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CARTOGRAFIA rumos itaú cultural DANÇA 2009-2010
Organizadoras
C h ri s ti n e G r e i n e r C ri s ti n a E s pír i t o S a n t o So n i a S o b r a l
São Paulo 2010
SUMÁRIO
Cristina Espírito Santo Imagens e movimentos
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Miranda Pennell O que as coisas são e o que parecem ser
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João Luiz Vieira Câmera, olhar, corpo em movimento: Maya Deren
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Silvina Szperling Videodança na América Latina: um testemunho
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Fichas técnicas das videodanças
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A carteira de videodança do programa Rumos Itaú Cultural Dança, lançada na segunda edição do programa, em 2003-2004, surgiu da necessidade de ampliar o espaço e contribuir para o desenvolvimento de um novo campo artístico, cujas implicações com os objetivos e o recorte do programa Rumos Itaú Cultura Dança eram evidentes, fosse pelo acentuado enfoque no desenvolvimento de linguagem e experimentalismo, fosse pelo interesse crescente que vinha despertando nos criadores da cena da dança contemporânea brasileira. Pioneiro no Brasil, ao selecionar propostas em fase de pesquisa e premiar com recursos financeiros para o desenvolvimento e a realização das obras, o programa Rumos Itaú Cultural Dança apoiou ao longo das ultimas três edições a realização de 12 videodanças1, além de oferecer três workshops para cerca de 70 artistas entre coreógrafos e criadores ligados ao audiovisual. Esses workshops integram o programa, como apoio à formação de videodança, sendo oferecidos a cada edição para um grupo de selecionados entre os quais são escolhidos os finalistas. Para ministrar esses workshops, foram convidados sucessivamente Laura Taller (2003, Canadá/Romênia), David Hinton (2006, Reino Unido) e Miranda Pennell (2009, Reino Unido). As Comissões de Seleção contaram com Nelson Enohata e Laura Taller em 2003, Tamara Cubas e Leonel Brum em 2006, e Tamara Cubas e Nayse López em 2009. Entre as ações do programa, é importante ressaltar a etapa de difusão, que, por meio de parcerias com diversos festivais do Brasil e espalhados pelo mundo, principalmente na América Latina, tem contribuído significativamente para o objetivo de alcançar o público e ampliar o acesso a essa forma de produção audiovisual. Entre 2003 e 2009, período de existência do edital, a produção de videodança no Brasil ganhou muitos adeptos, novos parceiros e contornos, e conquistou espaço em festivais e mostras de dança, além da criação de festivais dedicados ao gênero. Finalmente, em 2010, o Ministério da Cultura, com o apoio do Procultura/Fundo Setorial de Incentivo à Inovação Audiovisual, está reconhecendo a videodança como gênero na área do audiovisual no Brasil e possivelmente criando um edital para o Programa Videodança, uma conquista na qual estão envolvidos todos esses criadores, produtores e gestores culturais que apostam no risco e na pesquisa de linguagem. Sobre este livro em particular, nas conversas entre as organizadoras, pensamos em abordar alguns aspectos relacionados à dimensão histórica da videodança na América Latina e convidamos Silvina Szperling para essa gigantesca tarefa. Apresentar um ensaio de um dos profissionais que estiveram envolvidos no processo de formação/workshop parecia-nos uma das pontas a explorar, e Miranda Pennell gentilmente aceitou nosso convite. Finalmente, seguindo a trilha dos pioneiros, para falar um pouco sobre Maya Deren, considerada uma das pioneiras da videodança e do cinema experimental, convidamos o professor João Luiz Vieira. Além dos textos, o livro traz encartado um DVD com as cinco videodanças selecionadas nesta edição do programa Rumos Itaú Cultural Dança. Cristina Espírito Santo 1 2003-2004: Pé de Moleque (Dafne Michellepis e Kiko Ribeiro) e Dentro do Movimento (Patrícia Werneck e Chico de Paula). 2006-2007: FF ►► (Karenina de Los Santos, Letícia Nabuco, Marcello Stroppa e Tatiana Gentile ), Fora de Campo (Claudia Müller e Valeria Valenzuela), Jornada ao Umbigo do Mundo (Alex Cassal, Alice Ripoll e Theo Dubeux), Passagem (Celina Portella e Elisa Pessoa) e Sensações Contrárias (Amadeu Alban, Jorge Alencar e Matheus Rocha). 2009-2010: Paixão Nacional (Lucas Valentim, Marcio Nonato e Gabriela Leite), Possíveis Anatomias em Espaços Borrados (Margô Assis, Guilherme PAM e Jeanne Kieffer), Coreografia Procurada (Daniela Dini e Victor Lema Riqué), Simpatia Full Time (Cândida Monte, Geórgia Conceição e Stéphany Mattanó) e Sobre Desejo ou Pequenas Narrativas de Linha (Roberto Freitas).
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Miranda Pennell
Cineasta. Seus filmes constituem uma reflexão sobre diversos tipos de performance e coreografia social. Sua formação original é em dança contemporânea, tendo recentemente concluído o mestrado em antropologia visual na Goldsmiths University, em Londres.
O que as coisas são e o que parecem ser
Questões relativas à natureza da dança, vídeo e atos de tradução Os campos da dança e do filme1 oferecem, separadamente, ferramentas valiosas para a reflexão sobre a experiência humana. O campo, por vezes denominado videodança ou screendance, mais do que um gênero, prática ou movimento passível de definição, constitui área ampla de pesquisa, relações e possibilidades. O significado desse campo não deriva do fato de que representa um conjunto de princípios éticos ou estéticos coerentes e comuns, mas por oferecer oportunidades importantes para a reflexão sobre a natureza da dança, de um lado, assim como da natureza do filme e do vídeo, de outro, permitindo informar e desenvolver as possibilidades de ambos os campos de maneiras bastante interessantes. É esse tipo de reflexão que proponho realizar neste artigo. Em vez de analisar obras ou tendências específicas da videodança, ambiciono explorar questões e princípios subjacentes, questões e princípios que dialogam com a experiência dos dançarinos, cineastas e seus públicos. As obras de dança, filme e vídeo contemporâneo (incluindo todas as videodanças do programa Rumos Itaú Cultural Dança 2009-2010), em lugar de tentar mimetizar aspectos de um evento teatral preexistente, tendem a posicionar-se de modo que reformule ideias coreográficas e, ao fazê-lo, assumem a responsabilidade de criar uma expressão totalmente nova. Ainda assim, mesmo com esse compromisso de criar uma nova expressão fílmica da coreografia, a tradução sempre opera entre o coreográfico e o fílmico. E a tradução entre os meios lança imediatamente questões fundamentais sobre o que sabemos de cada um deles. 1 Neste artigo, utilizo o termo “filme” por conveniência. Na realidade, refiro-me a todos os meios da imagem em movimento, em seu contexto histórico mais amplo, incluindo o cinema, o vídeo e os modos digitais de produção e exibição de imagens.
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O que faz a dança?
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Os artistas da dança, no mais das vezes, interessam-se pela conexão com a sociedade que os cerca, seja ao estruturarem gestos e o uso diário do corpo, seja ao reconhecerem as convenções que definem o modo pelo qual nos movimentamos. Enquanto isso, nas sociedades ocidentais, pelo menos na minha própria, é frequente que o dançarino seja visto pelos indivíduos que vêm de fora como alguém que tem acesso a outros mundos, a estados alternativos do ser e da consciência. Essa percepção está ligada à noção de uma liberdade especial com relação às normas, regras e convenções dessas sociedades, bem como à atração exercida por um tipo especial de exotismo e alteridade. Embora se aplique, ainda que parcialmente, a muitos coreógrafos e dançarinos, essa caracterização ignora o sentido ou propósito de seu trabalho, que muitas vezes inclui uma observação atenta ou um comentário voltados justamente a essas regras. Ao funcionar como um reflexo da sociedade e suas alienações, e não como a promessa de alternativas exóticas, a dança pode ser pensada como algo que oferece uma ferramenta para a compreensão das pessoas, na relação com seu próprio ser, seu entorno ou suas tribos. Ao chamar atenção para os limites das convenções do movimento, a maneira pela qual as pessoas ocupam o espaço e a própria natureza dos espaços entre as pessoas, a dança desenha um padrão sobre o qual podemos refletir. Podemos pensar na atividade subjacente a esse padrão, o papel dos hábitos conscientes e inconscientes e os processos humanos que geram ações estéticas ou sociais. Podemos considerar, por exemplo, as relações entre as normas sociais que regem o uso do corpo, bem como as situações que permitem usos e exibições alternativos do corpo.
O que a dança aparenta ser e o que é O componente visível de um espetáculo de dança e a manifestação física de coreografias dançadas oferecem algumas oportunidades óbvias para o filme: aplicar a arte da imagem em movimento a outra arte, também constituída de imagens em movimento. Pode permitir que as qualidades táteis e sensuais do filme nos aproximem dos corpos em movimento por meio de mudanças dramáticas de escala que podem, por exemplo, confrontar o observador com uma boca do tamanho de um edifício. Também pode permitir a observação e a satisfação de nossa curiosidade de ver e desfrutar, sem constrangimento, a objetificação de outro corpo em ação. Pode induzir a um espelhamento poderoso, uma identificação entre o corpo do observador e o corpo da tela, podendo colocar o observador dentro de um movimento ou no polo da recepção de impactos dinâmicos. No entanto, além do problema das contradições entre as convenções e a estética do teatro e do cinema2, questões filosóficas e políticas sobre a natureza e a função da dança complicam quaisquer processos literais de tradução. A distância entre a aparência de um gesto e seu significado, como o gesto é sentido, como evolui e como se relaciona àquilo que ocorre a seu redor equivale à distância entre o contexto coreográfico e seu oposto, a perda do sentido. Qual é o contexto de um gesto? Como pode um cineasta reconhecê-lo reconstruí-lo com os recursos do meio fílmico? 2 Desde o início, concebeu-se o cinema (nas teorias do russo Dziga Vertov, por exemplo, ou do francês Jean Epstein) como uma forma definida pela ruptura com as convenções literárias e dramáticas da narrativa.
No filme Almost Out (1984), a realizadora Jayne Parker3 filma obsessivamente o corpo nu de sua mãe sob diferentes pontos de vista ao mesmo tempo em que a entrevista. Dirige-se à sua mãe: Você acha que eu a vejo como você realmente é? Parece que não consigo posicionar a câmera para conseguir vê-la. Quero ter certeza que consigo vê-la da melhor forma possível. Quero pegar algo fugidio, algo que não consegui captar... [...] Talvez seja alguma coisa em mim. Eu quero alguma coisa.
O filme expressa o impulso da artista em tornar visíveis coisas que são impossíveis de mostrar. Como se pode mostrar uma mãe? Como tornar a música visível? Como tornar sentimentos e experiências visíveis? Essas questões incomodam coreógrafos, cineastas e antropólogos de formas semelhantes. Em The Anthropology of Performance, Edward Bruner afirma que: A dificuldade da experiência [...] é que somente podemos vivenciar a nossa própria vida, aquilo que é recebido pela nossa própria consciência. Nunca poderemos conhecer a experiência do outro de forma completa, mesmo se tivermos muitas pistas e inferirmos a seu respeito todo o tempo.
E, em seguida: [...] As expressões nos são apresentadas pelas culturas que estudamos, são aquilo que é dado na vida social. As expressões encapsulam a experiência do outro, ou, de acordo com [Victor] Turner, são “secreções cristalizadas de alguma experiência humana que já foi vivida”. (1986, p. 5)
O projeto de construção da representação de uma representação (o filme de uma coreografia, por exemplo) pode ser fatal. Corre-se o risco de drenar toda a vida e a energia de uma experiência, de matar o espírito da dança para criar uma aproximação diluída que não se assemelha à experiência original nem é capaz de criar um discurso expressivo com seus próprios recursos. Esse é o problema de tradução compartilhado entre os realizadores e videoartistas que trabalham com a dança e a performance e os antropólogos que tentam representar a complexidade das culturas que estudam.
Como mostrar o processo? Todos os tipos de expressão cultural, incluindo a dança e o filme, podem ser compreendidos de forma mais proveitosa se forem entendidos como processos fluidos, em evolução. As apresentações de dança, em particular, são encenações nas quais as coreografias ganham existência, são vividas e constantemente refeitas ou relatadas. Essas apresentações tendem a oferecer a oportunidade de observação de alguns processos humanos, os quais se expõem e se estruturam durante a encenação pública de formas que não ocorrem no fluxo cotidiano da experiência vivida. De acordo com Bruner (1986, p. 6): 3 Jayne Parker descobriu o filme como linguagem-meio quando estudava escultura. Seu trabalho, exibido com frequência em espaços artísticos, na televisão e em festivais internacionais de cinema, apresenta objetos, performances e gestos combinados pela câmera para explorar o espaço, a duração e o corpo físico. Realizou vários filmes sobre apresentações musicais, buscando um “equivalente musical” no meio fílmico.
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Conforme sabemos, alguns textos são mais intensos, complexos e reveladores do que a experiência cotidiana, enriquecendo e esclarecendo, portanto, essa experiência.
Revelar processos humanos pode ser uma função do roteiro, da partitura ou da coreografia, mas também é algo inerente ao desenrolar do próprio espetáculo. Microprocessos de negociação física e social ampliam-se nos momentos de improvisação ou nos contextos teatrais em que os artistas deparam com situações genuinamente inusitadas ou eventos não previstos no roteiro. Por isso é que se inserem, deliberadamente, espaços vazios nos roteiros, partituras e coreografias. Mas espaços vazios e improvisações ainda assim são coreografias, pois funções e regras claras permanecem em vigor. Dentro de uma coreografia formal, altamente estruturada, por exemplo, é a própria fixidez da partitura complexa que exige um processo especial de negociação, no qual o corpo-mente se envolve com particular intensidade e o dançarino trabalha contra o artifício imposto pela complexidade. Testemunhar esse processo costuma oferecer momentos sutis que tendem a permanecer na memória muito depois do fim do espetáculo. Como pode o filme dar ao observador a experiência de testemunha desse processo?
O testemunho do processo no ffiifilme
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Uma característica fundadora do cinema foi sua estranha e misteriosa capacidade de captar a vida pelo movimento de expressões e gestos inconscientes. No início do século XX, a ideia de um ator realizar expressões e movimentos ensaiados na frente da câmera parecia uma pantomima sem graça, na opinião, entre outros, do cineasta Jean Epstein nos idos de 1930. Ele escreveu apaixonadamente sobre o close-up, o drama de ver a imagem do rosto humano projetada em primeiro plano no momento em que brota um sorriso nesse rosto, cortandolhe a superfície, ou, para ele ainda mais fascinante, o momento imediatamente anterior ao aparecimento desse sorriso. Epstein denomina de “drama” a tensão e a instabilidade inerentes ao desenrolar desse processo vivo, humano. Chamou de teatro o quadro de close-up do rosto, cuja expressão se abre como a cortina, revelando o movimento interno da alma. “Cuidado, teatro!”, advertiu Epstein. Como podem a dança e as artes do espetáculo abordar essas características distintivas do cinema? Parte do prazer deste último advém da maneira pela qual capta gestos inconscientes, expressões e movimentos não ensaiados. Qual seria, vale perguntar, o papel do dançarino treinado e consciente de si mesmo, cujos pensamentos e movimentos foram treinados para operar sob o controle do consciente?
Como o ffiilme exibe? O questionamento da natureza do papel e da função do cinema e do vídeo complica ainda mais o diálogo transdisciplinar. O que significa observar, enquadrar e reordenar objetos ou pessoas por meio da edição? Qual é a natureza da relação entre um filme, seu assunto e o espectador? Há infinitas maneiras pelas quais a câmera pode enquadrar um objeto, assim como são infinitas as maneiras pelas quais nos relacionamos com um objeto, pessoa ou evento percebido. Se a tarefa do cineasta é mostrar o visível, mostrar imagens da superfície dos objetos e a aparência das coisas, essa tarefa sugere, portanto, a existência de um objeto estável (por exemplo, um evento coreográfico)
a ser percebido, e que há uma maneira óbvia ou aparente de perceber e transmitir a imagem desse objeto. Outra forma de abordar o cinema é assumir a tarefa de mostrar aquilo que subjaz a uma imagem, evocando a estrutura das coisas ou a relação entre as superfícies. Uma tarefa que convida, simultaneamente, ao questionamento do próprio processo da observação, do enquadramento e da criação de sentido partindo de gestos ou imagens. Essas tarefas exigem um entendimento da percepção dos objetos ou corpos como processo de criação (ou destruição) de sentido profundamente subjetivo. Os realizadores, como Peter Kubelka (Áustria) ou Stan Brakhage (EUA), para citarmos apenas dois exemplos famosos, pensam e empregam o filme como uma ferramenta para a transformação da consciência. Esses artistas exploraram as possibilidades de subverter a lógica da criação do sentido, ou a relação com o real, ao enquadrar e editar o mundo, e quando utilizam os meios sensuais e táteis nos quais os elementos básicos do filme, como a luz, o ritmo e o movimento, interferem e afetam o corpo e os sentidos do espectador. Os artistas da dança também têm, frequentemente, consciência desse aspecto de sua própria obra, já que lidam com o elemento vivencial durante boa parte do tempo. Ao longo dos anos 1940 e 1950, o antropólogo e cineasta francês Jean Rouch filmou rituais de possessão na Costa do Ouro. Baseado na experiência desse período, desenvolveu uma teoria acerca do que denominou de cinetranse. Rouch observou que, para aqueles que estão à sua volta, o cineasta parece estar totalmente possuído. Primeiro, “veste” a tecnologia (ou seja, a câmera para ver, semelhante a uma máscara sobre seu rosto, e o microfone preparado para escutar) e, em seguida, começa a comportar-se de maneira estranha, seja na fala (gritando “ação!”), seja nos gestos (apontando com muita frequência) e no modo de relacionar-se com o outro (FELD, 2003, p. 99). Rouch relata que, enquanto aguardava para filmar um ritual de possessão no Níger, passaram vários dias sem que os participantes do ritual conseguissem atingir o estado de transe. Finalmente, decidiu começar a filmar assim mesmo. Ocorreu que o funcionamento da câmera acabou desencadeando o transe tão esperado, catalisando, entre os participantes, um processo que a tecnologia tradicional (os tambores) não havia conseguido induzir. Rouch também descreve a experiência do transe e da transformação mediante a filmagem, a tal ponto que foi difícil se separar de seu assunto (os participantes). Seu trabalho trouxe uma compreensão relacional do cinema, na qual, em lugar de separar-se dos “atores”4, o cineasta toma seu lugar diretamente no centro da ação como ator e participante.
A experiência do ffiilme A maneira como Rouch evoca a relação entre cineasta e ator mostrou-se bastante significativa para aqueles que enfrentam as questões da natureza política do encontro entre o observador e o observado, entre os seres humanos e suas tecnologias. Outros, como Brakhage e Kubelka, usam métodos diferentes para destacar subjetividade e natureza performática do ato de fazer cinema e do ato de assistir a um filme. Em lugar de explicar, instruir ou informar, o filme, assim 4 Nota do tradutor: “ator”, nesse caso, é tradução livre da palavra subject, que significa tanto “assunto” como “sujeito”, usada pela autora para referir-se aos participantes da ação, aqueles que nela atuaram. “Ator” no sentido de “aquele que tem papel ativo em algum acontecimento”, segundo o Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa 3.0.
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como o espetáculo, comunica-se por meio da imediatez da experiência sentida. Em alguns vídeos de dança (não em todos), a experiência sentida também coincide, pelo menos em parte, com o assunto abordado. As teorias fenomenológicas do cinema5 descrevem como a experiência do espectador convoca todos os sentidos, enfatizando uma relação ativa, de natureza interpretativa e dialógica, entre filme e espectador. Enquanto isso, os cineastas geralmente entendem e exploram a maneira pela qual o cinema estimula os sentidos por meio da sugestão e da omissão, oferecendo vazios e pistas perceptivas a ser preenchidos pela imaginação do observador. Quando, nos anos 1990, parei de realizar performances e comecei a exibir filmes, senti o alívio de não mais ter de sofrer a ansiedade e a incerteza associadas ao trabalho em público. Mas logo percebi que a experiência de estar presente à exibição pública de meus filmes era algo ainda mais imprevisível e perturbador. A exibição de um filme é sentida de formas diferentes em contextos diferentes, e plateias diferentes envolvem-se de maneiras diversas. Muitos já tiveram a experiência de assistir a um mesmo filme muitos anos depois e surpreender-se ao descobrir que suas ideias, sentimentos e vivências a respeito daquele mesmo filme são bastante diversos.
Traduções 16
Edward Bruner afirma que a “vida consiste de um refazer de relatos”, asseverando o valor de projetos de tradução, do esforço de re-presentar6 as expressões de outros, tanto no teatro como na antropologia: Na vida social, em etnografias e em peças teatrais, “criamos uma genealogia de plateias ao criar sentido por meio de re-visões”, ao relatarmos novamente. Não se trata de mera repetição, pois, no final das contas, todos temos que aceitar a responsabilidade pelo “compromisso da interpretação” (1986, p. 23).7
A dança, a performance e o filme nos afetam de modos complexos. É fácil simplificar e reconhecer, de forma errônea, a natureza do material produzido pelas práticas e processos da coreografia e do filme, caracterizando-os de forma literal ou utilitária. Por exemplo, quando se imagina a coreografia como um objeto sólido, estável, talvez reduzindo a dança, por motivos de tradução, a uma matriz de componentes espaciais e dinâmicos, ou quando imaginamos o cinema como algo fixo, imparcial e transparente. O filme e a dança são ferramentas que frequentemente trabalham o espectador usando a metáfora, a ambiguidade, vazios e silêncios, assim como abordando diretamente seus sentidos e dando forma à sua experiência. O resultado material da prática coreográfica e fílmica é maleável, não fixo, colocado na intersecção de diferentes modos perceptivos. Para que ocorra a tradução entre os meios sem que se reduza a dança às aparências, ou o filme a um espetáculo raso, cabe aos artistas navegar entre as imagens, suas linguagens e silêncios para que possam continuar a buscar “interpretações de compromisso” expressivas e significativas.
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Vivian Sobchack e Laura U. Marks, por exemplo.
6 Nota da revisão: foi mantido o hífen em respeito à grafia que a autora utilizou no original: re-present. 7
Nesse caso, Bruner cita Phyllis Gorfain em “Play and the problem of knowing in Hamlet”.
17 Referências bibliográficas BRUNER, Edward. Experience and its expressions. In: Bruner, BRUNER, Edward; TURNER, Victor (Ed.). The anthropology of experience. Illinois: University of Illinois Press, 1986. p. 3-29. EPSTEIN, Jean. Bonjour cinema and other writings. Tradução Tom Milne. Afterimage, n. 10, 1981. _____. Magnification and other writings. Tradução Stuart Liebman. October, n. 3, primavera 1977, p. 9-31. FELD, Steven. Ciné-anthropology: Jean Rouch with Enrico Fulchignoni. In: FELD, Steven (Ed.). Ciné-ethnography: Jean Rouch. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1973. GORFAIN, Phyllis. Play and the problem of knowing in Hamlet: an excursion into interpretive anthropology. In: BRUNER, Edward; TURNER, Victor (Ed.). The anthropology of experience. Illinois: University of Illinois Press, 1986. p. 207-238. MACDOUGALL, David. The body in cinema. In: The corporeal cinema: film, ethnography and the senses. Princeton: University of Princeton Press, 2006. ROUCH, Jean. Description of the film Tourou et Bitti. In: FELD, Steven (Ed.). Ciné-ethnography: Jean Rouch. University of Minnesota Press, 1973. p. 101. TURNER, Victor. From ritual to theatre: the human seriousness of play. Nova York: PAJ Publications, 1982.
Filmografia Almost Ou,. Reino Unido, 1984. Direção: Jayne Parker, 94 min, vídeo. LUX, Londres.
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João Luiz Vieira
Professor doutor no Departamento de Cinema e Vídeo e no programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense.
Câmera, olhar, corpo em movimento: Maya Deren
Filmada pelo marido, o fotógrafo Alexander Hammid, a personagem que subjetivamente habita o corpo de Maya Deren no clássico Meshes of the Afternoon (1943) sobe uma escada no interior de uma casa e, como se perdesse o equilíbrio, tenta se segurar nas paredes, dobrando em seguida o corpo esguio sobre uma balaustrada, num belo movimento de quem conhece e pratica muito bem a dança. Segundos depois caminha, também como se levitasse, até uma janela onde seu olhar busca uma figura de preto com rosto espelhado que parece coabitar aqueles espaços imaginários e oníricos da casa e de seu exterior. Em outro movimento do filme, agora descendente, corpo e câmera parecem de tal forma integrados que literalmente se encontram em suspensão no ar, quase no teto, descendo a mesma escada e chegando até o pick-up de uma eletrola, levantando a agulha que tocava um disco. Esse filme, considerado pioneiro na construção do movimento que ficou conhecido como New American Cinema, continua até hoje surpreendendo quem assiste a ele – quer pelo contínuo abalo que propõe em nossos sentidos normais de causalidade espaço-temporal; quer pelo seu fluxo narrativo que constrói diversos enigmas com base em uma iconografia de objetos relacionáveis (flor, chave, espelho, faca); quer, ainda e principalmente, pela experiência radical que oferece a quem o vê, numa proposta que tematiza, pelo próprio processo cinematográfico de filmagem (registro) e posterior montagem (estabelecimento de relações entre diferentes planos), as tensões entre exterioridade e interioridade que caracterizam a arte em geral e o cinema em particular. Figura central e inspiradora do cinema experimental norte-americano, a russa Maya Deren (1917-1961) emigrou para os EUA em 1927 e por lá ficou trabalhando como artista múltipla que, além da dança e do cinema, também transitou pela literatura e pela fotografia. Pioneira na tentativa de integrar meios diferentes de expressão artística, ela frequentemente perseguia e experimentava formas possíveis de diálogo entre essas duas formas de expressão que lidam, cada qual à sua maneira, com o movimento. Atenta às dificuldades de acesso e divulgação
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de um desejo de cinema muito diferente daquele consagrado por Hollywood, Deren, junto com outro artista pioneiro, Jonas Mekas, foi a responsável pela criação de uma pequena estrutura de apoio a outros cineastas independentes, a Creative Film Foundation e teve a providencial ideia de garantir visibilidade para esses filmes alugando a sala do Provincetown Playhouse, no coração do Greenwich Village, em Manhattan, para exibição regular de filmes experimentais. Tal iniciativa inspirou em seguida outro realizador, Amos Vogel, a abrir também outra sala pioneira, o Cinema 16, ajudando a ampliar a demanda por essa forma de expressão audiovisual que, segundo eles próprios, era mais artisticamente elevada por situar-se fora das exigências ditadas pelo mercado hegemônico. Mais que isso: o formato 16 mm, mais leve e menor se comparado à parafernália profissional do cinema dominante em 35 mm, também poderia provar que simplicidade era compatível com filmes profundos, inteligentes e desafiadores, de grande impacto estético. Quando Deren começa a fazer seus filmes, em 1943, a década ainda repercutia os movimentos da vanguarda europeia dos anos 1920, em especial o dadaísmo e o surrealismo que, com suas qualidades oníricas e deslocamentos do nosso sentido normal de espaço e tempo, enfatizavam e buscavam o potencial poético de um cinema mais livre das amarras narrativas tradicionais e lineares. Não por acaso, os anos 1940 também estão dominados pela popularização da psicanálise e até Hollywood pisca um olho para esse interesse, com o exemplo paradigmático de Alfred Hitchcock em Quando Fala o Coração (Spellbound), filme que ficou famoso menos por tematizar as possibilidades de cura oferecidas pela psicanálise e sim por suas sequências oníricas com visual de Salvador Dalí e música de Bernard Herrmann. Dois anos antes desse filme noir de Hitchcock, Maya Deren inicia sua trajetória no cinema em Los Angeles, ou seja, no coração mesmo da produção mais hegemônica, filmando junto com seu marido Meshes of the Afternoon, obra seminal e que influenciou (e ainda influencia) toda uma geração de cineastas. Qual é o tipo de experiência particular que esse filme, assim como os outros realizados por Deren com base diretamente na dança, propõe para os espectadores? Vendo e revendo Meshes of the Afternoon, somos continuamente surpreendidos por uma sequência de imagens (e sons de uma música oriental composta por um japonês, Teiji Ito) que parecem expressar continuamente um conflito entre interioridade e exterioridade, ou melhor, a coexistência dessas duas esferas, expressas por meio do sonho, da imaginação e também de uma espécie de memória da fantasia sexual em confronto com a realidade externa. Referindo-se não só ao filme, mas também ao seu desejo de cinema, Deren deixava claro que queria colocar em seus filmes “a sensação que um ser humano experimenta num incidente qualquer, e não apenas registrar esse incidente”1. Desde o início essa proposta fica bastante clara, pois a primeira imagem já surpreende, com a flor que entra em quadro pelo espaço off, de cima para baixo, com sombras contrastadas sob um sol a pino. A mão que pega essa flor é a da protagonista, Maya Deren em pessoa, de quem só vemos a sombra ainda por diversos instantes. Ato contínuo, a personagem sobe uns degraus externos e tenta entrar em casa. Experimenta a porta, empurra a maçaneta, retira uma chave da bolsa. A chave escapa-lhe das mãos e cai pelos degraus, no que parece, a princípio, ser o registro de um incidente banal, uma ação clara de um cotidiano qualquer, ou seja, de qualquer pessoa que entra em casa. Essa aparente normalidade, com o auxílio da música e de uma precisa montagem, logo evolui para o que parece ser um sonho. Ela senta-se numa poltrona e fecha os olhos enquanto sombras sutis sobre a pálpebra reforçam essa impressão em close-up. Segue-se uma 1
DEREN, Maya. Writings of Maya Deren and Ron Rice. Film Culture, n. 39, inverno de 1965, p. 1.
imagem que literalmente parece ilustrar um mergulho em seu interior: num movimento de recuo, a imagem fecha-se na forma circular da íris e a sensação que se tem é da dinâmica de um sonho que evolui para outro numa estrutura circular de avanços, recuos e repetições. Em princípio, o conteúdo latente desse inesperado filme parece girar em torno da violência doméstica e da ambivalência da sexualidade ao criar tensões numa subjetividade fragmentada. É o que de forma muito clara parece expressar a duplicidade entre figura e sombra desde o início ou, ainda mais óbvio, as mesmas Mayas Derens replicadas em três figuras semelhantes ao redor de uma mesa. O conflito entre interior e exterior parece muito bem refletido também na centralidade de uma ação recorrente nos fragmentos de sonho que envolvem, repetidamente, uma passagem do exterior para o interior da casa. De forma desconcertante, outro momento crucial acontece quando uma das múltiplas personagens idênticas levanta-se com a faca na mão e se aproxima daquela que dorme. Numa relação de paralelismo, num primeiro momento, a que empunha a faca está no interior da casa, preparando-se para sair. Num corte seco, ela já se encontra no exterior, e uma sucessão de cinco planos marcados por continuidade de movimento – uma caminhada com cinco passadas que evolui do mar para a areia, daí para o mato rasteiro, para uma calçada e, finalmente, de novo para o piso acarpetado do interior da casa, materializa o trânsito fluido entre interior-exterior-interior. Como uma artista que procurou compreender de forma bastante particular o potencial dos materiais audiovisuais do cinema à sua disposição, Maya Deren, seguindo os princípios pelos quais perseguiu seus objetivos c0mo realizadora, acabou revelando a potência do cinema na expressão da dialética entre interioridade e exterioridade com base no próprio processo cinematográfico conforme se constituiu até antes do aparecimento das imagens de síntese digitais. Ou seja, até há bem pouco tempo, os dois principais princípios constitutivos de produção em cinema, a filmagem e a montagem, já tensionavam essa relação exterior/interior. Na primeira etapa, prevalecia o registro, a fotografia em sua relação mimética e naturalista com o mundo exterior, a tomada com sua duração contínua, algo mais ou menos semelhante à nossa percepção acordada do cotidiano. Já o processo de montagem possibilitava (e ainda possibilita) a entrada num imaginário relacional que não tinha, a princípio, nenhum vínculo direto com a percepção cotidiana. Aqui prevalece o campo da imaginação, da criação de uma nova realidade, mais relacionada ao mundo interior. Poderíamos aqui pensar dois caminhos paralelos em que a filmagem seria o local do objetivo (incluindo essa denominação perfeita para a lente da câmera como a objetiva, ao menos em nossa língua), ao passo que a montagem seria o locus por excelência do imaginário, do mundo interior. E para Maya Deren é esse segundo espaço interior da imaginação que tem precedência e que deve ser privilegiado pelo desejo de cinema que ela praticou. Para conseguir esse objetivo, investiu na montagem a fim de que a forma final do filme conseguisse externalizar o mundo interior, movediço, deslizante, apto a criar um universo cujas leis de espaço, tempo e causalidade pudessem se desviar da realidade física do mundo acordado de nossa percepção cotidiana. Meshes of the Afternoon ainda surpreende e, ao longo dos anos em que mostro esse filme para os alunos do primeiro semestre no curso de cinema da Universidade Federal Fluminense, as reações provocadas pelas ambiguidades presentes em sua estrutura formal variam de encantamento (preciosismo da montagem) a desconforto e certa angústia, especialmente pela substituição da organização tradicional do mundo na relação clara entre causa e efeito e seus desdobramentos narrativos lógico-lineares. Muitos elogiam sua imprevisibilidade e ressaltam que o filme provoca mais perguntas que respostas. Não são raras as comparações com boa parte do cinema de David Lynch e muitos sugerem que a melhor forma de apreciá-lo é deixar que o filme “toque o espectador à sua maneira, sem a busca de configurações já preestabelecidas, contribuindo
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assim para desencadeamento maior de afetos e sensações do que julgamentos”. Ou seja, Deren, de certa forma, antecipou a exploração de um cinema de dimensões sensoriais que ainda fala às novas gerações antenadas com um cinema contemporâneo e uma estética do fluxo2.
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A busca de uma expressão poética interiorizada baseada no material oferecido pela realidade pró-fílmica existente diante da câmera valoriza a imaginação que se atualiza no ato da montagem. Seu terceiro filme, Um Estudo de Coreografia para a Câmera (A Study in Choreography for Camera, 1945), carrega no título certo descompromisso com o produto acabado, finalizado, ao tratá-lo como simples anotações de trabalho, experimentos relacionados à representação do movimento corporal na dança em diálogo estrito com o registro e as possibilidades infinitas oferecidas pela justaposição de planos oferecida pela montagem. Aqui o movimento de um dançarino, Talley Beatty, atualiza e amplia uma das mais caras lições de montagem oferecida pelos artistas-pesquisadores da vanguarda soviética, conhecida como geografia criativa3. Beatty, numa cena, aparece num gesto em que levanta sua perna, filmado no espaço exterior de uma floresta para, em perfeita continuidade de movimento, concluir o passo descendente já num outro ambiente, agora interior. Deren nomeou esse fragmento numa formulação dupla como “extensão ao ar livre/close-ups interiores”, criando uma geografia que na verdade só existe na realidade interior da imaginação e da fantasia, espécie de movimento que não avança linearmente em direção a um espaço também concreto e linear. Aqui o movimento passa a ser para dentro, num outro regime temporal que me parece valorizar mais uma fluidez entre os planos editados e uma relação mais física com a câmera que tenta acompanhar o deslocamento muitas vezes inesperado do corpo no espaço. O movimento de Beatty vai sendo editado de forma contínua, porém surgindo em espaços descontínuos até chegar ao The Metropolitan Museum of Art (N0va York). No final, acontece um movimento reverso e o dançarino reaparece na floresta, numa situação que remete à célebre sequência citada dos cinco passos contínuos/descontínuos de Meshes of the Afternoon. No entanto, ao contrário do filme de 1943 com sua ênfase nos espaços e motivações psicológicas oníricas, Um Estudo de Coreografia para a Câmera ressalta mais a potência da imaginação em seu poder de alterar a lógica das coordenadas espaço-temporais do mundo exterior concreto e não o dos sonhos. Deren também afirma, com esse filme e com a dança, o potencial que o cinema oferece de romper com os limites e as fronteiras físicas de um palco ou de um espaço unívoco de representação. Ao final, as transições oferecidas pelos movimentos de Beatty acabam sendo análogas aos movimentos da consciência, por meio dos quais, segundo Deren, o indívíduo se encontra sempre em trânsito, oscilante entre um lugar fixo e outro imaginário, ilusório porem palpável e “real” em termos de percepção.
2 Expressão utilizada pela crítica francesa Stephane Bouquet no texto “Plan contre flux” em Cahiers du Cinéma, n. 556, mar. 2002, p. 46-47. 3 DEREN, op. cit., p. 30. Vale a pena relembrar as experiências que dão nome a essa figura de linguagem, realizadas por Lev Kuleshov e descritas por Pudovkin em “Métodos de tratamento do materialmontagem estrutural”, in: XAVIER, Ismail (Org.). A experiência do cinema. Rio de Janeiro: Graal/Embrafilme, 2003. p. 69-70.
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Referências bibliográficas CLARK, VèVè; MILLICENT, Hodson; NEIMAN, Catrina. The legend of Maya Deren: a documentary biography and collected works. New York: Anthology Film Archives, v. 1 e 2, 1984-1988. DEREN, Maya. An anagram of ideas on art, form, and film. In: NICHOLS, Bill (Org.). Maya Deren and the American Avant-garde. Los Angeles: University of California Press, 2001. _____. Choreography for the camera. In: Dance (out. 1945), reproduzido em Film Culture, n. 39, inverno de 1965. SITNEY, P. Adams. Visionary film: the American Avant-Garde 1943-1978. New York: Oxford University Press, 1974. Filmografia No YouTube há diversos links não só para o filme original Meshes of the Afternoon (1943), de Maya Deren e Alexander Hammid, como também para Studies in Choreography for the Camera (1945), além de diversas recriações e homenagens ao trabalhos de Deren. Uma boa introdução ao trabalho de Deren, além de dados biográficos, pode ser acessada em http://archive. sensesofcinema.com/contents/directors/02/deren.html.
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Silvina Szperling
Fundadora e diretora do Festival Internacional VideoDanzaBA. Pioneira do gênero videodança na Argentina com sua ópera prima Temblor (1993) e ganhadora de vários prêmios por seu vídeo Chámame (2010). Curadora de videodança argentina e latino-americana nos mais importantes fóruns internacionais. Seus artigos foram publicados em castelhano, inglês e português. Compilou o livro Terpsícore en Ceros y Unos. Ensayos de Videodanza (Ediciones Guadalquivir/CCEBA/VideoDanzaBA, Buenos Aires, 2010), com Susana Temperley (www. movimiento.org/profile/SilvinaSzperling).
Videodança na América Latina: um testemunho
Memória e balanço Lembro-me quando, na década de 1990, eu tentava me comunicar com colegas (artistas ou gestores culturais) no campo da videodança na América Latina. Também me lembro como eram difíceis e estéreis aquelas tentativas e as hipóteses que a frustração me levou a formular naquele momento: ou o panorama da criação e da gestão nesse campo artístico e nessa região do mundo era escasso (quase nulo), ou os canais de comunicação na região eram hiperfracos. Acredito que ambas as hipóteses eram verdadeiras. E, agora, observo com alegria o panorama atual: aproximadamente 15 festivais internacionais (alguns anuais e outros bienais) em 11 países da América Latina, que cobrem mais de 30 cidades, integrando itinerâncias variadas. A produção de videodança regional pode ser estimada em cerca de 300 curtas-metragens anuais, enquanto os festivais se tornam uma plataforma de difusão de aproximadamente 1.200 vídeos provenientes de todo o mundo, que atingem um público presencial de cerca de 25.000 pessoas. A este, soma-se o público televisivo que, embora seja incipiente em videodança, tem enormes potencialidades para se desenvolver. Como exemplo, podemos mencionar as cifras de audiência do programa brasileiro Terceira Margem, voltado para as relações entre o corpo e a imagem, produzido pela Bienal Internacional de Dança do Ceará e transmitido pela TV O Povo de Fortaleza. Estima-se que ele tenha tido quase 1 milhão de espectadores em 2009. As cifras que menciono foram contabilizadas nas estatísticas realizadas em outubro de 2009, durante o terceiro encontro do Fórum Latino-Americano de Videodança (FLVD)1, no âmbito 1 Disponível em: http://videodanzaforolatinoamericano.blogspot.com/ e http://movimientolaredsd. ning.com/profile/ForumLatinoAmericanoVideodanca.
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da Bienal de Dança do Ceará2, e mostram o período de outubro de 2008 a outubro de 2009. Os números revelam o crescimento quantitativo da produção e difusão do campo da videodança, que responde à mudança efetuada nesta década com relação à primeira hipótese proposta. Além disso, o encontro do fórum em si revela a mudança no tocante à segunda hipótese, a da dificuldade no fluxo das comunicações, que é a que mais me interessa.
Tecendo a rede Um trabalho em rede é um paciente e amoroso caminho que pode estar cheio de espinhos e desníveis, com momentos de impotência e temor que se alternam com instantes de alegria e companheirismo, de sincronicidade e diversão, de aceitar e abraçar as diferenças e regozijar-se nos anseios compartilhados. Momentos de generosidade e mudanças: mudança de pessoas, mudança de lugar, mudança da matéria. E a construção ou confecção de uma rede, de uma malha, pode nascer da carência, da falta, da sensação desesperada de estar sozinho e da necessidade de procurar alguém que nos acompanhe em nosso caminho.
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Foi assim que as primeiras seis edições do Festival Internacional de Videodança de Buenos Aires (primeiro festival de videodança da América Latina, posteriormente rebatizado como VideoDanzaBA3), que nasceu em 1995 no Centro Cultural Ricardo Rojas da Universidade de Buenos Aires, fruto de uma oficina de videodança para coreógrafos ministrada em 1993 por Jorge Coscia (cineasta e atual secretário de Cultura da Nação Argentina), se caracterizaram por uma intensa atividade e intercâmbio com artistas e obras do Hemisfério Norte. O festival argentino foi visitado por importantes artistas e curadores, como Douglas Rosenberg, Li Chiao-Ping e Elliot Caplan (EUA), Núria Font (Espanha), Laura Taler (Canadá), Pascal Magnin (Suíça), Dundee Company (Reino Unido) e Andrea Davidson (França), entre outros. Todos eles exibiram suas obras e ministraram oficinas, que enriqueceram e impulsionaram a criação dos coreógrafos locais, que nos anos 1990 atravessavam um momento de grande escassez de recursos e estímulos. Os três pilares do festival sempre foram difusão, formação e reflexão. Esses são os três eixos que eu acreditava que gerariam a espiral ascendente que minha professora de expressão corporal, Patricia Stokoe, havia me transmitido nos anos 1970 como o impulso necessário para o movimento e para os processos humanos de evolução. Creio que essa foi outra hipótese acertada. Vale esclarecer que o festival VideoDanzaBA nasceu de uma falta: a falta de um circuito de difusão para a videodança. A ideia de ver os VHS da minha primeira obra, Temblor, e provavelmente das seguintes juntando pó em uma estante de casa, tendo como único público minha família e meus amigos, impulsionou-me a procurar compartilhar com os outros minhas descobertas de linguagem, e assim gerei o festival. Mas esse impulso individual era evidentemente compartilhado por outras pessoas, tanto artistas quanto espectadores. O primeiro Festival Internacional de Videodança de Buenos Aires gerou um boom de público e de participação de artistas que surpreendeu muita gente, inclusive a mim. Acredito que 2 Disponível em: http://www.bienaldedanca.com. Nos anos pares, a bienal organiza o encontro Terceira Margem, que aproxima a dança de outras linguagens artísticas. O núcleo Alpendre é o coração da produção e formação em videodança no estado do Ceará. 3 Disponível em: www.videodanzaba.com.ar.
um dos elementos que atraíram muita gente foi a possibilidade de abertura para uma nova linguagem: o híbrido “videodança”, com sua ramificação no audiovisual e seu parentesco com a videoarte, que havia gerado uma entusiasta e histórica acolhida do então coordenador do festival e estudante de artes combinadas, o atual e prestigiadíssimo crítico e curador de arte digital Rodrigo Alonso: “Videodanza: otro bastardo en la familia”4. Esses primeiros anos transcorreram entre a exultante sensação de estar gerando uma corrente artística inovadora e a íntima impressão de que nunca atingiríamos os níveis de produção e apoio à criação de nossos colegas britânicos, franceses ou canadenses. Essa inevitável comparação nascia em nossos corações naquelas noitadas maravilhosamente boêmias no empoeirado auditório do Rojas: a maravilha de estar vendo joias da videodança (ou dance for the camera, dance on camera, entre outros nomes) em um contexto de virtualmente zero apoio à criação e produção locais. Como se não bastasse o quase deserto panorama dos apoios à dança contemporânea, cuja única possibilidade nesses anos era a Fundação Antorchas, ainda havia o fato de que os projetos de videodança eram rejeitados tanto no campo da “dança” quanto no campo do “audiovisual” da Antorchas ou do Fundo Nacional das Artes, sob o pretexto de que não eram “pertinentes”. Mas, em sincronia com este boom de público e artistas que se aproximavam do festival VideoDanzaBA, um importante grupo de coreógrafos portenhos começou um movimento político em busca de apoios no âmbito nacional e municipal que desembocaram, após uma longa série de entrevistas com funcionários políticos, legisladores e advogados, em duas conquistas muito importantes para a dança argentina: a inclusão na Lei Nacional de Teatro (com o seu Instituto Nacional do Teatro) e a criação da Prodanza (uma repartição municipal dedicada a subsidiar a criação de dança da cidade de Buenos Aires). Essas duas conquistas, em cujo motor fundacional militaram importantes coreógrafos como Margarita Bali e Roxana Grinstein, entre outros, permitiram que os artistas da dança começassem a ter algum apoio econômico e deixassem de ter de imigrar obrigatoriamente para o exterior para desenvolver suas carreiras. Coincidentemente, além de ser uma das pioneiras da videodança argentina, Bali5 participou daquela oficina fundacional mencionada acima, juntamente com outras realizadoras, como Paula De Luque6, entre outras, e atualmente é uma das mais prestigiosas artistas argentinas dedicadas a videoinstalações e performances interativas. Foi justamente Margarita a primeira a conseguir apoio do Fundo Nacional das Artes para sua série de videodanças Agua y Arena, em 1996. E Paula De Luque foi a primeira diretora artística da Prodanza7, em 2000. De forma que, timidamente, a dança independente começou a obter apoios e, de forma paralela ou integrada, as propostas de videodança portenhas começaram a consegui-lo também. Mas ainda havia a preocupação e o questionamento sobre as dificuldades de comunicação com os colegas dentro do país e com os países latino-americanos vizinhos. 4 “Videodanza: Otro bastardo en la familia” foi publicado originalmente em La Hoja del Rojas, ano VIII, n. 63, Buenos Aires, 1995. Reimpresso em Terpsícore en Ceros y Unos. Ensayos de Videodanza, Buenos Aires, Ediciones Guadalquivir/CCEBA/Festival Internacional VideoDanzaBA, 2010. Também disponível em http://roalonso.net/es/videoarte/bastardo.php. 5 Ver: http://www.margaritabali.com/. 6 Ver: http://www.escribiendocine.com/personas/paula-de-luque. 7 Ver: http://www.buenosaires.gov.ar/areas/cultura/danza/presentacion.php.
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Todas as histórias são sinuosas e, em 2003, por causa da profunda crise econômica e política argentina do final de 2001, eu casualmente imigrei para a Califórnia (EUA) com minha família. As dificuldades de sobrevivência no meu país haviam sido um duro golpe. Embora já tivesse conseguido organizar o sexto festival VideoDanzaBA em 2001, meses antes da grande crise, havia sido economicamente um desastre: os patrocinadores desapareceram poucos dias antes do festival e enfrentei um endividamento pessoal além do aconselhável. Entretanto, algumas conquistas se destacaram e mais tarde voltariam a alimentar o processo. Eu tinha enfrentado a questão das videoinstalações e havia conseguido meus primeiros convidados brasileiros, mais precisamente paulistas: Helena Katz e Sonia Sobral. Katz deu uma aula magistral sobre corpo e mídia, e Sobral trouxe na bagagem mais de uma dezena de VHS contendo a primeira coleção Rumos Itaú Cultural Dança: um conjunto de solos e duetos dos diversos estados brasileiros. Fiquei tão impressionada com o profundo trabalho de pesquisa e curadoria que a divisão de artes cênicas do Itaú Cultural8 havia realizado que deixei uma cópia da coleção completa de vídeos na Fundação Centro de Estudos Brasileiros (Funceb)9, em Buenos Aires, e organizei uma mesa-redonda sobre arquivos audiovisuais em dança com Sonia Sobral e outros dois especialistas argentinos. Lamentavelmente, devo dizer que na Argentina ainda é um pouco pré-histórica nesse campo, apesar das tentativas de uma equipe da Biblioteca Nacional. As questões da precariedade e escassez dos arquivos e da preservação da dança argentina são muito preocupantes.
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De qualquer forma, no âmbito pessoal, a pausa impunha-se e decidi imigrar com a família para os Estados Unidos. Nesse contexto, e com a sensação de uma falta de sincronia que logo se revelaria totalmente o contrário, recebi dois convites: um do carioca Leonel Brum, codiretor naquele momento do projeto Dança em Foco10, criado em 2003 no Rio de Janeiro, e outro de Haydé Lachino, diretora das Jornadas de Videodança do México (que também havia começado em 2003 e depois havia evoluído, com a incorporação de Mariana Arteaga, para o Festival de Dança e Mídia [Fedame])11. Ambas as incitações incluíam a realização de uma oficina e a exibição da videodança argentina. Eu não pude aceitar o convite de Leonel naquele momento por causa do meu visto de imigrante (ou da falta dele). Já o convite de Haydé eu pude aceitar, de volta a Buenos Aires e com o sonho americano descartado. Então, na cidade do México, em 2004, no gigante DF, sob a influência de milhares de metros de altura e com uma neblina indescritível, nas longas viagens de carro através do inefável trânsito de insurgentes rumo ao campus da Unam, Leonel e eu urdimos um plano: um circuito. Simples assim: alinhavaríamos nossos festivais junto com o Festival Internacional de Videodança do Uruguai (Fivu)12, dirigido naquele momento por Tamara Cubas e o qual eu havia visitado como docente em sua primeira edição, em 200213. O circuito precisava de um nome e, em uma segunda reunião em Buenos Aires, em dezembro de 2004, na qual também esteve presente Eduardo Bonito – recentemente incorporado ao staff 8 Ver: http://www.itaucultural.org.br. 9 Ver: http://www.funceb.org.ar. 10 Ver: http://www.dancaemfoco.com.br. 11 Ver: http://www.fedame.org.mx. 12 Ver: http://fivu.wordpress.com/. 13 Ver: http://www.perrorabioso.com. Visitar a seção “Archivo” para o histórico do FIVU.
diretivo do Dança em Foco, onde Paulo Caldas já militava como codiretor e alma pater e Regina Levi como produtora e alma mater –, decidimos que seria Circuito Videodança Mercosul. Leonel Brum apresentou-me também o trabalho de outro grupo de pessoas que vinha desenvolvendo criação e pesquisa em videodança no Nordeste do Brasil, mais precisamente no estado do Ceará: o grupo Alpendre. O Alpendre, um coletivo no qual se destacam Andréa Bardawil e Ernesto Gadelha, em dança, e Alexandre Veras e Luiz Bizerril, em vídeo, e que completa, em 2010, seus primeiros 10 anos de vida, com seu ímpeto boêmio, seu interesse pelo estudo e sua dedicação vital, nasceu do convívio das pessoas mencionadas em uma velha casa de Fortaleza, enquanto cada um se dedicava à sua própria tarefa nos dois andares do edifício. Desse convívio surgiu a pesquisa na linguagem, o ensino e o estímulo a jovens em situação de risco e a criação de várias dezenas de obras que integraram as coleções do CVM e percorreram o mundo com seu espírito vanguardista e sem concessões. O Alpendre também propiciou a Bienal Internacional de Dança do Ceará, que desde 2008 organiza também o encontro De Par em Par, voltado para as relações da dança com outras linguagens, entre elas a imagem, num encontro chamado Terceira Margem. Esse movimento no Nordeste do Brasil, somado à agitação do Dança em Foco no Rio de Janeiro, que a cada ano agrega pontos distantes dos estados brasileiros em seu incansável tour de difusão e pedagogia pelo interior do Brasil, complementados com o forte impulso das convocatórias do Rumos Itaú Cultural Dança, de São Paulo, para o restante do Brasil, geraram nos últimos cinco anos um crescimento exponencial da produção brasileira nesse campo. O Itaú dedica uma parte significativa dos recursos da área de artes cênicas à produção e ao desenvolvimento da videodança, não somente destinando com seu programa Rumos Itaú Cultural Dança apoio à criação, produção e difusão, como também gerando um interessante desenvolvimento da pesquisa e aprofundamento na linguagem. Essa ação é exercida mediante um sistema de oficinas intensivas das quais os pré-selecionados devem participar com autoridades no assunto, como David Hinton (Reino Unido), Laura Taller (Canadá), Miranda Pennell (Reino Unido) e Tamara Cubas (Uruguai), antes das decisões finais que escolherão os cinco projetos financiados a cada ano. Além disso, o Rumos Itaú Cultural Dança acompanha os curtas-metragens após sua produção, divulgando-os em duas publicações e enviandoos a festivais internacionais, inclusive pagando direitos para cada exibição. Isso, na América Latina, é algo excepcional. Voltando ao Circuito Videodança Mercosul (CMV), os objetivos estavam claros desde o início: o primeiro, cooperar com a circulação de obras da região, tanto entre os três países envolvidos (Argentina, Brasil e Uruguai) quanto dentro de cada um deles e para o exterior. Após duas tentativas mais informais, como enviar-nos mutuamente a programação, decidimos concretizar a edição de DVDs que compilariam as obras que cada um de nós havia escolhido e que circulariam interna e externamente. Assim, editamos os CVM 1 e 2, o primeiro em 2005, com 20 obras, e o segundo em 2007, com 12 obras. O primeiro foi financiado fundamentalmente pela Secretaria de Cultura da Nação Argentina, com alguns outros apoios locais em cada país que garantiram o pagamento de uma cifra simbólica de direitos aos artistas, e depois foi distribuído de forma gratuita a bibliotecas, festivais e programadores em todo o mundo. Foram distribuídas as 500 cópias da edição. O CVM 2, segundo da saga, foi um empreendimento independente e conjunto entre os três festivais, com distribuição comercial. Embora sua edição tenha sido mais cuidadosa do que a do primeiro, sua distribuição foi quantitativamente menor que a do anterior, em parte pelo
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fato de que era vendido e não distribuído gratuitamente e, principalmente, pelo fato de que a distribuição de peças audiovisuais em todo o mundo estava sendo transferida do suporte em DVD para formatos virtuais como internet, telefonia celular etc. De qualquer forma, ambas as compilações foram amplamente exibidas na América Latina, assim como em outros lugares (Europa, América do Norte, Austrália), impulsionando a difusão das obras dos artistas e, principalmente, estimulando a criação em outros países da região. O que poderia ser melhor do que se olhar no espelho dos pares, aqueles que têm problemáticas e anseios parecidos, histórias semelhantes, passados coloniais e presentes neocoloniais? É muito mais fácil e eficaz do que olhar “para cima”, para esse norte ocidental e cristão, para potentes aparatos de produção, enquanto em nossa terra as palavras “orçamento de um curta-metragem” significam pouco ou nada e a vontade de criar é enorme!
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O segundo objetivo do circuito, a formação e o apoio ao desenvolvimento dos artistas de nossos países, proporcionou o projeto de intercâmbio artístico de residências que concretizamos em 2007. Os três artistas em residência (a brasileira Luciana Ponso, o uruguaio Diego Carrera e a argentina Josefina Centurión) desenvolveram cada um seu projeto de pesquisa durante quase três meses, deslocando-se entre as cidades do Rio de Janeiro, Montevidéu e Buenos Aires. O intercâmbio de residências funcionou com um sistema de artistas anfitriões, mediante o qual o artista local em cada cidade exercia o papel de facilitador do processo dos outros dois artistas, gerando um fluxo de papéis muito particular. A ideia foi impulsionar projetos incomuns e ecléticos, em que tanto os campos de pesquisa quanto o suporte da mesma fossem diversos, de forma que apostasse na diversidade e, principalmente, gerasse um espaço de trabalho sem pressões, sem o objetivo de obra acabada. Não éramos um comitê à semelhança do Instituto de Cinema, onde são necessários um roteiro e um esquema industrial para justificar o apoio financeiro, mas sim um campo fértil de jogo e confiança. Foi assim que Josefina e Luciana desenvolveram seus projetos em um suporte audiovisual: a primeira sobre “corpo, cidade e migrações” e a segunda sobre prostituição feminina, cujo resultado foi o vídeo Quando Aprendeu a Pular... Diego pesquisou sobre a educação em videodança na América Latina, aproveitando também o segundo encontro do Fórum LatinoAmericano de Videodança, realizado no Rio de Janeiro, no âmbito do Dança em Foco em 2007. Como qualquer organismo que se preze, o circuito estava para ter um “estirão”. Em 2006, ele continuava trabalhando e desenvolvendo planos complexos e ambiciosos, embora muito específicos. Então, tive a ideia de abrir a porta para outros atores latino-americanos que estavam desenvolvendo projetos de gestão em videodança com muita entrega e bastante dificuldade, pessoas do Paraguai, Bolívia, Chile, Cuba e de dentro da Argentina. Foi assim que convoquei os sócios do CVM, Eduardo Bonito (Dança em Foco, Brasil) e Tamara Cubas (Festival de Videodanza del Uruguay [Fivu]), aos quais se juntaram Eugenio Chávez Pérez (festival Habana Vieja, Ciudad en Movimiento, Cuba, que inclui desde 2004 um festival de videodança, posteriormente transformado em DVDanza Habana, dirigido por Roxana de los Ríos14), Sofía Orihuela Yucra (do festival Andanza, Bolívia, iniciado em 2003 junto com Daniel Calderón e que posteriormente veio a se tornar Cuerpo Digital15), Paula Hernández (do 14 Ver: www.danzateatroretazos.cu/. 15 Ver: www.videodanzabolivia.blogspot.com/.
Danza Virtual16, Chile), Brisa Muñoz Parra (artista que posteriormente chegou a ser diretora do Festival Internacional de Videodanza de Chile [FIVC]17), Javier Valdés (que mais tarde, em 2009, junto com Juana Miranda e Alejandra Diaz, organizou o festival Eku’E18 em Assunção, no Paraguai) e Gerardo Agudo (criador do festival El Cruce19 de Rosario, na Argentina, que incorporou em 2005 uma seção de videodança por convocatória aberta). Foi com base na intuição, no desejo e na necessidade de continuar ampliando nossa base, tanto de público quanto de apoios e de criadores, que convoquei a primeira reunião do Fórum Latino-Americano de Videodança em Buenos Aires. Basta começar um suave movimento para que ele desencadeie um fluxo contínuo de ondas. E nunca se sabe quando esse fluxo acabará, nem até onde crescerá. O fluir do movimento no tempo é verdadeiramente imprevisível. Nós somente podemos tentar escolher a direção, o restante vai por si só. Sabemos que a improvisação conjunta, a dança com o outro implica propor e aceitar, acompanhar as ideias do outro e liderar, fazer e desfazer pontes e traços. Quando falamos baseados no desejo, estamos expostos a conseguir o que queremos. Nessa primeira reunião, muito timidamente, a ideia era simplesmente nos conhecermos e convivermos. Saber o que preocupava o outro, se ele tropeçou nas mesmas pedras que nós e se era possível nos ajudarmos mutuamente. Comprovei que o simples conhecer-se e expressar em palavras as coisas de cada um já ajuda, e muito. À medida que fomos ficando mais assíduos, com nossa segunda reunião no Rio de Janeiro (2007) e a terceira em Fortaleza (2009), fomos incorporando pessoas (de várias cidades do Brasil, do México, da Colômbia) e aumentando a circulação de obras da região. A quantidade de festivais e iniciativas em torno da videodança continuava crescendo. De forma que, entre 2006 e 2009, incorporaram-se novos membros a essa família: Ivani Santana, com seu Grupo de Pesquisa Poética Tecnológica na Dança, que desenvolve o site e o projeto Mapa D220 na Universidade Federal da Bahia, Brasil; Ximena Monroy, com seu festival itinerante de videodança Agite y Sirva21 iniciado no México em 2008 como um mostra; Tamia Guayasamín, com seu Videodanza Ecuador22, que celebrou Imagen en Movimiento23, em Bogotá, Colômbia; Juan Pablo López, que, a partir de 2009, instaurou uma seção de videodança dentro do importante festival Caliendanza, em Cali24, Colômbia; e Lorena Hurtado, de Santiago, Chile, que organiza um festival dentro da Universidade Arcis, 16 Ver: http://www.danzavirtual.org/. 17 Ver: www.fivc.wordpress.com/. 18 Ver: http://www.crearenlibertad.org/. 19 Ver: http://www.festivalelcruce.com.ar/. 20 Ver: http://www.mapad2.ufba.br/. 21 Ver: http://www.agiteysirva.com/. 22 Ver: www.videodanzaecuador.blogspot.com/. 23 Ver: www.imagenenmovimiento.org/. 24 Ver: http://www.caliendanza.com/videodanza.html.
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de forma intermitente desde 2006. Alguns festivais tiveram mudança de diretor, como o Fivu, que agora é dirigido por Diego Carrera. Todas as energias renovadoras das pessoas mencionadas até o momento neste artigo e os movimentos que cada uma gera em suas próprias regiões contribuem para que a rede à qual me refiro seja um organismo dinâmico e em constante evolução. Por outro lado, os encontros do FLVD foram evoluindo, incorporando à simples convivência inicial a dinâmica de grupos de trabalho em vários eixos: difusão, produção, educação, curadoria e crítica. Esse último aspecto teve um crescente interesse e desenvolvimento, a ponto de ser a “menina dos olhos” do encontro de 2009, com várias atividades em torno da discussão sobre a linguagem e a curadoria em videodança. São atividades intensas, com discussões acaloradas que elevam a temperatura do intercâmbio, já tropical por definição. À medida que a videodança vai crescendo em quantidade e qualidade no subcontinente latino-americano, não somente os artistas se questionam sobre essa linguagem, sobre como seguir cada um seu próprio caminho e abordar sua própria obra, como também pessoas provenientes da academia e de outros lugares mergulham nesses pensamentos e reflexões.
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¿Qué Ves Cuando Me Ves? [O que você vê quando me vê] O título da canção da banda argentina Divididos destaca o fato de que nem todo mundo vê da mesma forma. Nem escutamos nem dançamos da mesma forma. Mas interpreto essa frase principalmente do ponto de vista da percepção, questionando se é possível expressar em palavras o que se sente e o que se pensa, e se é possível começar a cotejar e compartilhar com outros não somente a obra em si e as dificuldades ou conquistas em gestão, como também as ideias sobre a forma artística. Essa inquietação nos mobilizou para organizar o Simpósio Internacional de Videodança no âmbito do festival VideoDanzaBA, que em suas duas edições (2007 e 2009) recebeu palestras de acadêmicos e artistas de Argentina, Brasil, Chile, Uruguai, México, Reino Unido, Canadá e Estados Unidos25. Em 2009, com participantes entre os quais se destacam Douglas Rosenberg, Ivani Santana e Gabriela Tropia, o simpósio adotou uma forma mais próxima de um encontro em volta do fogão do que de um clássico esquema expositor-plateia. Isso aconteceu graças à intenção de compartilhar e/ou colocar em conflito as ideias de cada participante com as dos demais, mais com um espírito de ágora grego do que de púlpito romano. Nessa discussão, colaboraram muito as poucas, mas corajosas, publicações em papel sobre videodança, como os quatro livros trilíngues (português, espanhol e inglês) editados pelo Dança em Foco: Dança na Tela (2006), Entre Imagem e Movimento (2007), Videodança (2008) e 25 Simpósio Internacional de Videodança (SIV): Coordenação: Lic. Susana Temperley. Partici-
pantes SIV 2007: Oscar Traversa, Graciela Taquini, Mariana Márquez, Laura Papa, Erica Koleff, Alejandra Ceriani, Alejandra Vignolo, Stella Kugel, Ana Rabuñal, Ladys González e Sara Desinano (Argentina), Simon Fildes (RU), Mayra Citlally Rojo e Javier Contreras Villaseñor (México), Colectivo Las.Post (Chile), Will Smith (Canadá), Alexandre Veras (Brasil), Diego Carrera (Uruguai). Participantes SIV 2009: Douglas Rosenberg, Ellen Bromberg e Sandra Mathern-Smith (EUA), Ivani Santana, Rita Tatiana Cavassana, Juliana Santos, Ludmila Pimentel e Jaqueline Reis Vasconcellos (Brasil), Claudia Sánchez, Erica Koleff, Alejandra Ceriani e Ladys Gonzalez (Argentina), Ximena Monroy (México), Gabriela Tropia (RU/Brasil).
Dança e Tecnologia (2009). O festival VideoDanzaBA publicou Terpsícore en Ceros y Unos. Ensayos de Videodanza26, em parceria com a editora Guadalquivir e o Centro Cultural da Espanha em Buenos Aires. E como a videodança também trata de sentar-se na sala no escuro (ou na frente/no meio/entre uma instalação ou representação audiovisual), o fórum e todos os seus integrantes temos projetos de circulação de vídeos através de nossa rede. Por isso, em 2010-2011, somamos à circulação de material próprio a turnê da mostra britânica Forward Motion, que circulará por quase todos os nossos festivais em um circuito que nos une pela primeira vez como uma rota cultural específica. Além, obviamente, dos projetos “binacionais” que envolvem convites mútuos para ministrar oficinas, exibir obras e circular, circular, circular... Definitivamente, sobre as hipóteses do começo deste artigo e sua evolução nestes 15 anos, posso afirmar que ação e comunicação, palavra e ato retroalimentam-se e influenciam-se mutuamente. Basta abrir um canal em um plano para que todos os outros sejam ativados sinergicamente. Ou seja, a gestão cultural (a organização de eventos expositivos, o estabelecimento de subsídios e concursos, os projetos de residências, o desenvolvimento de linhas de educação e formação no tema etc.) impulsiona a criação, que estimula o pensamento, que, por sua vez, estimula a reflexão que desenvolvemos sobre como a forma física influencia nossa forma de operar na gestão e na criação ou na curadoria de obras – como a teoria do crescimento em espiral que mencionei no começo deste artigo. Dito de outra forma, o desenvolvimento de grandes amizades promove e dispara ideias artísticas. E nos dá vontade de continuar.
26 Ver: http://www.libreriaguadalquivir.com/libros/10/Terpscore-en-ceros-y-unos-Ensayos-
de-videodanza/.
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Referências eletrônicas
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Agite y Sirva – Festival Itinerante de Videodanza, México: HYPERLINK “http://www. agiteysirva.com/” www.agiteysirva.com/ Caliendanza, Cali, Colômbia: HYPERLINK “http://www.caliendanza.com/” www.caliendanza. com/ Cuerpo Digital, La Paz, Bolívia: HYPERLINK “http://www.videodanzabolivia.blogspot.com/” www.videodanzabolivia.blogspot.com/ Dança em Foco, Rio de Janeiro, Brasil: HYPERLINK “http://www.dancaemfoco.com.br/” http:// www.dancaemfoco.com.br/ Eku’e – Crear en Libertad, Paraguai: HYPERLINK “http://www.kinocolectivo.blogspot.com/” www.kinocolectivo.blogspot.com/ Festival de Danza y Medios, México (Fedame): HYPERLINK “http://www.fedame.org.mx” http://www.fedame.org.mx Festival Internacional de Videodanza de Buenos Aires, Argentina (VideoDanzaBA): www. videodanzaba.com.ar Festival Internacional de Videodanza de Chile (FIVC): HYPERLINK “http://www.fivc.wordpress. com/” www.fivc.wordpress.com/ Festival Internacional de Videodanza DVDanza Habana, Cuba: www.danzateatroretazos.cu/ Festival Internacional de Videodanza de Uruguay (Fivu): HYPERLINK “http://fivu.wordpress. com/” http://fivu.wordpress.com/ Imagen en Movimiento, Bogotá, Colômbia: HYPERLINK “http://www.imagenenmovimiento. org/” www.imagenenmovimiento.org/ MapaD2 – Universidade Federal da Bahia, Brasil: HYPERLINK “http://www.mapad2.ufba.br/” www.mapad2.ufba.br/ Terceira Margem – Núcleo de Videodança do Alpendre – Casa de Arte, Pesquisa e Produção – Bienal Internacional de Dança do Ceará, Brasil: HYPERLINK “http://www.bienaldedanca.com” http://www.bienaldedanca.com Videodanza Ecuador: HYPERLINK “http://www.videodanzaecuador.blogspot.com/” www. videodanzaecuador.blogspot.com/
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Fichas técnicas das videodanças
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Paixão Nacional
O que determina o fato de brasileiro ser sinônimo de cerveja, bunda e futebol (CBF)? Esta obra aproxima videodança e publicidade com o objetivo de sublinhar eventos, apontar clichês e promover erros na matriz. Isso por acreditar que boa parcela da razão da permanência desse paradigma como “verdade socialmente estabelecida” se dá pela repetição de padrões que resultam em hábitos. CBF é o item de venda, a mercadoria. Compre e tente entender quanto há dessas referências em nossos corpos. Concepção, argumento e roteiro: Lucas Valentim e Márcio Nonato Direção: Gabriela Leite e Márcio Nonato Assistência de direção: Fernanda Beling Intérpretes-criadores: Lucas Valentim, Jorge Oliveira e Eros Ferreira Direção de fotografia: Mush Emmons Direção de arte: Luis Parras Montagem: Paulo Marcio e Gabriela Leite Figurinos: Solon Diego Elenco: Alan Lobo, Aldren Lincon, Alex Muniz, Ângelo Pinheiro, Bábara Tupiniquim, Bruno Guimarães, Bruno Pêgo, Camila Correia, Camilo Fróes, Cláudia Barral, Dandara Baldez, Daniel Gallo, Daniel Moura, Fábio Ferreira, Flávia Mara, Giltanei Amorim, Isabela Silveira, Ismael Marques, João Meirelles, Juliana Martins, Leandro Oliveira, Leny Sampaio, Lia Lordelo, Lília Márcia, Marcelo Souza Brito, Márcio Nonato, Mariana Golltchalk, Marrie Thauront, Natália Mattos, Nilson Rocha, Olga Lamas, Paula Lice, Purnima, Ramon Naccio, Ratinho, Roberta Ribeiro, Saulo Moreira, Serrinha, Solón Diego, Tarso Reis, Teba Rocha, Thais Mennsitieri, Thiago Enoque, Thulio Guzman, Verônica Martins e Will Brandão As crianças: Ianô Baldez, Ítalo Parras, Luigi Carvalho, Victor Freitas e Victória Paquelet Música: Kaverna Design gráfico: Caio Oliveira Produção: Gabriela Leite, Alan Lobo e Thais Mennsitieri Produtoras associadas: Zona de Produção e Jaguatirica Cine Realização: Núcleo Vagapara e Coletivo Cruéis Tentadores Duração: 7 min Márcio Nonato (BA) é ator, dançarino e diretor. Graduando em teatro pela UFBA e pelo curso técnico da Escola de Dança da Funceb. É integrante do Grupo Dimenti desde sua formação e também atua no coletivo artístico Núcleo Vagapara. Gabriela Leite (BA) é atriz e videomaker. Atuou como diretora de cena em filmes publicitários e participou da produção de diversos curtas-metragens em Salvador. Atualmente é colaboradora do Coletivo Cruéis Tentadores, que realiza trabalhos com dança, teatro e videodança. Lucas Valentim (AL) é ator, dançarino e técnico de som. Graduando em licenciatura em dança pela UFBA, é integrante do Núcleo Vagapara desde sua formação.
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Possíveis Anatomias em Espaços Borrados
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A criação deste vídeo tem como foco dialogar com as similaridades e as diferenças entre as ferramentas utilizadas por um marionetista e videoanimador e as da dançarina quando produz uma dança. Nele, conceitos sobre a fragmentação, a sobreposição, o orgânico/sintético, o animado/inanimado, o macro/micro, a parte/o todo são apresentados como forma de organizar a ideia de espaço, aqui chamado de espaços borrados.
Concepção: Margô Assis, Guilherme PAM e Jeanne Kieffer Imagens: Guilherme PAM Movimento: Margô Assis Trilha sonora: Guilherme PAM Produção: Jeanne Kieffer Agradecimentos: Fabienne e Jean François Kieffer, Virginie Schell e Gabriel Hermand Priquet Duração: 9 min Margô Assis (MG) é dançarina, coreógrafa e professora de dança. Trabalhou com Dudude Herrmann, Jambazat e Luciana Gontijo. Atualmente desenvolve projetos-solo e colaborativos envolvendo outras linguagens. Guilherme PAM (MG) é videasta, marionetista e animador. Trabalhou no grupo Giramundo Teatro de Bonecos. É responsável pela companhia Casa Volante, ao lado de Jeanne Kieffer. Jeanne Kieffer (MG) é graduada em belas-artes, com habilitação em imagem e narração pela École Supérieure d’Art d’Epinal e em artes da marionete pela École Supérieure National des Arts de la Marionnette, em Charleville-Mézières, França. Trabalha como diretora de teatro de marionete e está à frente da companhia Casa Volante.
Coreografia Procurada
A videodança desloca o eixo da dança de corpos especializados (bailarinos) para a busca de momentos coreográficos gerados por uma provocação/atuação da dançarina performer no universo dos varredores de rua da cidade. Partindo da observação da rotina dos varredores e da sua lógica de movimentação, a artista provoca ondas de atrito no ambiente, gerando composições coreográficas e outras formas de organização gestual e de movimentos dentro desse contexto. Concepção e direção: Daniela Dini e Victor Lema Riqué Fotografia: Walter Carvalho Edição: Thiago Prado Captação e desenho de som: Pipo Pegoraro Varredores de rua protagonistas: Maria das Graças Soares da Silva, Pedro Santos, Carlos Roberto dos Santos, Vitorino Souza dos Santos, Odisseia Silva Costa, Maria Aparecida, Cleber Eduardo de Souza, Sebastião Gomes da Silva, Kerubina Gomes de Jesus e Cícero de Oliveira Lima Agradecimentos: Kepler Scolastico, Anderson, César, Alexandre Rodrigues, José Marques Caiana e demais funcionários da empresa Construfert. BossaNovaFilms, Willy Biondani, Márcio Marques e Fernando Sciarra Duração: 10 min Daniela Dini (SP) formou-se em performance e dança no curso de comunicação das artes do corpo da PUC-SP. Dedica-se à pesquisa e à criação-solo, à investigação multimídia na fronteira entre canto e música, à dança e às artes visuais. Foi contemplada pelo Rumos Itaú Cultural Dança – Coreografia e com o prêmio Funarte Klauss Vianna. Victor Lema Riqué (SP) é artista plástico e multimídia. Nasceu em Montevidéu. Desde 1980 vive em São Paulo. Estudou na ECA/USP. Tem realizado diversas mostras individuais e participado de mostras coletivas na América Latina, na Europa e nos Estados Unidos.
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Simpatia Full Time
Corpos femininos e um touro mecânico. Metáfora de um jogo que relaciona o mecânico versus o orgânico. Carne e esqueleto que vibram. Desconstrução estética da boiadeira gostosa a fim de deflagrar o movimento de vida, para uma ação que nos leva para além do fetiche midiático. Por onde escoa a humanidade sutil e volátil desses corpos? Estetização da intimidade, subjetividade. Deslocamento da imagem, descontextualização do corpo, diluindo seus limites claros com o meio. Experimento vivo no corpo que se move e ocupa o espaço.
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Criação e performance: Cândida Monte, Giorgia Conceição e Stéphany Mattanó Colaboração: Sheila Ribeiro (dona orpheline) Direção, edição e finalização: Stéphany Mattanó Direção de fotografia: Ata Hostin Iluminação: Wagner Corrêa Trilha sonora: André Abujamra Figurino e maquiagem: Giorgia Conceição Câmera: Alexandre Cardinal, Ata Hostin e Ricardo Hess Making of: Angelo Luz Still: Leco de Souza Elétrica: Max Olsen Áudio: Rodrigo Janiszewiski Holding: Verônica Rodrigues Costureira: Aline Iubel Produção: S.E.L.O. Gestão e Produção Cultural – Cândida Monte e Wellington Guitti Apoio: FAP CineTV Agradecimentos: André Baliú, Arthur Leandro, Bernardo Stumpf, Caroline Stencel, Dayana Zdebsky e Patrícia Smaniotto Duração: 5 min Cândida Monte, Giorgia Conceição e Stéphany Mattanó (PR) vêm investigando formas de propiciar a seus corpos estados de vulnerabilidade. O encontro das criadoras parte do interesse de realizar análises de seus percursos artísticos, bem como dos contextos nos quais seus corpos se inserem. Possuem formações semelhantes na área das artes cênicas, mas desenvolvem trabalhos que fogem ao campo da representação, priorizando o movimento e a imagem como motes centrais de suas produções.
Sobre Desejo ou Pequenas Narrativas da Linha
Ensaio coreográfico na forma de animação, em que uma personagem imaginária dança entre os universos da dança e do boxe. A dança é coreografada com base em ações simples, com diferentes qualidades de movimento, confluindo para a construção fluida e delicada, encontrando a leveza de movimentos circulares e sem atrito. Em oposição ao desenho de dança, linhas formam um boxe idealizado, em que a violência direta de um corpo contra o outro se transfigura em poesia, hibridizando uma dança lírica e rápida. A representação gráfica das leis de ação e reação coordena uma estrutura narrativa em que a sutileza, a confiança e a fluidez desafiam a robustez e a violência entre corpos imaginários. Concepção, roteiro, animação e edição: Roberto Freitas Coreografia: Monica Siedler e Roberto Freitas Duração: 7 min Roberto Freitas (SC) é mestre em artes visuais, trabalha com audiovisual, teatro, dança e artes plásticas. Atuou em inúmeras exposições, performances, espetáculos e obras audiovisuais, entre os mais recentes PlayRec Festival de Videodança e [In]Transparències. Variocions del Diàfan, Barcelona, Espanha.
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Ficha TĂŠcnica
Cartografia Rumos Itaú Cultural Dança 2009-2010 Organização Christine Greiner Cristina Espírito Santo Sonia Sobral Coordenação-Geral Núcleo de Artes Cênicas Projeto Gráfico Estevan Pelli Direção de Arte Jader Rosa Tradução “O que as coisas são e o que parecem ser” – Carla Nejm “Videodança na América Latina: um testemunho” – Carmen Carballal Revisão Kiel Pimenta Produção Editorial Jahitza Balaniuk
Vídeo Direção-geral Osmar Zampieri Direção de fotografia das entrevistas Fernanda Faya Operação de câmera Osmar Zampieri, Mariana Sucupira, Kauê Zilli e Fernanda Faya Operação de áudio Aguinaldo Bueno Edição de vídeo e autoração Osmar Zampieri Colorização Eduardo Kito Apoio Núcleo de Audiovisual
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Centro de Documentação e Referência Itaú Cultural Cartografia Rumos Itaú Cultural Dança: imagens e movimentos / organização Cristine Greiner, Cristina Espirito Santo e Sonia Sobral. - São Paulo: Itaú Cultural, 2010. 52p. ISBN 978-85-7979-009-6 1. Artes cênicas. 2. Dança contemporânea. 3. Videodança 4. Rumos Itaú Cultural Dança. I. Título. CDD 792.8