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nesta edição: Fichário – abordagens diferentes sobre um mesmo tema: artistas “malditos?”
PAPO RETO Pedro Luís e Lurdez da Luz mostram as semelhanças e diferenças entre o funk carioca e o rap paulista CRIAR PARA CRESCER Nova secretaria do MinC volta o olhar para setores criativos e com potencial econômico ESTA NOSSA VIDA DE ARTISTA Rogéria, Renata Peron e Maria Clara Spinelli fazem parte de um grupo que pede mais respeito: as atrizes transexuais e travestis especial Guia das atrações culturais do Ibirapuera: leve em sua próxima visita ao parque!
evoé, josé! O diretor de teatro Zé Celso fala de vida e arte e declara: “Maldita é a sociedade, que coloca rótulos”
Bruno 9li
chevran d marina foto:
E a revista oferece um guia que revela as riquezas culturais do Parque Ibirapuera, em São Paulo. Leve o seu quando visitar esse que é o verdadeiro pulmão da maior cidade brasileira. Além de dar dicas bastante úteis para você se localizar, contamos o que vimos e curtimos em um dia no parque.
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Jônatas Chizzolini (Centro Cultural Dona Pimpa – Assis/SP)
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ISSN 1981-8084 Matrícula 55.082 (dezembro de 2007) Tiragem 10 mil – distribuição gratuita. Sugestões e críticas devem ser encaminhadas ao Núcleo de Comunicação e Relacionamento continuum@itaucultural.org.br Jornalista responsável Ana de Fátima Sousa MTb 13.554
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AGRADECIMENTO
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Baixe o aplicativo da CONTINUUM em seu tablet e veja todas as matérias da edição (além da íntegra das edições anteriores). Entre os destaques, um vídeo mostra o ensaio fotográfico de Zé Celso. Estamos também na internet em <itaucultural.org.br/continuum>.
mil pe sso
Agnaldo Rocha Papa Bob Wolfenson Bruno 9Li Carlos Costa Claus Lehmann Daryan Dornelles Gabriel Costa Gabriela Borges João Pinheiro Juliana Russo Kelly Cristina Spinelli Lourenço Mutarelli Luana Fischer Marcos Conde Mariana Lacerda Mariana Leme Marina Amazonas Micheliny Verunschk Pedro Henrique França Ricardo Daros Rodrigo Hilário
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COLABORARAM NESTA EDIÇÃO
Zé Celso, nossa capa, solta o verbo e manda um recado para Dilma. Para saber qual, leia o Perfil do diretor a partir da página 24. Zé – que não se considera maldito, nem que tenha feito contracultura nos anos 1970: “Nós éramos a cultura, o contra era a ditadura” – foi fotografado num ensaio especial de Bob Wolfenson.
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Ana de Fátima Sousa Claudiney Ferreira Eduardo Saron Guilherme Kujawski Jader Rosa Marco Aurélio Fiochi
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CONSELHO EDITORIAL
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PRODUÇÃO GRÁFICA
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REVISÃO
Ciça Corrêa Nelson Visconti Polyana Lima
Os músicos Pedro Luís (do Rio) e Lurdez da Luz (de Sampa) batem um papo, na Entrevista, sobre direitos autorais em tempos de internet, acordes e dissonâncias entre funk carioca e rap paulista e sobre suas carreiras, em diferentes estágios: Pedro há 15 anos à frente do PLAP e Lurdez começando a carreira solo, depois de integrar o Mamelo Sound System.
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Paula Fazzio
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REPORTAGEM E REDAÇÃO
O Itaú Cultu ral Parqu e do Ibir assume, ne ste mê consec apue ra, em s, a ge utiva, Sã stão a me devid do Au lhor cas o Paulo. oà ditóri a de esp Eleito em por su sua excele o Ibir agost nte acú apue a pro etácu ra, no grama o, pe los da stica, por me la seg ção, pela cid io o ad arq Au e pela rev unda vez ditóri um pra de edital uitetu públic o ser ra arr zo inic ista Ép á admi o, em ojada ial de oca nis cogest , pelo cinco confor , ão com trado pelo anos. Ao en to institu a Pre tra r to, esc e fei no tura de parqu equip olhido e por amen São Pa meio tos cu ulo, po esse de um lturai esp r s, o ins de seu esport aço singu tituto s ma lar, qu e. is impo quer e con olhar rtante templa para s o entor cultu Neste ra, laz no e val gu er, eco orizar que en ia, CONTINU logia, UM ciê tre ncia e várias convid viveir opçõe a o de pla s abrig seus leitore ntas, exposi a quatr s a (re um pla ções )desco o mu netár e feiras seu bri io s r e . o am Ibirap plos pa de perfis Então uera, var vilhõe , desta s para iados, um que seu metró a rea pole guia lização mais e leve-o de huma para na e de o parqu mocrá e, sin tica. ônim o de um a
DESIGN
Lu Orvat Design
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André Seiti
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EDIÇÃO DE FOTOGRAFIA
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Roberta Dezan
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Marina Chevrand
ASSISTÊNCIA À EDIÇÃO DE CONTEÚDOS
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PROJETO GRÁFICO E EDIÇÃO DE ARTE
“O que é uma vida de artista, no mercado comum da vida humana?” Esse questionamento foi feito pelos letristas Suely Costa e Abel Silva numa antiga canção, justamente chamada “Vida de Artista”. Pensando em artistas de trajetória única, verdadeiros expoentes de revoluções estéticas, comportamentais e culturais, a CONTINUUM aborda na seção temática Fichário, com o sugestivo nome “Malditos?”, quem foram essas pessoas, que em diversas áreas de expressão constituíram caminhos únicos.
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EDIÇÃO EXECUTIVA
Marco Aurélio Fiochi
CARTA DO EDITOR
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Ana de Fátima Sousa
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COORDENAÇÃO EDITORIAL
CARTA DO LEITOR Gostaria de parabenizar a CONTINUUM pela matéria sobre o músico Naná Vasconcelos (edição 32). Fiquei surpresa ao ver que a revista deu destaque a um dos melhores e mais importantes músicos brasileiros, que raramente é reconhecido pela mídia. Ótimo texto e fotos muito bonitas. Luísa, Recife A matéria com o músico Naná Vasconcelos é oca. A matéria de capa é, essa sim, a do Aleijadinho.
capa: zé celso foto: bob wolfenson
João Franzin, São Paulo Envie seu comentário sobre a CONTINUUM para o e-mail participecontinuum@itaucultural.org.br. Em caso de publicação na seção Carta do Leitor, a mensagem pode ser editada a critério da redação.
ERRATA Na entrevista dos bailarinos Marcelo Evelin e Thelma Bonavita (Continuum, nº 32, agosto-setembro, páginas 28 e 29) o projeto L’em Casa saiu grafado erroneamente como Mil Casas. O L’em Casa é desenvolvido por Thelma e pelo artista visual Amilcar Packer, em São Paulo. Já Mil Casas é um projeto artístico desenvolvido por Evelin e seu grupo em Teresina (PI). Complementando a informação, a plataforma virtual Desaba é uma parceria entre Thelma e o bailarino Cristian Duarte.
na web: itaucultural.org/continuum
issuu.com/itaucultural
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arte cabeluda Por que o cabelo está presente em várias obras, na literatura, na música, no cinema ou nas artes visuais? Muito mais do que ser uma parte do corpo, os fios que enfeitam cabeças são um forte elemento de comunicação não verbal.
C URI O S I D A D E |
e n t r evi sta | papo reto Os músicos Pedro Luís e Lurdez da Luz trocam figurinhas sobre a profissão. Pedro comemora 15 anos de sua PLAP e Lurdez aventura-se na carreira solo, depois de integrar o Mamelo Sound System.
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criar para crescer Ministério da Cultura cria Secretaria de Economia Criativa com enfoque na produção de moda, no design e na arquitetura.
PO L Í T I C A S C U L T U R A I S |
C ER T I D Ã O D E N A S C i M E N T O |
que Picasso fez em 1937 para denunciar a destruição da cidade basca pela ditadura de Franco.
por uma arte universal Em Buenos Aires, museu que leva o nome do artista plástico argentino Xul Solar mantém uma seleção cronológica de suas obras.
M U S EUs D O M U N D O |
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R e p o r t agem | entre o papel e a tela, o imponderável A revolução causada por e-books, kindles e tablets prepara hoje o leitor de amanhã.
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G A L E R I A | geniais transgressores Artistas cuja trajetória foi marcada pela rebeldia são relembrados para mostrar o papel da arte ao romper barreiras e criar outras estéticas. A R T I G O | à beira do abismo Arte e transgressão andam juntas num balé infinito. C A P A | evoé, josé! Zé Celso é clicado por Bob Wolfenson e se declara um não maldito: “Maldita é a sociedade, que coloca rótulos”.
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R e p o r t agem | de fora para dentro O termo marginal, que designa várias coisas, já não cabe mais no universo da arte. R e p o r t agem | esta nossa vida de artista Para exercer sua profissão, artistas travestis e transexuais vivem em constante embate com o preconceito da sociedade. b a l a io | a vida e a arte no limite Ney Matogrosso, Jorge Mautner e Erasmo Carlos comemoram 70 anos sem perder a rebeldia; conheça a fotografia desconcertante da norte-americana Diane Arbus.
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o horror de uma guerra
A Continuum conta a história de Guernica, o famoso painel
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Q u a d r i nhos | animais em fuga A saga criada por Lourenço Mutarelli chega ao quarto capítulo.
economia criativa C U LT U R A I S | POLÍTICAS
Criar para crescer Economia e criatividade caminham de mãos dadas TEXTO roberta dezan
ILUSTRAÇÃO ricardo daros
A cultura é constitutiva de cada sociedade, e não um campo disciplinar recortado e politicamente inócuo. [...] Assim como no campo da educação se luta para situar a arte como um domínio cognitivo, uma inteligência e um conteúdo substancial na formação integral das crianças e dos jovens, no campo das políticas se esforça para tornar visível a cultura como fator de desenvolvimento. Disso deriva também o crescente interesse que o setor destina às economias da cultura. Tenta-se que as contas públicas mostrem a contribuição do setor cultural para o PIB, a criação de empregos e a imagem do país. BRAVO Fernández, Loreto. “A Salvaguarda do Patrimônio Imaterial na América Latina: uma Abordagem de Direitos, Avanços e Perspectivas”. In: Políticas Culturais: Teoria e Práxis. São Paulo, Observatório Itaú Cultural, 2011. p. 25.
Na tentativa de avançar e reafirmar algumas leituras sobre o setor cultural, que já vinham sendo feitas há quase uma década, foi criada, no início de 2011, a Secretaria de Economia Criativa (SEC/MinC). As metas do governo federal para essa secretaria foram divulgadas no dia 23 de setembro, durante o encerramento do 2º Seminário Internacional de Políticas Culturais, na Fundação Casa de Rui Barbosa, Rio de Janeiro. Ainda não consolidado no Ministério da Cultura, o órgão utiliza como nome um termo ainda muito fluido, desconhecido e pouco assentado no Brasil. Ainda não há, na prática, um entendimento completo quanto à expressão, seus significados e possíveis desdobramentos, apesar de surgirem cada vez mais grupos de pesquisa e observatórios sobre economia criativa em todo o país. Com a fusão das secretarias de Cidadania Cultural (SCC) e de Identidade e Diversidade (SID), criou-se um novo espaço no MinC e, com ele, a vontade de unir duas palavras, de certa forma dissociadas no Brasil: economia e criatividade. Inicialmente, quatro setores criativos e potencialmente econômicos serão tratados em colegiados setoriais, ou seja, receberão atenção especial do governo: moda, design, artesanato e arquitetura; mas há a vontade de contemplar outras áreas, como a gastronomia. Ainda em processo de estruturação, sem orçamento definido nem previsão de tornar-se
oficial, a nova secretaria trata de um assunto de natureza tão multidisciplinar, complexa e plural que não precisaria pertencer ao Ministério da Cultura, exclusivamente. “Nosso campo de ação é amplo, e poderíamos integrar o Ministério do Turismo, o das Comunicações, o da Ciência e da Tecnologia ou o da Educação”, constata Cláudia Leitão, titular da SEC. Para Pablo Capilé, criador do Espaço Cubo, em Cuiabá (MT), e um dos articuladores do Circuito Fora do Eixo, rede que integra dezenas de coletivos, festivais culturais e veículos de comunicação, “talvez não houvesse a necessidade de criar uma secretaria exclusiva para a economia criativa, pois essa questão poderia ser trabalhada há algum tempo por órgãos firmados no ministério”.
de um povo, para produzir localmente e distribuir em escala global bens e serviços de valor ao mesmo tempo simbólico e econômico. Trocando em miúdos, talvez seja a dinâmica que já acontece em grande escala com o samba e com o futebol. A novidade é que agora outras manifestações culturais e peculiaridades criativas brasileiras devem entrar formalmente na roda da valorização. “A rigor ela abrange toda a diversidade cultural com potencial de se concretizar em produto ou serviço e de gerar renda e empregos”, explica Carla Fonseca, de São Paulo, especialista em economia criativa e diretora da consultoria Garimpo de Soluções. “A base é a diferenciação por meio da inventividade, em contrapartida à padronização de bens e serviços praticada na economia tradicional”, completa Carla.
Tendência mundial
O tema figurou nos programas de governo dos principais candidatos que disputaram as últimas eleições presidenciais. “Dilma Rousseff e José Serra voltaram seus olhares para a economia criativa em suas propostas, o que demonstra que não se trata de uma questão partidária, e sim de uma tendência mundial. Levando em consideração que tudo isso vem sendo trabalhado há muito tempo pelos governos de outros países, estamos novamente atrasados em relação aos demais”, diz Cláudia. Conceitualmente, a economia criativa oferece estratégias de crescimento socioeconômico inspiradas nos valores culturais e na criatividade
O termo é relativamente novo por aqui, mas há anos uma série de coletivos e cooperativas reúne artistas de diversas áreas e pratica a economia criativa por meio da união, do fortalecimento, do desenvolvimento e da difusão de atividades, criações e ideias. É o que acontece no Circuito Fora do Eixo, criado em Cuiabá (MT), em 2005. Nascido como uma rede de produtores musicais, que realizava intercâmbios entre bandas e desenvolvia esquemas próprios de distribuição de discos, o coletivo cresceu exponencialmente, passou a movimentar mais de 10 mil shows e 160 festivais culturais por ano e a trabalhar com diferentes áreas de expressão, como o audiovisual, as artes visuais
e a comunicação. “Havia gargalos no setor cultural brasileiro, comuns a todas as regiões, e percebemos que poderíamos resolver algumas questões trabalhando em conjunto, de forma articulada”, conta Capilé, do Espaço Cubo.
tões. Além disso, precisamos discutir mais o uso da internet, pois me parece que as pessoas migraram da TV para o computador, utilizando a rede mais para o entretenimento do que para a busca de informações”, analisa Carla.
O Brasil não é encarado como um roteiro turístico cultural e, segundo um estudo publicado em 2010 pelo Departamento de Desenvolvimento e Comércio da ONU (Unctad – United Nations Conference on Trade and Development), ainda não aparece entre as 20 nações em desenvolvimento que exportam bens criativos, como os provenientes da literatura, da música, do turismo, do patrimônio e do artesanato. “Esta é a hora de enxergarmos a cultura não somente como a cereja do bolo e darmos ênfase à sua economia, às possibilidades de emprego, de exportação e de aumento do PIB. Precisamos mudar a forma como encaramos o setor no Brasil”, observa Cláudia.
Novos olhares e ações
Uma das principais iniciativas da SEC está na implantação, a princípio em apenas um estado por região brasileira – Pernambuco, Goiás,
No entanto, a ansiedade de quem está em meio ao furacão cultural ainda é grande, pois os novos projetos parecem apontar em direção a esquemas laboratoriais, em vez de focarem em ações que gerem resultados mais imediatos. “O mínimo que podemos esperar é boa vontade, mas ela sozinha não resolve. Temos muitas iniciativas locais dando certo e elas poderiam ser fortalecidas, em vez de começarmos do zero e darmos lugar a projetos embrionários”, conclui Pablo Capilé.
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Um dos principais entraves para o desenvolvimento criativo, não só no Brasil, ainda está no meio do caminho, na etapa que corresponde à distribuição, algo que tem sido observado em praticamente todos os setores criativos. “Temos uma produção pujante e uma capacidade de criação incrível, mas na hora de fazer com que isso circule apanhamos muito. A internet não deu conta de resolver a fruição dos bens culturais, porque a abrangência da web no Brasil ainda é muito limitada, por uma série de ques-
Um aspecto que pode ser positivo é a forma como o Brasil está olhando para os modelos adotados em outros países na busca de exemplos para criar o seu próprio plano estratégico. Focados nas grandes indústrias culturais, e naturalmente com uma atuação mais centralizadora, países como Inglaterra e Estados Unidos não são vistos, pelo menos nesse caso, como os detentores de projetos adequados para um país com tantas assimetrias territoriais e culturais e dificuldades socioeconômicas. “Não acreditamos que o modelo de indústrias criativas funcione na realidade brasileira e precisamos de uma economia que seja o oposto dessa, que priorize as especificidades regionais e o pequeno e o microempreendedor. Não queremos o modelo estadunidense voltado ao audiovisual, nem o inglês calcado na tecnologia da informação e nos grandes grupos musicais, muito menos o chinês movimentado pela pirataria; temos as nossas próprias prioridades e características”, acredita Cláudia.
Rio de Janeiro, Acre e Rio Grande do Sul –, do Projeto Criativa Bureau, que, a partir de 2012, pretende funcionar como um centro de serviços com o intuito de estimular, financiar e fomentar empreendimentos culturais. A ideia é garantir uma infraestrutura adequada aos negócios criativos, com suporte de ponta a ponta, da primeira ideia à distribuição. Para isso, foi firmada uma parceria com o Sebrae, que deve aplicar em torno de 26 milhões de reais no projeto. “Será uma oportunidade aos pequenos empreendedores de ter acesso a consultoria especializada para elaborar de modelos de negócios a planos de comunicação e distribuição e ainda poder contar com assessorias jurídicas e contábeis, linhas de crédito, bureau de exportação e formações específicas”, conta Cláudia. Além de expandir o projeto por todos os estados, o objetivo é levá-lo a outros países, para impulsionar a distribuição e o compartilhamento global dos nossos bens culturais.
cabelo na arte CURIOSIDADE |
arte ca Parte do corpo mais “cultural”, o cabelo é objeto de cobiça da arte
TEXTO paula fazzio e roberta dezan
ILUSTRAÇÃO marina mãos de tesoura
Você já parou para pensar que, além de proteger, emoldurar e servir como isolante térmico, os inúmeros fios que envolvem a cabeça de um ser humano sempre estiveram no centro das atenções, inclusive da arte? As mais diferentes expressões artísticas utilizaram o cabelo como referência, de forma literal ou metafórica, para explorar questões abstratas, como o amor, a individualidade e até o desajuste em relação ao mundo. É um forte elemento usado para representar sentimentos, vaidades e inquietações humanas e revela peculiaridades fundamentais da evolução das sociedades. Gonçalves de Magalhães, Castro Alves, Sousândrade, Casimiro de Abreu, Álvares de Azevedo e outros poetas românticos fizeram odes ao cabelo em suas obras. Em Marabá, de Gonçalves Dias, uma índia é rejeitada por ser uma marabá, mistura de índio com branco. “Teus longos cabelos,/São loiros, são belos,/ Mas são anelados, tu é Marabá:/Quero antes cabelos, bem lisos, corridos,/Cabelos compridos,/Não cor d’oiro fino, nem cor d’anajá.” O loiro, tão desejado nos dias atuais, já foi sinônimo de rejeição em algumas tribos. A abertura do livro Iracema (1865), de José de Alencar, é uma descrição da personagem que dá
nome ao livro: “Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema. Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira”. O cabelo está presente e é negro e longo, como pretendia o padrão de beleza da época, na sociedade indígena, diferentemente da marabá de Gonçalves Dias. O recém-lançado livro do escritor argentino Alan Pauls, História do Cabelo (Cosac & Naify, 2011), é a segunda parte de sua trilogia sobre os anos 1970 da Argentina, iniciada com História do Pranto (mesma editora, 2008). Desta vez, o personagem central é um homem obcecado por seu cabelo. Além de refletir sobre xampus, cortes, estilos e produtos, ele pensa esse elemento como símbolo social, instrumento político e fator de identidade.
O que o cabelo representa na história do seu livro? Qual é a metáfora? Alan Pauls: Nenhuma metáfora. Tudo é literal. O cabelo é pura história, como comprova o leilão da mecha do Che Guevara. No livro, o cabelo (cortes, estilos, significados) é o campo de batalha onde se opõem as mesmas forças que se digladiam no campo social, político, histórico etc. A violência que destroça a sociedade também destrói um terreno aparentemente
Sabia disso? Curiosidades capilares dizem muito da vida e da arte
Para todas as cabeças
Tchan, Alceu Valença, Gal Costa, Os
“Da Pré-História ao DNA: A História
Para a mais universal das lingua-
Mutantes e as demais referências
do Cabelo Eu Vou Contar”. Em 2011,
gens artísticas, a música, não há
musicais que passarem pela cabe-
foi a vez da Vila Isabel, do Rio de
fronteiras ou restrições quando se
ça – careca, cabeluda ou descabe-
Janeiro, desfilar “Mitos e Histórias
trata de madeixas e afins. Na can-
lada –, todos já pronunciaram com
Entrelaçados pelos Fios de Cabelo”.
ção o cabelo pode ser tanto liso
melodia e harmonia a tal palavra.
Ambos relataram fatos que compro-
quanto enrolado, preto, encaracola-
varam como o cabelo teve importân-
do, pixaim, loiro, ruivo, crespo, duro,
Entre fios, confete e serpentina
escorrido, castanho ou “raspadinho,
No Carnaval, duas escolas de sam-
cia na história da humanidade.
estilo Ronaldinho”. De Jorge Ben Jor
ba já homenagearam o cabelo. Em
Amor que se corta
a Tonico e Tinoco, de Björk a Zeca
2008, a Camisa Verde e Branco, de
O filme (500) Dias com Ela (Marc
Pagodinho, de DJ Marlboro a É o
São Paulo, criou o samba-enredo
Webb, 2009), um antirromance,
abeluda insignificante e politiza de um modo radical sua carga de frivolidade, do mesmo jeito que os Black Panthers [Panteras Negras, movimento revolucionário norte-americano dos anos 1960 em prol dos direitos dos negros] não vacilavam em politizar questões de look, quando reivindicavam a potência revolucionária do afro.
Qual é a relação entre o pranto (primeiro livro), o cabelo (segundo livro) e o dinheiro (terceiro livro, a ser lançado)? AP: São relíquias de uma época – a sensibilidade (pranto), a imagem (cabelo) e a economia (dinheiro). Eu as uso como fósseis, como se levassem gravados os segredos baixos, íntimos e sentimentais de um momento histórico, os anos 1970 na Argentina, que até agora só se apresentava com os ares autocomplacentes da aventura militante e da épica revolucionária. Você opta por retratar o que aconteceu no regime militar sob a ótica dos detalhes do cotidiano, do prosaico. Em que sentido essa escolha pode ser mais significativa para quem viveu esse período? AP: O que me interessa dos anos 1970 é como se articulam intimidade e política em uma sensibilidade específica. História do Cabelo é o segundo tomo de uma trilogia que busca esmiuçar
tudo o que as armas devem à intimidade e tudo o que a intimidade deve às armas.
O personagem principal está alienado do que está acontecendo na Argentina por causa da sua obsessão pelo cabelo? AP: Não. A obsessão pelo cabelo é a forma de ele participar do que acontece no país. Estamos falando dos anos 1970 na Argentina. O cabelo loiro representava a classe dominante: reacionária, elitista, “estrangeirizante”. Loiro liso era o mesmo, mas multiplicado por mil: exibicionista, burguês sem possibilidade de redenção. O moreno estava bem, um bom começo, uma promessa: ser moreno era por si só pertencer ao campo popular. O ser humano tem uma relação muito forte com o cabelo. Por que ele é tão explorado nas artes? AP: O cabelo é a única parte do corpo que conservamos como uma joia da arqueologia pessoal, que cortamos em público com regularidade, pensando que desta vez, sim, conseguiremos o corte perfeito. O cabelo serviu para tudo, mas basicamente como monumento à ambivalência. Que outra parte não literal do corpo pode gabar-se de ter servido a causas tão antagônicas? O cabelo é a parte do nosso corpo mais cultural e talvez por isso seja um objeto cobiçado pela arte. [Tradução: Gabriel Costa]
fora dos padrões norte-america-
tir nada”. Nesse caso, o cabelo fun-
hippies cabeludos que lutam con-
nos, conta a história de Tom e sua
ciona como uma metáfora do amor;
tra o alistamento militar na guer-
paixão não correspondida por Sum-
representa a mesma facilidade que
ra do Vietnã. A escolha do título
mer. Logo no início o espectador é
a protagonista tem de começar e
é uma metáfora que se utiliza do
advertido de que não haverá o clás-
terminar relacionamentos.
cabelo para representar a identi-
sico final feliz por não se tratar de
dade social e política desse grupo. Símbolo de luta
Apresentações em vários países
rador antecipa que Summer, “desde
Há 47 anos, estreou na Broadway,
mostram como o tema é universal
o fim do casamento de seus pais, só
em Nova York, o musical Hair. O
e ainda contemporâneo.
amava duas coisas: a primeira era
espetáculo representa o movimen-
seu longo cabelo escuro; a segunda,
to de contracultura e a revolução
a facilidade para cortá-lo, sem sen-
sexual dos anos 1960 ao mostrar
CONTINUUM
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uma típica história de amor. O nar-
e lurdez da luz bEoNoTkR El Vi gI ShTtA m| epedro d i u mluís | personagem
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TEXTO pedro henrique frança e roberta dezan
FOTOS claus lehmann
Dezenove anos separam os músicos Pedro Luís e Lurdez da Luz. Pouco mais de 400 quilômetros distanciam as suas raízes – ele, carioca da Tijuca; ela, paulistana do “centrão”. Pedro com 51 anos, completados recentemente, tem cinco discos gravados com o grupo Pedro Luís e A Parede (PLAP), sem contar os dois que realizaram em parceria com Ney Matogrosso (Vagabundo e Vagabundo ao Vivo); transformou uma oficina de percussão no fenômeno Monobloco, fez inúmeras parcerias musicais e agora, pela primeira vez, se aventura em carreira solo com o álbum Tempo de Menino, previsto para este mês. Aos 32, Lurdez da Luz já tocou punk rock numa banda só de meninas, fez parte do Mamelo Sound System e hoje tem na bagagem, para chamar de seu, um disco de rap, homônimo, em fase de divulgação. Assumidamente, busca passo a passo o seu lugar ao sol e luta por alguns centavos de direitos autorais. Mas Pedro e Lurdez sintonizam os radares em várias frequências: na internet como plataforma de acesso e democratização da música (e na fórmula ainda não encontrada para garantir resultados financeiros); no encarar a palavra como o início do processo musical e não como o meio; e, sobretudo, na paixão pela procura da batida perfeita. Em um domingo de sol, os dois se reuniram no Itaú Cultural para um encontro inédito, no qual puderam conhecer melhor o universo um do outro e falar sobre anseios e questões comuns; e assim, despretensiosamente, descobriram várias daquelas interseções que eliminam qualquer fronteira.
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Pedro e Lurdez veem S達o Paulo de cima
pedro vida deluís borboleta e lurdez da luz REeNp ToRrEtVaIgS eT m A |
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O início da estrada
Lurdez da Luz: Onde você nasceu e se criou? E como começou a fazer música? Pedro Luís: Nasci na Tijuca, o primeiro bairro da zona norte do Rio. Um bairro de classe média, berço de muitos outros artistas, que nasceram ou começaram a fazer música lá − Tim Maia, Jorge Ben Jor, Roberto Carlos, Tom Jobim... Minha família sempre foi muito ligada à música e isso de alguma forma me levou até ela, mas não houve um momento de decisão; tudo aconteceu naturalmente. Eu costumo dizer que abuso da ferramenta música para espalhar minha poesia. PL: E você, como começou? LL: Eu nasci no centrão de São Paulo, cresci no bairro da Luz. Na minha família não há ninguém das artes, e essa história da música foi algo que busquei sozinha, dentro de mim. Desde adolescente eu me interessava muito por música e frequentava sebos do centro atrás de vinis, que comprava pelo visual mesmo, pela linguagem da capa. Nessa época surgiu a oportunidade de reunir algumas amigas para tocar punk, mas logo comecei a escutar black music, antes mesmo do rap, e fui me afastando aos poucos do rock. A partir daí comecei a escrever, sem saber que chegaria ao rap, porque eu não tinha essa cultura, não nasci na periferia. O rap era bastante fechado para quem não fazia parte do movimento, mas fui me assumindo e gradativamente me senti à vontade para arriscar. Acho que, assim como você, me vejo como uma pessoa que abusa da música, que a utiliza para poder interpretar os textos, as ideias que surgem. Pancadão do funk e rimas do rap
LL: Alguma vez você foi a baile funk? O que acha do gênero? PL: Gosto bastante, e, apesar do envolvimento, só fui a um baile. Na PLAP a gente já flertava
Baixe a versão da revista para iPad ou Android e ouça trechos de canções de Pedro Luís e Lurdez da Luz.
com essa linguagem, tanto com relação à perspectiva visual dos morros quanto de seus habitantes. Mas, na verdade, me aproximei muito do funk com o Monobloco. No primeiro disco (Monobloco, 2002), tivemos a participação dos MCs Junior e Leonardo, autores de várias músicas, como “Rap das Armas” e “Endereço dos Bailes”, que têm uma atuação política muito interessante, a qual ajuda a desmistificar o preconceito. PL: E o rap? Você acha possível misturar os ritmos? LL: Vejo o funk como um ritmo muito mais brasileiro e mais interessante, tendo em vista que ficamos calcados na origem americana do rap, numa estética e numa sonoridade que não é necessariamente nossa. O que aconteceu com o funk foi uma especificidade do local, com gírias e vontades daqui. Mas a primeira coletânea lançada com o som do Thaíde e DJ Hum (Hip-Hop Cultura de Rua, 1988) era bem original e falava diretamente o que as pessoas precisavam ouvir naquela hora. O valor social, de autoestima mesmo, que o rap trouxe foi muito importante para a periferia paulistana. E vejo a possibilidade dessa mistura de células rítmicas, pois há uma geração nova, menos focada em preconceitos bobos, que pode fundir a mensagem do rap com a cadência do funk. O sopro da criação
LL: O que te inspira? PL: Diversas coisas e não necessariamente a música – raramente a inspiração vem dela, aliás. As questões sociais, as palavras... Um exemplo foi quando fiquei com a palavra “braseiro” durante muito tempo martelando na minha cabeça. Ela tinha para mim uma coisa de coletivo brasileiro e ao mesmo tempo se referia diretamente à palavra brasa. Quando a Roberta Sá [cantora e esposa de Pedro] me pediu uma música para o seu primeiro trabalho, pensei logo em braseiro. Desenvolvi a história a partir disso: da palavra, do conceito e do significado que ela tinha para mim. No fim das contas, a música acabou dando nome ao disco da Roberta.
Direito da canção
PL: Lurdez, para você, quais são as razões da canção? LL: É por aí também, muitas vezes fico encasquetada com palavras. Não tenho muito a coisa da canção, porque para mim ela desempenha um papel específico, que é estar a serviço daquilo que escrevo. Tenho até uma música que não tem melodia; é toda falada. Normalmente escrevo para o meu cantar, mas recentemente fiz uma parceria com o Jorge Du Peixe, da Nação Zumbi, a qual resultou num samba de roda com música eletrônica; foi cantado pela Luísa Maita em alguns shows. Pela primeira vez percebi que tinha feito uma canção de fato, que poderia ser cantada por outras pessoas. A web e a música
PL: Quais vantagens e desvantagens você vê na internet? LL: Como sempre fui muito do underground, ficava distanciada desse universo. E quando comecei a me informar sobre a internet ela já estava rolando legal. Para mim, são apenas prós; não enxergo nenhum contra. É uma forma acessível e democrática de divulgação. Gosto muito da ideia de diferentes pessoas terem acesso à minha música em qualquer parte do mundo. Só é muito difícil ser remunerado de uma maneira legal, justa e que dê certo. Todo mundo quer baixar músicas de graça e eu também faço isso. Ainda não consigo pensar de que forma seria interessante para os dois lados – de quem faz e de quem consome –, mas acredito que deva existir uma saída. Acho que a venda de MP3 seria uma boa solução, mas isso ainda é muito confuso, especialmente no Brasil.
LL: E você, que já tem mais experiência, como lida com isso? PL: Comecei a entrar nesse meio pela editora do Ronaldo Bastos, que admirava meu trabalho quando eu ainda nem tinha um projeto artístico. A Fernanda Abreu foi uma das primeiras cantoras a gravar uma música minha (“Tudo Vale a Pena”) – época em que comecei a ganhar dinheiro com composições. Depois fiz um acordo com a Warner Chappell, que funcionou como um empréstimo. Agora, nesse disco solo tudo está a cargo da minha própria editora. Já tive muitas oportunidades, com canções gravadas por grupos como Cidade Negra, O Rappa; tive músicas tocadas em novelas, minisséries; mesmo assim nada é tão bem pago. Apesar de hoje a realidade ser melhor do que era antes, a cobrança ainda é muito desorganizada. A Fernanda Abreu e o Frejat são pessoas que lutam pelos direitos dos trabalhadores da cultura, vão até o Congresso, brigam pelos direitos dos artistas. Eu, politicamente, sou como o Macunaíma: preguiçoso. Mas guardo uma parcela das minhas canções para tratar de questões sociais e políticas. LL: É, eu também sou preguiçosa nesse sentido, mas de qualquer forma, antes de qualquer ação, vem a conscientização, o entendimento.
“Eu , gua politic ame rdo que n stõ uma pa te, so u co es so rce la m ciai s e p das m o o Mac inhas olít un icas can aíma: p .” çõe s pa reguiç oso ra t . Mas rata r de
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LL: Como você vê a internet? PL: Costumo dizer que os punks inventaram a internet, porque eles sempre tiveram uma ótima capacidade de transmissão de informações num tempo em que não havia tantos recursos. Analogicamente, eles já faziam isso muito antes de pensarmos em internet. Penso que, com todas as suas qualidades e defeitos, essa tecnologia trouxe uma velocidade de troca de ideias e um acesso a informações muito interessantes. Mas a grande questão é como os autores vão ganhar com isso. É fato que não dá para voltarmos atrás; mas, se pensarmos que hoje não precisamos mais de uma grande empresa para realizar e distribuir nossos produtos, veremos o tamanho da revolução que a internet proporcionou. É momento de pensarmos para a frente, em direção ao futuro.
PL: Você é associada a alguma editora, cuida dos seus direitos autorais? LL: Depende do disco. O meu solo, por exemplo, não associei. Ainda tenho muita dificuldade com isso. Mas sei que a minha música não toca tanto em rádio e TV; só em shows e, mesmo assim, libera-se pelo Ecad. De qualquer forma, tudo o que ganho é dividido igualmente entre todos os participantes do disco – mas são centavos.
guernica CERTIDÃO DE NASCIMENTO |
o horror de uma guerra A história de Guernica, painel de Picasso que passou de pintura de protesto à obra-prima e imagem pop
O painel Guernica, de Pablo Picasso
TEXTO carlos costa
FOTOS luana fischer
Em 2011, o mural Guernica (1937), de Pablo Picasso (1881-1973), completa 30 anos de chegada à Espanha. Pintado na França, para servir de contrapropaganda ao avanço da revolução liderada por Francisco Franco, o quadro levou 20 anos viajando por 21 cidades na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil (esteve na 2ª Bienal de São Paulo, em 1953), até que, em 1958, os conservadores do Museum of Modern Art (MoMA), de Nova York, então seus guardiões oficiais, aconselharam o fim das itinerâncias. Teve início a negociação para a ida do quadro à Espanha. Franco, cujo regime ditatorial já era reconhecido pela ONU, aceitou. Mas Picasso determinou que a entrega se desse apenas “quando o país restabelecesse as liberdades políticas”. Em 1973, Picasso morreu; em 1975, Franco. Em 1978, o Congresso dos Estados Unidos iniciou o processo de envio do quadro para a Espanha, que levou três anos. Em Madri, passou a ser exposto no Casón del Buen Retiro. Em 1992, foi levado para o Museo Reina Sofía, onde é a principal peça da coleção permanente, capa das principais publicações e estampa para camisas, bolsas, postais e toda sorte de suvenires. Guernica é um símbolo da cultura contemporânea. Suas viagens iniciais, quando as exibições ocorreram para protestar contra os totalitarismos europeus, e a espera para chegar a uma Espanha
livre do franquismo são apenas algumas dentre as muitas histórias e simbologias relacionadas ao óleo sobre tela de 3,5 x 7,8 metros, preto e branco, em estilo cubista, que retrata pessoas e animais dilacerados, em desespero. A leitura mais óbvia da obra aponta para a mensagem pacifista – o repúdio ao bombardeio contra a população civil de Guernica e à revolução de Franco. O quadro é também exemplo de que, mesmo engajada, a produção artística pode encontrar a expressão do sentimento e alcançar o status de obra-prima. Como observa o professor de história da arte da USP Francisco Alambert, “Guernica e Picasso são como a famosa foto de Che Guevara: elementos de uma cultura pop que esvazia as imagens de seu conteúdo por cultuá-las como símbolos não do que elas dizem, mas da própria sociedade que as consome como mercadorias”. O bombardeio
A história de Guernica começa com a ascensão de Franco. A revolta que ele comandava culminou na Guerra Civil Espanhola (1936-1938) e na sua vitória diante do governo legal democrático (a República Espanhola), dando início a um período de ditadura fascista que se estendeu até 1975 e deixou profundas marcas – mais de 400 mil mortos, estagnação econômica, privação da
liberdade civil e a tentativa violenta de dissolver a cultura das diferentes nações que compunham a Espanha: Catalunha, País Basco e Galícia. Franco era galego. Picasso nasceu na Andaluzia e foi educado na Catalunha. Guernica é uma cidade de importância histórica para os bascos. É lá onde está a Árvore de Guernica, um carvalho que, desde o século XIV, simboliza a liberdade e a soberania do povo basco. A árvore atual é a quarta descendente do primeiro carvalho documentado. Os relatos contam que o contato entre os representantes da República Espanhola e Picasso começou no início de 1937, com a encomenda de uma obra para ser exposta no Pavilhão Espanhol da Exposição Internacional das Artes e das Técnicas na Vida Moderna, que ocorreria no mesmo ano, em Paris. Picasso demorou alguns meses para começar o trabalho e decidiu pelo tema do bombardeio dias depois que ele ocorreu. O bombardeio de Guernica foi efetuado em 26 de abril por aviões da força aérea alemã. Durou três horas, em dia e horário de feira. Deixou cerca de 1.600 mortos, centenas de feridos e a cidade parcialmente destruída. A Árvore de Guernica não foi atingida. Franco não assumiu o ato, porém a mídia internacional o noticiou em fotos preto e branco e Picasso o escolheu para tema do painel, pintado em dois meses.
Guernica é um símbolo da cultura contemporânea. No Museo Reina Sofía, é a principal peça da coleção permanente, capa das principais publicações e estampa para camisas, bolsas, postais e toda sorte de suvenires.
Estrela da coleção, a tela é objeto de culto dos milhares de visitantes do museu
Guernica em Gernika?
Uma casa simples
Lucina Arriola, 86 anos, Andone Bidaguren, 84, e Luis Iriondo, 88, são alguns dos sobreviventes do bombardeio que moram atualmente na cidade de Guernica (em basco, escreve-se Gernika). Os três participam do Centro de Investigação pela Paz Gernika Gogoratuz (Recordando Guernica), criado há 24 anos, e acreditam que o painel de Picasso deveria estar em Guernica, alimentando uma antiga polêmica sobre o local ideal para a obra. A administração do Reina Sofía descarta a possibilidade com o argumento de que o quadro não pode ser retirado do museu em razão de seu “delicado estado de conservação”.
No quadro não há referência concreta à cidade, e a linguagem pictórica empregada, o cubismo com influência surrealista, torna o retrato atemporal, universal. O cenário indefinido sugere uma casa simples, com janela, porta, mesa e lâmpada.
A diretora do centro, Maria Oianguren, discorda de ambos. Segundo ela, o quadro deveria recomeçar uma itinerância, agora por locais onde ocorrem conflitos armados. Como a Síria e a Líbia. “Guernica é uma de muitas. Falamos do que ocorreu aqui para falar de todos os locais bombardeados. Recordamos para construir a paz.”
Do quadro Guernica críticos destacam o protagonismo dado às vítimas anônimas e inocentes, presente também na série de gravuras Los Desastres de la Guerra, que Francisco de Goya (1746-1828) realizou entre 1810 e 1815 sobre as Guerras Napoleônicas na Península Ibérica. No Museo Reina Sofía
O painel Guernica está exposto no segundo andar do Edifício Sabatini, prédio neoclássico do antigo hospital geral do século XVIII que compõe, com outro edifício contemporâneo, o Museo Reina Sofía. Em 2010, o museu recebeu mais de 2,3 milhões de visitantes. A sala onde o quadro é exposto possui três
Na mesma sala estão expostas as fotografias de Dora Maar (1909-1997) sobre a execução da pintura. Nas salas próximas o visitante vê outras obras que estavam no Pavilhão Espanhol, uma maquete do edifício, filmes, fotografias, trabalhos de Picasso do mesmo período, os estudos para o Guernica e mais esculturas e quadros sobre a Guerra Civil. Dora Maar era fotógrafa e foi uma das amantes de Picasso. No ano da pintura do mural, o artista era casado com Olga Khokhlova (1891-1954) e tinha uma filha de 2 anos, Maya, com Marie-Thérèse Walter (1909-1977). Há críticos que associam a confusão que a imagem passa, entre outros fatores, à vida sentimental do autor.
Museo Reina Sofía – www.museoreinasofia.es Gernika Gogoratuz – www.gernikagogoratuz.org Museo de la Paz de Gernika – www.museodelapaz.org
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Numa das ruas principais da pequena cidade existe um painel de azulejos que reproduz a pintura de Picasso. Cópias do quadro são também encontradas em bares, casas comerciais e residências, e os moradores, geralmente, têm histórias para contar sobre a primeira vez que o viram.
Em Guernica está o Museo de la Paz, onde uma instalação reproduz uma casa simples como a da pintura, na qual o visitante é submetido a uma imersão na experiência do bombardeio por meio de efeitos de sons e luzes.
entradas e está, geralmente, lotada. Ladeado por dois seguranças, ele não tem moldura. O movimento do público faz com que o alarme de segurança soe constantemente, porque as pessoas se aproximam demais do painel.
museo xul solar M U S E U s D O MU N DO |
Por uma
arte universal Casa-museu de Xul Solar exibe, em Buenos Aires, recorte cronológico da obra do artista, referência da produção visual moderna argentina TEXTO marco aurélio fiochi
Aquarelas de Xul: San Danza, 1925; e Zodíaco, 1953 | direitos reservados Fundación Pan Klub – Museo Xul Solar
Alejandro Xul Solar (1887-1963), um dos principais nomes da arte moderna argentina, tem, em Buenos Aires, um museu dedicado à sua obra: o Museo Xul Solar. Abrigado numa antiga casa, no Bairro Norte, cuja fachada sofreu poucas alterações, o museu se destacada por seu interior, que reproduz o projeto arquitetônico criado pelo artista para o Pan Klub, espécie de associação artístico-filosófica comandada por ele em sua casa a partir de 1939. O espaço expositivo tem quatro andares, que podem ser vistos de vários ângulos, graças a um vão-livre e a recortes nas paredes. Uma passarela suspensa faz a interligação de um lado a outro no último piso. Escadas, elemento constante nas pinturas de Xul, se encarregam de comunicar as salas. A área livre interna preserva um jardim de inverno. Todas essas soluções arquitetônicas fazem o visitante se sentir como se estivesse no interior de uma das obras do artista, devido à semelhança entre seus traços nas telas e a construção. No tempo de Xul
Oscar Agustín Alejandro Schulz Solari é um dos responsáveis, nas artes visuais, por projetar internacionalmente a Argentina para além de sua aclamada literatura. Pintor, escritor, tradutor, ilustrador de livros, músico e astrólogo, Xul Solar, nome artístico adotado em 1916, expressou-se principalmente por meio da pintura de aquarela. A música esteve presente em sua educação pela influência do avô compositor. Ingressou na faculdade de arquitetura em 1905, mas abandonou o curso dois anos depois para se dedicar ao violino. Nesse período também ganhou um piano e iniciou-se no instrumento.
Xul mudou-se para a Europa em 1912, dividindo-se entre Florença, Paris, Londres, Turim e Gênova, cidades em que viveu intensamente a efervescência cultural do início do século visitando inúmeras galerias, museus e bibliotecas e frequentando reuniões filosóficas, de ciências religiosas e artísticas. Permaneceu até 1924 no velho continente, onde criou suas primeiras obras, óleos sobre tela de inspiração expressionista.
Sobre Xul Borges escreveu, em 1949: “Homem versado em todas as disciplinas, curioso de todos os arcanos, pai de escrituras, de linguagens, de utopias, de mitologias e astrólogo, perfeito na indulgente ironia e na generosa amizade, Xul Solar é um dos acontecimentos mais singulares de nossa época”. A amizade foi o mote da exposição Borges y Xul, que o museu apresentou entre março e novembro de 2010.
A maior parte de suas aquarelas revela um universo onírico, marcado pela representação em tamanhos variados de seres fantasiosos e plurimórficos. Desenhados com riqueza de detalhes, sugerem uma ampla gama de significação provavelmente decorrente do aprofundamento do artista na ciência do ocultismo, na cabala e no I Ching. Povoam as telas signos, especialmente os ligados aos astros, e inscrições em neocriollo, misto de português e espanhol, e em panlengua, idioma artificial criado por Xul por meio de hibridismos de várias línguas. Essas representações compõem uma narrativa de forte tom místico.
A partir de 1945, a busca pelo equilíbrio entre os lados intelectual, científico e estético da civilização levou Xul a empreender várias criações, como o panajedrez, um jogo de xadrez mais complexo que o tradicional, cujas regras aprimorou constantemente a fim de atingir a perfeição, e um sistema de notação musical mais fácil de aprender e tocar. Reconstruiu alguns instrumentos, como o harmônio (espécie de teclado) de sua esposa, Micaela (Lita) Cadenas, cujas teclas ganharam relevos para ser reconhecidas pelo tato e pelas cores que identificam cada nota. Esse é um dos objetos de destaque em exposição no museu.
Aproximou-se de seu conterrâneo Jorge Luis Borges ao retornar definitivamente para a Argentina, em 1924. Os dois integraram a vanguarda que se reunia em torno do jornal de arte e crítica literária Martin Fierro. Mantiveram uma produtiva amizade, com trocas constantes de impressões, sugestões e comentários sobre suas obras até a morte de Xul, em 1963. O pintor, que ilustrou vários livros de Borges, definiu o escritor como seu irmão espiritual, como mostra uma placa que se encontra no espaço expositivo. A própria concepção do museu, que é dedicado ao escritor, deriva do estudo de vários textos, não só de Xul, mas também de Borges e de outros participantes de suas experiências estéticas.
Segundo Teresa Tedin, membro do conselho diretivo da instituição, é difícil calcular o número total de obras criadas pelo artista. “Xul foi prolífico em sua produção e nem todas as suas obras podem ser consideradas como acabadas”, explica. Atualmente, os trabalhos do artista estão avaliados entre 35 mil e 120 mil dólares (de 56 mil a 193 mil reais, aproximadamente). Além do museu, a instituição argentina com maior número de obras do artista no acervo é o Museo de Arte Latinoamericano de Buenos Aires (Malba). Mas trabalhos de Xul integram coleções ao redor do mundo, entre elas as do Museum of Modern Art (MoMA), de Nova York; do Reina
Xul Solar é um dos responsáveis, nas artes visuais, por projetar internacionalmente a Argentina para além de sua aclamada literatura.
Obras que integram a coleção permanente do museu: aquarelas Proyecto Fachada Delta, 1954; e Pan Arbol, 1954; e o objeto Pan Altar Mundi, 1954 | direitos reservados Fundación Pan Klub – Museo Xul Solar
Sofía, de Madri; do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro; e da Biblioteca do Senado, de Milão. Em 2010, uma das obras do artista, Palacios en Bria, de 1932, foi roubada do Teatro Argentino de La Plata, e até o momento não foi restituída. Uma grande exposição do artista no Brasil ocorreu em 2005, Xul Solar – Visões e Revelações, na Pinacoteca do Estado de São Paulo e também no Malba – gerando um catálogo publicado em parceria pelos dois museus. A mostra foi apresentada ainda no Museum of Fine Arts, de Houston, e no Museo Tamayo de Arte Contemporáneo, Cidade do México.
O museu
Administrado pela Fundación Pan Klub – Museo Xul Solar, responsável pela obra do artista, o museu é privado e não recebe incentivo governamental. Considerado de pequeno porte diante das grandes instituições de arte da capital portenha, apresenta 86 peças. São pinturas, esculturas e objetos, uma seleção cronológica esboçada pelo próprio Xul e por Lita e concretizada por ela e pelo curador Natalio Povarché, presidente da entidade à época de sua abertura, em 1993. As obras são as mesmas desde então, apesar de o museu ter realizado algumas aquisições ao longo do tempo e fazer
substituições esporádicas, quando algum dos quadros participa de uma exposição externa. Uma equipe de sete pessoas é responsável pelo funcionamento do espaço, que, além da exposição permanente, oferece biblioteca com 3.500 livros e arquivo com documentos catalogados. Uma curadora especial, Patricia Artundo, responde pelo setor de publicações, que no momento prepara o catálogo raisonée do artista e mais dois livros sobre sua obra. A estrutura conta com reserva técnica de capacidade limitada e os serviços de conservação e restauro são terceirizados. A instituição recebe cerca de 15 mil visitantes nos 11 meses de funcionamento (em fevereiro, fica fechada para o planejamento das atividades anuais), a maior parte público escolar. “Visitamnos também pesquisadores que vêm de vários países, devido ao alcance internacional da obra de Xul. Estudantes de arquitetura, por exemplo, se interessam pelos desenhos arquitetônicos e de fachadas do artista”, conta Teresa. Além da exposição permanente, a programação traz espetáculos de dança contemporânea e de teatro inspirados nas obras, nos escritos e nos temas trabalhados pelo artista.
Museo Xul Solar Calle Laprida, 1.212 – Buenos Aires, Argentina. Fone 54 11 4824 3302 e 54 11 4821 5378. Horários: terças a sextas, das 12h às 20h; sábados, das 12h às 19h; demais dias e feriados, fechado. Entrada: 10 pesos argentinos (cerca de 4 reais); info@xulsolar.org.ar | xulsolar.org.ar
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O harmônio de Lita recriado por Xul | foto: Mónica Fleichman
ciberliteratura R E P O R T A G EM |
Entre o papel e a tela, o imponderável Literatura experimental, ciberliteratura, poesia de invenção – de tudo um pouco entre bites e bytes
TEXTO micheliny verunschk
ILUSTRAÇÃO mariana leme
Escrever é inventar e não existe literatura sem invenção. A ideia contida nessa frase não é original. Aristóteles já a dizia em sua Poética, e, nos tempos apressados de hoje, entre e-books e iPads, ela ganha um brilho novo, principalmente para o público, que vê pipocar nas telas termos como ciberliteratura, literatura experimental, poesia de invenção. Jorge Luiz Antonio, professor, pesquisador da Fapesp e pós-doutorando da Unicamp, ajuda a conceituar os temas: “A ciberliteratura é um desdobramento e uma continuação da literatura. O termo está em relativo desuso e pode ser substituído por literatura digital ou literatura eletrônica. Cada denominação indica o estágio da tecnologia computacional explorada do ponto de vista literário e poético”. Partindo do princípio de que toda poesia é experimentação, ele contextualiza: “Poesia experimental é aquela existente dos anos 1950 para cá, em que procedimentos artísticos, de design, científicos e tecnológicos são incorporados ao fazer poético”. Mas nem tudo o que atravessa o ambiente virtual é, de fato, pensado para ele. Há autores que apenas transpõem a obra para o meio eletrônico e há os que “pensam” esse ambiente como constituinte da obra: “Escolher uma poesia e colocá-la no meio digital foi uma atitude inovadora quando surgiu o editor de textos, semelhante ao uso da tipografia no início do século XX. Porém, esse pensamento se amplia quando uma poesia, devido ao seu potencial de visualidade, movimento e sonoridade, oferece possibilidades para uma recriação digital de forma que produza novos significados”, diz o pesquisador.
Nas malhas da rede
Todas as possibilidades oferecidas pelos ambientes virtuais e pela web exercem poderoso papel na difusão da literatura, modificando a forma como os autores escrevem suas obras e como os leitores as recebem ou as percebem. Quem afirma é o poeta Edson Cruz, que vem de duas experiências virtuais de literatura: o extinto site Capitu e o portal Cronópios. Ele, que em breve estreia o site Musa Rara, avalia: “A web mudou totalmente o panorama literário. Primeiro foi a visibilidade, gavetas esvaziadas e comunicação instantânea entre autores e agentes literários. Na sequência, a problematização de autoria, de direitos, de enunciação e as novas formas de entender a recepção, a coautoria e a originalidade. Depois, a superfluidade da produção apresentada via rede”. O momento atual, segundo Cruz, é dos leitores eletrônicos, com os e-books best-sellers, os tablets e kindles e seus preços quase acessíveis. Comunidades virtuais de relacionamento e trocas literárias integram esse cenário. “No momento, estou navegando pela experiência do romance O Bom Inverno (Dom Quixote, 2010), do português João Tordo, que foi adaptado para o Facebook em pequenos capítulos diariamente”, conclui. O último capítulo foi publicado em facebook.com/obominverno/ em 3 de junho de 2011. Quando se trata de arte, a impossibilidade de prever o futuro é um dado imutável. O diálogo da literatura com a tecnoarte é um capítulo que ainda está sendo escrito. A única certeza é a de que a literatura prepara hoje o leitor de amanhã. Talvez por isso a grande literatura nunca seja realmente compreendida em sua época.
Nesta edição, o Fichário, seção temática da Continuum, mostra a trajetória de artistas que foram contra a corrente. Por meio de sua arte, de fortes tintas transgressoras ou de sua postura diante da vida, eles ajudaram a romper com conceitos ultrapassados, a moldar um novo pensamento que acabou por influenciar as pessoas, por formar seu olhar. Seja no Brasil, seja mundo afora, esses artistas, cuja genialidade nem sempre foi recompensada – alguns deles nunca tiveram reconhecimento em vida –, fizeram com que a arte rompesse fronteiras, ganhasse outras possibilidades de abordagem e compreensão. Quase todos pertenceram a uma vanguarda, palavra de origem francesa que deriva de avant-garde, aquilo que vem na frente, abrindo caminhos, a comissão de frente.
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Cinco desses artistas – Itamar Assumpção, Paulo Leminski, Nelson Leirner, Zé Celso e Rogério Sganzerla – ganharam atenção especial do Itaú Cultural nos últimos dois anos, com a realização de exposições individuais, dentro do projeto Ocupação, e a série de documentários de longa metragem Iconoclássicos. Eles ajudaram também a conceituar a ideia desse Fichário, que leva o sugestivo nome “Malditos?”. Sim, a interrogação é proposital, pois ser maldito, ser incompreendido, ser fora do circuito é sem dúvida um preço alto que nem todo artista aceita pagar. Nas próximas páginas, contamos as histórias, nem sempre alegres, mas com certeza ímpares, de artistas que, devido à sua “ira santa”, poderiam ser chamados de malditos, e dizemos por que eles são de fato transgressores.
galeria FICHÁRIO |
GENIAIS
TRANSG
R ES S O R
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A CONTIN UUM con sultou es nais que pecialist quebrara as da áre m as con a cultura ajudaram venções l e selecio de seu te a mudar nou 11 ar mpo, fora comport tistas co amentos m desbr nsiderad avadores e a abrir os “trans a mente , pioneiro gressore das pess s. Conhe s”. São p oas para ça as his ou em ou rofissiotórias de estéticas tros país sses cria es, a arte ousadas dores, qu . Depois nunca m e que eles ais foi a m surgiram esma. , no Bras il T EXTO re dação
ILUSTRA ÇÕES jo ão pinheir o
ANA CRI
STINA C ESAR
No caso dessa po eta cario dade de ca, o term sua prod o artista ução lite transgre rária do q dio aos 3 ssora fa ue, propri 1 anos, p z referên rovavelm amente, cia mais inadequa aos fatos ente con à comple ção, com sequênc d xidade e e sua vid ia o a. No enta re d densie la vários ep ta em ca família d nto, a op isódios d rtas e ou e classe ção pelo e depres tros esc média alt suicíritos, aca são e do a protes precoce. ba sobre forte sen tante, An Desde a pondo a timento a C., nom tenra infâ de v id e Seus tex a q ncia fazia ue assin à arte. N tos são ava gran ascida e versos q híbridos d m u e e p u , a p m rt o a r não sab e de seu de verso como se s textos, er escre fossem u e prosa foi talento ver, eram sobre o m diário. cotidiano anos 197 ditados à Integrou 0, cuja p , retratad – ao lado mãe pro rincipal c o com g fessora. de Cacas editorial aracterís rande ca o, Chaca distribuin rg tica era l a confes e Francisc driblar a do textos sional, o Alvim – s dificuld menos fo em cópia a poesia ades de rmal cere s mimeo margina publicaç grafadas bral e ma l dos ã extensa o imposta . A estéti is lírica – correspo ca do mo s pelo m marcou ndência v a e im rc té e ado c n nica de A to – que mestrad com am pregava na Cristi igos, esp o em teo uma poe na, mais ria e práti ecialmen sia apurada material ca de tra te nos p a cada liv eríodos dução lit para aná em que ro. Troco erária. Ap lise não s viveu em u ós sua m ó de sua Londres orte, a na persona , onde fe lidade, m rrativa ep z as també istolar co m de seu nstituiu-s processo e farto criativo.
O baiano de Vitóri a da Con Glauber quista fo Rocha es i um dos GLAUBER creveu e mais imp ca, uma p ensou cin ROCHA ortantes revisão c ema: que c in e a rítica da stas do ria uma a realidade B como jorn ra rt s il. e e E ngajada xpoente . Alfabeti alista an no pensa do cinem zado pela tes do se mento e Sol (196 a novo, u primeir mãe, estu 4), Terra p regava u o d lo o n u ga-metra na Faculd em Trans ma nova gem (Ba a e (1967) d social fe estétie d e Direito rravento e O Drag roz e um da Bahia , 1961). F ão da Ma a estétic e trabalh ez també ldade co a que pre 1971, com ou m Deus e ntra o Sa tendia ro o endure o Diabo n nto Guerr mper rad cimento a Terra d eiro (196 Cuba, na dos milita ic a lm o e n 9 te com o Itália e e ), filmes res, Glau m Portug com uma estilo im ber partiu língua po al, sua últ p c o rí p rt ti a a c ra d a o dos Es o exílio, d rtuguesa ima mora tados Un e onde n em dois da, antes unca reto idos. Em mas em momento de falece rnou tota algumas s r d e urante o m agosto lmente. V palavras regime m de 1981. iveu em ao regim – se lidas ilitar: ao Tentou s e – e, em por um m criar um ubverter 1977, pas ilitar eram a ta e m s tou divers sou a uti p bém a écie de c um elogio lizar uma os prêm ódigo qu ; se por u ios nos fe ortografi e utilizav m oposit a própria stivais d a treo r, uma men , substitu e Canne sagem c s, de Hav indo as le o ana e de n tr tr a ária s Saiba ma c, i e s po Locarno is em <te r k, y, z e , entre ou mpoglau x . C o tr n o q s u . isber.com.b r>.
GREGÓR
F I C H Á R I O
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M A L D I T O S ?
IO DE MA TOS
“Que falt a nesta cidade? Vergonh Verdade a./O dem ./Que m ais por o a viver sua des honra e v se expon onra? H ergonha ha/Por m onra. Fa .” Esses s ais que lta mais Salvador, ão os pri a fama a que se meiros v em 1636 exalta/N lhe ponh e , rs o uma cid os do po poeta fic a? sua obra ade ond ema “Ep ou conhe , relacion e falta/V ílogos”, d cido com adas prin e e rd G o a re d “B e, g Influencia o ó cipalmen ca do Infe rio de Ma do pelos te às qu tos. Nasc rno” por e p s fa o id tõ e z o ta e e e s r s m provocaç políticas de assas espanhó , sociais ões corr is Gôngo sinato e osivas e e religios ra e Que a deport m vedo, su a ação para cos e líri s d a Bahia do as sátira cos, com Angola. O século X s lhe ren cunho m utra vert VII. deram a literário oral, relig ente imp cusaçõe conhecid ioso e am o rt a n s te , ameaça o como b o d roso. A p e s u a s instabilid o arroco, m bra são luralidad ade. Aind os poem arcado p e temáti a a e c s n la a ã e s c o ró o c é m o ti possível ntradiçõ tos nem põe o mo es huma precisar as datas mento h nas deco com exa em que fo istórico e ti rr autores, d e ra ã n o m te q e s uais poe scritos. E do perío atualme mas são do de fo les foram nte em b realmen rte iblioteca preserva tro sécu te s portug d los, suas d e Gregóri o s por meio uesas e críticas p o de Made códic brasileira ermanec es copia s. Embora em atua dos por o is. ele seja u utros m escrito r nascido há qua-
HILDA H
ILST
Em sua o bra, ela tr atou de lo misturan ucura, se do o atem xo, Deus, homosse poral, o re fazer a s xualismo al e o ima eguinte e , pedofilia ginário. A xperiênc e existên p re o c ia tos. Ning upação c : espalho cia huma uém a le o u m na, muita g a imortalid ra v a vou a sé dores po s vezes ade da a rio. Nasc r pai, diag s u a c lma levou asa com ida em J nosticad o intuito Hilda Hils aú (SP), o como de registr em 1930 ta esquizofr cenário re ar as voz , a escrito ênico pa corrente es dos m ranoico. ra sempre em sua o o E rm escritório c b o ra ra. Curso nviveu co zão diss em que tr u direito m a doen o, os hos abalhava na USP, p ç a it a d is o dos, divid psiquiátr para ded mas um iu-se entr icos torn ano depo icar-se in aram-se e poesia tegralme is de form fazenda , c n rô ada pediu te n ic à a, teatro em Camp literatura demissã e ficção. . Entre os inas, ond o do Aos 36 a e produz transform mais de nos, Hild iu a maio 40 título ando-a n a r s p m u p a m u u rt blicadou-se p e de sua centro d o alemão ara a Ca obra. Vári e fomento , o francê sa do So os artista cultural n s, o italia l, uma s passara as décad declarar no, o esp m a frequ as de 19 que não anhol e o entar a c 70 e 198 ganhou d inglês, e, asa, 0. Sua ob inheiro e ralizada. a p e s a r ra foi tra dos prêm que queri Sua mora duzida p ios que re a mesmo dia funcio ara cebeu em era ter um na hoje c omo o In vida, cos Nobel. Em stituto H tu m 2 004, mo ava ilda Hilst Saiba ma rreu de in – Centro is em <hild fecção g de Estud e n ahilst.co eo s Casa do m.br/ins Sol. tituto.ph p>. Instrume ntista, arr anjador, (SP), em composit ITAMAR 1949. Cre or, canto r e produ s c ASSUMP e u e m notoried to A ra r m p o u n ÇÃO s gas (PR) ical, o Ne ade nece e mudou go Dito It ssária pa -se para amar As Autodida ra viver d sumpção a capital e arte, Ita ta, marco paulista nasceu e mar sem u forte pre em 1973 entoand m Tietê pre teve sença no . M o com su u esmo ten m m a relação ovimento a voz gra do alcan curiosa d musical d como su ve e que çado a e distanc e vangua nte letra as perform iamento rda, que s impreg a n c c o e o m s c o n n era ser d a fama. rreu nos adas de o palco. P iferente”. anos 198 sátira e c ara Itam Sempre 0 em São rítica soc ar, num p contrário e possív a ia Paulo, ís l, o c u o mo o Bra sadas, o eis suge a qualqu riginais e sil, inund stões do er tipo de a re d mercado Barnabé b o p e d a ldes, e s talentos teurizaçã , Ná Ozze fonográfi artísticos o, recusa tti e Tetê co. Firmo , “o mínim va pronta tes abord Espíndola u parceri o mente to agens po as artísti , entre ou das as im cas com liciais so tros. Aco posições no nome fridas po P m a p u a lo n h L a e r ele) ou a paixão do da ba minski, A das Orqu do músic nda Isca lice Ruiz minada é ídeas do , Arrigo de Polícia o pelas fl Brasil (gru poca, jus ores), co (referênc tamente nstruiu u p ia às con o fo rm Em 2011 a p m d o stana o r tr o a b azer con penas po ra de ime , Itamar A sigo a ca r mulhere nsa amp ssumpçã rga de in s lit q u Diante, d u o d e e te , traz incapaz ovação q ve vida e e Rogéri de perte ue a colo trajetória o Velloso ncer a de ca semp retratada , um dos terre à frente s no emo filmes qu de qualq cionante e integra uer temp documen m a série Saiba ma o. tário Daq Iconoclás is em <ita uele Insta sicos, do marassu nte em Itaú Cult mpcao.c ural. om.br>.
LENNIE D ALE Criador d o lendári o grupo D em Nova zi Croque York, ma ttes, sím s, ao rece bolo da c ontracult de Janeir ber um c ura gay e onvite pa o, onde d m plena irigiu sho ra um tra ditadura, de Elis R w balho no s e m boates d egina, mo nos anos Brasil, em o Beco d dificando 1970, o c 1960, ap as Garra oreógrafo um helicó sua expre aixonou-s fa s , ptero ao nasceu b s e pelo pa s e ão corpo rço da bo interpreta ís. Passo ra s s l n a o n performa p o r a v “Arrastão u a viver a. Teve e lco. Cons nces – co no Rio special p ” no Festi ta que fo mo a que apel no in val da Ca i ele quem radas ch fez por m nção de 19 ício da ca a oriento ocantes. e s rreira 6 e u s 5 a . n L b u ennie rev O Dzi Cro alançar o m restau quettes, oluciono s braços rante cari Sempre im u a lingua criado em imitando oca, vesti pecáveis gem da d 1972, reu do de mu na atuaç ança no p nia, sob a trajetória lher e esta ão, uniram aís. Suas , o grupo batuta do lando um música, d , que se d c o chicote – reógrafo ança e te Liza Mine issolveu eram con , 12 bailari atro com em 1976 lli, com q sidenos, que farsa, com uem Len , foi aplau viviam e c édia de c nie passo do o Bras dido em riavam ju ostumes u a traba vários pa il. Morreu n tos. e tr a lh íses, ang vestismo em deco ar. Desco ariando a Dzi Croqu rrência d . Apesar d briu-se p a aids em ettes, qu s o a im rt b a re p d a ve o ti r do HIV e a de nom e conta a 1994. Em es famos decidiu tr história d 2009 Ta atar-se n os como e paixões tiana Issa os Estad da trupe e Raphae os Unido e situa su l Alvarez Saiba ma s, deixan a relevân lançaram is em <dz c o tocante ia no pan icroquett orama cu documen es.com>. ltural bra tá ri o sileiro. Dançarin
a capixa ba que s e tornou LUZ DEL em circo internac FUEGO s e teatr ionalmen os, onde boias. Lu te famos z del Fue se apres a n o s anos 195 go é con entava s 0 por su siderada dos costu eminua e as perfo , devido à mes do in acompan rc o hada po íc n io do séc testação se assoc r um cas ulo XX, u , tanto na ia o feito al de jim v a id d a a q d s uanto na e ser a p primeira mitos gir ioneira d s feminis arte, da m am em to o movim tas bras oral e rn e ile n o to iras. À art d a n aturista performe banho de ista tam e do veg r: foi um mar, num bém etarianis a das pri a combin mo no p relação c meiras m ação que a ís om a fam u . O lh a u e n tros res a us tecedia e ília burgu ar duas m muito nicômios esa sem peças pa o uso do , onde fo pre foi co ra b o iq i diagnos u n ín turbada i pelas b para a q ticada err e rendeu rasileiras ual se m oneame e . p S is u ó a d udou pa nte com ios de in ra fugir d por prati ternação o esquiz car o nud o contro ofrênica em ma. No Rio le familia ismo na d acabou d r, e e v Janeiro, s ir e o rt u a praia d n extinto, e o tí cidade c ia ao ser p a Joating passou a resa alg a. Fundo hospedo viver em u u m o u dezena a s P u a vezes ma ilha, rtido Natu s de artis presente ralista B roupas d tas holly do minis rasileiro, o lado de woodian tro da M que os. Sua fora. Luz arinha. N ao ser atr única ex del Fueg esse red igência é aída para o teve um u to, que todo uma arm final trág nascime s deixas adilha m ico: foi as nto, 21 d s o e n s m ta a s d a sinada, ju a por um s e fevereir nto de se a dupla d o, passo u a ser c e ladrões u caseiro omemora . Desde e , do como ntão, o d ia de seu o Dia do Naturism o.
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mances
galeria FICHÁRIO |
PAULO L EM
INSKI
O escrito r, traduto r e comp ositor cu plicidade ritibano e e graça te ra mestr m a s p o e no man r vezes d -se dos p esconce ejo das p oetas co rtantes. L alavras, u ncretista eminski in haicai. Cri sadas pa s Harold o e Augu ra revesti ava poem ovou, na s lin r de simto a s guagem d c e Campo oncisos e tária. A a e na form s e Décio m que uti usência a, ao apro Pignatari lizava jog de pontu ximaros de pala e aprofu ação era e consid ndar-se vras, troc outra ma erado po no estud adilhos, p r muitos rca que o o do a como um la cias o ex aproxima vrões e lin gênio, Le perimenta va da esté guagem minski era lis ti p c m u a b o licic n oncreta. a vida e n onde apre um escri Extrema a arte. Ao tor comb ndeu lati mente cu s a m ti 12 , v te o a ologia, filo e levou à nos, ingre lto publicar s últimas sofia e lit ssou no sua poes consequ Mosteiro eratura c ia em rev ênde São B lássica. D istas alte ensino, c ento, em ecidiu se rnativas omo pro da época São Pau fessor de r escrito lo, r nos an . Paralela Veloso, A curso pré o m s 1960 e rnaldo An -vestibula ente atuo p tu u a r. n s n C e s o o s o jo m u e rn p a Moraes M Catatau, ôs dezen alismo, n que narr as de ca oreira. Em a publicid a uma vis nções co ade e no 1975, lan Maurício ita do filó m ç p o a u rc sua obra eiros com de Nassa sofo fran mais exp o Caetan cês René u. A obra erimenta o Iconoclás serviu de Descarte l, o romanc sicos, do s te ao Brasil, ma para e Itaú Cult ficcional o novo fi como inte ural. Lem lme de C grante d inski morr ao Guim a comitiv eu em 19 arães, Ex a de 89, aos 4 Is Saiba ma to , que inte 4 anos, d is em <ita gra a séri e cirrose ucultural.o e hepática rg.br/ocu . pacao>.
Dramatu rgo paulis ta, foi fun viu na Ae ileiro, ap ronáutic rendiz de PLÍNIO M a. Mas fo encanad i no circo e humori or, came ARCOS sta aos 16 que enco lô e ponta ntrou se -esquerd anos, em de Teatr u c a S a n m a a n in to P ho para o ortugues o de Vari s, sua cid edades, a Santista teatro. C ade nata apresen omeçou Pagu o c l. Percorr e sertando-se a onvidou e trabalha u o in te para sub e ri r como p m o r e do estad missoras stituir um intelectu a lh aço o com a de rádio ais, partic ator na p Compan e televis eça infan ipou ativ hia Santi ão. Em 19 seada em til Pluft, o amente sta 58, a es do teatro Fantasm fatos rea critora e inha. A pa amador is, a obra jornalista teve ape d rt e c ir o S n d a ta is n to s a nas uma o, conhe s e escre história d ceu um g apresen veu sua e um jov tação e p rupo de sociais p primeira em presid ermanec eriférica p eça teatr iá ri o estuprad s – como eu sob c al, Barrela o e e da ling p p n o ro s r u . Bas v ra titutas, h ários cole durante uagem p omossex gas de c 21 anos. rópria de uais, pob ela. O tex Por retra sses gru regime m to res e pre tar a opre pos – mu ilitar, entr sidiários ssão das itos de s e eles N , de man camadas tornando eus espe avalha na e ir a re táculos e o autor, n Carne (19 alista, re nfrentara a década pleta de 67), O Ab Paulo ve m proble gírias de 1970, ajur Lilás ndendo m u (1 as com a m 9 6 s ímbolo d álbuns d 9) e Dois censura a perseg e figurin marcam P e rd do id os numa has, ciga uição do a história Noite Su rros ame s militare do teatro ja (1966 ricanos e s. Peram brasileiro ), bulava p rádios d . Morreu elas ruas e pilha. E aos 64 a screveu de São nos em S Saiba ma 2 5 livros e ão Paulo is em <p . 31 peças liniomarc que os.com> e em <ita ucultura l.org.br/e nciclope dias>.
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“Para mim , chega!” Com ess de come a frase, o morar co jornalista m amigo , poeta e TORQUA s e a fam manifesto composit ília seus “Tropicalis TO NETO or Torqu 28 anos m a to o p N a eto pôs fi de idade exercia s ra Princip , em 1972 obre a cla m à sua iantes”, T orquato d vida, pou . Figura d sse artís da. Autor cas hora tica e tam e proa do ava um b s depois de “Mam asta, com bém ao p movimen ãe, Corag a s to tropic tr e u u lhamento a to censis, q e e alista e a x m tr ” emado, à e “Geleia d o ue reuniu s utor do m ili opressão tantes da Geral”, du , em 196 as das m que a dit esquerda 8, os prin de sua cid a úsicas m d s u o cipais no ra b ade nata re tudo o militar ais conhe mes do m l, Teresin que não cidas do migrou p a, para S ovimento era arte e lendário alvador, o ara o Rio , c n o gajam d o is C co Tropic e iniciou nde se to aetano V ália ou Pa a faculda Essa ativ rnou amig eloso, Gilb n de de jorn idade o le is o e e d rt t Cire o G Gil e Os M il, Caetan alismo. T vou a as utantes, o, Gal Co cinema m rabalhou sumir a p sta e Ma m u nos cade ostura d arginal e d o u -se ria Bethâ e agitado rnos de c encarnou nia. Com filme Terr r cultura ultura do Vampiro os baian l, atuand or da Verm Última H , o perso os, o o n n ra e agem pri ão só na lha, em s e do Corr deu orige uper-8, e ncipal de música. eio da Ma m ao livro Id n N tr n e o h e n s ã. ti 19 fe fi ratu, dirig cou-se c 71 e 1972 póstumo om a esté ido por Iv . Uma co Os Último letânea d an Cardo tica do s Dias de e seus te so, em 19 Paupéria xtos, org 70, e rea , em 1984 Saiba ma anizada p lizou o . is em <to elo amig rquatone o Waly Salo to.com.b mão, r>. A vida de José Mo jica Mari a de Zé ns – ator, ZÉ DO CA do Caixã diretor e IXÃO o, perso roteirista nagem c arrastav de cinem riado po a para s a e telev r ele, em eu própri isão – se 1963, ap o túmulo de ter pro confund ós um p , que tinh duzido tr e com e s a a a a d b elo no q d a a lh ta de se os de div Conside u al um vu u nascim ersos gê rado um lto o ento e d neros, fic dos insp e sua mo ou realm iradores muito pa rte. Apes ente fam do cinem rticular d ar o e filmar e a s o pelos fi margina mes sere foi despre l brasileir lmes de m consid o z te a , rr M d o o o r. p ji ca desen ela crític erados c (Zé do C a nacion ult no cir volveu u aixão, em al. O ostr m modo cuito inte acismo d rnaciona inglês). A Alma, de urou até l, no qua primeira 1964. Ap seus fill ficou co aparição ó nhecido s d d iversas p o person em Exorc c omo Coffi agem fo roduçõe ismo Neg n’ Joe i em À M s, ocorre ro, em q eia-Noite u, em 19 como m ue Mojic 7 L 4 e , arca reg v a o a rei Sua interpreta embate istrada a entre cri Zé do Ca s longas Ferreira, ador e c ixão e a unhas, já Ivan Card ri atura, s i p ró teve a vid oso e Go prio. O c em 2001, ineasta, a retrata dofredo que tem Telles Ne da por o passou a utros co to. Rece ser conv 20 festiv legas, co beu a Ho idado pa mo Jairo ais intern nra ao M ra home acionais nagens e érito Cult . ural e, so retrospe ctivas de mente seus film es em m Saiba m ais de ais em < uol.com.b r/zedoca ixao>.
A R TI G O
À beira DO ab i s m o
Como arte, maldição e vida dançam de mãos dadas numa brincadeira perversa TEXTO micheliny verunschk
Destinos fatais
O século XX e, sem dúvida, o XXI, já acostumados ao espanto, à transgressão e marcados por eventos que se poderiam chamar de obscenos, como as duas grandes guerras e a derrubada das torres gêmeas, cultuam a maldição artística quase que de forma blasé. Como numa afirmação de que nada mais causa escândalo. A obra do artista plástico contemporâneo norte-americano Joe Coleman é exemplo disso. Seu repertório visual é composto de fetos humanos, trechos de carta de serial killers, toda uma soma de bandidos, canalhas, vagabundos, amorais e imorais. Segundo ele, seus quadros dão voz aos perdedores da história. Ao pintar o mundo do modo assustador como ele é, Coleman reedita a máxima de Sade, de novo ele, de que o sofrimento pode se transformar em beleza, essa maldição da arte, essa maldição de ser humano.
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O poeta francês Charles Baudelaire (1821-1867) trouxe a marca da maldição para a esfera da humanidade, retirando dela certa aura divina de que o romantismo a impregnou e responsabilizando a sociedade pelo caminho tortuoso pelo qual enveredaram alguns artistas. Entre eles, Donatien François de Sade, o Divino Marquês, que passou quase toda a vida encarcerado graças às ideias extremadas de sua obra. Marcadas pela violência, por perversões sexuais que vão da coprofilia e zoofilia a mutilações e assassinatos, suas histórias talvez tenham como aspecto mais polêmico a criação de uma moral pelo avesso, sem espaço para a bondade e a justiça, sem nenhuma filiação a Deus e suas igrejas. O aspecto libertino de suas obras prevê o triunfo do mal, a busca do prazer pela dor pessoal, sobretudo, pela dor e humilhação alheias, e a criação de uma nova ordem marcada pela transgressão e pelo individualismo.
M A L D I T O S ?
Nem só de literatura vivem os malditos. As artes plásticas, por exemplo, também são generosas na proliferação de degredados. Que o digam Francisco de Goya (1746-1828), Toulouse-Lautrec (1864-1901), Amedeo Modigliani (18841920), para citar apenas alguns. Mas, dentre todos, se há algum pintor maldito que bem represente o século XX este atenderá pelo nome de Jean-Michel Basquiat (1960-1988). Grafiteiro, nos anos 1970 Basquiat levou sua arte para os muros de Nova York, assinando como Samo, sigla para sameoldshit, algo como “a mesma merda de sempre”. Descoberto por Andy Warhol (1928-1987), de quem se tornou amigo, suas obras – de um primitivismo intenso, que se apropria da palavra escrita e a devolve ao olhar como elemento transgressor – refletem o caos do homem urbano ocidental. A vivência das ruas das grandes metrópoles e certo sentimento fúnebre saltam em seus trabalhos. Viciado em heroína, Basquiat teve uma carreira aclamada e vertiginosa, cujo ápice nos primeiros anos da década de 1980 foi interrompido bruscamente pela morte por overdose aos 28 anos de idade.
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Quando se fala em artista maldito, a primeira imagem que surge é a do poeta. A associação imediata se deve em parte pela ideia difundida por Platão de que o poeta é um ser fora do eixo, à margem da civilidade e de qualquer regra. Em resumo, um perigo para a polis (antigo modelo de cidade grega). Por outro lado, o romantismo francês cimentou e popularizou a expressão “poeta maldito”, cabendo ao poeta Alfred de Vigny (1797-1863) a paternidade dessa expressão numa passagem de sua peça Stello (1832), na qual se refere aos poetas como “a raça para sempre maldita entre os poderosos da terra”. Do Marquês de Sade (1740-1814) a Bocage (1765-1805), do Conde de Lautréamont (1846-1870) aos escritores beatniks, poetas e escritores de todas as épocas fizeram por onde honrar a definição.
Tomado como louco e apologista do crime, Sade apresenta em seus livros um projeto e um discurso político de ruptura com a tutela da Igreja e do Estado. Não por acaso as orgias que descreve se passam em ambientes fechados, reorganizam toda uma hierarquia social e instauram a ordem pela dominação sexual. Mas um ponto importante e talvez nem sempre percebido é que o autor convida o leitor à cumplicidade. Sade morreu em um hospício e sua obra, mais comentada e temida do que propriamente lida, excita a imaginação até hoje.
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Às vezes, é preciso dormir com o demônio para acordar com a beleza. A frase de efeito bem que poderia ser usada para definir a vida e a obra de alguns artistas que, por estar constantemente marcados pela transgressão, levam a alcunha de malditos. Loucura, contestação da ordem e da moral estabelecidas, crueldade, lascívia, pobreza e envolvimento com drogas lícitas ou ilícitas. Qualquer um desses fatores (e mais alguns), somados ou não entre si e ainda agregados a personalidades excêntricas, mentes irrequietas e talentos poderosos, podem levar um artista a ser tachado de maldito, indivíduo muitas vezes incompreendido em seu tempo, mas não raro aclamado pelas gerações seguintes.
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Aos 74 anos, o diretor, ator e autor teatral Zé Celso se diz na melhor (e na pior) fase de sua vida
TEXTO paula fazzio
FOTOS bob wolfenson
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Ele não se considera maldito: “Maldita é a sociedade, que coloca rótulos”. Prefere ser chamado de poeta, palhaço ou artista. Embora faça parte de suas obrigações, detesta ir ao banco: não gosta desses ambientes com tapete cinza. Adora animais, diz que já aprendeu muito com o cachorro Caxangá, do ator Marcelo Drummond, com quem vive. Tem pavor de shopping. Não sabe o nome da atual novela das 8, embora tenha feito uma participação em Cordel Encantado, da Rede Globo, para entrar em contato com o tabu. É cardíaco e está com labirintite. Acha lindo o significado do nome da sua cidade natal, Araraquara: morada do sol. O filme Evoé! – Retrato de um Antropófago, de Tadeu Jungle e Elaine Cesar, que integra a série de documentários Iconoclássicos, do Itaú Cultural, desfaz a ideia comum de que Zé Celso é apenas um ator que fica nu e faz reivindicações cômicas. “Há mais coerência e potência do que sonha nossa embaçada rotina”, explica Tadeu Jungle. O projeto levou três anos de pesquisa e filmagens, que ocorreram na Grécia, no sertão de Canudos, em São Paulo e nas praias de
Zé Celso na sede do Teatro Oficina, em São Paulo: “Saiu de cartaz uma ‘peça’ chamada Oficina x Silvio Santos”
Alagoas. “Zé Celso é um farol para a cultura brasileira e a única pessoa que conheço que só fez o que quis. E isso é muito, pois ele fez demais”, comenta Jungle. O longa fica em cartaz de 25 de novembro a 22 de dezembro, nas salas Unibanco de cinema, em São Paulo. Em 1958, quando cursava direito na USP, José Celso Martinez Corrêa participou, com outros colegas da faculdade, da criação de uma companhia de teatro amador. Encenaram a primeira peça do grupo que hoje se chama Teatro Oficina Uzyna Uzona. Embora se comemore em 2011 os 50 anos de existência do grupo – pois foi apenas em 1961 a abertura oficial da casa de espetáculos –, Zé Celso costuma dizer que o Oficina tem 53 anos, contados desde o dia da primeira apresentação. Aos 74 anos de idade, Zé Celso acredita que a tecnologia é fundamental para os dias atuais e pode contribuir para suas criações artísticas. A
última peça, Macumba Antropófaga [que esteve em cartaz na sede do Oficina, em São Paulo, de 16 de agosto a 2 de outubro], foi transmitida ao vivo pela internet. “Não está bom ainda tecnicamente, mas eu sou muito ambicioso.” De fato, ele é. Depois da histórica briga com Silvio Santos, por causa da divergência de objetivos que cada um tinha com seus respectivos terrenos na Rua Jaceguai, Zé Celso pretende repovoar o bairro do Bixiga, que considera uma periferia no centro. Entre os objetivos do grupo estão criar um teatro de estádio, uma universidade antropófaga e uma creche chamada A Verdade na Boca das Crianças. “Saiu de cartaz uma ‘peça’ chamada Oficina x Silvio Santos. Fim. Trinta anos em cartaz e saiu. A gente conseguiu uma vitória absurda sobre o capital financeiro, a coisa mais violenta, que domina”, explica. Na bate-papo a seguir, ele fala de suas origens, formação, televisão, drogas, teatro, política e família.
evoé, josé! Acabou a briga? ZC: Totalmente. Ele é um homem de negócios e não está bem financeiramente. Ele está muito bem como pessoa. Ele virou uma pessoa grega, trágica, que aceitou a derrota. Esse teatro é nosso, é do estado. Silvio propôs uma troca de terrenos. O laudo que foi feito por uma representante de cultura da Unesco no Brasil diz que depois que o teatro foi tombado todo o entorno deveria ser desapropriado ou comprado. Há um compromisso público no tombamento.
Por quê? ZC: Foi a primeira vez que houve uma orgia na história da arte dramática. Ela foi feita na Praça da Sé, em São Paulo, e em Araraquara. Havia um aspecto religioso, e os católicos ficaram horrorizados. Foi um escândalo na cidade, mas me permitiu dizer tudo o que queria. Araraquara tem um lado muito repressivo. Atualmente, boa parte dos poucos brasileiros que frequentam teatro vai aos espetáculos de comédia em pé. Você já assistiu a algum? ZC: Não gosto muito desse tipo de coisa porque não gosto de monólogo. Mas é preconceito meu. Sei que tem alguns atores maravilhosos e vejo que é um sucesso enorme. A maioria dessas peças é ligada só ao entretenimento e à comédia de costumes. Não quero viver de acordo com os bons cos25
Hoje em dia você conversa com o Silvio Santos ao telefone? ZC: Vou na casa dele. Ele me oferece bolacha, guaraná. Ele me recebeu numa antessala, mas eu sei que ele está gostando muito de mim.
Você costuma voltar para Araraquara, cidade onde nasceu? ZC: Raramente. Eu já fui um ser abominado pela elite da cidade. Quando nós levamos para lá uma peça de Oswald de Andrade, Os Mistérios Gozosos [em 1995], recebemos um processo criminal.
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O que sobrou do José Celso bacharel de direito no Zé Celso do teatro? Zé Celso: Os colegas. Éramos muito boêmios. O professor vinha e ficava dizendo o que estava numa apostila, completamente mecânico, não era ao vivo. A gente devorava e depois esquecia tudo (risos). Mas foi lá que nasceu o Teatro Oficina, sou muito grato a isso.
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“É preciso ter uma paixão transumana pelo teatro. O teatro pede muito. É como convento, só não é pior porque no teatro você se diverte, bebe, trepa, faz o que quiser.”
“Gosto das pessoas autocoroadas. Eu não tenho vocação nenhuma para ficar mandando.”
“O Oficina é lido como uma pessoa, como um jesus. A mídia só vê a mim, não vê que isso é fruto de um trabalho coletivo.”
tumes nem com os maus costumes. Eu quero criar outras atitudes, eu quero atingir outras coisas.
Existem bons atores na televisão atual? ZC: Existem, e eles estão saciados, carimbados, mas podem “descarimbar”. É um feudo dos bons costumes. Por exemplo: para decidir se vai ter ou não um beijo gay tem que discutir e demora séculos. A novela é escrava da opinião pública, é um instrumento de ignorância. Tudo bem que ela exista, mas é mais para as pessoas dormirem. Tem que trazer arte para a televisão. É um investimento financeiro. Arte dá dinheiro.
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Em um depoimento ao “ficajuca” (movimento de permanência do ex-ministro da Cultura Juca Ferreira) você disse que considerava Lula um presidente antropofágico. A Dilma também é? E a Ana de Hollanda? ZC: A Dilma não é ainda, não foi comida nem comeu. Eu a acho ótima e gostaria que fosse tocada pela arte. Lula vem de uma camada popular, nasceu em Caetés, Pernambuco. Ele virou um antropófago, um Macunaíma [personagem anti-herói criado por Mário de Andrade]. Tivemos oito anos de domínio da tropicália no governo. A Ana de Hollanda é uma pessoa maravilhosa, ela podia ser antropofágica também. Acho que nós, artistas, devíamos nos juntar a ela. O que você pensa sobre a descriminalização das drogas? ZC: Acho que já passou do tempo até. Tive uma ideia maluca, mas muito sensata. Liberação imediata do comércio das drogas, com controle dos ministérios da Saúde e da Cultura e cobrança de um imposto, mais alto no caso da cocaína, mais baixo no da maconha. Cocaína deve ser vendida com tarja preta. E investir esse dinheiro na cultura. Vão dizer que é loucura... Fumo maconha há 50 anos e sou a prova palpável de que ela me inspirou. Só tenho a agradecer a ela. Em suas últimas entrevistas, você comenta que está na melhor fase da sua vida. Por quê? ZC: Na melhor e na pior, porque a velhice está chegando. Tenho que me cuidar, tomar uma
quantidade enorme de remédios. Ao mesmo tempo é uma fase de muita inspiração. Quando estou no teatro eu me sinto bem. Não posso parar de fazer, de criar.
O que é pior: ser torturado ou ser privado da liberdade de expressão? ZC: Tenho uma anistia de 5 mil reais por mês. Como não tenho propriedade, não tenho segurosaúde, foi ótimo para mim. Tortura é uma coisa medonha, não quero para ninguém. Tirei dela uma grande lição: o corpo é sagrado. A democracia brasileira está amadurecida a ponto de essas coisas não se repetirem? ZC: Não, depende do nosso desenvolvimento para transformar e democratizar a democracia. A democracia não é democrática. Os partidos viraram empresas. O teatro é uma forma de democracia, em que você está aqui em contato com o público. Temos que voltar a torná-lo visível. Não aquele lugar em que vão as pessoas da minha idade ver atores da televisão em hotéis de luxo ou aquelas bibocas que são legais, mas são esconderijos. Por isso gosto do grupo Teatro da Vertigem, ele vai para a rua. Você se considera burguês? ZC: Não. Sou de origem pequeno-burguesa, mas traí completamente a minha classe. Tive problemas enormes com a minha família. Na minha geração, a família era muito mais terrível do que agora. A gente tinha que matar a família. Sente falta da sua família? ZC: Deus me livre! Eu quero matar. Sinto falta das pessoas, mas os papéis que elas são obrigadas a representar dentro de uma casa são ridículos. Tem que matar seu pai e sua mãe, a entidade, o papel. Atrás dele existe uma pessoa maravilhosa. Não suporto ser patriarcalizado ou matriarcalizado. Não gosto que me ajudem a levantar, nada disso. Enquanto puder, eu me levanto sozinho. *Evoé: Interjeição que expressa entusiasmo, exaltação, frequentemente utilizada em algumas peças gregas para invocar Dionísio, deus do teatro.
Saiba mais sobre o Teatro Oficina em <itaucultural.org.br/enciclopedias/teatro> e sobre Zé Celso em <itaucultural.org.br/ocupacao>.
Evoé! – Retrato de um Antropófago Tadeu Jungle e Elaine Cesar, Brasil, 2011, 104 min De 25 de novembro a 22 de dezembro nas salas Unibanco de cinema Confira as salas de exibição em: <cinemasunibanco.com.br>.
Assista ao making of do ensaio fotográfico de bob wolfenson no seu tablet.
“Eu procuro trabalhar os atores para ser divos e divas. Para ser craques. Não gosto de coadjuvantes. Não gosto de assistentes.”
“Eu considero o teatro um poder.” “Os atores têm que ser tão carismáticos quanto são os jogadores de futebol, quanto é Neymar.”
“Não quero viver de acordo com os bons costumes nem com os maus costumes. eu quero criar outras atitudes, eu quero atingir outras coisas.”
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“Liberação imediata do comércio das drogas, com controle dos ministérios da Saúde e da Cultura e cobrança de um imposto”, defende o diretor.
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para dentro O marginal vira oficial quando galerias e museus legitimam a arte que vem das ruas, dos doentes mentais e dos que não costumavam fazer parte do sistema
TEXTO gabriela borges e kelly cristina spinelli
Marginal, no dicionário Houaiss, tem nada menos que oito definições. Um ser humano marginal pode tanto ser alguém que vive em uma região de periferia quanto alguém que desconsidera “costumes, valores e leis” da sociedade em que vive, ou que ocupa uma posição menor, em termos econômicos, em um dado sistema. No Brasil, ainda, pode ser sinônimo de “delinquente”.
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Por isso, é difícil falar de arte marginal: o termo causa confusão pela quantidade de significados possíveis. Será marginal o artista da periferia, o que inova e vai contra o sistema, ou o que está fora das galerias e museus? E será que o artista perde sua marginalidade se aparece em uma revista ou é tema de mostras? Os críticos de arte são os primeiros a torcer o nariz: chamar uma arte de marginal, para muitos deles, é usar um tom por demais pejorativo. “Conceitos como esse mais confundem do que ajudam”, diz o crítico Fabio Cypriano. “A marginalização não é boa para ninguém, nem para o artista, nem para o público. Marginalização tem a ver com estigmas, estereótipos, preconceitos e, sempre, com falta de educação. Ninguém merece ser marginalizado, todos merecem ser respeitados”, diz Baixo Ribeiro, da Galeria Choque Cultural, em São Paulo. Mas o termo, em sua origem, não surgiu para ser pejorativo. “Arte marginal” é uma tradução de “outsider art”, que, por sua vez, vem do francês “art brut”, termo criado pelo artista Jean Dubuffet. Segundo o glossário do museu britânico Tate Modern, a palavra surgiu para definir a arte livre de coação social. Ou seja, a arte feita fora dos circuitos oficiais de educação e difusão artística. Pode ser produzida por grafiteiros, doentes mentais, prisioneiros, crianças e artistas não oficial-
mente treinados. Para o artista e educador Cayo Honorato, arte marginal “é uma denominação ambígua, que pode significar tanto um conflito ou uma confrontação com o oficial quanto um desinteresse ou mesmo, contraditoriamente, certo fascínio pelo oficial, pelo centro”. É uma arte autêntica e por vezes não relacionada ao contexto exterior. Seu valor essencial reside na ideia de arte pura e não contaminada pelos convencionalismos sociais e estéticos. São trabalhos cheios de emoções e livres das regras oficiais. Paradoxalmente, têm qualidades que fazem com que sejam, cada vez mais, valorizados pelo universo artístico oficial. “Toda arte original acaba sendo marginalizada quando surge, porque as ideias mais inovadoras custam a ser aceitas pelo establishment. Mas, se essas ideias são boas, elas acabam perdurando, transformando, quebrando paradigmas e influenciando as gerações futuras. Portanto, ‘arte marginal’ é muito infeliz e não passa de um rótulo a mais”, completa Ribeiro. A galeria de Ribeiro, a Choque Cultural, é uma das responsáveis por valorizar o trabalho de grafiteiros, que estão hoje no cerne dessa discussão. No caso deles, a pureza da representação mental é substituída pelo hibridismo da prática social. O grafite, como movimento, só ganha sentido se feito na rua, sem autorização. Mas, aos poucos, a arte feita pelos grafiteiros está deixando de ser marginal e ganhando espaço em museus e galerias, em um processo de reconhecimento e legitimação. Ao entrar no museu, o grafite passa a fazer parte de outro universo discursivo, ao lado da “arte consagrada”.
e um dentro que não mais existem, mas que de algum modo persistem, diferentemente em cada contexto”. Ele complementa que “o centro deixou de existir no sentido de que o poder não mais se exerce de maneira prioritariamente repressora ou restritiva”. Além disso, conforme os meios artísticos oficiais se interessam pelo que é “marginal”, o conflito entre este e o oficial envelhece. O próprio grafite é um bom exemplo de resolução desse conflito: hoje está presente em museus, mostras e galerias do mundo todo. No entanto, às vezes, o reconhecimento desses artistas, em termos financeiros e de status, vem só depois de sua morte. A seguir, conheça a história de alguns artistas brasileiros ainda apontados como “marginais”. Anjos e demônios
Moacir Soares de Faria chocava seus vizinhos em São Jorge, na Chapada dos Veadeiros, em Goiás, com seus desenhos de cores primárias e traços fortes, que misturam sexo, religião, homens, animais, anjos e demônios. Ele passou quase 30 anos isolado, usando um capuz porque não se sentia bem na luz e contando histórias sobre como morreu afogado em uma vida passada e como via anjos e demônios por todo lado. Mas, a partir dos anos 1990, incentivado pelo fotógrafo João Fernandes de Paula, tirou o capuz e ganhou reconhecimento. Aos poucos, começou a vender seu trabalho e fazer exposições. Hoje, vive de sua arte. Moacir é também tema do documentário, dirigido por Walter Carvalho, Moacir – Arte Bruta (2006). Gaudí brasileiro
Para Honorato, justamente por causa disso, a vigência do conceito nos tempos atuais cai sob suspeita. “Afinal”, diz ele, “pressupõe um centro
Na favela paulistana de Paraisópolis, o baiano Estevão da Silva Conceição é provavelmente a maior celebridade. Ex-pedreiro, ele ganhou o
apelido de Gaudí Brasileiro depois de construir sua casa, hoje chamada Casa de Pedra. A casa é decorada com pedras, mosaicos, pratos, bolinhas de gude e objetos que fazem curvas para todos os lados, formando verdadeiros labirintos. Conceição já foi tema de livro e documentário, visitou Barcelona – onde conheceu as obras do Gaudí original – e hoje é convidado a fazer painéis e vasos decorativos para a alta sociedade paulistana. Sua casa é aberta à visitação. Amor, palavra que liberta
Desde criança, José Datrino sentia que um dia teria de largar tudo para seguir sua missão na terra. Em dezembro de 1961, quando tinha 44 anos, veio o sinal. Um incêndio no Grand Circus Norte-Americano, em Niterói, matou mais de 500 pessoas, a maioria crianças. Seis dias depois, ele pegou um dos caminhões de sua transportadora e foi para o local. Ali, plantou um jardim e viveu por quatro anos confortando as famílias das vítimas. Assim, ficou conhecido como Profeta Gentileza e começou a pregar palavras de bonda-
de e respeito pelo próximo e pela natureza, sem nunca aceitar dinheiro das pessoas. Gentileza pintou pilastras e muros na zona portuária do Rio de Janeiro com mensagens de amor e também críticas ao que considerava maus costumes. Depois de sua morte, em 1996, os trabalhos urbanos do Profeta foram pichados e cobertos com tinta cinza, até serem restaurados, em 2000, e preservados como patrimônio carioca. Máscara de ferro
Basquiat Baiano é como ficou conhecido o artista Jayme Figura, de Salvador. O apelido é uma referência à obra do artista americano Jean-Michel Basquiat, famoso por suas pinturas em muros de Nova York. Vestindo uma fantasia composta de máscara de ferro e apetrechos espalhados pelo corpo, Jayme caminha pelas ruas do bairro do Comércio e causa inquietação por onde passa. Ele mesmo não conta a história de sua vida. Dizem, no entanto, que ele era desenhista de uma agência de publicidade e, na época do Plano Collor, no início da década de 1990, perdeu tudo. A fa-
lência resultou em depressão, o que o afastou da família. Além disso, reza a lenda que Jaime dorme em um caixão para relembrar a dor da morte de uma de suas mulheres. Negro, pobre e louco
Arthur Bispo do Rosário é considerado um dos principais artistas brasileiros do século XX, apesar de ser apreciado por um público restrito a intelectuais. Sua obra foi reconhecida no Brasil e no mundo, como na Bienal de Veneza e no Museu Jeu de Paume, de Paris. Mas tudo isso levou tempo. Com um diagnóstico de esquizofrenia paranoide, Bispo se manteve entre a realidade e o delírio. Interno de hospitais psiquiátricos no Rio de Janeiro, ele produziu mais de mil obras entre colagens, bordados e assemblages cheios de símbolos. Dizia-se escolhido por Deus e seu trabalho foi reconhecido como vanguarda. Mas Bispo recusava o rótulo de artista e enfatizava apenas o caráter divino. Criava de forma intuitiva, sem treinamento técnico, convivência com outros artistas ou frequência a museus. Faleceu em 1989.
Será marginal o artista da periferia, o que inova e vai contra o sistema, ou o que está fora das galerias e museus? E será que o artista perde sua marginalidade se aparece em uma revista ou é tema de mostras?
Moacir, Sem Título, lápis de cor sobre papel, 21 x 29,7 cm/ imagem CCUFG/ divulgacão
transexuais e travestis REPORTAGEM |
esta nossa vida
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Transexuais e travestis lutam para mostrar que talento não é documento
A diva Rogéria, Troféu Mambembe de Melhor Atriz de Teatro em 1980
de artista FOTOS daryan dornelles (rogéria) e agnaldo rocha papa (maria clara)
prêmios de teatro do Brasil, o Mambembe de Melhor Atriz, pela peça O Desembestado, de Aderbal Freire-Filho, em 1980.
Mulheres, travestis ou transexuais, cada uma vive sua persona, artística ou social. Como entrave, a aceitação do grande juiz, a sociedade. “O artista não tem que ‘se achar’, ele tem que ‘ser’. E quem o julga é o público”, decreta Rogéria, maquiadora, atriz, cantora, coreógrafa, 68 anos, travesti desde menina.
“Difícil é encarar a humilhação. São 50 reais por duas horas de show. Isso quando a casa me aceita”, diz Renata, 34 anos, paraibana de João Pessoa. Onze anos atrás, veio para a cidade grande à procura de sucesso. Encontrou mais preconceito. “Aceitar cara feia de ignorante é fácil. De gente esclarecida, confesso que não entendo.”
Uma artista consagrada, primeiro nos camarins da extinta TV Rio – “Meu Actor’s Studio”, brinca. Maquiando estrelas como Dalva de Oliveira, Elis Regina, Fernanda Montenegro, ela sempre ouviu dizer que seu lugar era no palco. Um dia, subiu e não desceu mais. Fez teatro, cinema, encantou Paris e ganhou um dos principais
Com o poder de absolver e condenar, o público é o espelho da sociedade. “Somos produto de uma cultura judaico-cristã, machista. É uma dicotomia, do bom e do mau, do normal e do anormal”, diz Paulo Reis, pesquisador na área de educação, com foco na construção de gêneros, na Unicamp.
Em outro extremo, a cantora Renata Peron, travesti, percorre as ruas de São Paulo vendendo DVDs de seu show em homenagem ao centenário de Noel Rosa ou conscientizando frequentadores da noite sobre diversidade e igualdade de direitos. Entre uma persona e outra, monta espetáculos para poder honrar as contas.
O LÁ E O AQUI
Entre o reconhecimento conquistado por Rogéria e a busca de Renata, há Maria Clara Spinelli. Levada ao palco pela dança e, depois, pelo teatro, estreou no cinema em 2009, no filme Quanto Dura o Amor, de Roberto Moreira, no qual vive Suzana – uma advogada transexual que se envolve com um colega de profissão e se vê obrigada a revelar sua história. Por sua interpretação, repleta de referências pessoais, como as fotos de Suzana ainda menino, que são da própria Maria Clara, ganhou três vezes o prêmio de Melhor Atriz, em festivais no Brasil (Paulínia), em Mônaco e nos Estados Unidos. Parece a consagração, mas para Maria Clara foi apenas o começo. “Prêmios são importantes, mas o real retorno é mais trabalho. Todo mundo elogia meu trabalho, diz que vai me convidar para novos projetos, mas meu telefone não toca.” Em sua trincheira, Renata Peron esforça-se para aprovar projetos em editais públicos e tenta driblar o preconceito de produtores culturais. “Já enviei material sem imagem minha. De 31
Persona era a máscara que os atores de teatro na Grécia Antiga usavam para ficar parecidos com o personagem interpretado. Com o tempo, passou a significar também o papel social vivido por um ator. Entre os dois conceitos, transitam artistas unidas pelas próprias diferenças. No palco aberto ou no anonimato das coxias, Rogérias, Janes, Leandras, Marias Claras, Renatas, Cláudias e tantas outras personagens femininas buscam o reconhecimento ou a consolidação de seu papel como artista.
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TEXTO rodrigo hilário e marina amazonas
transexuais e travestis REPORTAGEM |
LEANDRA LEAL
O CORPO DA TRAVESTI É UMA OBRA DE ARTE. TEM TODA A QUESTÃO DE SE MOLDAR, DE SE MONTAR. UM PÉ NA FICÇÃO, OUTRO NO REAL. E O VALOR ARTÍSTICO TRANSCENDE A SEXUALIDADE.”
cara, dizem que o produto é bom. Mas quando me veem dão uma desculpa qualquer.” A cantora também foi censurada em um reality show. “Todos os classificados foram ao ar, menos eu. Se isso não é intolerância, não sei o que é.” Na tentativa de escancarar o desrespeito, Renata postou um vídeo de seu teste no YouTube. “Como não sou famosa, não repercutiu. Acho que sou uma fênix. Amigas minhas, por muito menos, já foram para a rua se prostituir. Não as julgo, mas prefiro seguir em busca do reconhecimento do meu talento”, desabafa, confiante em si mesma. Cláudia Wonder, transexual ícone do underground, que morreu no fim de 2010, sofreu o mesmo. Sua vida foi contada no documentário Meu Amigo Cláudia, de Dácio Pinheiro. No filme, ela conta ter feito uma apresentação ao vivo, num canal de TV, onde cantou e dançou. “No dia seguinte, o programa foi reprisado, mas o bloco em que ela aparecia foi cortado”, relembra o pesquisador Paulo Reis.
Camille K, Fujica de Holliday, Eloína, Marquesa e Brigitte de Búzios. “Com a decadência das vedetes do teatro de revista, acabamos substituindo as mulheres. As pessoas iam por curiosidade e, lá dentro, encontravam talentos“, relembra Jane Di Castro. Hoje, depois de décadas de carreira, ela e as amigas são respeitadas pela classe artística e pelo público. Para a nova geração, esse mercado se mostra mais cruel. Nas palavras da cineasta Cláudia Priscila, essa crueldade é fruto de uma representação caricata das travestis e transexuais. “Isso é uma barreira social para que elas sejam vistas como artistas de verdade.” Ela e o marido, Kiko Goifman, dividem a direção do documentário Phedra, que esmiúça um mito da noite paulistana, a transexual cubana Phedra de Córdoba. Atriz, bailarina e cantora, ela chegou a São Paulo no fim dos anos 1950 e brilhou nos bares e boates da Praça Roosevelt, região central da cidade. Hoje, é tratada como diva pela premiada Companhia de Teatro Os Satyros, na qual atua desde 2003.
O MARTÍRIO DE PRODUZIR
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Essa mesma angústia é vivida pela atriz Leandra Leal, que estreia na direção de um longa-metragem com o documentário musical Divinas Divas, em fase de produção. Inicialmente previsto para estrear no segundo semestre de 2011, só deverá ser exibido um ano mais tarde. “Meu filme não é sobre travestis. É sobre vanguarda, liberdade, entrega à arte, expressadas por travestis. Está sendo difícil captar recursos, por puro preconceito. Os investidores não querem associar sua imagem a elas.” Leandra é neta de Américo Leal, que deixou o Rio de Janeiro ouriçado nos anos 1960, com os primeiros espetáculos protagonizados por travestis, em plena ditadura militar. Foi no Teatro Rival – primeira casa a abrir as portas a essas artistas –, dirigido desde meados dos anos 1990 pela atriz Ângela Leal, filha de Américo e mãe de Leandra. A atriz e diretora acredita que “o corpo da travesti é uma obra de arte. Tem toda a questão de se moldar, de se montar. Um pé na ficção, outro no real. E o valor artístico transcende a sexualidade”. Divinas Divas vai promover o reencontro de decanos da arte de ser travesti no Brasil, como Rogéria, Valéria, Jane Di Castro,
Também com Kiko, Cláudia dirigiu o documentário Olhe pra Mim de Novo, que narra o cotidiano de Silvyo Luccio, transexual masculino, defensor do respeito à diversidade no sertão nordestino, terra marcada por forte conservadorismo e religiosidade. O filme motivou debates intensos no último Festival de Cinema de Gramado, em agosto de 2011. DESISTIR JAMAIS!
Entre tantas histórias, algumas de sucesso, outras ainda em busca de reconhecimento, o grande sonho da atriz Maria Clara Spinelli resume o desejo dessas artistas. Ela quer interpretar uma mulher, sem que a transexualidade lhe seja um apêndice. Assim como Leandra quer fazer seu filme, pouco importando se os personagens são travestis ou transexuais, homens ou mulheres, anjos ou demônios. Enquanto espera novos convites, para teatro, cinema ou televisão, Maria Clara se concentra no próximo personagem: dublará a borboleta Lúcia, em um longa de animação que deve estrear em 2012. “Ao que me consta, não é uma borboleta transexual”, diz, às gargalhadas, com o mesmo bom humor que existe em Rogérias, Janes, Leandras, Renatas e Cláudias – e que faz com que elas não desistam de sua arte.
Maria Clara Spinelli, melhor atriz em festivais de cinema no Brasil, em Mônaco e nos Estados Unidos, em 2009
Divinas Divas – dazacultural.com.br/divinas Renata Peron – renataperon.com Cia. de Teatro Os Satyros – satyros.uol.com.br Teatro Rival Petrobras – rivalpetrobras.com.br Rogéria – estrelarogeria.com
BAlAIO
A VIDA E A ARTE NO LIMITE Encerrando a seção Fichário desta edição, com o tema “Malditos?”, o Balaio dá dicas de obras e artistas que
fotos: divulgação
transpuseram as fronteiras do convencional.
MÚSICA Sociedade da Grã-Ordem Kavernista (Sony, 2010, vários intérpretes) Em 1971, um grupo de quatro músicos gravou nos estúdios da CBS, no Rio de Janeiro, o disco Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das 10. Eram Raul Seixas (1945-1989), Sérgio Sampaio (1947-1994), Miriam Batucada (1947-1994) e Edy (1938). O disco, com 12 faixas, não fez sucesso, mas, depois de duas décadas, virou cult e foi relançado em CD pela Rock Company (1995) e pela Sony Music (2000 e 2010). Dizem que a gravação ocorreu às escondidas e rendeu a demissão de Raul Seixas – na época, produtor da CBS. Alguns afirmam que isso é lenda e que, após o lançamento, Raul foi responsável, entre outros, pelos trabalhos solo de estreia da própria Miriam e de Diana, ex-mulher de Odair José. Depois do disco, os intérpretes seguiram seus caminhos. Raul virou rei do rock e símbolo de anarquia, cultura hippie. Sérgio gravou pouco e ganhou a reputação de um dos artistas mais malditos da MPB. Ambos são referências atuais, constantes, e morreram de complicações associadas ao alcoolismo. Miriam fez história no samba paulista e faleceu no mesmo ano de Sérgio, de infarto. Edy adotou o sobrenome Star, virou atração na noite carioca e artista plástico e saiu do país, retornando em 2010. Gravado há 40 anos, o disco soa divertido e criativo.
LITERATURA Poesia Reunida [1969-1996], de Orides Fontela (7 Letras e Cosac & Naify, 2006) Com 376 páginas, a edição de luxo agrupa os livros Transposição (1969), Helianto (1973),
Namorando a Rosa (Biscoito Fino, 2004, vários
Alba (1983 – prêmio Jabuti de Poesia), Rosácea
intérpretes)
(1986) e Teia (1996 – prêmio da Associação
Produzido por Maria Bethânia e Miúcha, o CD re-
Paulista de Críticos de Arte). Esta é a obra admi-
visitou a obra de uma das principais construtoras
rável e pouco conhecida da poeta Orides Fontela
do que se convencionou chamar de bossa nova, a
(1940-1998). Natural de São João da Boa Vista
violonista Rosinha de Valença (1941-2004). Lançada
(interior de São Paulo), foi a única filha que vin-
no ano de sua morte, a releitura tira do ostracismo a
gou em uma família humilde de imigrantes. Veio
artista. Em 1992, quando sofreu uma lesão cerebral,
para a capital estudar filosofia na USP, aos 27
provocada por uma parada cardíaca, passou a viver
anos.Trabalhou como professora e bibliotecária.
em estado vegetativo por 12 anos. Na homenagem
No fim da vida, amargou a indigência: o despejo
póstuma, suas composições e versões ganharam
do apartamento que alugava, a morte solitária
vozes e instrumentos do primeiro time da MPB:
de tuberculose em um asilo público, enquanto a
Bethânia, Miúcha, Chico Buarque, Bebel Gilberto,
crítica especializada apontava a qualidade ímpar
Dona Ivone Lara, Martinho da Vila, Hermeto Pascoal,
de sua poesia, equiparando-a a nomes como
Turibio Santos, Yamandu Costa, Alcione, Joanna,
Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de
Caetano e Célia Vaz. Alguns de seus trabalhos, como
Melo Neto e Manuel Bandeira. Em 2007, recebeu
Um Violão em Primeiro Plano (RCA Victor, 1971) e
postumamente a Ordem do Mérito Cultural do
Cheiro de Mato (EMI-Odeon, 1976), relançados, são
Ministério da Cultura. Sua voz poética é original e
encontrados à venda e, na primeira audição, mos-
coesa, econômica e densa, existencial e labo-
tram porque nem só de João Gilberto se formou o
riosa: “Pouco é viver / mas pesa / como todo o
aclamado estilo musical.
ser / como toda a luz / como a concentração do
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tempo” (Ode III, Transposição).
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FOTOGRAFIA diane-arbus-photography.com A norte-americana Diane Arbus (1923-1971), uma das mais cultuadas fotógrafas do mundo, tem uma retrospectiva de sua obra em exibição pela primeira vez na França, no museu Jeu de Paume, entre outubro e fevereiro. Diane tornou-se famosa nos anos 1950 e 1960 por imagens, sempre em preto e branco, que retratam a estranheza humana. Em poses frontais surgem travestis, anões, gigantes, irmãos gêmeos, deficientes mentais, nudistas, artistas circenses. Os personagens de Diane, envoltos numa atmosfera de freak show, surreal, causam diversas reações no público, que vão do choque ao riso. Ambientadas em Nova York, sua cidade natal, as cenas, de inegável beleza, constituem um verdadeiro tratado antropológico dessa metrópole. Diane foi a primeira fotógrafa norte-americana a ter as obras incluídas em uma bienal, a de Veneza de 1972, um ano após seu suicídio. Sua vida foi contada em A Pele, filme de 2006 estrelado por Nicole Kidman.
Retrospectiva de Diane Arbus no Museu Jeu de Paume – de 18 de outubro a 5 de fevereiro – mais informações: <jeudepaume.org>.
Destaque Rebeldes setentões Em 2011, três grandes artistas da música brasileira completaram 70 anos – Erasmo Carlos, Jorge Mautner e Ney Matogrosso. Erasmo é considerado o rei do rock brasileiro (há controvérsias se o posto seria de Raul Seixas, mas como Erasmo continua, e muito bem, na ativa nada mais justo que a honraria seja dele). Sua fase mais transgressora foram os anos 1970, em que o apelido Tremendão, que ganhou nos tempos da jovem guarda, as roupas de couro pretas e os inseparáveis óculos escuros compunham sua fama de mau. Este ano marcou a volta do artista aos shows e gravações. Sexo, lançado em agosto, é um disco de rock em que a rebeldia não se limita só às músicas: a capa, provocativa, traz o desenho estilizado do órgão sexual feminino. Já Jorge Mautner, escritor, compositor e músico, sempre fez caminhadas pelo lado selvagem, seja em sua farta produção literária, seja com “sua visão do mundo, baseada na trilogia sexo, sangue e futebol”, ou ainda na militância política, que inclui a criação do Partido Kaos, em 1962. A repressão militar sempre o acompanhou de perto: foi preso, enquadrado na Lei de Segurança Nacional e exilou-se nos Estados Unidos. Nos últimos 30 anos, tem se apresentado esporadicamente na Banda Performática, comandada pelo artista plástico José Roberto Aguilar, e participa com frequência de shows de músicos da nova geração, como a Orquestra Imperial. Cantor de voz privilegiada, é no palco que Ney Matogrosso se transforma em um performer ousado e sensual. Em cena, ele é um homem, um bicho, uma mulher, como canta na canção Mal Necessário. Sua rebeldia vem desde o lendário grupo Secos & Molhados. De lá pra cá, fez shows e
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discos históricos e deu um tapa na cara da moral e do preconceito. Chega aos 70 anos em plena forma física e produzindo com a mesma intensidade do começo da carreira, dando mostras de que, para ele, o tempo não para.
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quadrinhos |
lourenรงo mutarelli
AS. T S I T R A E 80 AS. D E N A Â C T R L E U SIM AS. C S R B A R O T 0 S 0 1 5 MO . S E R MAIS DE O RAD U C S E D 5 GRAN
Caos e Efeito é o nome da exposição que discute temas que serão centrais na produção de arte nos próximos dez anos. A curadoria coletiva traz Fernando Cocchiarale, Lauro Cavalcanti, Moacir dos Anjos, Paulo Herkenhoff e Tadeu Chiarelli.
23 de outubro a 23 de dezembro no Itaú Cultural De terça a sexta, das 9h às 20h. Sábados, domingos e feriados das 11h às 20h. Entrada franca
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