U LC E C H AV E S PA N D O L F I E D G A R D D E A S S I S C A R VA L H O E D S O N PA S S E T T I E S T H E R P E T E R- M Ü L L E R ( H B Z M E D I Z I N C A R E U M – U N I V E R S I TÄT Z Ü R I C H ) J Ö R G Z E M P ( W I S S E N S C H A F T L I C H E B I B L I OT H E K – P S YC H I AT R I S C H E U N I V E R S I TÄT S K L I N I K Z Ü R I C H ) MARCO LUCCHESI MARTHA PIRES MUSEU DE IMAGENS DO INCONSCIENTE NINA GALANTERNICK SEBASTIÃO BARBOSA SO C I E DA D E A M I G OS D O M U S E U D E I M AG E N S D O I N CO N SC I E N T E T H O M A S F I S C H E R ( F O U N DAT I O N O F T H E W O R K S O F C .G . J U N G , Z U R I C H ) U R S U L A R E I S ( H B Z M E D I Z I N C A R E U M – U N I V E R S I TÄT Z Ü R I C H ) VILMA ARÊAS Y V O N N E V O E G E L I ( F O U N DAT I O N O F T H E W O R K S O F C .G . J U N G , Z U R I C H )
O I T A Ú C U LT U R A L R E A L I Z O U T O D O S O S E S F O R Ç O S P A R A E N C O N T R A R O S D E T E N T O R E S D OS D I R E I TOS AU TO R A I S I N C I D E N T E S SO B R E A S I M AG E N S / O B R A S F OTO G R Á F I C A S AQ U I P U B L I C A DA S, A L É M DA S P E S S OA S F OTO G R A FA DA S. C A S O A LG U É M S E R ECO N H EÇ A O U I D E N T I F I Q U E A LG U M R E G I S T R O D E S U A A U TO R I A , S O L I C I TA M O S O CO N TATO P E LO E- M A I L A T E N D I M E N T O @ I T A U C U LT U R A L . O R G . B R .
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SÁB 25 NOV 2017 A DOM 28 JAN 2018 T E R A S E X 9 H À S 2 0 H [ P E R M A N Ê N C I A AT É A S 2 0 H 3 0 ] SÁB, DOM E FERIADO 11H ÀS 20H P I S O S T É R R E O E 1 | # O C U PA C A O N I S E | E N T R A DA G R AT U I TA
C E N T R O D E M E M Ó R I A , D O C U M E N T A Ç Ã O E R E F E R Ê N C I A I T A Ú C U LT U R A L ________________________________________________________________________________ O C U P A Ç Ã O N I S E D A S I L V E I R A / O R G A N I Z A Ç Ã O I T A Ú C U LT U R A L . S Ã O P A U L O : I T A Ú C U LT U R A L , 2 0 1 7 . 1 0 0 P. : I L . ; 1 4 , 8 X 2 1 C M . ISBN 978-85-7979-100-0 1.
S I LV E I R A , N I S E DA . 2 . P S I Q U I AT R I A . 3 . C U R A D O R I A . 4 . LO U C U R A . 5 . T E R A P I A
O C U PAC I O N A L . 6 . M U L H E R . 7. E X P O S I Ç ÃO D E A R T E – C ATÁ LO G O I . I N S T I T U T O I T A Ú C U LT U R A L . I I . T Í T U L O . CDD 615.85156 ________________________________________________________________________________