Sentidos - Rumos Educação, Cultura e Arte

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Sentidos Rumos Educação, Cultura e Arte

Textos Micheliny Verunschk São Paulo, 2013

Realização


O programa Rumos Itaú Cultural foi criado para reconhecer e apoiar a diversidade da produção artística e intelectual brasileira em suas diversas áreas de expressão. O Rumos Educação, Cultura e Arte é sua vereda pelos rumos da educação não formal. Em sua terceira edição, 2011-2013, recebeu 941 inscrições de ações educativas pelo território nacional. Entre elas, 14 foram selecionadas, compondo um conjunto de experiências únicas, localizadas nas cinco regiões do país e registradas neste livro, pela narrativa da escritora Micheliny Verunschk, convidada a construir, em parceria com os educadores, suas histórias. O Rumos Educação, Cultura e Arte foi lançado em 2005 e sua trajetória reflete a transformação que o fazer artístico e educativo no Brasil tem vivido nestes anos. É composto de três etapas de um processo de formação e de uma rede de profissionais, com foco na diversidade e nas pessoas. É feito para e por pessoas que se preocupam com a dimensão das relações humanas e com o prazer da descoberta. A primeira etapa do programa foi o lançamento nacional. Nesta edição, o embaixador era o artista Antonio Nóbrega, que apresentou uma aula-espetáculo, concebida especialmente para essa finalidade, em 17 capitais brasileiras. A segunda etapa foi o processo seletivo, que ocorreu em quatro momentos. O primeiro quando os 18 avaliadores, individualmente, analisaram o material enviado pelos inscritos. Em seguida, juntos, em São Paulo, discutiram e escolheram os pré-selecionados. Foi então a hora de começar as viagens de visita a cada pré-selecionado e, por meio do contato pessoal, conhecer melhor as experiências e os educadores. Por último, os avaliadores se reuniram novamente e chegaram aos selecionados aqui apresentados. A terceira etapa do programa foi dedicada aos 14 educadores premiados, com o processo de formação itinerante, que ocorreu em quatro expedições que os levaram a conhecer os projetos uns dos outros, a se conhecer e a descobrir novas proposições.


A primeira expedição foi a São Paulo. A segunda ao Centro-Oeste e à região Norte, seguida por uma série de viagens ao Nordeste. Depois, cada selecionado visitou um local do país na viagem de livre escolha. Por último, juntos, foram para Minas Gerais e Bahia, encerrando o processo. A arte-educadora e presidente do Instituto de Arte Tear, Denise Mendonça, foi mediadora da formação dos educadores e esteve presente em todas as expedições, conduzindo discussões, encontros, visitas, olhares na formação itinerante. Este livro finaliza o processo com os relatos da história de cada profissional selecionado e um documentário, que condensa os princípios da educação não formal a partir das viagens, mais uma série de vídeos sobre os projetos de arte-educação disponíveis no site do Itaú Cultural. O Rumos Educação, Cultura e Arte tem o diferencial, em relação a outros programas de fomento do terceiro setor, de ser voltado para as pessoas e não para as instituições. Com isso, o interesse está em valorizar como os educadores dialogam e estabelecem conexões entre conteúdos, lugares, participantes e comunidades. A formação itinerante exige entrega e disponibilidade, e retira o selecionado de seu ambiente, fazendo-o imergir em outras realidades. Viagens intensas de 370 horas ao longo do ano – carga horária similar à de um curso de especialização. Conviver com o outro é a grande potência do programa. Como cada um trabalha com uma vertente específica, os encontros geram discussões mais panorâmicas e reforçam o compromisso do Itaú Cultural de inspirar e ser inspirado pela sensibilidade e pela criatividade das pessoas para, assim, gerar experiências transformadoras no mundo da arte e da cultura brasileiras. Itaú Cultural


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1 Tudo é Brasilzão de meu Deus DARAÍNA PREGNOLATTO Goiás

E o mundo abrindo, devagar, suas porteiras ANA CLAUDIA MUMBUCA Tocantins

2 O livro e o sonho do livro BABILAK BAH Minas Gerais

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Desde muito pequeno já dançava nas praias de Paracuru FLÁVIO SAMPAIO Ceará

Sou educadora. Isso eu sei que não muda ANA RUSSI Santa Catarina

5 Minha tradição, do meu pai e do meu filho MESTRE PEDRO CORREIA Rio Grande do Norte

7 A música secreta RICARDO AMORIM Distrito Federal


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Quando a Terra era uma bola de fogo DAVID NASCIMENTO BASSOUS Rio de Janeiro

Senhoras e senhores, meninas e meninos! ROBERTO SILVA Minas Gerais

10 Meu avô tocava sanfona, eu toco violino JOSEVALDO DE ALMEIDA SILVA Bahia

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Respeitável público! SIMONE ALVES Paraíba

sumário

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Eu só queria estar em outro lugar KIKO ALVES Ceará

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As linhas vão se tramando RENATA FERNANDES São Paulo

14 O mundo tocado pelo olhar FRANCISCO MAGALHÃES Minas Gerais


Movimentos. Ideias. Deslocamentos. Inspiração. Percursos. Respiração. Trajetórias. Transpiração. Encantamentos. Descobertas. Surpresas. Experiências. Sensações. Sentidos. Direções. Rumos.


Tentar traduzir o que se vive é inócuo, pretensioso, provavelmente. Compartilhar o que se experimentou é a vontade, o desejo aqui e agora. Isso mesmo – “experimentar” é a palavra porque tem ar de novidade, expectativa, risco, cheiro, sabor, gosto. Como disse o poeta, a beleza a gente quer dividir com mais alguém. Preenche-nos, mas não nos basta. Transborda. Chegar às bordas sempre foi a intenção, mesmo que andando pelo meio. Alcançar a margem para encontrar o pouco visível potente, vivo e pulsante continua sendo a proposta. No início, a questão: como fazer o chamado? Quem nos vê e ouve? Antes de ir a campo, desbravando o país a torto e a direito, uma breve consulta. Um convite para certos ouvidos e olhos atentos, perspicazes, generosos. Um pequeno grupo de uns conhecidos e outros não tão próximos. Cada qual com a sua opinião. Primeira decisão: o nome. Educação, Cultura e Arte é quase o mundo todo, mas no educador não cabia todo mundo. Não mais. Educadores, arte-educadores, educadores sociais, artistas, artistas-formadores, mestres, mediadores e agentes culturais foram convidados. Com poucas ou muitas letras, letrados ou iletrados, não importa. Com formação, “in formação”, em formação, também não. Escrever ou falar, digitar ou gravar, tanto faz. Desde que conte uma história. A sua e de mais ninguém. Uma narrativa singular, construída a seu modo. Eis que surgem os relatos. Quase mil, 941 mais precisamente. Enquanto eram cuidadosamente tecidos, uma deliciosa caravana percorria o país para seduzir e sensibilizar. Para falar com tantas tribos, nada melhor que um artista múltiplo – músico, dançarino, versado nas personagens próprias, influenciado pelas vertentes literárias populares e eruditas, com corpo de investigador e alma apaixonada pela cultura brasileira. De capital em capital, uma centelha, uma faísca desperta o que é capital: o alumbramento estético e o interesse pela causa. Mais de 4.500 se deixaram tocar; 4.565 exatamente. Entre os 4.565 e os 941, 14 foram escolhidos por outros 18. Uma matemática mais humana do que exata, porém precisa.


Do universal fomos ao particular para enxergar melhor o que é, senão universal, maior do que eu. Do que eu, você e aquele outro ali. Visualizar o além de mim e do nosso. A viagem passou a ser mais estendida, apesar de rápida. Densa e intensa. Tempo de voar, caminhar, transitar por água ou terra para sentar e tomar um café. Um quê de intimidade delicadamente forjada e sensivelmente urdida por mãos, cabeça, coração e espírito de mestre. Mestra, mais especificamente. A cada encontro um turbilhão de preenchimentos, esvaziamentos e novos preenchimentos. De escutas, paisagens, cores, sons, percepções, reflexões, discussões, emoções, visões. Ver o ontem, o agora, o logo mais, o amanhã e o depois tornou-se operação corriqueira, embora difícil. Exige disponibilidade interior, é fato, de fato. A cada volta, uma confusão. A cada ida, muitos desejos. O de encontrar – sempre. O de descobrir, conviver, vivenciar aquela configuração única de personagens e situações – a todo instante. A cada nova volta, outra confusão. E, a cada nova ida, só ou acompanhado, tudo e mais um pouco. E assim por diante, adiante. Dezessete mil quilômetros percorridos e 370 horas que não cabem em milhares de imagens ou palavras. Escolhemos algumas. Só algumas. Ei-las. Tatiana Prado Coordenadora do programa Rumos Educação, Cultura e Arte




Quem passa lá fora do outro lado da rua sente o aroma. Sete cravos, sete ervas, a fumaça que, ganhando mãos, pega, chama, persuasiva como uma oração.

Quem passa lá fora escuta a conversa entre pandeiro, chocalho, viola, cavaquinho, os sons do corpo, a percussão do corpo: os pés tocando a terra, os braços bailando, buscando alcançar o que não se alcança senão pela dança, pela música, pelo olho no olho, pela mão que se estende para a outra.

É o baticum do Brasil, nossa meditação que se repete cotidianamente nas ladeiras, nos quintais, nas giras, nas quadras das escolas de samba, por baixo das lonas dos circos mambembes, nos salões refinados e em outros lugares extraordinários, do museu desenhado nas linhas da arquitetura clássica aos bits e bytes do sobrado virtual dentro do qual navegam muitos sonhos, entre eles um ingazeiro em cuja sombra, olelê olalá, o boi misterioso acaba de ressuscitar.

Quem passa lá fora percebe.


Andanรงas e sentidos


Minas Gerais. Belo Horizonte. 18h30. Fim de uma tarde de dezembro. Depois de um dia quente, a brisa. As alterosas, como que mulheres de fartas carnes, soprando, refrescando, agitando o seu hálito para a cidade. Todos vão para a casa de Chico. Um com o seu gingado, outra levando um estandarte, e mais um com um instrumento, e mais outra com a sua voz, e aquele lá com sete sentidos para a dança, e ainda outro com todas as línguas do tambor. Vai todo mundo para a casa de Chico. Não todo o mundo, não toda a cidade, são alguns, é mais certo dizer. Mas seu nome é uma nação, porque um veio do Norte, o outro veio do Sul e aquela moça ali já veio de tantos lugares que nem se acanha em dizer: eu venho é do Brasil. A jornada até aqui foi longa, e por isso eles bem poderiam ser chamados de romeiros. O Houaiss registra “romeiro s.m. 1 homem que segue em romaria; peregrino 2 indivíduo andante, que viaja por muitos lugares ou sem destino certo; andarilho, caminheiro, viandante 3 fig. apóstolo ou defensor de novas ideias”. No entanto, o mais certo, neste mundo de novas relações e invenções, é batizá-los de rumeiros, palavra híbrida, bicho neologista de muitas pernas. Eles vêm de Rumos, rumos que procuram para si, mas sobretudo que buscam apontar para outros, que supõem caminhos e atalhos múltiplos, que os fazem viajar em romaria, apostolar e defender suas novas, antigas, outras ideias. Esses romeiros-rumeiros, cujas vidas se entrecruzam nessa história e que agora, nesse momento, descem do ônibus na soleira da porta da casa de Chico, são como as varetas que estruturam um leque: cada um com sua história, cada qual com sua missão, com o caminho que escolheu, mas cada um se relacionando com o outro de modo a começar uma ventania. Daraína. Babilak Bah. Ana Claudia. Flávio. Mestre Pedro. Ana Russi. Ricardo. David. Roberto. Josevaldo. Kiko. Simone. Renata. E Chico, que abre as portas de sua casa, as ervas defumando na vasilha de barro, juntando-se aos cheiros da tapioca: de coco, de queijo, de doce de goiaba. Os olhos dos santos em pedra e madeira misturando-se aos olhos dos visitantes, os viajantes, rumeiros, brincantes de muitas artes. O sarau começa e canta-se, dança-se, conversa-se. E a roda, como uma estrela pulsante, gira e distende-se na ciranda, aquela mesma dada por Lia da Ilha de Itamaracá. Aquela que canta “Essa ciranda não é minha só/ela é de todos nós/ela é de todos nós”. “Pra se dançar ciranda juntamos mão com mão”, eles cantam. E de mãos dadas misturam suas histórias, ampliam sua vida e a vida daqueles que caminham lado a lado com eles, os rumeiros que ficaram em João Pessoa, São Paulo, no Jalapão, no Cariri. Amplificam suas vozes de modo que quem passa lá fora percebe. Como lâminas de um baralho, como varetas de um leque, como cirandeiros, sete cravos, sete ervas, essas 14 pessoas estão aqui para celebrar. Celebrar a vida, a cultura plural deste país desigual, a vontade de fazer e de se fazer escutar.

Esta é sua história. Uma história de andanças e sentidos. A ventania.




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Tudo é Brasilzão de meu Deus


Todos os dias o quintal amanhece como se fosse outro lugar. Um país distante, um reino de seres maravilhosos, uma mata daquelas do tempo em que os bichos falavam e os índios cantavam suas canções de guerra e colheita. No centro do quintal, embaixo da sombra da única árvore, a menina. Menina franzina, meio desajeitada, cercada dos seus brinquedos e do poder mais intenso, ela mesma, a dona do quintal, a dona do mundo, da imaginação.

“Mãe, minha cidade não é essa aí de fora, sabia?” A mãe ri, puxa conversa, dá corda para que a menina fale, para que a menina dance, para que a menina diga afinal a que veio. É a quinta filha de seis, temporã. O sexto filho, mais temporão ainda, demorou tanto que a menina não tem outro jeito senão ser criança sozinha naquela imensidão de quintal.

“Mãe, tenho uma saudade de mim que não é daqui, uma saudade de mim que é de outro lugar.” No centro do quintal, a menina dança. O corpo desconexo, os pés descalços fincados no chão, os olhos engolindo o céu. Se é desajeitada, o que importa, afinal? Na dança da menina


Quintal da Aldeia, Pirenópolis, Goiás ela é corpo de baile e música, ela é o chão que pisa, o céu que a abriga, o tempo do qual se apossa. A mãe espia e acha graça na meninazinha atrevida sempre ávida de companhia, seja dos mais velhos, seja das histórias que eles contam.

“Mãe, eu gosto é de história de gente, de história de verdade. Sabia que isso é o que me encanta, mãe? Para mim não basta a superfície, a superfície é muito pouco. Eu preciso é do mergulho.” E um dia, porque sempre chega esse dia, a mãe sabe que a menina irá atrás do mergulho, em busca do que alimenta a saudade. E deixará para trás, num rodopio, o sangue italiano herdado de tantos avós, e num instante estará no Maranhão, entre bois e outras raízes. Escolherá seus mestres e será por eles escolhida. Um dia, num rodopio, estará em outro lugar, Oropa, França e Bahia, arriscaria o poeta. Pirenópolis, no coração de Goiás, quem sabe.


DARAÍNA PREGNOLATTO Brincadeiras, ritos e redes populares Guaimbê – Espaço e Movimento CriAtivo Pirenópolis, Goiás


Fitas, fitilhos, cola, lantejoulas se espalham por todos os lados. Papel sobre papel e logo o papel vira carne e músculos. A armação de arame, um esqueleto que logo ganhará vida e sairá bailando. Crianças e adultos concentrados na produção de adereços para o boizinho. As agulhas parecem dançar entre os dedos, e o riso das crianças preenche o lugar. Daraína comenta que ainda há uma celebração por organizar, o aniversário de uma das crianças do grupo que é nesse mesmo dia. Tudo é afeto, ela diz. Afeto e trabalho. Daraína é cofundadora do Quintal da Aldeia, um lugar de vivências e de afirmação do Bonfim, grande bairro de Pirenópolis que, por sua ligação umbilical com a zona rural, é também sacrário de tradições, como o Divino, o catira, a Folia de Reis. Daraína relata: “Pirenópolis me atraía. Quando fui morar no Maranhão, passei por Brasília e um amigo me trouxe até aqui. Aqui tem alguma coisa com a qual me identifico, pensei naquela época. Mas fui para o Maranhão, morei quatro anos lá, alimentei minhas raízes. Porque eu, apesar de ter nascido em São Paulo, tinha uma vontade grande de outra coisa, da cultura misturada. Tinha vontade dessa cultura que é a minha, africana, indígena, moura. Um dia bateu a vontade de mudar de novo, e Pirenópolis ainda me atraía, e foi para cá que vim. Como sempre sem dinheiro, sem saber bem o que iria fazer, vim com meus filhos, com meu companheiro. E criamos com outras pessoas uma ONG, que ainda existe, mas da qual me afastei. Depois surgiu o Quintal da Aldeia, que tinha que ser no Bonfim, porque o Bonfim é esse lugar onde as pessoas são solidárias umas com as outras, onde conviver é mais importante do que ter e que precisa ser fortalecido em sua autoestima. O Bonfim ainda é


Meninos e meninas multicoloridos, jovens e velhos, griôs que cantam suas histórias, uma v entoando sua moda, bonecos atrevidos divertindo a plateia, o boizinho de dorso bordado, todos se encontram no Quintal da Aldeia. E encontro talvez seja mesmo a palavra-chave. Quem chega esperando um lugar formal, onde se cumpra um horário de entrada e de saída, com um formato rígido de aprendizagem, há de se espantar. Há dias que são de formação, há dias que são de produção, e a interação é a melhor aprendizagem. Daraína, agora na cozinha, mistura os ingredientes do bolo e entre uma risada e outra diz: “Se o caso é atrevimento, então eu vou ser nova sempre”. tratado com preconceito por quem não o conhece e é tratado como lugar da indiada, como se não fôssemos todos índios, afinal”. O Quintal da Aldeia é mantido pela organização não governamental Guaimbê, palavra do léxico mundurucu que significa “coluna vertebral” e também dá nome a uma espécie de cipó nativo da região. Faz todo o sentido quando se toma contato com o trabalho desenvolvido pelo projeto. Crianças e adultos de todas as idades convivem e apostam em outra educação, uma educação que dá conta de suas vivências e experiências, que acolhe e expande seus corpos e fortalece o sentido de ser da comunidade.


O livro e o sonho do livro

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O sonho do livro foi agitado. Dizer o sonho do livro, assim sem mais, deixa margem para dúvidas. Mas assim é que são os sonhos, margens e margens longas e largas para o rio, o fluxo, o sonho, imperfeito, fragmentado, livre na correnteza das dúvidas. O sonho do livro era o sonho do rapazote, este agitado, braços e pernas em movimento contínuo dentro do sonho e fora, no sono, esse ato nem sempre passivo de dormir. Cumprindo, ele, um roteiro agitado: a biblioteca imensa, como um mundo, mas não estática, não parada como costumam ser todas as bibliotecas. Esta era uma biblioteca pulsante, ritmada, como se de algum modo pudesse ser um organismo vivo. Ele, miúdo, a percorria a passos largos. Não a temia, apesar de achar estranho todo aquele movimento, o chão, como que música, vibrando. Se espantava também com os murmúrios, os cochichos saídos, sim, de cada livro, formando uma massa de som, uma onda como que batendo na praia, cantiga interminável e circular. A biblioteca era um ente, um ser sagrado, mas ainda assim íntimo. E ele prosseguia. Quilômetros andados dentro de um sonho possuem outra apreensão dos sentidos. E isso ele sabia. Em determinadas passagens, a biblioteca se iluminava como a luz do mais dourado sol. Em outras passagens, se fazia penumbra. Por um instante teve a nítida impressão de que um tropel de cavalos o acompanhava. Ao virar-se para trás, apenas a sensação de que algo se desvanecera. Mais adiante, jurou ter visto, de um livro caído, surgir um corpo de mulher, dançando. E por mais algum tempo que andou uma mão amiga e firme enlaçou-se na sua.


Por fim, chegou ao lugar a que deveria chegar. Subiu uma longa escada e de lá desceu, com um livro nas mãos. Ávido, apressado, abriu o livro numa página qualquer e dois versos saltaram-lhe aos olhos:

“Estou sozinho! A estrada se desdobra Como uma imensa e rutilante cobra”. Suado, coração aos pulos, ele acorda e os versos, de Augusto dos Anjos, não lhe saem do pensamento. Pouco mais tarde acompanha a mãe até o trabalho. Dona Iracema é cozinheira numa casa cuja biblioteca é o único parque de diversões do qual ele dispõe. Bem menor que a biblioteca do seu sonho, é verdade, mas nem por isso menos interessante. É lá que se entretém enquanto a mãe compõe o serviço. O verso ecoa ainda em todo o seu corpo, grudado ao pensamento o dia inteiro e fermentando uma ideia que não o deixa quieto. Almoça, enxuga os pratos do almoço de toda a casa para ajudar a mãe, enfurna-se de novo naquele espaço, a tarde caminha também ela a passos largos. As mãos nos bolsos, a vontade do pequeno delito. Ao voltar à noite para a pequena casa em que vive, um tesouro queima-lhe por baixo da camisa. E resplandece. É o livro. Chama-se Eu, de Augusto dos Anjos. Toda arte começa numa transgressão.


BABILAK BAH Trem Tan Tan: uma experi锚ncia intersemi贸tica com loucura Belo Horizonte, Minas Gerais


“... Não precisa levar ao pé da letra Todo mundo tem um pouco De médico e louco Eu tomo remédio... ... Me discriminam e esquecem que eu sou gente Mas meu espírito ninguém vai quebrar...” A letra da música fala do sofrimento mental, seu cotidiano, os preconceitos que o cercam. Por trás do rap e do samba, tendo o ritmo como um aliado, o Trem Tan Tan, projeto que vem sendo desenvolvido no Centro de Convivência Venda Nova, em Belo Horizonte, há mais de dez anos. O Trem Tan Tan é um projeto de inserção social e resgate da cidadania das pessoas com sofrimento mental tendo como eixo a pesquisa rítmica, poética, depoimentos e

criação musical. Trem Tan Tan também é o título de uma música criada pelo grupo e faz referência aos trens que, na década de 1980, levavam loucos de hospícios públicos de Belo Horizonte para o grande manicômio da cidade de Barbacena.

Surgido em 2001, num período de discussão e implementação de políticas antimanicomiais para a saúde mental no Brasil, o Trem Tan Tan é um exemplo bem-sucedido da radicalidade do cuidado em liberdade. Os anos 1980 e 1990 são fundamentais para uma virada nos tratamentos oferecidos aos cidadãos com sofrimento psíquico. Questionam-se o asilamento e o isolamento social e passa-se à criação de uma rede substitutiva aos manicômios. Em 1992, o Ministério da Saúde estabelece novas diretrizes de atendimento nos serviços de saúde mental, propondo atendimento ambulatorial com serviços de saúde mental (unidade básica, centro de saúde e ambulatório), Centros de Convivência e


Núcleos de Atenção Psicossocial (Caps/Naps), Hospital-Dia (HD), entre outras medidas que visam à criação de uma rede substitutiva ao modelo asilar. Em 2003, são criados serviços de residências terapêuticas a fim de atender pacientes de longa permanência em hospitais psiquiátricos. Babilak Bah, diretor musical do projeto, conta de seu envolvimento íntimo com o Trem Tan Tan a partir de suas vivências e experimentações criativas: “Desde a adolescência fui despertado pelo fenômeno da psique humana, creio que devido ao meu isolamento e minha vida solitária. Quando criança, o espaço escolar não foi suficiente para as minhas demandas e indagações. Me formei como autodidata, muito disso graças à biblioteca dos patrões da minha mãe, a qual frequentava. Na adolescência fui tomado pela curiosidade acerca do fenômeno da loucura, devido a dois loucos emblemáticos que conheci na Paraíba: Maria Isabel Bandeira, conhecida pela alcunha de ‘Vassoura’, e João Rasga

Rua. Esses dois indivíduos despertaram muito o meu interesse e deixavam-me cheio de interrogações a respeito do fenômeno da loucura”. As oficinas do Trem Tan Tan foram registradas em CD, e daí para virar um grupo musical foi um pulo. Já com o segundo trabalho, Sambabilolado, que mescla samba tradicional, hip-hop, soul e samba de batuque, o grupo se apresenta em vários projetos, participando de programas de rádio e recebendo no palco inúmeros convidados em diversas apresentações em Minas Gerais, Bahia e Rio de Janeiro. Atuando a cada 15 dias no projeto, Babilak resume: “O trabalho da saúde mental é marcado por emoções fortes e experiências avassaladoras. Durante meu processo, em dez anos, vivi situações inúmeras, inusitadas e pitorescas que exigiram criatividade e um novo olhar sobre a arte e a vida. Nesse processo ocorreram muitas quebras, descontinuidades e retomadas de novos ciclos criativos, num constante processo de recriação. O Trem é um projeto que me orgulha e me ressignifica”.


3 E o mundo abrindo, devagar, suas porteiras


Pula, pula, piabinha Tá danada pra pular Quando os passarim avoa, ai, ai Eu também quero avoar. Vendo o Papai Noel ali, todo elegante em sua roupa de cetim vermelho, mangas longas, botas de cano alto, apesar do calor, ela por um instante esqueceu da zanga do pai: Moça que vai pra escola não serve pra casamento. Ficara indignada desde que a contenda começou, uns meses antes. Afinal iria ficar na vila e seguir o roteiro de todas as mulheres do lugar: casar, ter filhos e morrer? Isso é que não. E com isso na cabeça dobrou o pai e todas as resistências. Agora, se ria por dentro: Pai me chamando de moça, eu que não passo de uma menina. E nisso lembrava ainda mais dele, e seus afetos, contando as histórias de antigamente, as lendas do lugar, para ela e para os irmãos. E, de fato, 14 anos não davam passaporte para entendimento do que seja ser moça ou mulher. Menina era, ali, diante do Papai Noel e dos seus presentes embrulhados em papel colorido, fitas e brilhos reluzentes. A vila, Mumbuca, por enquanto ficava para trás. Para ela, Mateiros agora era o mundo, mundo que abria suas porteiras para sonhos que ela ainda mal sabia quais seriam. E em meio ao monte de crianças rodeando o velho, ela se colocava como que diante de um sonho. A boneca que ganhou era menos importante do que aquilo que estava vivendo.

Eu plantei e semeei Carrapicho no monturo Ou me ama com firmeza, ai, ai Ou me deixa sem futuro. Quando Papai Noel terminou sua função, decidiu chamar duas colegas para o seguirem de longe, entre risadas abafadas e passos apressados, que o homem andava rápido. O que esperava ver, não sabia bem, certamente algum espetáculo, como ele pegar uma carroça e voar pelo céu, ou flutuar segurando-se numa bexiga ou quem sabe ainda desmanchar-se no ar, como em algum abracadabra.


A TV, que assistira pela primeira vez naquela mesma semana, prometia-lhe as coisas mais improváveis. Entre a expectativa e a pressa de não perder o benfeitor de vista, a cantiga que a mãe lhe ensinara havia tantos anos ecoava no pensamento. Por quê? E lá ia saber?! Há dias em que a gente acorda assim, com uma música grudada no corpo inteiro. E Papai Noel se desfez numa lanchonete da esquina. Sentou-se, arrancou a barba mal-arrumada, tirou a touca e com ela enxugou o suor da testa, despiu-se da camisa vermelha e brilhante, ficando com uma camiseta encardida. Decepção então era aquilo, aquela tristeza de ter num momento um sonho diante de si e no momento seguinte ele se desfazer. Uma das colegas, despreocupada, anuncia o que já era evidente: É só um homem. Ela, então, duas lágrimas disfarçadas, engole o choro e vai para casa, o lugar que agora chama de casa, onde mora com o objetivo de terminar o tão batalhado estudo. Deitada na cama, pensa sobre o dia, sobre o Papai Noel desfeito, sobre como será a vida daí por diante. Lembra das histórias contadas pelo pai. As histórias dos avós, dos bisavós, dos antigos que fundaram a comunidade, a Mumbuca. Todos eles muito mais verdadeiros que aquele homem risonho e evanescente. Nessa noite sonhou com os tempos de antigamente e no sonho ela mesma era Mãe Jacinta, a velha mãe índia que ao redor do seu umbigo criou toda a comunidade. No sonho vestia-se de Mãe Jacinta e falava a todas as pessoas de agora do alto de um tablado simples, de madeira, depois que descia voltava a ser quem era, a mesma menina, Ana Claudia. Acordou com uma sensação boa, como se pudesse saber do futuro. E seguiu, cantarolando, com um pensamento firme: Nós podemos ser quem quisermos.

Lá do céu vem caindo Três raminho de fulô O do meio vem dizendo, ai, ai Que o cerrado é meu amor.


ANA CLAUDIA MUMBUCA Músicas e teatro: a tradição dos quilombolas de Mumbuca, Jalapão Povoado quilombola de Mumbuca, Tocantins


O povoado de Mumbuca, no município de Mateiros, região do Jalapão, no Tocantins, é conhecido pelo trabalho artesanal com o capim dourado, matéria-prima de utilitários e mesmo de bijuterias de grande beleza por seu brilho similar ao do ouro. Mumbuca tem na história do seu povo sua principal riqueza. De origem quilombola, conta-se que sua formação se deu a partir da migração de escravos fugidos do interior da Bahia com índios da região, possivelmente da etnia xerente. Isolados até as primeiras décadas do século XX, por volta dos anos 1930 receberam a ação missionária de pastores americanos da Igreja Batista, o que tornou sua situação peculiar do ponto de vista de sua formação sociocultural. Ao abraçar a religião protestante, muitas de suas manifestações foram se perdendo. Ana Claudia Mumbuca, hoje estudante de serviço social, saiu do povoado aos 14 anos para dar continuidade aos estudos. Na escola, encontrou no teatro um meio de expressão que entrava em sintonia com seus anseios. “Meu pai contava três, quatro histórias por noite. Não havia TV aqui. A TV só chegou no ano 2000. E eu sempre me interessei por essas histórias, sobre a vida da comunidade antigamente, sobre como as pessoas se relacionavam, o que faziam no seu cotidiano, como era a vila antes dos missionários. Quando eu fui para Mateiros, passei por uma decepção com a figura de Papai Noel. Mas foi importante para que eu pudesse entender que essa era a alma do teatro. Aquele personagem desfeito me ensinou que podemos ser quem quisermos.” Voltando para Mumbuca com uma ideia na cabeça, Ana Claudia reuniu a comunidade, jovens e velhos, e propôs trazer de volta à vida e à roda personagens e práticas antigas ainda lembrados pelos membros mais idosos, e criou o grupo Encenando a Tradição. A Mumbuca é formada por 42 famílias que totalizam cerca de 180 pessoas. “Então trouxemos para o teatro a rotina dos nossos antepassados a partir das lembranças e das orientações


“É importante para todos nós esse sentimento de pertencimento. É um grande trabalho, porque há resistências, mas a Igreja procura compreender nosso contexto, nossa história. Quando a comunidade se reúne em torno de sua história, é uma festa. É nosso modo de nos perguntarmos o que fazemos diante do mundo. Ao buscarmos nossas raízes, encontramos nossa identidade.” Ana Claudia, que não deixa para trás nem as raízes culturais nem a religião na qual cresceu, hoje é bolsista do Programa Universidade para Todos (ProUni) no Centro Universitário Luterano de Palmas, em Palmas. Mas vê seu futuro ligado ao da pequena comunidade.

“A Mumbuca é o meu lugar.” dos mais velhos. Assim fomos compondo nossos roteiros, sem nada muito direcionado. Vamos nadar no rio e durante as conversas se vai pensando no que vai fazer. Sem um lugar específico para criar, para pensar. Quando a peça fica pronta, todos vão assistir. Se usamos uma palavra ou algo que não condiz com o que os mais velhos contam, somos alertados. Por exemplo, não se faz mais parto na comunidade hoje em dia. Numa peça havia a encenação de um parto, e minha avó chamou nossa atenção, pois usamos a palavra ‘parir’ e, segundo ela, essa era uma palavra que não era utilizada. Trocamos por ‘dar à luz’. Teatralizamos o cotidiano e também as nossas lendas locais, o João Grajaú, o Pé de Garrafa, o Nego D’Água, a Cobra de Cabelo, a Cobra de Asa e o Cabeça de Rapadura.” No começo do século XXI, a comunidade aderiu à Assembleia de Deus e, se as questões de fé são importantes, a comunidade, com sua prática, pontua que as questões de identidade também o são. É uma conquista árdua e se faz no dia a dia.


Desde muito pequeno jรก danรงava nas praias de Paracuru

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“O senhor aprendeu balé onde?” A voz surgida em meio à escuridão da plateia paralisa o garoto que dança. Mas logo ele se põe no prumo, empertigado. De certo modo, todos os dias, desde que dera para fugir do Colégio Militar para assistir às aulas de balé, esperava essa pergunta. Ele, filho de pescador, fechava os olhos no areal de Paracuru e sentia a música das ondas do mar, do vento, da fricção dos seus pés contra a areia finíssima. Assim dançava, talvez desde que nascera. Impossível lembrar onde começara ele, onde começara a dança. E ali, no palco que ainda não era seu, arriscava-se num balé nunca aprendido senão de olhar, de sentir, de querer muito e muito.

“O senhor não ouviu? Onde aprendeu balé? É aluno do Hugo Bianchi?” Quem perguntava era Dennis Gray, o fundador da escola, bailarino e coreógrafo reconhecido no país inteiro. Um ano antes, em 1973, ele havia apresentado em Fortaleza algumas de suas coreografias, e essa passagem lhe rendeu o convite para fundar e dirigir naquela cidade uma escola de dança clássica e moderna para filhos de operários. O Serviço Social da Indústria (Sesi) conseguia, naqueles anos 1970, trazer meninos e meninas pobres para a dança, e o garoto filho de pescadores ouviu falar do que se fazia ali e não pôde deixar de, fugido da escola, ver o que se passava. Ficava ali, calado pela timidez, sentado num banquinho, assistindo aos outros alongarem, dar impulsos no demi-plié, voarem e dançarem suas vidas. Quando tinha oportunidade, repetia o que via os outros fazerem.

“Nunca aprendi balé não, senhor. Eu só vejo suas aulas.” Mal sabia o menino o que estava começando ali, embora soubesse que era para aquilo que havia nascido, essa aventura. Pelo roteiro certo da família, seria a fotografia reproduzida do pai: militar e, depois, quem sabe mais velho, também pescador dos mares de Paracuru. Desde que chegara a Fortaleza escondera de todos seu desejo de arte e frequentava cursos que pudessem alimentar essa fome. O de dança lhe era inacessível: não cumpria o primeiro pré-requisito, nascer no operariado.


“Qual é o seu nome?” “Meu nome é Flávio Sampaio, senhor.” “Pois bem, venha amanhã para a aula que o senhor vai aprender balé.” Depois desse diálogo, seria impossível esconder da família e da pequena cidade de onde viera, ciosa do controle dos corpos e almas dos que nasciam sob sua naturalidade, a que viera. Viera para dançar. E no dia seguinte se pôs a caminho da escola para a primeira aula de balé de toda a sua vida. Tinha pouco mais de 18 anos, muita vontade e muita disciplina. O corpo esguio atravessando a cidade como se flutuasse, como se tivesse o peso de um grão de areia levado pelo vento, só pôde tomar forma quando estava finalmente diante dos olhos do professor. Foi aí que lembrou que tinha carne, ossos, músculos, coração. De Paracuru para Fortaleza, de Fortaleza para o mundo: de bailarino e mais jovem professor do Balé Municipal do Rio de Janeiro a mestre do Balé Bolshoi, da Rússia. E do Bolshoi, muitos anos depois, de volta a Paracuru: as ondas, a areia, o menino que dança, a vontade, agora sim, a vontade de ser pescador. Não pescador como o pai, mas talvez como o velho Pedro, pescador de gente, gente que feche os olhos e se entregue à dança. Um dia, uma escola de balé em Paracuru. Mas isso é outra história. Por ora, só a voz ecoando na escuridão do palco:

“O senhor aprendeu balé onde?”


FLÁVIO SAMPAIO Dançar Paracuru Associação Dança, Arte e Ação Paracuru, Ceará


O dia começa cedo em Paracuru, cidade litorânea de pouco mais de 30 mil habitantes localizada no Ceará. O dia começa cedo para Edvaldo, Flávia, Maria, Tatiana, Francisco, para crianças e adolescentes que, faça sol ou faça chuva, saem de casa nas primeiras horas do dia rumo à Escola de Dança de Paracuru, criada por Flávio Sampaio em 2003 e mantida pela Associação Dança, Arte e Ação. Ele, ex-bailarino e professor do Balé Municipal do Rio de Janeiro, do Balé Bolshoi e de companhias de dança em vários países, como Polônia e França, conseguiu um teto para abrigar seu sonho, uma construção simples que, no entanto, se dilata conforme cada novo sonho se abriga entre suas paredes. “Não tenho na memória onde é que conheci o balé, mas desde muito pequeno dançava pelas praias de Paracuru e gostava de ver minha sombra dançando. Também sabia fazer alguns passos de balé

bastante sofisticados para um menino do interior do Ceará que não conhecia a capital ou a televisão, mas não sei explicar como. A cidade, uma vila de pescadores, como era de esperar, reagia com preconceito, e minha família, que pretendia que eu fosse militar, tinha grande preocupação com o futuro de uma pessoa que queria como profissão a dança. Meu pai, militar aposentado e pescador, reagiu com bastante violência quando abandonei o Colégio Militar para estudar balé com Dennis Gray e Jane Blauth, no Sesi em Fortaleza em 1974. Mas eu era bastante determinado e com apenas três anos de estudo me tornei profissional, acredito que com medo de voltar para o Colégio Militar.”

A rotina dos alunos da escola é diferente da da maioria dos outros jovens, seja os que estão de passagem pelas ondas das praias do lugar, seja os que estão fora do circuito da dança. Às 5 da manhã muitos já levantam da cama e se arrumam para esperar o transporte. Outros enfrentam longa caminhada embaixo de sol ou chuva até chegar ao seu


destino. Alguns empreendem uma viagem em ônibus escolar que chega a durar mais de uma hora. Geralmente vêm de várias comunidades, umas mais perto, outras mais distantes. Para a maioria, a primeira refeição é feita nas dependências da escola. A maioria filhos de pescadores ou lavradores. Meninos e meninas que, músculo a músculo, descobrem que não há verdade sem arte. “Em 1999, fui convidado pelo governo do estado a fundar um centro de capacitação de bailarinos, professores de dança e coreógrafos, chamado Colégio de Dança do Ceará. Como minha mãe ainda morava em Paracuru, era lá que eu passava meus fins de semana. Um dia apareceram em meu portão cerca de dez adolescentes pedindo que eu os ajudasse no projeto com um grupo de dança. Fiquei bastante empolgado com a ideia, mas, apesar de terem me procurado, eles tinham muito receio por eu ser professor de balé e só quiseram que eu financiasse as aulas de forró, pois a intenção deles eram as batalhas de forró na praça da cidade. Fiz isso durante oito meses e, aos poucos, depois de muito convencimento, esses adolescentes foram sendo capacitados em outras técnicas até a formação de um grupo de dança chamado Paracuru Cia. de Dança, que já se apresentou em vários estados brasileiros, na África e está se preparando para uma turnê por cinco países da América Latina. Em 2003, sentimos a necessidade de repassar esses ensinamentos para outros adolescentes e fundamos a Escola de Dança de Paracuru, uma escola de formação com projeto pedagógico previsto para oito anos, que funciona até hoje e tem cerca de 200 crianças. A primeira turma dessa escola já está formada, vários de seus alunos já trabalham com dança em companhias, escolas de dança, universidades. Atualmente, dois alunos estão estagiando no Centro Coreográfico Nacional da Normandia, na França.” No entanto, os obstáculos não são apenas naturais ou estruturais, eles são também da ordem das relações. Numa cidade pequena no interior do Nordeste, dançar, sobretudo balé, é uma atividade vista com desconfiança, receio, precon-

ceito. Os alunos da Escola de Dança de Paracuru travam grandes lutas desde o primeiro momento em que o desejo de dançar se insinua em suas vontades. Vencer as resistências familiares, vencer a opinião alheia e as inseguranças que esses embates geram é vencer a cada dia um pouco da grande batalha. Flávio, que enfrentou a fúria do pai, sabe bem como é, e com sabedoria e paciência lida com essas questões. A escola conta hoje com mais de 200 alunos e Flávio já vê alguns alçar voo: lecionando na própria escola e também em cursos técnicos de dança. “As relações familiares se apaziguam. Com meu pai ficou tudo bem, e ele até foi ao teatro me ver dançar o balé Carmen, de Bizet, tempos depois. E, se coubesse um aforismo, diria que a arte é longa e a vida breve.”


Minha tradição, do meu pai e do meu filho

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“Nas horas de Deus amém Ai Pai e Filho e Espírito Santo Ai são das primeiras cantigas que nessa vitória eu canto.” De azul, branco e vermelho eles se perfilam. De azul e vermelho irão combater. Nos pés a agilidade, no ar o som dos instrumentos que se encontram na batalha, espadas que se cruzam, música afiada. Na dança revivem uma velha batalha da antiga mãe África. De um lado, a Rainha Ginga, rainha de Angola, e sua resistência a Portugal, colonial e escravagista. Do outro, o rei do Congo, nação que abraçou os invasores e a fé católica. E, enquanto guerreiam, revivem a história. O menino dança. De um lado está seu avô, do outro está seu pai. Adiante, o tio. Alguns primos. A tia também. A família guarda a irmandade como o tesouro que é, tesouro que se renova nos pés que se cruzam dos mais novos dançantes, que se amplia, no trabalho amoroso dos mais velhos. É uma honra de gerações, um sacrário que se leva na vida.


E ele, o menino, sabe que o círculo no qual gira é o círculo da vida. E que chegará o dia em que o pai substituirá o avô e ainda o dia em que ele substituirá o pai.

“Olha é fogo é fogo na ribeira Olha é fogo é fogo Olha é fogo é fogo na ribeira Olha é fogo é fogo.” Não terá sido outro dia que o avô quase centenário reuniu a família e disse: “Essa é nossa cultura, nossa herança, vocês têm que levá-la adiante. Não podem deixá-la morrer”. O menino entende essas coisas com o coração. Esse é seu melhor saber. E na batalha, pelas armas de Ginga e sob as graças de Nossa Senhora do Rosário, a batalha de hoje está vencida.

“E adeus, adeus! E adeus, adeus! Adeus, linda plateia! Adeus, linda plateia!”


MESTRE PEDRO CORREIA Conguinhos de Calçolas: de geração para geração Natal, Rio Grande do Norte


A tradição do Conguinhos de Calçolas, da Vila de Ponta Negra, em Natal, é uma herança familiar. Como é costume dizer nesses casos, uma tradição que passa de pai para filho. Tudo começou com os avós de Mestre Pedro Correia, que antigamente já agregavam a comunidade em torno do congo, dançando com crianças e se apresentando no próprio entorno. Esse sentido familiar e comunitário é o que alimenta a permanência de tão importante manifestação não apenas na paisagem social, mas, sobretudo, na paisagem afetiva. Mestre Pedro é direto:

“Essa nossa tradição veio da África e fala do sofrimento do nosso povo negro. Não podemos esquecer essa história e nossa obrigação é transmiti-la aos mais novos, para que eles saibam de onde é que eles vêm”. Congos e congadas são folguedos da cultura brasileira mestiços por excelência: de forte raiz africana, agregam em si elementos também ibéricos, mesclando a história do Congo e


de Angola com o cotidiano sofrido das pessoas que vieram escravizadas para o Brasil e ainda elementos do santoral católico. No Conguinhos de Calçolas, a família Correia é a depositária dessa tradição, e Pedro Correia, seu mestre, que substituiu o irmão, falecido em 2009, prepara já aquele que irá sucedê-lo algum dia, seu sobrinho. “Eu, pequenininho, já via o meu avô dançar o congo. E ali já fui aprendendo. Meu avô foi o primeiro mestre desse congo. Depois foi meu pai, meu irmão e agora eu que sou o mestre. E fomos nós, a nossa família, que colocamos o nome de Conguinhos de Calçolas, para diferenciar dos outros, pela indumentária.”

Na comunidade de Ponta Negra, de dupla vocação, agrária e pesqueira, o congo do Mestre Pedro é responsável por um trabalho junto a crianças e jovens no sentido de propagar os valores dessa tradição. Com o apoio da professora Silvana Santos, o Conguinhos de Calçolas, ao longo dos anos, já transmitiu a cerca de 300 crianças os ensinamentos relativos ao folguedo. “A alma do artista se alegra de saber que contribui em levar adiante essa nossa cultura, que é tão importante. Para essas crianças, que muitas vezes estão numa situação sem privilégios, saber da história do nosso povo pode ser um passo para um futuro diferente, longe dos riscos.”


Sou educadora. Isso eu sei que n達o muda

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No ônibus, a moça de chapéu-panamá se concentra na leitura. A vizinha está agitada, bate os dedos contra o encosto da poltrona da frente. Tem seus 16 anos e acabou de prestar vestibular em outra cidade. A moça do chapéu-panamá não sabe disso e tenta se aprofundar mais ainda no livro. A garota, amedrontada, talvez mais com o futuro do que com o resultado de um teste que, ela acredita, definirá toda a sua vida, não para quieta no assento.

“Posso ajudar? Você está se sentindo bem?” A voz da moça do chapéu-panamá não revela incômodo, e certamente por isso a garota se sinta à vontade para contar do seu, o drama comum de meninas e meninos que terminando o ensino médio se veem frente a frente com a necessidade de responder à pergunta que antes era brincadeira: “O que você vai ser quando crescer?”. Não, agora não serve mais astrounauta em Marte nem pirata no mar caribenho nem consertador de brinquedos. Não há nenhuma questão de múltipla escolha que atenda a essas respostas. Nenhuma das alternativas. A moça do chapéu-panamá agora tem nome, Ana Paula. A garota também, Luciana. Ônibus, aviões e outros não lugares, por estarem cheios de gente, gente que quer chegar, que tem medo, que cochila, que pensa na paisagem de um modo único e particular, podem aproximar pessoas por simpatia, por solidariedade, por tédio, por medo, por toda essa gama vasta de sentimentos que, além de carne, ossos, sangue e músculos, mantêm as pessoas de pé, sendo o que elas são. E Ana Paula tem algo a contar. E começa cantando o pedacinho de uma canção do Chico.

“Não se afobe não, que nada é pra já.” “Eu nasci em Blumenau, mas com 1 ano de idade meus pais se mudaram para Porto Alegre, onde passei minha infância e adolescência. Tive uma infância urbana demais, criada em apartamento, vendo TV, com referências muito mais familiares que externas. Aos 9 anos, já dava meus primeiros sopros ao clarinete (meu primeiro instrumento) e reconhecia a música como parte inseparável de mim, porém não era uma parte central, você entende? Eu gostava daquilo, mas não mergulhava, e enquanto isso perdia muito tempo pensando a vida como uma solução egoísta e individual. O primeiro impacto que tive mostrou que o futuro não poderia ser tão simples e reduzido. Estudei muito, muito, passei no vestibular e comecei uma faculdade de arquitetura


aos 18 anos, crente que a partir dali o resto da minha vida estava traçado, do mesmo jeito que você, Luciana. Depois de um semestre muito mal estudado, caí fora. Aí achei que precisava provar alguma coisa pra mim, não sei exatamente o quê. Mas resolvi estudar para o vestibular de medicina, buscando alguma nobreza no meu futuro que nunca existiu, e hoje só me faz dar risada. Acho que era a ideia de “ajudar os outros” (o falso altruísmo clínico) e viver bem financeiramente. Credo. Estudei seis semestres em Florianópolis. Não sei nada de medicina, mas o que eu aprendi nesse período eu não troco por nada. Pra começar, já fui fazer o vestibular com a notícia de que meu pai estava acometido de um câncer fatal. Fumante, 52 anos, o pulmão até aguentou o tranco, mas as metástases no cérebro o condenaram à perda de suas funções, gradativamente. Então, passei meu primeiro ano de faculdade vendo o meu pai deixar de falar, deixar de andar, deixar de me reconhecer, deixar de viver. Um balde de piche naquela visão glamourosa do meu futuro – em todos os sentidos. Meu pai fez sua passagem em setembro de 2011, nove meses depois de seu diagnóstico. A vida pode ser bem curta, Luciana. Com o tempo, eu percebi que eu gostava muito mais de fazer música e tocar em bandas do que de estar lá, na faculdade. Passava dias fazendo arranjos musicais, mas não chegava perto dos livros do curso. Aliás, mal frequentava o curso. Era muito mais fácil me encontrar na história, na filosofia, do que na medicina. Até porque o abismo social que me diferenciava claramente dos meus colegas de curso era a gota-d’água desse desestímulo. Empurrei com a barriga até o sexto semestre, aí tomei coragem e larguei. Não se desperdiça o que já foi desperdiçado. Fui pra faculdade de música. Ali eu me encontrei de fato. O curso para mim foi um absoluto prazer, eu amei cada disciplina, ainda que nem todos os professores fossem bons. Não importava, de estudar eu sempre gostei. No segundo ano de curso, já estava trabalhando na rádio. De lá, depois de um longo percurso, me encontrei como educadora. Hoje dou aulas na Apae. Está vendo? Às vezes a gente faz um trajeto longo para descobrir que o que queremos está ali, desde o início.” O ônibus para. As viagens podem ser longas ou curtas. A moça do chapéu-panamá lembra-se então de um samba de coco que dizia que uma viagem de dois faz encurtar o caminho. Luciana desce, talvez não esteja mais leve, mas na colcha de retalhos das suas dúvidas a história de Ana Paula alinhava novas possibilidades.

“Ana, você vai para onde?” “Amanhã tem o lançamento do CD Máscaras, Versos e Risadas, dos meus alunos da Apae. Se puder, apareça, Luciana.”


ANA RUSSI Mรกscaras, Versos e Risadas Apae Gaspar Gaspar, Santa Catarina


E se a gente fizesse uma música? A pergunta é da educadora Ana Paula Evaristo Russi. E ela, a pergunta, já é suficiente para animar a sala. A aula é de musicalização. E o desafio é provar que é possível: é possível cantar, é possível descobrir que em cada pessoa há uma música que a orienta, que a determina. Ana Russi explica: “A fase de composição e arranjo das músicas é a mais divertida, pois faz parte de um processo subjetivo e dialético. A gente se diverte muito com as coisas que falamos, ao mesmo tempo que se delicia com a descoberta da própria capacidade de se expressar com tanta beleza. Há dias em que não sai nem um verso, mas se constroem milhares de outras coisas, através de conversas muito bacanas. Não existe rotina... as aulas começam com essa pergunta ‘E se a gente fizesse uma música?’...”

Nem todos participam. Aqui a palavra regente é liberdade. Uns preferem acompanhar o que os colegas estão fazendo. Como se trata de música, cada um segue conforme o seu ritmo. Todo o projeto se mantém na certeza de que as limitações dão passagem às possibilidades. Ana Paula explica que, em função das especificidades de cada um, há momentos em que é preciso atender mais de perto a essas particularidades. Mas de modo geral todos participam, menos Aparício, que neste momento está cochilando. E essa é a deixa para a canção que, pedacinho por pedacinho, vai sendo composta por todos.


As músicas são parte de um CD, e os alunos ficaram ansiosos para o início das gravações: “O CD é um registro vivo do que é deles. Eu me arrepio cada vez que os escuto, porque, para quem os conhece, a sensibilidade, a generosidade deles é muito evidente, muito explícita. Para quem não é familiarizado com o dia a dia da instituição, é difícil descrever o quanto deles existe nas canções que compomos. Todas as falas, os sons, os versos, o jeito de tocar são produto de sensibilidades que ninguém ensinou, porque já está introjetada neles, a partir de uma visão muito particular que eles têm do mundo, da vida, do jeito que as pessoas os enxergam. Não sou mais que mera coadjuvante do que se constrói aqui. É deles, é o que eles são”.

Ana volta à aula. Daí a pouco a canção está pronta:

“Acorda, Aparício não é hora de cochilar assim é difícil você precisa nos acompanhar Acorda, Aparício que a aula já vai começar...” E Aparício acorda e ri, orgulhoso do próprio cochilo e da canção que leva seu nome.


A mĂşsica secreta

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Foi um acontecimento quando a irmã ganhou um violão. O instrumento sinuoso chegou na casa como um evento, uma aparição, dias e dias se passaram e não se falava sobre outra coisa. Como era bonito! Como seriam belas as canções que sairiam dele! Ah, com certeza ela aprenderia logo! Ninguém que se conhecia teria tão lindo instrumento. O violão era uma comoção para todos, mas em especial para ele, e ele mal o pudera ter nas mãos por alguns minutos. A irmã, ciosa da integridade do precioso objeto, o trancava dentro do armário a sete chaves e igual número de cadeados de cuidados e ciúmes. Mas ele precisava do violão e não custou a arquitetar um plano, um pequeno delito diante de uma vontade irresistível. A irmã sempre passava as tardes fora, ocupada. O quarto de porta trancada era proibido aos mais novos, e ninguém ousava quebrar as regras. Ele se esquivava pela casa, se esgueirava, esperava o melhor momento e suave como um gato entrava no cômodo. Na


primeira vez que fez isso procurou em vão pela chave do armário. Por fim, ardiloso como todo garoto, arranjou um jeito de abrir e fechar o móvel. E o violão, mudo e reluzente, passava a ser seu por alguns minutos e, assim, ganhava uma voz. Tocava baixinho, sussurrava a canção, com receio de ser escutado. E assim passaram-se semanas. Uma revistinha de cifras debaixo da camisa, um grampo de cabelo dentro de um bolso e a felicidade ímpar da sua música secreta. Nos dias em que ela, a irmã, tinha aula de música, ficava amuado, contando as horas para o dia seguinte. Com o tempo, conquistando o instrumento, foi utilizando-o naturalmente em casa, sem necessidade de esconder-se. E tocou para os pais e a irmã algo que tinha aprendido sozinho em suas tardes. O pai ponderou que o menino tinha talento, e nem a mãe nem a irmã deixaram de se comover com a melodia e com a perseverança. Foi repreendido, mas conquistou o direito de usar o violão. Com o tempo, a irmã percebeu que sua praia era outra e aos poucos foi deixando de lado as aulas e o violão, e ele por direito de afeto conquistou o que foi seu ao primeiro olhar. Tocou nas festinhas da rua, fez serenatas, se animou nas rodas de violão. Veio o tempo dos festivais de música popular e foi premiado. Outros mestres vieram, também o encontro espiritual com Jesus Cristo, uma fé que lhe guiou os passos, e um dia descobriu que, assim como da música, gostava também de ensinar. Movendo-se entre a música, a educação e sua escolha de vida, trilhou novos caminhos para si e para os outros. O violão ainda está lá, intacto na memória, um objeto sólido e brilhante, um farol, um emblema.


RICARDO AMORIM Projeto Batucadeiros Instituto Batucar Recanto das Emas, Distrito Federal


“Iniciamos o dia com a preparação do espaço, do equipamento e dos instrumentos necessários ao desenvolvimento das atividades. Às 8 horas realizamos a acolhida das crianças e dos adolescentes, um momento em que todos juntos, no centro da tenda, em círculo, temos um tempo de oração e os grupos são divididos. Realizamos rodízios, em que os aprendizes passam por atividades de percussão corporal e utilizam violão e instrumentos de orquestra (viola, violino, cello, contrabaixo e flauta). Em dias específicos, celebramos com o grupo, ocasião na qual todos tocam, cantam, batucam e dançam as músicas aprendidas. Nesse processo, realizamos muitos jogos, brincadeiras, apreciações estéticas e, principalmente, batucamos muito.” Quem conta é Ricardo Amorim, um dos criadores do Instituto Batucar, em Recanto das Emas, localidade próxima ao Distrito Federal. Ligado à Igreja Presbiteriana, o Batucar surgiu em 2001, pri-

meiro como o Projeto Batucadeiros, com o objetivo de oferecer aos jovens da comunidade uma oportunidade de aprendizagem e fruição artística, às quais de outro modo não teriam acesso. Em 2006, estruturou-se como entidade. Nessa época, um encontro semanal de três horas, aos sábados, procurava diagnosticar dificuldades nos processos de educação formal, além de proporcionar oficinas e lazer. O analfabetismo funcional era um desafio a ser ultrapassado. Com o tempo os dias de atendimento foram ampliados e, além dos jovens, as crianças passaram a ser também público-alvo. De um lado, buscavam-se alternativas de inclusão dos mais velhos no mercado de trabalho; do outro, garantir aos mais novos um olhar especializado às dificuldades de cada um no âmbito escolar.


“Diante desse quadro, vislumbramos uma solução que pudesse suprir ambas as necessidades – o acompanhamento escolar das crianças e a inclusão de nossos jovens no mercado de trabalho e no ensino superior. Para isso, precisávamos de recursos financeiros e começamos a percorrer o caminho da elaboração de projetos para a captação de recursos. Dessa necessidade surgiram novas oportunidades que resultaram em parcerias muito produtivas. Passamos de um atendimento inicial de três horas para 40 horas semanais. Começamos com uma atividade e, hoje, desenvolvemos múltiplas atividades de arte-educação, além da formação de facilitadores em percussão corporal.” O nome Batucar vem do foco dado aos trabalhos com percussão corporal: o corpo como sua própria música e seu próprio instrumento. Inspi-

rado em grupos como o Barbatuques, criado em 1996 pelo músico paulista Fernando Barba, o Instituto Batucar busca incluir crianças e jovens em um ambiente artístico e musical sem que necessariamente exista a exigência de instrumentos e tecnologias caras e, na maioria das vezes, inacessíveis. “Ao desenvolver uma tecnologia de inclusão sociocultural que promove o acesso à música a partir da utilização do corpo humano como instrumento musical, o Batucar gera uma perspectiva que é a ausência de meios, oferecendo uma solução para resolver a dificuldade de adquirir instrumentos musicais, e assim criamos uma solução de aprendizagem musical, com amplo poder de alcance.” Com uma visão mais ampla e 12 anos de experiência, o Batucar se prepara para abrir novos núcleos tanto no Distrito Federal quanto em vários estados brasileiros. Cabo Verde, na África, também se prepara para receber o projeto; nesse país já vêm sendo realizados treinamentos e capacitações em parceria com entidades sociais e culturais.


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Quando a Terra era uma bola de fogo


“ Você está ouvindo, mamãe? Que festa é essa?” “São os atabaques do morro, meu querido. Tente dormir.” “E por que a gente não vai lá? Eu queria tanto ir à festa.” O menino, de seus 12 anos, lembra-se rapidamente de si mesmo, ainda pequenino, perguntando ora à mãe, ora ao pai, o porquê de não subir ao morro e dançar a música dos atabaques. A grande casa da família, aos pés do Morro do Estado, na cidade de Niterói, em algumas noites se enchia do som que vinha da vizinhança. Mas o pai, um judeu egípcio, imigrante da Grande Guerra que devastou a Europa na segunda metade do século XX, não se propunha a ir ter mais de perto com a gente do morro. A mãe, nascida no Sul do Brasil, sentia a curiosidade pulsar; no entanto, desencorajada pelo marido, não evitava um certo medo. Uma pena, porque, se era já de nascimento filho de uma encruzilhada, por que não se lambuzar, se entrecruzar nela? Não que pensasse isso, era bem pequeno. Mas sentia, que sentir é a filosofia da pele. Seus pais se horrorizavam não com a música nem com as culturas, mas com o hábito pouco higiênico dos pombos sem asas, fezes embrulhadas em papel, que eram atiradas colina abaixo nos telhados. Ele, acompanhado de Netinho, o filho de tia Auzelina, a lavadeira, agora entendia o porquê. Era como o menino Sidarta saindo do palácio. Esgotos e valas a céu


aberto, o morro não sabia das delicadezas da vida assistida pelo poder público. Nada dessas louças cheirando a limão e alfazema, nada de canos trazendo água, nem banheiro havia. O menino se espantava que voassem nas cabeças da cidade apenas aqueles mal embrulhados pombos. Conhecera Netinho num confronto, desses típicos de menino. Brincava na mata quando deparou com ele, estilingue em riste, defendendo o território. Ele também gostava de lutas, desde os 3 anos no judô para saciar a vontade de jogar com o corpo. O conflito fora intenso, mas sem consequências que não a amizade e o passaporte para ser livre.

“Pai, tô indo lá fora brincar com Netinho.” E, se até hoje fora verdade, a maior era que agora o lá fora se ampliava, dilatava. O morro e seus atabaques. O morro e sua voz, sua ginga, seu rebolado. O morro e sua dança, seus cheiros, seus sabores. O morro e suas rodas, de samba, de capoeira, de conversas. O menino domesticado, braços abertos, sorri.

“Parece que sempre fui daqui. Desde que a Terra era uma bola de fogo.” É o que pensa e sente. E pensando e sentindo sabe que pode até sair do morro e sairá, 6 da tarde, antes que escureça, mas sabe mais que o morro não sairá dele. Nunca.


DAVID NASCIMENTO BASSOUS Din.Down.Down – Capoeira Especial Gingas – Casa da Cultura Afro-Brasileira Niterói, Rio de Janeiro


Rodrigo está na roda, seu corpo se amplia num voo. Quem poderia imaginar quanto espaço aquele corpo possui? Ou, melhor dizendo, aqueles corpos. A capoeira, dança, luta, brincadeira, jogo, musicalidade, é o lugar de todos os encontros. E quem irá dizer a Rodrigo ou a José ou a Tainá ou a qualquer daqueles jovens e daquelas crianças que existem limites para a ginga? David Nascimento Bassous, o Mestre Bujão, observa os garotos e as garotas. Mestre não, ele corrige: “Mestre não é uma condição de graduação, é uma questão de sabedoria de vida. Mas pode me chamar de zelador. Foi assim que aprendi com o Mestre Russo, na roda livre de Caxias, ele sim um mestre”, é o que diz. “Esta era a casa da minha família, de onde, quando eu era pequeno, ouvia os sons que vinham do morro. Hoje é a sede do Gingas. O Gingas surgiu de uma proposta de inserção da capoeira na vida. Não a capoeira domesticada em graduações que chegam a ser perversas, mas aquela da vadiação do corpo, do desfrute do ócio, do fluir. O corpo, o suporte corpo, recebe toda a carga da história e hoje em dia, em que tudo é um produto, em que a gente é, consome e quer ser produto, há que se fazer escolhas, e a minha é a escolha da resistência.” A luz do fim da tarde de Niterói incide sobre todos. Os corpos que dançam ou lutam ou jogam estão revestidos dessa luz; talvez fosse possível chamar essa aura de afeto e afirmar cada uma dessas pessoas como brinquedos de si mesmas, brinquedos da cultura que circula em suas veias, ideias, sentimentos. “Nos tornamos Ponto de Cultura e em 2010 estabelecemos parceria com a Apae Niterói por meio do projeto Din.Down.Down – Capoeira Especial, no qual propomos a capoeira como uma poética de transformação para pes-


soas com deficiência, principalmente os portadores de Síndrome de Down. Esse projeto já ganhou vários prêmios, mas também já enfrentou discriminação, intolerância e racismo. Nesse trabalho desenvolvemos a filosofia do afeto e acreditamos que lidamos não com pessoas com deficiência, pelo contrário, lidamos com pessoas com um grau de eficiência afetiva altamente desenvolvido. No Gingas trabalhamos com oficinas, capacitações, cursos e outras práticas que agreguem e comuniquem a cultura de origem afro-brasileira e a pedagogia griô. O griô, na África, é o contador de histórias. E aqui, dentro do programa Ação Griô, do Ministério da Cultura, contamos com um mestre griô, que sou eu, e um aprendiz.” Na roda só entra quem quer. Quem tem aptidão para a música e a prefere fica com a música. Quem opta pelo jogo entra no jogo. David explica que

o método da vadiação, do desfrute do momento, não é completo sem a papoeiragem, o velho e bom bate-papo, o olho no olho que permite que os laços e os elos se estreitem. “Temos, se não me engano, quase 200 conceitos diferentes para cultura. Para mim cultura é cultivo, é louvar uma ancestralidade radical, e não a ancestralidade falaciosa, que muitas vezes é colocada como verdade. Na ancestralidade radical tudo se conecta, desde a Terra, essa bola flutuante, até a diversidade dos seres, os que foram, os que estão, os que virão. É nisso que acredito.” A roda desfeita, a luz do sol que se ameniza, e Rodrigo se aproxima de David e diz, palavras entre seu sorriso único: “A minha capoeira é a expressão do meu espírito. Porque, se não tiver espírito, não tem capoeira”.


Senhoras e senhores, meninas e meninos!

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O pequeno ajuntamento de pessoas vai crescendo. O burburinho da cidade em volta, carros que passam, o amolador de facas com seu pregão, o alto-falante da loja e seus preços inimagináveis. Ainda há pouco eram no máximo dez pessoas, agora já devem ser 20, 25. Seu Roberto da padaria passou a semana distribuindo panfletos. Uma ação cultural patrocinada pela panificadora! Coisa importante! Muitos adultos nessa plateia ao ar livre, mas crianças também, como não? Já é hora da saída da escola. Isso vai lotar. A caixa cênica montada na porta denuncia o que todos esperam: o espetáculo, os bonecos que ganharão vida, e ganham! Minuto após minuto viram gente, têm consciência, fazem rir, empolgam. A padaria nem nos seus melhores dias atraiu tanta gente, é o que pensa seu Roberto, encarnando ele mesmo vários personagens ao mesmo tempo, ao lado da mulher, Cida. Diverte-se pensando no espanto dos clientes quando descobrirem que não é outro senão ele mesmo a fazer as diabruras. Mal sabem seu Manuel, o fiteiro, ou as mães de família que se espremem umas contra as outras que isso de ser arteiro começou numa vontade de outro dia, no aniversário da filha: uns bonequinhos de luva, uma história bem contada e a vontade de fazer mais. A mulher bem que brigou: “Ô, Roberto! Que história é essa de bonequeiro? A padaria tá quebrando, homem, e tu querendo arte?!”.


Mas qual, sustenta-se o que tem de sustentar-se, quebra-se o que tem raiz fraca, e aqui estão ele e ela, bonecos nas mãos, histórias na cabeça, e o povo, do outro lado, rindo, brincando, interagindo. Isso é que é bom, sô! Se a briga foi grande, a vontade de fazer não foi menor e contagiou. Na oficina de bonecos quis tudo, até ultrapassou os limites do curso com Flávio, o boneco de ferro, marionete pesado pra danar, um Pinóquio para o Gepeto que se sentia, noite após noite, malhando o ferro, soldando, inventando, dando corpo para dar vida. Agora prestes a terminar o espetáculo, sim, meninas e meninos, senhoras e senhores, está na hora de acabar, sabe que não poderá mais viver sem isso, sem o palco, sem o boneco, sem o aplauso. A mão da mulher apertada contra a sua define uma estrada, uma tradição agora inventada para a família. E assim é que será. Muito obrigado, muito obrigado!


ROBERTO SILVA Projeto Boneco Especial – Família Silva Teatro de Bonecos Belo Horizonte, Minas Gerais


Há 15 anos Roberto Silva iniciou-se como bonequeiro, primeiro participando de oficinas de formação e depois apresentando-se na porta da padaria City Pão, em Belo Horizonte, regional Barreiro. A padaria era seu sustento e o de sua família até então, mas acabou servindo de primeiro palco, e o carro que usava para fazer entregas acabou por servir às itinerâncias do grupo que formou com sua mulher, Aparecida, e com seus filhos. Sem uma tradição familiar anterior, a Família Silva Teatro de Bonecos inaugurou-se na arte de dar vida aos bonecos. Em parceria com a creche Bom Pastor, instituição que atende cerca de 50 pessoas com deficiência, no município de Ibirité, interior mineiro, surgiu o projeto Boneco Especial.

“Ao começarmos a trabalhar com a creche Bom Pastor, fomos experimentando. Precisávamos entender melhor o universo daquelas crianças e daqueles jovens. Precisávamos aprender e descobrir qual era a técnica de manipulação que melhor se adequava a cada um. E as crianças foram respondendo com bastante interesse e entusiasmo.” Ampliando os horizontes, o grupo transformou a antiga padaria na sede da Associação de Teatro de Bonecos Origens, com teatro, salas para oficinas e adaptado para pessoas com necessidades especiais, transformando-se em centro de referência na capital mineira tanto sob o aspecto do teatro de bonecos como na questão da inclusão e trabalhando com várias instituições, como


a Apae. Um aspecto a ser salientado é o trabalho desenvolvido com instituições de educação públicas, para as quais o grupo desenvolve métodos e materiais para atender alunos com dificuldades de aprendizagem. “Ao iniciar crianças e jovens na arte da manipulação de bonecos, estamos oferecendo a eles alternativas, um futuro que não se resuma ao subemprego. Para ter uma ideia, o primeiro bonequeiro cadeirante do Brasil foi formado por nós. E tivemos vários cuidados nessa formação, como a criação

de uma caixa cênica especial, adaptada a suas necessidades. Temos portadores da Síndrome de Down também atuando como bonequeiros. Outro aspecto é que o trabalho não é feito isoladamente, trabalhamos com pessoas com e sem necessidades especiais simultaneamente. Se não for feito assim, não é inclusivo.” Sentindo necessidade de um aprofundamento maior nas questões de educação, Roberto e sua mulher fizeram vestibular para pedagogia em busca de fundamentos e argumentos que melhor amparassem o trabalho do grupo teatral. “Nosso trabalho é uma experiência única no Brasil, e sabemos quanto é importante para que novas oportunidades surjam. Gosto de repetir que não se trata apenas de incluir. É um exercício de direitos.”


Meu av么 tocava sanfona, eu toco violino

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“Você já viu um violino desmontado? E 15? Cavaletes fora do lugar, cordas frouxas, podemos começar montando os instrumentos. Foi assim que eu fiz com o meu.” O rapaz tivera um susto quando, meses depois de conversar com dona Valdete e ficar acertado que ele daria aulas de violino para os meninos da associação, ela chegara animadíssima com a novidade: 15 instrumentos novinhos esperando pelas aulas. Como ele, tão novo, tão inexperiente, 17 anos só, poderia dar aulas e ainda mais de tão fino instrumento? Não acreditara mesmo que a proposta vingaria. E ali estavam, os 15! E ele sabia que, de dentro das caixas, eles eram animais ansiosos, suas ossaturas se exigindo, prontas para a música. O que diria agora neste exato instante a dona Valdete? Pior, o que diria aos alunos? A tarde fora quente, um vento abafado mal circulava na cidade e ele nem poderia imaginar por que fora chamado até a associação. Claro, lembrava-se da conversa de meses atrás. Mas nada poderia antecipar o susto dos violinos mudos à sua espera. A primeira vontade foi se desculpar.

“Olhe, dona Valdete, desculpe o seu esforço, mas não posso. Não sei onde eu estava com a cabeça. Não posso, não sei ensinar.” Mas não disse isso. A cabeça girando de pensamentos desencontrados. Não poderia simplesmente desistir sem nem ter tentado. Não era justo com a mulher nem com os alunos e menos ainda consigo mesmo. Era novo demais para desacreditar de si, afinal não conseguiu aprender? Respirou. Passou as mãos sobre as caixas. Respirou mais compassadamente. Reformulou o pensamento e o encheu de palavras.


“Olhe, dona Valdete, a senhora sabe como aprendi a tocar violino? Foi sozinho. Ou quase só. Um dia eu estava num casamento e um rapaz de Salvador começou a tocar violino. Isso foi num sábado. Na segunda-feira viajei pra Feira de Santana e voltei com um embaixo do braço. Preciso ser sincero com a senhora, eu aprendi, a internet me ajudou em algumas coisas, mas eu não sei como aprendi. Como é que vou ensinar? Eu quero, entende? Mas como é que vou dar aulas?” Enquanto a mulher falava esperançosa, apontando tantas novas possibilidades, na cabeça passava um cinema de memórias não tão distantes, o avô tocando sanfona, a mãe tocando zabumba, ele e o irmão crianças ainda batendo latas no quintal de casa, ele e o irmão mais crescidos indo tocar na igreja, a pequena empresa de eventos, música para casamento, era o que vendiam. Depois de um tempo, a mulher silenciou. Ele tomou uma das caixas, abriu e examinou o quebra-cabeças. Dona Valdete acompanhava cada movimento apreensiva. O irmão que morava fora do país fizera um almoço beneficente e com isso conseguira os instrumentos. Tinha que dar certo. Havia de dar.

“A senhora pode acreditar que sou doido, mas quando é que eu posso começar? Vou começar ensinando as crianças a montar o violino. Daí por diante a gente aprende juntos. Pode ser?”


JOSEVALDO DE ALMEIDA SILVA Projeto Santo Antônio de Música, Associação de Moradores do Alto da Colina Conceição do Coité, Bahia


Conceição do Coité, município do semiárido baiano, é conhecido pelo cultivo do sisal, planta originária do México muito utilizada na fabricação de cordas, tapetes e outros produtos de cordoaria. O município é um dos maiores produtores mundiais dessa matéria-prima. Mas quem anda pelo Alto da Colina, região menos favorecida da cidade, pode ser surpreendido pelo som de uma orquestra com seus baixos, contrabaixos, violinos, flautas transversas. Ainda mais um pandeiro quebrando a sisudez da sonoridade clássica ocidental. Trata-se da Orquestra Santo Antônio, projeto da Associação de Moradores do Alto da Colina, trabalho que é regido pelo maestro Josevaldo, um jovem autodidata que aprendeu a tocar violino sozinho, procurando na internet e nas leituras a construção de seu próprio aprendizado. “Eu sempre fui apaixonado pela música. Quando surgiu o convite para trabalhar ensinando crianças e adolescentes, aceitei de ime-

diato, embora não tivesse a preparação adequada. A Associação de Moradores do Alto da Colina desenvolvia oficinas de artesanato, quando a coordenadora, Maria Valdete Santos, apaixonada por música clássica, teve a ideia de criar um projeto de música para as crianças da região. Depois de amadurecer a ideia, seu irmão, padre Antônio, pároco de uma igreja em Nova Jersey, nos Estados Unidos, organizou uma feijoada beneficente para comprar violinos. E o projeto começou assim. Eu, que já tocava em casamentos e festas, entrei como voluntário.”


Atualmente atendendo mais de cem crianças e jovens e com sede própria, a associação mantém parcerias com empresas e participa de editais em busca de patrocínio, além de contar com a feijoada anual em Nova Jersey. A orquestra é composta de 40 músicos, e os mais velhos recebem para atuar como monitores dos mais jovens. Com apresentações em vários estados do Brasil, a Orquestra Santo Antônio tem como único professor Josevaldo, que, com a experiência, passou a investir em uma carreira de educador. “Investi também na minha própria formação profissional. Fiz vários cursos e sou maestro e coordenador musical da orquestra. Hoje curso faculdade de música na Universidade Estadual de Feira de Santana. Com uma demanda relativamente alta, é necessária a participação de outros agentes formadores; assim, temos seis monitores de oficinas para iniciação musical, que são fruto do trabalho desenvolvido no projeto ao longo destes anos de existência.”

O projeto expande-se também em outras direções. Em 2013, recebeu luthiers de Salvador a fim de trabalhar nos instrumentos da orquestra, um importante intercâmbio. Além disso, a construção do teatro e da escola pertencentes à associação aponta perspectivas significativas.

“Pertencer à comunidade, pertencer ao projeto, tem um valor afetivo, social e emocional enorme. Estamos todos mudando vidas. Oferecendo escolhas.”


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Eu s贸 queria estar em outro lugar


O que você faz? Eu estudo. Tô concluindo o ensino médio. Dezesseis? É, 16. Eu também. E de onde você vem? De Itapipoca. Conhece? Não conheço, não. Mas já ouvi falar. Sente falta de lá, da família? Só da família, sabe? E da minha mãe. Eu não queria estar lá. Lá em Itapipoca?! É. Não queria, não. Na verdade nem mesmo quero ser eu. Quero ser outra pessoa. Diferente de mim. Outro de mim, sabe como é? Não, cara, não sei, não. É assim. Eu estava em Itapipoca e só queria estar em outro lugar. Eu estou em mim, mas queria ser outro. Sei lá, outra pessoa. Tipo o quê? Tipo um médico ou um eu que não seja eu. Complicado, né? É mesmo. E você, mora aqui, no Poço da Draga?


Moro. E você? Eu também. E você tá estudando? Tô e faço atividade no Alpendre. Conhece o Alpendre? Não. Não conheço, não. O que tem lá? A gente trabalha com vídeo e tem aula de arte, essas coisas de cultura, sabe? Ah é? É bacana lá. Eu gosto. Se você quiser, a gente combina e eu te levo lá. Eu quero ir. De repente você descobre que é bom ser você, hein? Ou não. Quem sabe, né? É. Quer ir na segunda? Quero sim, a gente se encontra onde? Pode ser aqui, às 8, que tal? Beleza! Como é teu nome? Lúcio. E o teu? Prazer, eu sou Kiko.


KIKO ALVES NoAr – A invenção do lugar NoAr Alpendre – Casa de Cultura e Cidadania Fortaleza, Ceará


Artistas e pesquisadores em torno de um mesmo objetivo: difundir cultura e arte entre jovens e adolescentes com oportunidades e acesso limitados aos bens culturais. Esse acesso restrito por condições de vida muitas vezes precárias para os jovens do Poço da Draga e do Serviluz, subúrbios da cidade de Fortaleza, pode ser traduzido também na exposição precoce à violência em todas as suas faces. Pensando nisso, os artistas e pesquisadores do começo desta história se congregaram na criação de um espaço multidisciplinar, o Alpendre, um coletivo que pudesse não apenas integrar esses jovens, mas, principalmente, oferecer a eles um tanto da fatia que lhes cabe por direito de acesso à cultura, à arte e à cidadania.

“Toda a minha vivência adulta e profissional se deu no Alpendre. Não consigo me lembrar de nada que não esteja ligado a essa experiência. Cheguei a Fortaleza adolescente. Vinha de Itapipoca, no interior, e tinha uma relação complexa com a cidade. Ao saber da minha vontade de mudar, minha mãe, dona Maria, que sempre me aceitou como sou e é uma mulher libertária por excelência, me incentivou. Vim fazer o ensino médio, conheci o trabalho do Alpendre e me inscrevi para os seus cursos. O tempo foi passando, fomos investindo na minha formação e logo passei a responder por projetos, acreditando na filosofia do Alpendre de não nivelar por baixo e com uma preocupação de estar sempre presente na comunidade, não como um visitante, mas como alguém que é parte dela, amigo da comunidade.” Na abordagem do Alpendre o afeto entre sujeitos interessa mais que a causa social. Não se trata, desse modo, de um projeto assistencial, mas de um lugar de diálogo e experimentações no qual se pensam estratégias de inserção a partir da difusão de cultura, arte, relações, tecnologias. Construir outros territórios parece ser a ideia-chave.


“No Alpendre fiquei responsável pelo primeiro NoAr, produzido primeiramente como programa de TV e exibido em canal aberto para todo o estado do Ceará. Mais tarde ele se transformou num projeto, o NoAr Alpendre, um programa dentro do programa, um laboratório de experimentações audiovisuais que resultou em documentários e minidocumentários, alguns exibidos em rede nacional, além de um programa de TV. No entanto, se antes tínhamos importantes parcerias e patrocínios, por problemas de gestão acabamos ficando, a partir de 2003, sem ter como manter muitas das ações e dos projetos do Alpendre, o NoAr inclusive. Mesmo sem dinheiro, todos acabaram por se responsabilizar individualmente pelos projetos, se apropriando deles, tomando-os como seus. Me orgulho de dizer que ficamos por um ano e meio sem evasões e sem faltas. Nessa época, produzimos um minidocumentário sobre a exploração sexual de crianças e adolescentes e uma série baseada em memórias afetivas de personagens anônimos: uma mulher que fugiu da Alemanha na Segunda Guerra, dona Alzira, que mora em cima da ponte, seu Heráclito, que criou uma locadora com livros resgatados de um lixão, seu Nestor, um comunista ferrenho, velho de guerra. Esse programa, em especial, foi pensado como estratégia de pensar o lugar e retorno do nosso trabalho para com a comunidade, trabalhando as relações de afeto e pertencimento que essas histórias de vida inseridas na comunidade geram no adolescente.” Como espaço de difusão do pensamento, o Alpendre, que ao longo dos anos funcionou num casarão secular próximo ao Poço da Draga, investe nas múltiplas expressões e na interdisciplinaridade, chegando a oferecer acesso a quase 40 disciplinas de formação de base, entre elas antropologia social, filosofia, dança e noções de audiovisual. O NoAr Alpendre, por sua vez, foi transformado em Ponto de Cultura, ação em rede de difusão cultural em nível federal. No entanto, as dificuldades financeiras que ao longo dos anos determinaram a restrição de algumas atividades foram responsáveis pela suspensão das mesmas e pela desocupação do casarão. “A noção que rege o Alpendre é a de habitar o lugar. A casa agora está fechada, mas subsiste como ideia. Veremos o que vai acontecer.”


Respeitável público!

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“Respeitável público! Vinda das terras geladas da Rússia, onde o frio faz até o Cristo Redentor encolher os braços, a maravilhosa, espetacular, misteriosa Irina.” Ela nem sabia quantas vezes já ouvira a mesma apresentação. De cidade em cidade, o circo de pé e ela, silenciosa, diante da curiosidade das pessoas. Enquanto tirava a maquiagem, lembrava os dias de menina, quando com o primeiro namorado fugia da escola de todo dia para a outra escola, a de circo. O circo era o sonho, a magia, um brilho de purpurina que resplandecia o cotidiano, a possibilidade de bater os quatro cantos do mundo embaixo da lona, sob a sua proteção. Era o que pensava, o que sonhava naqueles dias. E foi mesmo por esse sonho que lutara: primeiro ser aceita na escola, depois dobrar a resistência da família, e ainda educar o corpo, a mente. Depois dos anos de formação, o trabalho que, pensava, não poderia estar longe do prazer. A maquiagem era agora um borrão disforme. Base, blush, sombra, rímel, lápis, batom, Irina aos poucos se desprendia dela. E gostava de dizer para si mesma: “Irina é toda feita de tinta. A tinta que se desvanece entre a loção e o chumaço de algodão, a tinta que permanece nesse cabelo avermelhado retocado a cada 15 dias. Irina não existe”. O maiô de paetês furta-cor pendurado no cabide era Irina sem corpo, Irina despida de si mesma. Mas há personagens e personagens, e aquela, de fato, começava a aborrecê-la.


E isso se dava porque o teatro não acabava quando descia do picadeiro. Ontem quisera tanto responder à menina que lhe perguntara se era legal trabalhar no circo. Mas não pôde. Irina era muda por força de trabalho. Russa, para sempre recém-chegada, não sabia dizer nem “oi” em português. E ainda porque, como os rapazes negros pintados em tinta prateada, se sentia menos gente e mais uma boneca manipulada pelo titereiro. Não, aquele não era o trabalho que se encontra ao prazer, dois rios de mesma, porém diversa, água. Não fora com aquilo que sonhara e por que batalhara tanto. Andava mesmo tão contrariada com Irina que chegava a esquecer o que a tinha movido em direção ao circo, chegava a esquecer que o anticirco não é o circo. A menina do dia anterior teria quantos anos? Treze? Viu nos seus olhos a mesma curiosidade que um dia tivera. E, frustrada por não tê-la respondido, mal dormira à noite e naquele dia fizera mesmo um espetáculo morno. Dali a pouco, sabia, viria a repreensão. Antes que viesse, levantou subitamente e sentiu-se totalmente despida da russa, da fantástica acrobata, dançarina, malabar, palhaça que viera do frio. Saiu resoluta e, ao pegar na mão do marido, aquele mesmo menino de anos atrás, ele entendeu que era hora de partir. No dia seguinte, a caminho da rodoviária, para seu susto e sua alegria, encontrou de novo aquela menina. Ela ia para a escola distraída quando a mulher tocou de leve seu ombro. Ela nem acreditava, era a grande Irina, ou parecia com ela, porque esta lhe falou, com alegria, em sua própria língua: “O circo é a melhor coisa que existe, pode acreditar”. E dizendo isso partiu para outra lona.


SIMONE ALVES Escola Popular de Arte Centro Cultural Piollin João Pessoa, Paraíba


Sob o céu azul de João Pessoa, crianças sentadas em círculo ouvem atentamente as instruções da oficina de teatro. Do outro lado, dentro da casa, vozes cantam afinadas. E, sob uma lona de circo, jovens domesticam os malabares. Esse é o Centro Cultural Piollin, que homenageia este que foi um dos grandes artistas populares do Brasil, Abelardo Pinto, o palhaço Piollin. Com um olhar voltado para a arte circense, o centro, que também é uma escola, desponta como um trabalho coletivo, no qual a proposta pedagógica se organiza por meio de ciclos, um conjunto integrado de atividades, oficinas e outras ações que duram de dois a três anos. Funcionando num antigo engenho de cana-de-açúcar, a escola existe desde 1977 e atende jovens e crianças da região do Bairro do Roger e adjacências, na capital paraibana. Os ciclos de estudo são multidisciplinares e

transversais. Neles, os alunos dispõem, gratuitamente, de aulas de circo, arte da palavra, teatro e, ainda, musicalidade, prática do conhecimento e semear o planeta, essa última orientada pelos princípios da sustentabilidade e da permacultura. Atendendo crianças e jovens de 7 a 22 anos, o Piollin conta com a coordenação pedagógica de Simone Alves, artista circense que entrou na instituição como voluntária e com poucos recursos passou a administrar oficinas. “A instituição funcionava de segunda a sexta e nossa oficina aos sábados. E mesmo com uma estrutura precária, sem poder ao menos oferecer um lanche, a procura foi crescendo. Era o recomeço do circo como ação educativa no Piollin. Isso fez com que pensássemos num projeto mais consistente, com mais turmas e mais dias de aulas durante a semana. Quando assumi a coordenação pedagógica do centro, tudo aquilo que era próprio das oficinas se ampliou para a instituição. E passamos a não pensar mais em oficinas, e sim em ciclos, não mais no individual, mas no coletivo, não mais em direção, e sim em gestão participativa.


é mais ou nunca foi meu. Ele é coletivo e transcende mesmo o espaço institucional. Hoje, alunos e ex-alunos desenvolvem projetos com os mesmos princípios em outros espaços. Familiares que voltaram a estudar, que buscam aprender a ler para participar mais da vida de seu filho, são exemplos que ultrapassam esses limites, e esses dados são de extremo valor.”

Pedagogicamente, partimos para grupos por afinidade, maturidade, e não apenas por faixa etária, questão social ou geográfica.” Um trabalho como esse não ocorre sem que exista uma profunda inserção na vida comunitária. Isso acontece não apenas por meio da agenda de espetáculos, mas sobretudo pelo compromisso social que o centro assume. O Centro Cultural Piollin é parte de uma rede de proteção de direitos das crianças, dos adolescentes e dos jovens chamada Educação (Con) Vivência Integral. Essa rede reúne 14 instituições do bairro em debates sobre a educação e a garantia dos direitos e deveres de crianças, dos adolescentes e dos jovens das comunidades. Ações como essa agregam valor ao trabalho e são traduzidas em dados. Segundo Simone, cada vez mais jovens dão continuidade aos estudos, seja em cursos técnicos ou universitários, ajudando a diminuir as estatísticas de subemprego. “Hoje, tenho certeza de que todos, dos voluntários aos patrocinadores e apoiadores, comungam da proposta da instituição. Esse projeto não

Simone, também ela, é um exemplo desse tipo de superação. Aos 13 anos, vinda de uma família pobre e rígida na criação dos filhos, passou a frequentar aulas de circo na extinta escola Pirilampo. Já fez de tudo um pouco e foi até russa num circo onde trabalhou. Hoje, pedagoga formada, capitanea o projeto pedagógico do centro enquanto termina uma especialização em gestão educacional. Entusiasmada, Simone sabe que quintal da escola é o quintal do mundo: “Tudo é pensado e preparado para e com o coletivo. Entendendo que esse processo será vivenciado para muito além dos muros do Piollin. Formar seres cooperativos, ativos e críticos é o que queremos e é do que o mundo necessita”.


As linhas v達o se tramando

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“Estar aqui é como estar no quintal da minha infância.” Era o que ela pensava enquanto pintava as paredes da morada que, aos poucos, se transformava em lar. Mas pensava em mais, em mais além das quatro paredes, pensava naquele lugar, naquela vila que ia se desenhando como seu lugar no mundo, um outro jeito de viver a metrópole, com crianças jogando bola na rua, as comadres trocando receitas pelas janelas, a comunidade com suas alegrias e tensões tão próprias. Precisava falar disso com o avô. Ele entenderia do que ela estava falando. No outro dia foi à casa dele, do vô Chico, e entre um gole e outro de café foi falando de planos, de amores, de dúvidas e certezas. Ele nem parecia ter a idade que tinha. Idade é coisa que ou se carrega nos ombros, como um fardo, ou se pega pela mão e se leva para passear. Vô Chico é desses últimos, e ela não poderia deixar de rir à lembrança dele tão forte e ágil rodopiando a ela e aos irmãos numa vertigem louca e prazerosa numa das incontáveis brincadeiras de fundo de quintal.

“Então é isso, vô, estou com essa ideia, de entender a vila pelos olhos das crianças, de saber como é morar nesta São Paulo tão grande que contém tantas outras cidades pequeninas, de tantos outros tempos sobrepostos em si mesma.” “Conte mais, de onde veio essa vontade? Você está apaixonada?” “Sim, por tudo que estou vivendo, vô, por aquele lugar, por tudo mesmo. Mas a ideia veio é de um medo. Medo que ainda estou sentindo.” “Medo de que, minha filha? Você nunca foi medrosa! O que se passa?” “Esta semana faltou açúcar em casa e já era noite. Eu sabia que dona Angela estava no terraço, porque ouvi o disse que disse da conversa. Aí pensei que poderia pedir um pouco emprestado, mas travei. Seria abuso demais. E não


pedi, vô. Não pedi, mesmo. Fui dormir pensando que força poderosa pode ser essa que impede a convivência, o pedido de ajuda, a vontade de solidariedade. Daí pensei que posso ser mais que apenas uma moradora, uma pessoa que usufrui daquele lugar como se ele fosse apenas um cenário para seus sonhos.” “Então o que você decidiu? Foi buscar açúcar no outro dia?” E o avô riu, gostosamente e ainda mais quando percebeu o sorriso embaraçado e cúmplice da neta. “Fui, sim! E comecei a pensar esse projeto, vô, de entender a vila pelos pequenos. Estou pensando em levar na associação do bairro, de repente surge uma parceria.” “E por que ainda não levou? É uma ótima ideia. Precisa coragem?” “Preciso, vô. Vai que não querem, não podem, não topam, sei lá.” “Minha filha, não tenha medo, é tudo gente, lembra? Disse isso a você quando ficou receosa de ensinar em escola. É a mesma coisa, não mudou nada. Continua sendo tudo gente. E, se é assim, por que temer?” O café desceu mais doce e, olhando aquele homem ao mesmo tempo sábio e jovial, dono de uma vitalidade espiritual que resplandecia ao seu redor, entendeu por que precisava mesmo vir à sua casa antes de qualquer coisa. Fora ele que nas tardes da infância lhe ensinara que educar é cuidar do outro, que a brincadeira pode ensinar mais que o discurso, que as pessoas se educam recíproca e simultaneamente. A experiência sem nome que vivera na infância com ele, com o vô Chico, agora abria asas e entendia que todas as linhas da vida que vivera até agora tramavam o tapete, a nova experiência que iria tecer. Beijou o avô, sorriu e seguiu.


RENATA FERNANDES As crianças e os velhos no galpão do boticário: uma experiência de criação na Vila Maria Zélia Coletivo SIM! e Associação Cultural Vila Maria Zélia São Paulo, São Paulo


A Vila Maria Zélia, fundada e construída entre 1911 e 1916, carrega o título de primeira vila operária brasileira e foi criada para abrigar os cerca de 2 mil operários da Companhia Nacional de Tecido de Juta, pertencente à família Street. Com seu casario em estilo europeu e um traçado urbano original, a vila possui aproximadamente 200 casas que compõem um patrimônio histórico reconhecido e tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephat). Além do casario, a vila é composta de áreas e prédios abandonados, pertencentes ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e que vêm sendo motivo de debate e negociações por sua retomada ao longo dos anos. Para além do patrimônio concreto, a memória da Vila Maria Zélia conta uma história de lutas, de embates entre burguesia dominante e operariado e de conquistas. É nesse cenário oscilante entre o bucólico e o conflituoso que Renata Fernandes, bailarina e arte-educadora, passa a morar em 2009. Percebendo os conflitos que surgem de camadas de tempos que se sobrepõem no mesmo espaço e que agregam elementos intergeracionais, a educadora propôs não apenas morar na Vila Maria Zélia, mas se fazer parte dela, engendrando ações e espaços de reflexão juntamente com a sua associação de moradores e com o Coletivo SIM!, composto de artistas e educadores que dialogam com questões de educação, comunidade e afeto há bastante tempo. “Eu conhecia e frequentava a vila desde 2006. O lugar sempre me encantou profundamente. Então, eu decidi mudar para lá. Passava dias observando as pessoas que moravam ou circulavam por ali. As casas são muito próximas e eu podia ouvir as conversas, as brigas, as risadas, as músicas que meus vizinhos todos ouviam. E, do mesmo modo que eu via, era também vista por eles. O bairro tinha verdadeiros personagens. Já tinha até fotografado alguns. Mas eu queria mais. Eu queria poder falar com eles, eu queria poder tocá-los.


Talvez ser um deles. Até que chegou um dia em que eu precisei de algo na cozinha e não tive coragem de pedir. Então vi que havia algo errado. Eu era uma paulistana nata, daquelas que não sabem nem quem é e o que faz seu vizinho e, se estiver morrendo, vai morrer, pois não sabe pedir ajuda, nem mesmo comida!! Aí pensei: ‘Bom, eu não consigo falar com eles, mas quem sabe dançar?’. Então imaginei um projeto com as crianças. Eu sou muito boa falando com elas. Propus. Deu certo. Passei um ano trabalhando com elas.” Nos anos seguintes, as proposições mudaram sem que, no entanto, se perdesse o fio condutor do diálogo. No segundo ano de projeto, foi a vez de levar a experiência dos idosos para dialogar com o entusiasmo das crianças. Desse modo, a vila vai estreitando e mesmo recompondo laços. No terceiro ano de projeto um passo adiante e a associação, então, se apropria inteiramente e propõe o diálogo com os jovens, em grande parte adolescentes que, muitas vezes, podiam ser vistos depredando a própria vila. Uma prova de autonomia e de crença na própria capacidade de gerir seus bens culturais e afetivos. A associação, os moradores e amigos da Vila Maria Zélia não se dão por vencidos. Buscam alternativas. E não será difícil, posto que o caminho já começou a ser trilhado. “Me lembro do dia em que pintamos nossa casa de laranja e, porque ficou bonito, semanas depois havia mais outras três casas da mesma

cor nas redondezas. Na época, acabávamos de restaurar a fachada da casa em que morávamos segundo os padrões de tombamento. Seria uma das primeiras iniciativas de restauração entre os moradores. “Nossa, como ficou bonito!” “Eu não achava que poderia ficar tão bonito”, é o que diziam. Eles tinham gostado. Meses depois, algumas fachadas começaram a ficar mais próximas do que eram cem anos atrás, com cores novas, plantas, cachorros, pessoas prontas para habitar o novo. Esse exemplo que dou aconteceu antes de os projetos de arte começarem na vila. Relato só para mostrar que foi aí que percebi que a comunidade estava aberta a experiências. E que uma pequena ação individual e pessoal reverberou além. Ao pintar nossa casa, pintamos mais três, quatro, cinco. Ao chamar as crianças para dançar, seus pais também dançaram. Ao chamar as senhoras para cantar e contar histórias, seus netos e filhos também vieram. Eu propus um projeto de arte no primeiro ano para a associação, no segundo ano fizemos juntos, em parceria, e neste ano eles encontraram por si seus caminhos. E o mais surpreendente é que a arte está nele. Quebrou-se uma barreira importante. Os moradores estão mais íntimos da arte e de suas manifestações. Amam sua história, aprendem a amar o hoje e têm mais meios de expressar desejos para os tempos que virão.”


14 O mundo tocado pelo olhar


O homem entra na casa e tantos anos se passaram, tantos anos se embaralham. Os pianos ainda estão lá, o mais velho nem toca mais, carcaça que se tornou, esqueleto de um animal extinto no qual um dia todas as crianças da família dedilharam suas primeiras notas. Já era antigo quando ele, o homem, mal conseguia apoiar os pés no chão sentado em um banco. Agora o avô não estava lá. Tampouco a avó. O tio mais querido, como o vulto de um anjo, é um sacrário levado no peito: tio Bené, o artista, o indianista, o homem que em sua delicadeza soube reconhecer no menino o homem que um dia seria. Lembra-se de um poema, aquele, qual é mesmo o nome? Aquele, de Manuel Bandeira:

“Quando ontem adormeci Na noite de São João Havia alegria e rumor Estrondos de bombas luzes de Bengala Vozes, cantigas e risos Ao pé das fogueiras acesas.” Profundamente. Ao seu olhar, ao toque do seu olhar, a casa recobra suas cores, suas luzes, sua música, seus odores. Na sala, a avó conta novamente, entre indignada e orgulhosa de si mesma, episódios de sua vida, pequenos confrontos e conflitos, grandes vitórias. Em outro cômodo, os tios, ainda jovens, suas roupas coloridas, sua crença num mundo de revoluções e as malas de couro forradas de tesouros, os mais novos LPs, os livros, os jornais. “E vejam, a mais nova edição da revista Civilização Brasileira”, diz um deles. Estudavam todos na capital, e nas férias voltavam, um dia e meio de viagem dura, em estrada de terra, com aquelas malas que abriam como quem abrisse um mundo que se houvesse guardado numa caixa de presente, e dividiam, sorridentes e empolgados, aquele espólio e o saber, e os espantos com o país que diziam crescer 50 anos em cinco. Os tempos se embaralham. E agora ele fala à mãe sobre os planos do futuro. E a vida, o que é, diga lá, meu irmão, canta a música no rádio, o volume baixinho, a mãe atenta a cada palavra sua, ele de olhos marejados porque de despedidas seu coração se enternece.


“Vou passar um tempo com essa tribo, minha mãe. Os nambiquara, aqueles mesmos de quem se conta que receberam a flechas o marechal Rondon. Bené está me ajudando nisso. Vou para ficar um mês, mas quem sabe fico mais.” A memória, essa máquina imperfeita, mistura tempos, conversas, pessoas, lembranças que nem são dele e agem como se fossem, palavras que nem foram ditas, sonhadas talvez, e que ganham corpo, peso, o timbre de uma voz. E é sob dois chãos que ele caminha agora. Com pés simultaneamente de homem e de menino. Ao rés do chão, a casa em seu silêncio, em seu recolhimento quase grave, quase pomposo. Abaixo da superfície, o burburinho, as serenatas, os poemas ditos em voz alta, as gentes em seus conflitos, alegrias, amores, dissabores, o borbulhar das panelas ou da cultura, que é quase tudo a mesma coisa. O menino que se torna num momento maior que o homem e o homem que escorre numa lágrima pelo rosto do menino.

“Quando eu tinha seis anos Não pude ver o fim da festa de São João Porque adormeci” Bandeira de novo, pungente na memória. Finalmente abre a porta da biblioteca e, na parede de sempre, sempre os três quadros: uma natureza-morta, uma fotografia de avião, um Sagrado Coração de Jesus. Tão díspares, tão extravagantes em seu convívio harmônico, tão próximos e sem se dar conta das distâncias que lhes são impostas. Nesse conjunto tão brasileiro em sua composição, o homem e o olhar do homem se reconhecem. Foi isso o que o menino veio buscar. A pequena cidade de Mutum, tão longe de Belo Horizonte, nunca soube, mas aquele tremor foi um coração a bater mais forte.


FRANCISCO MAGALHテウS O Museu Guardas Museu Mineiro Belo Horizonte, Minas Gerais


A arte é do povo e não se separa dele. Esse é o espírito do Projeto Guardas, do Museu Mineiro, espaço localizado em Belo Horizonte que abriga três importantes coleções, a Coleção Arquivo Público Mineiro, a Coleção Pinacoteca do Estado e a Coleção de Arte Sacra. Se a arte é do povo, seus donos precisam ser apresentados. Pensando em criar dinâmicas de artes visuais que dialogassem com os saberes culturais e as múltiplas culturas, o projeto buscou uma aproximação e interação entre museu e comunidade. A expressão “guardas” refere-se à guarda espiritual dos objetos do museu, transformando o espaço museográfico também em território sagrado. Sob a proteção das irmandades, de seus cantos, preces e batuques, as obras podem ser também usufruídas a partir da perspectiva do valor imaterial dos saberes dos quais são oriundas. Francisco Magalhães, o Chico, à direção do Museu Mineiro, ressalta a importância do contato entre indivíduos e obras de arte, mais que apenas contato, construção de relacionamento: “O espaço do museu não deve ser tão somente de fruição, mas de encontro, de

prazer, de confluência de culturas. Eu compreendo que o mais importante para uma comunidade é entender a função do museu e ter com ele uma relação afetiva. Precisamos visitar os museus como se visita um amigo ou um lugar querido. Fazer educação pela arte é fazer o objeto ser útil”.

No estandarte, Nossa Senhora do Rosário vestidinha em cor-de-rosa contrasta com o céu azul iluminado. Lírios dourados a ladeiam e a perfumam, e o menino, em seus braços, parece se agitar ao batuque dos caxambus, ganzás, zabumbas. As nuvens a seus pés se movimentam, fluidas ao vento, e talvez seus pés brancos se misturem aos pés da gente mestiça que louva a ela e a seu filho, e nessa louvação a senhora se faz mestiça também. Hoje, no Museu Mineiro, a guarda é deles e por isso festejam, cantam suas ladainhas, as cores de suas indumentárias colorindo o salão. Chico contextualiza: “O Museu Guardas recebeu cerca de 49 guardas, grupos ligados às tradições do Reinado. Chamados genericamente de congado, que se divide em grupos de congo, moçambique, catopês, marujos, caboclos e muitos outros. Eles existem por todo o estado de Minas e têm seus fazeres e


práticas em formas e variações sutis. Alguns desses grupos, com mais visibilidade e outros com menos visibilidade, grupos pequenos, com pouco mais de 20 pessoas. Esses grupos, principalmente os menores, lutam para sobreviver, e para isso são bastante coesos e fiéis a tradições de seus fazeres”. O Brasil é a festa da mestiçagem e a sua casa, e o lugar sem lugar na qual essa festa se espraia é o barroco. O barroco que subsiste para além do óbvio, das linhas curvas, do dourado, o barroco que subsiste na festa, no

pensamento, no modo de ser e estar do Brasil. Para Chico não existe a ruptura ocidentalizante entre o popular e o erudito, e é essa a tônica que move o Museu Mineiro: “Quando percebemos que o público costumeiro nem sempre comparecia ao museu durante as guardas, decidimos que esse era o caminho certo, o caminho a seguir. O entendimento do objeto de cultura não existe sem ser entendido de forma inteira, por isso os encontros que promovemos são importantes, porque juntam música, história, memória. Procuramos quebrar a barreira, a distância, e criar mecanismos para aproximar as pessoas daqueles objetos”. Os congadeiros dançam. As vozes das mulheres em seus agudos simultaneamente ancestrais e contemporâneos enchem e ultrapassam as paredes do museu. No oratório, Santa Efigênia e outros santos revivem o ambiente no qual foram, um dia, entalhados. O museu vive de forma intensa e única. Tem carne, cor, alma. Tem gesto, voz, ideias. Logo mais passará a guarda do Rosário, de São Sebastião, de São Benedito, de São Jorge, de Santa Efigênia, do Divino... de todos os Santos. E a função continua. E continua.



Este é um livro sobre a infância. Quando perguntados sobre como seus projetos chegaram à sua vida, quase todos os selecionados buscaram reminiscências nos dias de criança ou de adolescência. Há apenas uma exceção, como pode observar o leitor. Em geral, relembraram episódios marcantes com familiares, educadores, amigos. Vida e trabalho, vida e educação, vida e olhar afetivo sobre os outros são inseparáveis nessas histórias. Reconstruir essas memórias foi um trabalho de invenção e reinvenção. Invenção de quem conta, reinvenção de quem escreve, mas partindo sempre do ponto de que tudo é verdade. O livro foi concebido de modo a ser móvel e circular como uma ciranda, e o leitor pode escolher empreender sua leitura a partir do ponto que desejar: daqui, de mais adiante, onde nossos personagens ganham rosto e biografia, um pouco mais para trás, onde em pequenos contos eles se fazem tão íntimos, pelos relatos dos seus projetos.




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DARAÍNA PREGNOLATTO

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Daraína Pregnolatto conviveu e estudou com Maria Duschenes, sua mestra em dança e arte do movimento, no período de 1978 a 1991. Vivencia as culturas de tradição oral brasileiras e, a partir da junção e da síntese dessas experiências, fundou e coordena, em Pirenópolis/ GO, a Flor de Pequi – Brincadeiras e Ritos Populares e o Ponto de Cultura Quintal da Aldeia, mantido pela ONG Guaimbê – Espaço e Movimento CriAtivo. É tuxaua (termo tupi para líder, mobilizador cultural reconhecido pelo Ministério da Cultura) de brincadeiras, ritos e redes populares. daras@guaimbe.org.br


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Movimento e brincadeiras unem gerações em encontros pelas ruas de Pirenópolis, Goiás. O foco é manter presentes a memória e as tradições locais entre os frequentadores do Quintal da Aldeia, centro de revitalização dos saberes populares do pontão de cultura Guaimbê.


foto: ba bilak bah

No Centro de Convivência Venda Nova em Belo Horizonte, Minas Gerais, a música dá as mãos aos portadores de sofrimento psíquico. Há dez anos, integrantes do Trem Tan Tan contagiam plateias com suas composições e performances.


foto: iv son m iranda

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BABILAK BAH Babilak Bah, artista autodidata paraibano radicado em Belo Horizonte. Realiza performances e já se apresentou em países como França, Inglaterra e Espanha. Criador e diretor artístico do grupo musical Trem Tan Tan. Produziu dois CDs, Enxadário – Orquestra de Enxadas e Biografia de Homens Inquietos. Publicou os livros de poemas Voomiragem e Corpoletrado. babilakbah@gmail.com


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ANA CLAUDIA MUMBUCA

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Ana Claudia Mumbuca, acadêmica de serviço social, nascida na comunidade quilombola de Mumbuca, Jalapão/TO. Artesã do capim dourado desde os 8 anos de idade. Atua como agente cultural, idealizadora do grupo informal Encenando a Tradição. Trabalhou como diretora municipal de turismo e meio ambiente na prefeitura de Mateiros, Jalapão. Atualmente é presidente da Associação dos Artesãos de Capim Dourado da Região do Jalapão (Areja). anaclaudiamumbuca@hotmail.com


foto: francisco magalhães

Do ato de desfiar o buriti ao de trançar o capim dourado, muitos modos de fazer e viver são preservados e recriados por meio de poemas e histórias no povoado quilombola de Mumbuca, região do Jalapão, no Tocantins.


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As areias da praia foram o primeiro palco da Escola de Dança de Paracuru, no interior do Ceará. Fundamentada nos princípios do balé clássico, uma corporalidade brasileira peculiar é observada no trabalho de jovens e crianças que fazem parte do projeto.


FLÁVIO SAMPAIO Flávio Sampaio, nascido em Paracuru, litoral do Ceará, é o idealizador do Projeto Dançar Paracuru. Foi maître de balé do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, consultor técnico e professor do curso de licenciatura em dança da UniverCidade/RJ e criador e coordenador da Faculdade de Dança da Universidade Gama Filho de Fortaleza. Escreveu artigos nos livros Lições de Dança 2 e Ceará de Corpo e Alma e é autor dos livros Ballet Essencial e Balé Passo a Passo. flaviosampaio91@yahoo.com.br

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foto: ivson miranda


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MESTRE PEDRO CORREIA Mestre Pedro (Pedro Correia), natural da Vila de Ponta Negra, em Natal/RN, filho de pais pescadores, passou toda a sua infância e juventude na mesma comunidade onde reside até hoje. Seguindo a tradição familiar, trabalhou na pesca e na roça até que, com o desenvolvimento têxtil em Natal, ingressou como funcionário na fábrica de tecidos durante dois anos, saindo posteriormente para fazer parte da equipe de arte culinária de um restaurante, onde permanece até hoje. É mestre do Conguinhos de Calçolas da Vila de Ponta Negra. silvanatianana@hotmail.com


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Em parceria com uma escola da Vila de Ponta Negra, bairro turístico de Natal, Rio Grande do Norte, o Congo de Calçolas se reafirma como tradição cultural local ao envolver as crianças no aprendizado de movimentos e ritmos dessa manifestação de origem afro.


ANA RUSSI Ana Paula Evaristo Russi, nascida em Blumenau/SC. Professora de música graduada pela Universidade Regional de Blumenau (Furb) e pós-graduada em educação musical pela Associação Catarinense de Educação. Trabalha com pesquisa em música catarinense, com ênfase na inclusão das tradições catarinenses em espaços educativos. Como musicista, integra o coletivo musical Sofia Batuta, com o qual leva o cancioneiro catarinense a escolas e espaços culturais. anapaula_er@yahoo.com.br

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foto: an a russi

Movimentar o espaço educativo por meio da experimentação de sonoridades e do respeito à singularidade de cada indivíduo é o mote do trabalho desenvolvido na Apae Gaspar, em Santa Catarina. Um CD elaborado de modo integrado às aulas de arte surpreendeu e encantou as famílias dos participantes.


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Crianças e adolescentes do Recanto das Emas, cidade-satélite do Distrito Federal, se divertem com a percussão corporal e vivenciam a música de modo coletivo. Os shows do grupo Batucadeiros são apenas uma das atividades do Instituto Batucar, que forma multiplicadores e promove ações de inclusão social em diferentes regiões do país.


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RICARDO AMORIM

Ricardo Amorim é educador musical formado pela Universidade de Brasília (UnB). Responsável pela direção musical e pela criação do Projeto Batucadeiros, voltado para a pesquisa pedagógica na área de percussão corporal e inclusão social. Há 11 anos trabalha na promoção do acesso à música para jovens e crianças que vivem em territórios socialmente vulneráveis do Distrito Federal, atuando também em Cabo Verde, na África. Fundou em 2006 o Instituto Batucar, entidade voltada para a promoção da qualidade de vida de jovens e crianças da comunidade, com várias premiações no currículo. musicvida@hotmail.com


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DAVID NASCIMENTO BASSOUS

David Nascimento Bassous, conhecido nas rodas de capoeira como Mestre Bujão, teve dupla formação, a das tradições orais de matriz africana e a do pesquisador acadêmico. Formou-se na academia Capoeira Brasil com o Mestre Paulinho Sabiá e integra o quadro de pesquisadores do Laboratório de Etnografia e Estudos em Comunicação, Cultura e Cognição da Universidade Federal Fluminense (UFF). Reconhecido pelo Ministério da Cultura como griô (guardião da memória e da tradição oral de um povo) e tuxaua na articulação contra a intolerância religiosa e cultural. Idealizou o projeto Din.Down.Down – Capoeira Especial, atuante na cidade de Niterói/RJ, e fundou a ONG Gingas – Casa da Cultura Afro-Brasileira, que funciona atualmente como Ponto de Cultura. david@gingas.org.br

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Deixar afetar-se é uma das premissas do Din.Down.Down, projeto de capoeira desenvolvido na Apae Niterói pela ONG Gingas. Crianças e jovens com síndrome de down são convidados a conhecer a cultura afro-brasileira, num processo educativo lúdico de inspiração griô.

foto: arquivo gingas


foto: ivson miranda

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ROBERTO SILVA

Roberto Silva é bonequeiro, pedagogo e arte-educador atuante em Belo Horizonte/MG. Desenvolve pesquisa relacionada ao teatro de bonecos fundamentada na democratização do acesso aos bens culturais. Percebendo a ausência de pessoas com deficiência atuando como bonequeiros no mercado cultural, criou, em 2005, em conjunto com Aparecida Silva, o projeto de educação não formal Boneco Especial. roberto@atbo.com.br


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Pessoas com deficiência encontraram na manipulação de bonecos possibilidades de expressão e profissionalização. Com uma trajetória de pesquisa sobre as particularidades desse público, a Família Silva leva seu caminhão com espetáculos para aqueles que não frequentam sua sede num distrito industrial de Belo Horizonte, Minas Gerais.


JOSEVALDO DE ALMEIDA SILVA Josevaldo de Almeida Silva, natural de Conceição do Coité/BA, começou sua carreira como músico autodidata e atualmente é estudante de licenciatura em música pela Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs). É um dos idealizadores da orquestra jovem do Projeto Santo Antônio, com apresentações por todo o Brasil. Pretende instituir um conservatório de música em sua cidade natal. maestro.37@hotmail.com

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Um aprendizado musical empírico e prazeroso é vivenciado diariamente por crianças e jovens do Alto da Colina de Conceição do Coité. Violinos foram o ponto de partida para formar a orquestra que vem povoando o sertão baiano de novas sonoridades.

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KIKO ALVES Kiko Alves, graduado em filosofia pela Universidade Estadual do Ceará (Uece) e em jornalismo pela Universidade Estácio de Sá de Fortaleza. Atua desde 2000 na área audiovisual, realizando vários filmes, alguns premiados. Foi aluno do Alpendre – Casa de Arte, Pesquisa e Cultura e um dos fundadores do NoAr Alpendre, cujo foco é a formação social de jovens. kiko.alves@gmail.com


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Outros olhares sobre o bairro se transformaram em novas percepções de mundo para jovens de Fortaleza, Ceará. A reflexão sobre o entorno resultou em programas de TV marcados por uma estética contemporânea própria e apontando para a possibilidade de profissionalização no setor audiovisual.


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Um antigo engenho transformado no Centro Cultural Piollin, em João Pessoa, Paraíba, abriga uma lona, e o circo é um convite para outras linguagens artísticas. Em ciclos de aprendizagem, cada turma avança coletivamente rumo a novas descobertas e desafios.


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SIMONE ALVES Simone Alves foi aluna no projeto social Escola de Circo Pirilampo, em João Pessoa/PB, e participou de diversas companhias de circo tradicionais itinerantes. É graduada em pedagogia, faz especialização em gestão educacional e atuou em trupes de circo contemporâneo. Responde, desde 2007, no Centro Cultural Piollin, como educadora e coordenadora pedagógica, utilizando-se do circo social como ferramenta pedagógica potencializada pelas artes integradas. simonealves_circo@yahoo.com.br

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Videodança é uma das possibilidades do projeto desenvolvido pelo Coletivo SIM! em parceria com a Associação Cultural Vila Maria Zélia, num bairro industrial da cidade de São Paulo. Movimentos e expressões contemporâneas abordam questões da memória do local reconhecido como patrimônio cultural.


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13 RENATA FERNANDES Renata Fernandes é artista, educadora e pesquisadora graduada em dança pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Em seu trabalho vem investigando relações interdisciplinares em artes cênicas, visuais e literatura, atuando em parceria com artistas de diferentes linguagens, coletivos e centros de arte. Moradora da Vila Maria Zélia de 2009 a 2011, concebe e desenvolve uma série de ações artísticas com o lugar e seus moradores junto ao Coletivo SIM!, em parceria com a Associação Cultural da Vila. fernandes_renata@yahoo.com.br


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Sacralização, dessacralização e ressacralização são operações corriqueiras para conferir significado aos objetos da coleção do Museu Mineiro, em Belo Horizonte, Minas Gerais. A distinção entre cultura popular e erudita deixa de existir a cada festa, visita ou encontro promovido entre frequentadores do museu e comunidades.


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FRANCISCO MAGALHÃES

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Francisco Magalhães nasceu em Mutum/MG. Sua formação acadêmica teve início em 1981, com passagens pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pela Escola Guignard, onde seu primeiro mestre foi Amílcar de Castro. Dirigiu o Museu Mineiro e foi responsável pela concepção e pela coordenação de projetos em museus e ações educacionais voltadas para a formação e a aproximação entre comunidades e esses espaços. Recebeu os prêmios Prefeitura de Belo Horizonte no 16o Salão de Arte da Pampulha; Mostra Individual no 44o Salão de Arte Contemporânea do Paraná – Curitiba; Aquisição no 42o Salão de Arte Contemporânea de Pernambuco; e o Prêmio Especial Alfredo Ceschiatti – Escultura e Objeto, no 19o Salão de Arte da Pampulha (1989), entre outros. francisco.magalhaes.francisco@gmail.com




Lançamento do edital Antonio Nóbrega concebeu a aula-espetáculo Mátria, uma Outra Linha de Tempo Cultural especialmente para o lançamento do Rumos Educação, Cultura e Arte 2011-2013. Apresentada entre fevereiro e julho de 2011 no Distrito Federal e nas capitais do Acre, do Amazonas, da Bahia, do Ceará, do Espírito Santo, do Maranhão, de Mato Grosso, de Minas Gerais, do Pará, do Paraná, de Pernambuco, do Rio Grande do Sul, do Rio de Janeiro, de Rondônia, de Santa Catarina e de São Paulo, foi vista por 4.565 pessoas. Erudito e popular, feminino e masculino fizeram parte do jogo de polaridades escolhido pelo músico e dançarino para fazer suas considerações sobre uma linha de tempo cultural brasileira de prevalência não europeia e de extração popular.


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Comissão de Seleção Entre os meses de agosto e dezembro de 2011, 18 avaliadores das cinco regiões do país leram, analisaram e discutiram projetos dos profissionais inscritos na terceira edição do programa, bem como visitaram os espaços onde eles atuam.

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Selecionados Do universo de 941 inscrições, 14 foram selecionadas em quatro etapas do processo seletivo para participar de um programa de formação itinerante, em que cada um foi convidado a visitar o trabalho do outro.


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Deslocamentos, paisagens, lugares Uma importante premissa da formação é o ato de “deslocar-se”. Sair do lugar de origem, contemplar novas paisagens e voltar para casa com outra visão de mundo é mais do que um discurso comum. Trata-se de uma opção metodológica, uma prática com forte carga simbólica, capaz de promover um aprendizado vivencial e intenso.


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Encontros Personagens desconhecidos vez ou outra apareceram nessa trajetória que percorreu o país. Um artesão do couro, uma senhora contadora de histórias, aprendizes de arquitetos mirins numa floresta quase urbana e construtores de uma casa grande são alguns dos exemplos do que foi encontrado entre abril e dezembro de 2012 durante as viagens da formação itinerante – o principal prêmio do Programa Rumos Educação, Cultura e Arte.


Pluralidades Andar, percorrer, observar, contemplar, refletir, discutir, debater, registrar e experimentar foram ações que se repetiram inúmeras vezes ao longo de 2012, sob a orientação da mediadora Denise Mendonça. Ora sozinho, ora em conjunto, o fazer de cada um se misturou ao do outro de modo que gradualmente as similaridades e influências se tornaram indissociáveis.

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Registros Investigar e mapear o que foi vivido em diários coletivos e individuais, escritos, desenhados, bordados, fotografados, filmados ou comentados foram estratégias utilizadas para ser resgatadas futuramente ou revisitadas sempre que necessário. Pretextos para guardar o que a experiência não permitiu naquele instante foram acumulados aos montes.

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Trajetos Conviver foi uma ação praticada durante toda a formação itinerante. Nos momentos de aproximação fortuita ou não planejada, durante uma refeição compartilhada ou na poltrona do ônibus, muitas conversas se estabeleceram. Laços afetivos se intensificaram, provocações políticas e debates ideológicos se instauraram, diferenças culturais se evidenciaram, desejos comuns se revelaram e afinidades estéticas surgiram. Possibilidades de trabalho conjunto se anunciaram.

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Detalhes O que chamou a atenção de cada um nunca foi igual ao que atraiu o outro. Por entre paisagens deslumbrantes e arrebatadoras, o micro se revelou em diversos momentos. Sempre que compartilhado, proporcionou enriquecimento e ampliação de repertório cognitivo, relacional e sensível.


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Sensorialidade Sabores, cores e riscos acompanharam todas as expedições de modo contundente. Disponibilidade e generosidade foram requisitadas incontáveis vezes. Qualquer que fosse a causa, a consequência costumava ser uma experiência estética.


Sentidos Ainda que não houvesse destinos definitivos e conclusões esperadas, os exercícios de alteridade levavam sempre a outros significados. Com direção e vários rumos, muitos foram os sentidos.

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Agradecimentos


Agradecemos a todos os inscritos no Rumos Educação, Cultura e Arte 2011-2013 e aos demais participantes das ações de formação em todo o país, sem os quais este programa não seria possível. EDUCADORES SEMIFINALISTAS Daniel Gaggini Associação Cultural Artística Cine Favela – São Paulo/SP Everson Mel Núcleo Educacional Irmãos Menores de Francisco de Assis – Recife/PE Ipiranga Neto Projeto Caçuá Literário – Palmácia/CE Leo Vilas Verde Cipó Comunicação Interativa – Salvador/BA Ligiana Costa Centro de Referência da Diversidade – São Paulo/SP Manoela Souza Instituto Transformance: Cultura & Educação (Sede Norte) – Marabá/PA COMITÊ DE SELEÇÃO Adriana Mortara – SP Ana Lucia Braga – MG Anny Christina Lima – SP Carla Lopes – BA Claudia Zanatta – RS Denise Grinspum – SP Denise Mendonça – RJ Gustavo Wanderley – RN Joana D´Arc Lima – PE Junior Perim – RJ Karla Martins – AC Laís Dória – MS Mafoane Odara – SP Maria Gomide – CE Nonato Chacon – RR Paulo Amoreira – CE Rosa Maria Gonçalves – PI Uxa Xavier – SP


INSTITUIÇÕES PARCEIRAS E COLABORADORES – CIRCUITO NACIONAL Acre Fundação de Cultura e Comunicação Elias Mansour – Governo do Estado do Acre/Dircinei Souza e equipe Teatro Plácido de Castro/Maria Lucia dos Santos e equipe Amazonas Cia. de Dança do Amazonas/Getúlio Lima e equipe Francisco Rider Teatro da Instalação/Sergio Cardoso e equipe Bahia Apae Salvador/Antonio Marques e equipe Associação de Moradores do Alto da Colina/Maria Valdete Santos Casa da Música/Amadeu Alves e equipe Circo Picolino Ganhadeiras de Itapuã/Salviano Almeida e equipe Jorge Conceição Maryanne Galinski Mestre Curió Orquestra Santo Antônio de Música Projeto Santo Antônio de Música Sesc Bahia Teatro Sesc-Senac Pelourinho/Ana Paolilo, Lucinha Chetto e equipe Ceará Alemberg Quindins Alpendre – Casa de Arte, Pesquisa e Cultura Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura – teatro/Israel Martins, Jean Nascimento e equipe Escola de Dança de Paracuru/Leda Maria Sampaio Cordeiro e equipe Francisco Helio de Sousa Filho Fundação Casa Grande/Rosiane Limaverde, crianças, jovens e seus familiares Instituto de Arte e Cultura do Ceará/Isabel Cristina Fernandes e equipe Paracuru Cia. de Dança/Alexandro Leite Santiago, Eduardo Teixeira, Jamerson Renan de Sousa e Silva, Joab Tafarel Freitas Martins, Jocasta de Castro, Lairton Freitas, Maria Rochele da Silva Conde, Miliane Barbosa de Moura, Natanny Dheinny Moreira de Assis, Roberto Adriano Araujo Viana e Wanderson de Sousa Secretaria da Cultura do Estado do Ceará


Distrito Federal Família Dumont/Ângela Dumont, Demóstenes Dumont e Sávia Dumont Instituto Batucar/Patrícia Amorim e equipe Marcelo Manzatti Secretaria de Estado de Cultura do Distrito Federal/Hamilton Pereira da Silva e equipe Teatro Claudio Santoro – Sala Martins Pena/Maria Fatima Santos de Deus e equipe Espírito Santo Fabio Malini Jean Pereira Secretaria de Estado da Cultura do Espírito Santo/José Paulo Viçosi e equipe Theatro Carlos Gomes/Fátima Pimentel, Dayse Maciel e equipe Goiás Guaimbê – Espaço e Movimento CriAtivo Maranhão Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão Teatro João do Vale/Maria Helena Freire Borralho e equipe Mato Grosso Parque Indígena do Xingu – Aldeia Ipatse Kuikuro Funai – Coordenação Regional do Xingu/Claudio Quoos Conte e equipe Teatro da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) Universidade Federal de Mato Grosso/Fabricio Carvalho, Maria Helena Coradini e equipe Yanamá Kuikuro Mato Grosso do Sul Casa de Ensaio/Carol Doria, Juliana Gurgel e equipe Minas Gerais Centro de Convivência Venda Nova/Ana Paula Novaes Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento – CPCD/Tião Rocha e equipe Comunidade dos Arturos/Capitão Jorge, Capitão Toninho, Ester Antonieta Santos, Pedrina de Lourdes Santos e equipe


Família Silva Teatro de Bonecos Fundação Clóvis Salgado – Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais/ Luciane Costa e equipe Instituto Cultural Inhotim/María Eugenia Salcedo Repolês e equipe Instituto Kairós/Rosana Bianchini e equipe Museu Mineiro Palácio das Artes – Sala Juvenal Dias/Sandra Campos e equipe Rainha Isabel e irmandade de Concórdia Trem Tan Tan Pará Secretaria de Estado de Cultura Pará Teatro Estação Gasômetro/Leonardo Santos e equipe Paraíba Centro Cultural Piollin Paraná Centro Cultural Teatro Guaíra/Mara Moron e equipe Teatro José Maria Santos/Gilberto Tuyuty e equipe Pernambuco Centro de Formação e Pesquisa das Artes Cênicas Apolo-Hermilo/Vavá Schön-Paulino e equipe Edson de Oliveira Silva Secretaria de Cultura do Recife Teatro Apolo/Izolda Barreto e equipe Piauí Núcleo do Dirceu/Regina Veloso e equipe Rio de Janeiro Apae Niterói APAfunk/Mano Teko e equipe Baukurs/Dina e equipe Bem TV/Daniela Araujo, Marcia Correa e Castro e equipe


Biblioteca Parque de Manguinhos/Alexandre Sabóia e equipe Casa do Saber/Luiz Antônio e equipe Centro Cultural Donana/Dida Nascimento e equipe Chris Caselli Crescer e Viver/Vinícius Daumas, Wilson Souza Costa e equipe EAV – Escola de Artes Visuais do Parque Lage/Izabela Pucu e equipe Enraizados/Dudu Morro Agudo e equipe Escola Nacional de Circo/Bruno Gawryszewski Galeria de Artes Pretos Novos/Merced Guimarães e equipe Gingas – Casa da Cultura Afro-Brasileira Guilherme Whitaker Instituto Tear Ivana Bentes Marcus Faustini Museu de Imagens do Inconsciente/Gladys Schincariol e equipe ONG Arte da Possibilidade Projeto Cinema Nosso/Luis Carlos do Nascimento, Mércia Britto e equipe Rodrigo Felha Teatro Sesi Centro Rio de Janeiro/Ronaldo Ribeiro e equipe TV Tagarela Universidade das Quebradas (MAR – Museu de Arte do Rio)/Angela Carneiro, Beá Meira e equipe Rio Grande do Norte Casa da Ribeira/Ana Cláudia Viana e equipe Rio Grande do Sul Casa de Cultura Mario Quintana – Teatro Bruno Kiefer/Sara Sirianni e equipe Rondônia Sesc Rondônia/Claudio Ramalhaes Feitosa e equipe Teatro 1 Sesc/Ceiça Farias, Fabiano Barros e equipe Santa Catarina Apae Gaspar Femusc – Festival de Música de Santa Catarina Fundação Catarinense de Cultura/Mary Elizabeth Benedet Garcia e equipe Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte de Santa Catarina Teatro Álvaro de Carvalho/Soraya Foes Bianchini e equipe


São Paulo Ana Mae Barbosa Ana Teixeira Antonio Nóbrega Associação Cultural Kinoforum/Aline de Souza Camargo Assis, André Oliveira da Cunha, Jorge Barbosa Guedes e William Hinestrosa Associação Cultural Vila Maria Zélia/Éride Albertini e equipe Claudia Schapira Coletivo SIM! Espaço Cenográfico Fábricas de Cultura (Poiesis – Organização Social de Cultura)/Guilherme Teixeira, Kluk Magri Neto/Thiago Saraiva e equipe Fernanda Ferreira dos Santos Grupo Sobrevento/Maurício Santana e equipe Instituto Brincante/Flora Barcellos, João Mario Machado, Kallu Whitaker, Luciano Fagundes, Marina Prathes, Rosane Almeida e equipe Isabel Marques J. C. Serroni Jean Marcel Silva Jéssica Orlandi Margarete Oliveira Maria Helena Santos Marisa Bentivegna Marisa Fonterrada Moa Simplício Música e Movimento/Uirá Kuhlmann e equipe Priscila Barbosa Projeto Guri Santa Marcelina/Valéria Zeidan e equipe Renata Bittencourt Renato Janine Ribeiro Silas Redondo Teca Alencar de Brito Tuca Pradella Trupe do Trapo/Sérgio Zanck e equipe Tocantins Povoado Quilombola de Mumbuca


Rumos Educação, Cultura e Arte – 2011/2013

INSTITUTO ITAÚ CULTURAL Presidente Milú Villela Diretor superintendente Eduardo Saron Superintendente administrativo Sergio Miyazaki Núcleo de Educação e Relacionamento Gerência Valéria Toloi Organização Tatiana Prado Ana Estaregui Produção executiva Ana Paula Drudi Miranda Maria Cecília Lopes Guimarães Otávio Bontempo (estagiário) Núcleo de Comunicação e Relacionamento Gerência Ana de Fátima Sousa Coordenação editorial Carlos Costa Produção editorial Lívia Gomes Hazarabedian


Redação e edição de textos Micheliny Verunschk (terceirizada) Coordenação de revisão Polyana Lima Revisão Rachel Reis (terceirizada) Regina Pereira (terceirizada) Direção de arte Jader Rosa Projeto gráfico e design Lu Orvat Design (terceirizada) Produção gráfica Lilia Góes (terceirizada) Ilustrações Catarina Bessell (terceirizada) Edição de imagens André Seiti Núcleo de Audiovisual e Literatura Gerência Claudiney Ferreira

Coordenação Kety Fernandes

Produção Ricardo Tayra

Produção de imagens Fabrício Noronha (terceirizado) Edição de imagens Karina Fogaça


tipografia Verlag e Matrix II Script papel Supremo Alta Alvura 350 g, Vegetal Clear Plus 112 g, Offset 120 g, colorplus cor Fidji, colorplus cor Madrid, colorplus cor Paris, colorplus cor Tahiti, 120 g impress達o Pancrom tiragem 4.500


­­­­­­­­­­­­­­­Centro de Documentação e Referência Itaú Cultural­­ Catalogação na publicação (CIP)

Sentidos : Rumos Educação, Cultura e Arte 2011-2013. – São Paulo : Itaú Cultural, 2013. 188 p.

ISBN 978-85-7979-043-0 1. Arte-educação. 2. Arte e educação. 3. Educação e cultura. I. Título. CDD 707





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