Coordenação Geral Mandato do Vereador Ivan Moraes
Coordenação Técnica Ana Cecília Cuentro Nascimento (Mestra em Sociologia pela UFPE e Doutoranda na UFPB)
Colaboração Técnica Marília Gomes do Nascimento (Mestra em Sociologia pela UFPE e Doutoranda em Sociologia na UFPE)
Pesquisadoras de Campo Ana Cecília Cuentro Nascimento Lays Albuquerque Marília Gomes do Nascimento
Apoio Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Comércio Informal – SINTRACI
Fotos Beto Figueiroa
LISTA DE SIGLAS ETCO - Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial FGV - Fundação Getúlio Vargas IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBRE - Instituto Brasileiro de Economia IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada MTST- Movimento das/os Trabalhadores/as Sem Teto PCR - Prefeitura da Cidade do Recife PIB - Produto Interno Bruto PNAD - (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio- trimestral) PSOL – Partido Socialismo e Liberdade SINTRACI - Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Comércio Informal SPPS - Statistical Package for the Social Sciences
LISTA DE GRÁFICOS, MAPAS E TABELAS Mapa 1 - Avenida Conde da Boa Vista Tabela 1 - Distribuição por Gênero das/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista Gráfico 1 - Orientação Sexual das/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista Tabela 2 – Faixa Etária das/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista Gráfico 2 – Idade das/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista Gráfico 3 – Raça/cor das/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista Tabela 3 – Escolaridade das/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista Gráfico 4 - Escolaridade das/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista Gráfico 5 – Religião das/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista Gráfico 6 – Estado Civil das/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista Gráfico 7 - Filhas/os das/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista Gráfico 8 – Quantidade de Filhas/os das/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista Gráfico 9 – Cidade das/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista Gráfico 10 – Tipo de Moradia das/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista Gráfico 11 – Dependentes financeiros das/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista Gráfico 12 – Quantidade das/dos dependentes financeiros das/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista Gráfico 13 – Dependentes/ pessoas com deficiência das/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista Gráfico 14 – Local de trabalho das/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista Gráfico 15 – Motivos de ser ambulante das/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista Gráfico 16 – Tempo de ambulante das/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista Gráfico 17 – Fonte de renda das/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista Gráfico 18 – Horas de trabalho das/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista Gráfico 19 – Tipo de mercadoria comercializada pelas/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista Gráfico 20 – Origem da mercadoria comercializada pelas/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista Gráfico 21 – Apurado mensal das/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista Tabela 4 – Gênero x Produto
“Trabalhar é um direito”: Uma análise do perfil socioeconômico e das condições de trabalho das/os trabalhadoras/es do comércio informal da Av. Conde da Boa Vista na cidade de Recife Nos últimos anos vivenciamos o aumento vertiginoso do desemprego em nosso país. Proporcional a esse aumento, constata-se uma crescente no número de trabalhadoras e trabalhadores1 no exercício de atividades comerciais nas ruas, calçadas, ônibus e metrôs das cidades na luta pela sobrevivência. Dados da PNAD-Contínua2 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio- trimestral) de 2017 divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelaram que o número de trabalhadoras/es informais no país era de 37,3 milhões e representava 40% da população ocupada que exerce atividade remunerada. Ainda segundo o IBGE em 2018 o emprego informal superou pela primeira vez na história do país o emprego formal, 34,31 milhões de pessoas trabalhando por conta própria ou sem carteira assinada, contra 33,32 milhões em empregos formais. Desde então, esses números vêm aumentando e revelam a realidade enfrentada pelas/os trabalhadoras/es. A nível local, a última PNAD-Contínua3, divulgada em 22 de março de 2019 apontou que Recife é uma das doze capitais com maiores taxas de desocupação em todo país, alcançando 16,3%. Em pesquisa realizada com os camelôs do centro do Rio de Janeiro em 2018, pelo Observatório das Metrópoles, foi evidenciada a relação entre o aumento no número de desempregadas/os e o início da crise em 2015, que corroboram com os dados acima. Segundo o relatório: “há várias evidências de que a política de austeridade adotada pelo governo federal, a partir de 2015 e aprofundada após o golpe parlamentar de 2016, acentuou as situações de violação dos direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais da população e acirrou as desigualdades no país (PLATAFORMA DHESCA BRASIL, 2017).” Nesse sentido, os dados apresentados acima, nos informam que as desigualdades sociais agravadas nos últimos anos, podem ser sentidas na falta de oportunidades de emprego formal. Quando somados a outras variáveis tais como raça, gênero e nível de escolaridade tornam-se ainda mais alarmantes. Diante desse cenário as/os trabalhadoras/es encontram no trabalho informal a 1
Há muitos anos, predominava no dialeto recifense, a expressão “camelô”, para se referir a essas/esses trabalhadoras/es. No entanto, nos últimos anos percebemos que o termo “ambulante” e “trabalhador informal” está sendo mais usado. Existe também o uso da expressão “comércio popular”, porém ainda não “caiu na boca do povo” e poucas pessoas falam. No relatório utilizaremos os dois termos: trabalhadora/o informal e ambulante. 2 Para saber mais: https://exame.abril.com.br/economia/informalidade-cresce-e-atinge-373-milhoes-detrabalhadores-em-2017-diz-ibge/. Acesso em março de 2019 3 Para saber mais: https://www.folhape.com.br/economia/economia/economia/2019/02/23/NWS,97255,10,550,ECONOMIA,2373-TAXADESEMPREGO-CAI-PERNAMBUCO.aspx. Acesso em março de 2019.
alternativa para o sustento de suas famílias. Em Recife, concentram-se, principalmente no centro da cidade, nos bairros da Boa Vista e São Jośe, além dos ônibus e metrôs que circulam na Região Metropolitana. Atualmente existe um vácuo legislativo quanto à regulamentação da atividade informal na cidade do Recife. Em uma busca no site da Prefeitura da Cidade há uma série de leis, que não explicitam as regras vigentes para a atividade e não delimitam os parâmetros para ações de apreensão das mercadorias das/os ambulantes, por exemplo. A falta de regulamentação da atividade tem aberto brechas para que as ações de controle urbano, da Prefeitura da Cidade do Recife, sejam realizadas, muitas vezes, de maneira arbitrária e compulsória, com apreensão de mercadorias das/os ambulantes e remoção de seus locais de trabalho, sem aviso prévio ou respaldo jurídico. Para além das apreensões, remoções e realocações, a prefeitura da cidade, recentemente, montou barreiras nas ruas paralelas à Boa Vista, como a Sete de Setembro e a Imperatriz para impedir a livre circulação das/dos ambulantes e carroceiras/os que trabalham percorrendo as ruas do centro vendendo água e alimentos. Entretanto, é importante compreender que essas ações estão alinhadas a uma política de gentrificação da cidade e nomeadas pelo poder público como projetos de “requalificação” e controle urbano. Antonio Marques (2017) afirma que a gentrificação ao se propor revitalizar espaços, tem como objetivo submerso, na verdade, modificar os perfis das pessoas que o frequentam. Ele defende que há “um refinamento proposital do espaço” para excluir as classes baixas ao tornar o espaço “mais agradável” para as classes “mais abastadas”. De modo geral, a política de gentrificação tem como objetivo deixar mais “bela” e mais “nobre” determinadas áreas, ou seja, prevê alteração da paisagem com base em conceitos de belo e nobre definidos por uma elite empresarial e política, que lhes favorece e privilegia o seu usufruto. Esse processo de “reorganização” do espaço público se intensificou nos anos que antecederam a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 e vem sendo executado pelo poder Executivo desde então, de maneira compulsória e sem compromisso com as comunidades e populações impactadas por esses processos. A exemplo de capitais como Recife, Fortaleza e Rio de Janeiro que vivenciaram casos emblemáticos de remoções de comunidades inteiras dos locais onde seriam erguidas obras para os dois eventos. No Recife, um dos casos que mais impactou foi a retirada das
famílias da comunidade Beira Rio na zona sul da cidade para dar lugar a um megaempreendimento, o shopping RioMar, edificado em cima de um manguezal que convivia harmoniosamente com as comunidades, constituindo-se na sua principal fonte de sobrevivência. Nessa mesma época iniciouse o processo de limpeza social, com a retirada das/os ambulantes das ruas das grandes capitais do país. Tanto as remoções e desocupações das comunidades, quanto às práticas de higienização social sofreram resistência por parte da população. Entre os anos de 2012-2016 aconteceram vários protestos que tentaram impedir a concretização desses projetos. Nessa perspectiva, não podemos esquecer das transformações ocorridas nos Armazéns do Recife Antigo, que hoje dão lugar aos restaurantes luxuosos e o projeto Novo Recife no Cais José Estelita, que apesar de diversas ações judiciais perpetradas contra a legalidade do processo de compra e venda do terreno, continua tendo seus alvarás aprovados pela Prefeitura do Recife. A partir dessa lógica, compreendemos que essas políticas se alinham ao projeto de requalificação, que dentre outros objetivos, visa a realocação e/ou remoção das/os ambulantes da Boa Vista e seu entorno ainda no primeiro semestre de 2019. O projeto de requalificação da Boa Vista está previsto como um dos objetivos do Plano Diretor4 da cidade, que consiste em: “um planejamento municipal que reúne estratégias, diretrizes e regras que norteiam a política de urbanização das cidades, ou seja, ele orienta o desenvolvimento urbano, organizando o crescimento e funcionamento da cidade”, como consta no site oficial da Prefeitura. Esse plano de 2008 visa, dentre outros objetivos, reorganizar a área central da cidade, tendo como ponto nodal da discussão a necessidade de organização do espaço e consequentemente a retirada das/os ambulantes da avenida, que segundo o poder público, cresce de forma desordenada ao ocupar as calçadas e obstruir as vias centrais, impedindo o ir e vir das pessoas. É nesse contexto que surge o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Comércio Informal- SINTRACI. Através do contato com a União dos Barraqueiros da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), que desde 2011 travava a luta pela padronização e regularização das barracas no entorno da UFPE e Hospital das Clínicas, o diálogo junto aos ambulantes da Boa Vista foi iniciado. O dia 12 de dezembro de 2012 é o dia de criação do SINTRACI, que a partir desse momento passa a encampar a luta das/os trabalhadoras/es do comércio informal da cidade do Recife, em especial da Boa Vista. Desde então, já são mais de 500 associadas/os e mais de 40 protestos contra os projetos e políticas de urbanização da Prefeitura da Cidade do Recife (PCR), sob a 4
Para saber mais: http://planodiretordorecife.com.br/o-que-e/. Acesso em março de 2019.
coordenação da Secretaria de Controle Urbano, que tentam remover trabalhadoras e trabalhadores do comércio informal sem a apresentação de alternativas. As reivindicações das/os ambulantes representa hoje, junto com movimentos como o MTST (Movimento das/os Trabalhadores/as Sem Teto), Ocupe Estelita dentre outros, a luta pelo direito à cidade. Esta luta diz respeito à utilização do espaço público pela população e não somente pelas corporações com suas grandes obras que só alcançam e acessam aqueles “que podem pagar”. Ao contrário dessa lógica, a luta pelo direito à cidade reivindica que as populações das classes mais baixas, possam ter garantidos seus direitos à moradia digna, ao trabalho, transporte público de qualidade e com preço acessível, equipamentos públicos de saúde, educação e lazer de qualidade e à sua disposição. Diante do contexto aqui apresentado, do início do projeto de requalificação urbana chamado “Nova Conde da Boa Vista” e frente aos desafios enfrentados pelas/os ambulantes, o mandato do vereador Ivan Moraes, do Partido Socialismo e Liberdade - PSOL, em parceria com o SINTRACI idealizaram essa pesquisa com o intuito de mapear e construir o perfil socioeconômico das/os ambulantes, bem como analisar os impactos de uma possível remoção e consequente perda de seus locais de trabalho e renda, compreendendo que o trabalho informal contribui para a economia do Recife. Tal iniciativa motivou-se, também, pelo fato de que o último levantamento cadastral de trabalhadores/as do comércio popular na Conde da Boa Vista ter sido realizado em 2013, portanto, há mais de cinco anos! A pesquisa foi realizada de 11 a 15 de março de 2019 em caráter censitário, ou seja, foram entrevistados/as todos/as ambulantes que trabalham na Avenida Conde da Boa Vista nos três turnos (manhã, tarde e noite), totalizando 304 entrevistadas/os, tendo, apenas 20 ambulantes se negado a responder o questionário. Importante salientar que devido a esse projeto de requalificação, os ambulantes localizados nas esquinas da avenida também serão afetados e por isso foram contemplados na pesquisa. Iniciamos a pesquisa de campo pela calçada do lado direito, sentido cidade-subúrbio, no cruzamento da Avenida com a Rua da Aurora. Orientadas pelos integrantes do SINTRACI, que nos
acompanharam todos os dias da pesquisa, fizemos simultaneamente os dois lados de cada quadrante, para garantir que todas/todos fossem entrevistadas/os. Após percorrer toda a avenida, no sentido cidade-subúrbio, finalizamos no Posto de Gasolina com a Rua Dom Bosco. E retornamos no período da noite fazendo o percurso inverso (subúrbio-cidade) para abarcar as/os ambulantes que comercializam alimentos nas frentes dos cursos técnicos e faculdades.
Mapa 1 - Avenida Conde da Boa Vista
Fonte: Google Maps, 2019.
Mapa 2 – Mapa de Densidade de comerciantes populares na Conde da Boa Vista
Fonte: Coletivo Arquitetura Urbanismo e Sociedade - CAUS
Os dados foram coletados através de um questionário impresso. O questionário é instrumento de coleta de dados bastante utilizado na abordagem quantitativa da pesquisa social. E foi elaborado com a maioria das questões fechadas e algumas abertas, que tinham como objetivo conhecer o perfil socioeconômico das/os entrevistadas/os, além das condições do trabalho ambulante. As respostas foram tabuladas no software chamado Statistical Package for the Social Sciences – SPPS, que possibilitou que fossem realizadas as frequências (as contagens dos casos). Além de permitir a realização de cruzamentos entre as variáveis, contribuindo assim para a análise e interpretação dos dados. Como instrumento analítico complementar realizamos observações escritas sobre o campo, bem como diálogos com as/os ambulantes e o SINTRACI para auxiliar na compreensão da realidade. A pesquisa foi desenvolvida pelas Sociólogas e Pesquisadoras Sociais Marília Gomes do Nascimento e Ana Cecília Nascimento Cuentro, com a colaboração no trabalho de campo/aplicação dos questionários da Assistente Social Lays Albuquerque. Desejamos com essa pesquisa visibilizar a realidade vivenciada pelas/os ambulantes e com isso contribuir com a elaboração de projetos inclusivos que reconheçam a importância do comércio informal para a nossa sociedade e garantam condições dignas de trabalho. Nesse sentido, dividimos o relatório em duas seções para auxiliar na compreensão dos dados e análises. A primeira refere-se ao perfil social das/os entrevistadas/os, e a segunda sessão às condições de trabalho das/os ambulantes. Por fim as nossas considerações finais a respeito dos dados encontrados, a sua relação com a realidade social e os impactos do comércio informal para a economia, bem como, as consequências da possível remoção das/os ambulantes da Boa Vista em decorrência do projeto de requalificação defendido pelo Prefeitura da Cidade do Recife.
PERFIL SOCIAL DAS/OS AMBULANTES A primeira seção do relatório representa o perfil social das/os ambulantes entrevistadas/os. Os dados referem-se ao gênero, orientação sexual, raça/cor, idade, religião, escolaridade, estado civil, se tem ou não filhas/os, a cidade onde mora, moradia, tipo de moradia, se tem ou não dependentes financeiros e se estes/estas têm alguma deficiência. A compilação dos dados nos ajudam a compreender de forma integral um grupo de indivíduos, bem como nos auxiliam na análise de uma dada realidade social, como é o caso do trabalho informal. 1. Gênero Durante o período de 11 a 15 de março de 2019, entrevistamos 304 ambulantes, nos três turnos (manhã, tarde e noite) na Av. Conde da Boa Vista. Do total, 231 são homens cisgênero, o que representa 76%. As mulheres somam 72 entrevistadas e representam 23,7% e uma pessoa que se auto definiu andrógina5, com 0,3 %. Como é possível visualizar abaixo: Tabela 1 - Distribuição por Gênero das/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista Gênero
Frequência
Percentual
Homem cis
231
76
Mulher cis
72
23,7
Andrógino
01
0,3
Total
304
100
Fonte: Elaboração própria
5
Os termos utilizados para essa pergunta foram escolhidos a partir da categoria de gênero ou diversidade de gênero e buscou abarcar a pluralidade de gêneros existentes. Optamos por nos afastar de uma terminologia biológica resumida ao sexo com o qual a pessoa nasce e considerar a forma como se auto definem. Nesse caso, homem cis é aquele que se identifica com o órgão biológico com o qual nasceu (pênis), a mulher cis também se identifica com sua determinação biológica (vagina) e andrógina é aquela ou aquele que se identifica com os dois gêneros binários, homem e mulher, mas que sua identidade carrega características e comportamentos desses gêneros.
2. Orientação Sexual Gráfico 1 - Orientação Sexual das/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista
Fonte: Elaboração própria O gráfico acima nos mostra que 95,7% se auto definiram como heterossexual, 3% como homossexuais e 1% bissexuais. Considerando-se que heterossexuais são as pessoas que se relacionam com a/o indivíduo do gênero oposto, homossexuais são aquelas/aqueles que se relacionam com indivíduo do mesmo gênero e bissexuais se relacionam com os dois gêneros binários, feminino e masculino.
3. Idade Em relação à idade, o gráfico nos mostra que dentre as/os entrevistadas/os há uma predominância de pessoas jovens, com destaque para as faixas etária entre 20-24 e 25-29 anos e para as/os adultas/os entre 30-34 anos e 35-39 anos. A média da faixa etária está localizada entre 35-39 anos. Tabela 2 – Faixa Etária das/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista Idade 18-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 50-54 55-59 60-64 65-69 80 ou mais Total
Frequência 7 40 38 25 41 37 40 34 15 17 8 2 304
Gráfico 2 – Idade das/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista
Fonte:
Elaboração própria
4. Raça/Cor No que se refere à raça/cor das/dos entrevistados, os dados acima nos mostram que 74% são da raça/cor negra (somatório entre pretas/os e pardas/os), 22% são brancas/os e 2,6% são amarelas/os. Importante ressaltar que a categoria “negra” é uma categoria adotada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e engloba pretas/os e pardas/os. Por uma escolha metodológica, decidimos agregar as categorias “preta”, “parda” e “outra”6 numa única categoria “negra”. Gráfico 3 – Raça/cor das/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista
Fonte: Elaboração própria Ainda com relação a autodeclaração, é importante pontuar que, segundo o IBGE amarelas são as pessoas de origem asiática (japonesas, chinesas, coreanas e etc.). A partir das percepções das pesquisadoras, nenhuma das 8 pessoas que se autodeclararam amarelas tinham traços asiáticos. Parte das pessoas que se autodeclararam amarelas, ficaram em dúvida em relação a sua raça/cor e não apenas elas, mas muitas/os das/os entrevistadas/os demonstraram dúvidas no momento da pergunta. O que podemos compreender é que ainda há, por parte da população dificuldades quanto à autodeclaração racial. Contudo, por considerar e respeitar a determinação oficial de autodeclaração, mantivemos o dado conforme informado. 6
Numericamente, das pessoas entrevistadas, 35 responderam “outra” raça/cor. Dessas 34 informaram que eram “morena” e 1 afirmou ser mulato. A partir da compreensão dos estudos sociológicos das relações raciais no Brasil, decidimos por essa junção, pois as profundas desigualdades raciais e a persistência do racismo em nosso país, impedem que as pessoas se autodeclararem negra. Por isso muitas decidem pela autodeclaração parda ou morena.
5. Escolaridade Na tabela abaixo, veremos a frequência, ou seja, a quantidade de entrevistadas/os por período escolar, e o percentual que revelam o perfil escolar das pessoas entrevistadas: Tabela 3 – Escolaridade das/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista Escolaridade
Frequência
Percentual
analfabeto
15
4,9
1º grau incompleto
99
32,6
1º grau completo
39
12,8
médio incompleto
39
12,8
médio completo
100
32,9
superior incompleto
8
2,6
superior completo
4
1,3
Total
304
100
Fonte: Elaboração própria
Gráfico 4 - Escolaridade das/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista
Fonte: Elaboração própria
O gráfico acima nos permite visualizar melhor os dados da tabela anterior, e nos revelam que dentre as/os entrevistadas/os, apenas 1,3 % possuem ensino superior completo, seguido de 2,6% com ensino superior incompleto. As pessoas analfabetas representam 4,9% do total das pessoas entrevistadas. As pessoas que não concluíram o primeiro grau representam 32,6%, seguido de 12,8 % dos que possuem o primeiro grau. Em relação ao ensino médio, 12,8% não conseguiram concluir e 32,9% possuem ensino médio completo. Assim, compreendendo o somatório das pessoas entrevistadas que não concluíram o ensino médio, temos uma porcentagem expressiva de 63,2%. Ao cruzarmos a variável raça/cor com a escolaridade, em relação aos dois grandes grupos: pessoas negras (225) e brancas (67) podemos observar que 80% das/os analfabetas/os são negras/os e 20% são brancas/os, demonstrando uma disparidade significativa. As pessoas negras representam 75,8% das que não concluíram o ensino fundamental, ao contrário dos 22.2% das pessoas brancas. Ao seguirmos esse pensamento, o padrão se repete nas escolaridades mais baixas. Por exemplo, das 192 pessoas entrevistadas que responderam não ter ensino médio completo, 139 são negras, enquanto que 46 pessoas são brancas. Os dados acima revelam que o perfil da pesquisa em relação a escolaridade e raça/cor é um reflexo das desigualdades raciais históricas da nossa sociedade. Observamos que as pessoas negras são as com o menor grau de escolaridade em relação às brancas e consequentemente com menos chance de ser absorvida/o pelo mercado de trabalho formal. As desigualdades sociais em decorrência da raça/cor relegam as pessoas negras as maiores vulnerabilidades sociais: às piores condições de moradia, de escolaridade, aos empregos mais precarizados e com maiores dificuldades para sobreviver e sustentar suas famílias.
6. Religião
Gráfico 5 – Religião das/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista
Fonte: Elaboração própria
No que se refere ao perfil religioso, os dados do gráfico acima nos mostram a predominância dos católicos com 31,9%, seguido de 28,3% que declararam não possuir religião nenhuma. Das pessoas que responderam ser protestante, 26,3% são pentecostais (todas as igrejas evangélicas) e 4,3% são protestantes tradicionais (Igreja Batista, Anglicana, Presbiteriana, Metodista e Luterana). 0,3% afirmaram pertencer às religiões afro-brasileiras. Das 304 entrevistadas, 26 pessoas (8,6%) responderam pertencer a outras religiões, tendo a seguinte distribuição: 1 é Mórmon, 2 são Testemunha de Jeová, 10 são Cristãs e 13 Muçulmanos.
7. Estado Civil Os dados abaixo nos mostram que 55,6% são casadas/os; 3% separadas/os; 3% divorciadas/os (separação na justiça); 1,6% viúvas/os e 36,8% solteiras/os. Importante ressaltar que muitas/os das/os entrevistadas/os que responderam ser casadas/os, não o são no oficialmente, mas convivem juntas/os há muito tempo, o que configura união estável.
Gráfico 6 – Estado Civil das/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista
Fonte: Elaboração própria
8. Filhos
Os dados a seguir mostram que 78% das/os entrevistadas/os têm filhas e filhos, enquanto 22 % afirmaram não ter. No que se refere a quantidade de filhas/os, na faixa de 01 a 03 filhas/os temos 84%, entre 04 e 06 filhas/os tem-se 12,7% e com 07 filhas/os ou mais temos 3,4%, como é possível verificar abaixo: Gráfico 7 – Filhas/os das/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista
Gráfico 8 - Quantidade de Filhas/os das/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista
Fonte: Elaboração própria
9. Cidade/Moradia
Em relação, ao local de moradia das pessoas entrevistadas, os dados do gráfico abaixo revelam que 59,5% das/os entrevistadas/os moram em Recife; em Olinda moram 16,1%; seguido de 10,2% em Jaboatão dos Guararapes, 5,6% em Camaragibe e 4,9% em Paulista. As cidades de São Lourenço, Igarassu e Abreu e Lima tiveram respectivamente as seguintes porcentagens: 1%; 0,7% e 0,3%.
Gráfico 9– Cidade das/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista
Fonte: Elaboração própria
É notório que a maioria das pessoas moram nas cidades da Região Metropolitana do Recife mais próximas do centro da cidade, com destaque para a cidade do Recife, especificamente para os bairros do centro (Boa Vista). Cabe salientar ainda, que houve uma predominância de bairros periféricos. Em Recife, há grande concentração de pessoas no bairro do Ibura (16 pessoas), Água Fria (11 pessoas) e Coelhos (7 pessoas); na cidade de Olinda, os bairros periféricos que se destacam são: Águas Compridas (18 pessoas) e Cidade Tabajara (8 pessoas).
Com relação à moradia das pessoas entrevistadas, os dados mostram que 44,1% moram em casas isoladas, 1,6% em cômodos (principalmente quartos), 20,4% em apartamentos e 32,6% em casas conjugadas (divisão de um mesmo terreno para várias casas). No gráfico abaixo podemos verificar o tipo de moradia. Os dados nos mostram que 53% da/os entrevistadas/os têm moradia própria; 3,9% moram em imóveis cedidos (principalmente casas); 1,3% em ocupações e 41,8% em imóveis alugados. Desses dados, 2 pessoas afirmaram morar em palafitas e 2 em pensão. Ressaltamos que segundo os relatos, aquelas e aqueles que possuem casa própria, são imóveis de herança e em locais de antigas ocupações, ou seja, filhas/os e netas/os para quem os imóveis foram deixados, terrenos de usucapião, nos quais seus descendentes já habitavam. Gráfico 10 – Tipo de Moradia das/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista
Fonte: Elaboração própria
10. Dependentes financeiros Em relação aos dependentes financeiros, das 324 pessoas entrevistadas, 251 informaram que possuem dependentes financeiros. Das 72 mulheres entrevistadas, 57 possuem dependentes financeiros e dos 231 homens entrevistados, 193 possuem dependentes financeiros. No gráfico abaixo, é possível verificar o percentual total desse dado. Gráfico 11 – Dependentes financeiros das/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista
Fonte: Elaboração própria
Gráfico 12 – Quantidade das/dos dependentes financeiros das/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista
Fonte: Elaboração própria
Os dados acima nos mostram que 44,2% possuem até dois dependentes; 44,6% mais de dois e até cinco e 11,2% mais de cinco dependentes. Ressaltamos que das 251 pessoas que afirmaram ter algum dependente financeiro, 196 informaram que as/os dependentes são crianças e adolescentes, 175 afirmaram que são pessoas adultas e 50 que seus/suas dependentes são pessoas idosas. Do
perfil
das/os
dependentes, boa
parte
são
filhas/os
menores
de
idade
e
esposas/companheiras. Esse último dado pode ser exemplificado pelas esposas/companheiras pelo perfil dos entrevistados serem majoritariamente homens, heterossexuais, casados e com filhas/os. Outro ponto é que durante a aplicação dos questionários muitas/os das/os entrevistadas/os informaram que recentemente, devido a crise econômica e ao desemprego passaram a ajudar as/os
filhas/os desempregadas/os e sem renda. Salientamos também que mais de 50% das/os entrevistadas/os têm mais de dois dependentes. Gráfico 13 – Dependentes/ pessoas com deficiência das/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista
Fonte: Elaboração própria
Os dados acima nos mostram que 41,7% das/os dependentes com deficiência são pessoas adultas; 33,3% são idosas e 25% são crianças e adolescentes. A partir da exposição dos dados acima podemos concluir que o perfil social das/os ambulantes entrevistadas/os constitui-se da seguinte forma: 76% são homens cisgênero em relação aos 23,7% de mulheres cisgênero; desses/as 74% são negros/as e 22% brancas/os, jovens entre 20-30 anos e adultos, com maioria, entre 35-39 anos. Dessas/es 95,7% são heterossexuais com a escolaridade dividida entre 32,6% primeiro grau incompleto e 32,9% com ensino médio completo. Em sua maioria casadas/os, 55,6% e 31,9% pertencentes à religião católica. 77,3% possuem filhos/as. 59,5% moram em Recife, principalmente nos bairros do Ibura e Boa Vista, com no mínimo 2 dependentes financeiros. 53% moram em casa própria. Dos entrevistados 13 são senegaleses. Dessa forma, a predominância constitui-se em homens, cisgênero, entre 35-39 anos, negros, heterossexuais, casados, com filhas/os, divididos quanto ao grau de escolaridade, católicos e moradores de Recife.
De acordo com dos dados e a vivência no campo, algumas motivações e questões sóciohistóricas podem ser apontadas para a definição desse perfil. Historicamente, os homens são socializados para vivenciar e ocupar o espaço da rua, encontrando ali também um meio de sobrevivência. Sendo o comércio um dos principais caminhos profissionais que se abrem para eles, e o trabalho informal para aqueles com baixa escolaridade. A rua como uma oportunidade para sobreviver. E não apenas para os de baixa escolaridade, mas como uma escolha pelas vantagens que apresenta, tais como a autonomia de fazer o próprio horário, ser “o próprio patrão” e o gosto por comercializar. Muitos, como veremos adiante são ambulantes desde pequenos, começaram o trabalho com os pais e hoje possuem seus próprios pontos, como um ofício hereditário, passado de pai para filho. Desse modo, compreendemos que através desse processo socializador, que permite aos homens está nas ruas com maior tranquilidade, familiaridade e segurança e pelas vantagens oferecidas pelo trabalho informal há uma predominância masculina nesse ofício. O que nos chamou a atenção foi o baixo número de mulheres como ambulantes, quando comparadas aos homens. Boa parte delas são comerciantes de alimentos e/ou ajudante de seus esposos e companheiros. Uma possibilidade para esse cenário é que da mesma forma que os homens são socializados como detentores legítimos das ruas, às mulheres esse direito é negado e ocupá-la representa também a disputa pelo espaço público, para pôr sua tela, seu carrinho de batata frita ou espetinho as mulheres enfrentam mais desafios, principalmente em um contexto social como o nosso em que as desigualdades de gênero e a violência fazem parte do cotidiano das mulheres tornando a rua um ambiente mais perigoso para elas. Outro ponto é que as mulheres de baixa escolaridade e majoritariamente negras, frente à falta de oportunidades no mercado de trabalho formal, ocupam-se das atividades relacionadas ao cuidado, como empregadas domésticas, cozinheiras, cuidadoras e diaristas, sendo também donas de casa, exercendo todas essas atividades não remuneradas em seu próprio lar e para o sustento cotidiano dos familiares que saem para o trabalho nas ruas, exercendo também trabalho de cuidado com os outros, familiares ou não. Nesse sentido, as mulheres exercem atividades, historicamente, impostas a elas pelos sistemas patriarcais e racistas. Que não só restringem suas possibilidades no mercado de trabalho como as vulnerabiliza quando conseguem uma vaga, devido aos baixos salários, tripla jornada de trabalho e a precariedade da informalidade, como no caso das empregadas domésticas. Esse contexto sócio-histórico está diretamente relacionado com o dado revelado na pesquisa que, das 72 mulheres entrevistadas, 42 nunca tiveram sua carteira de trabalho assinada, representando 58,3%. A junção desses fatores apontam possíveis questões que justificam o baixo número de mulheres no comércio informal da Boa Vista.
Outro dado que chamou a nossa atenção refere-se ao recorte racial, pois 74% das/os entrevistadas/os são negras/os. O que nos aponta para as desigualdades raciais, que historicamente, relegam à baixa escolaridade, aos piores empregos e a falta de oportunidade às pessoas negras. Quando relacionamos as duas variáveis raça/cor e escolaridade são as pessoas negras e, principalmente, os homens negros com menor grau de escolaridade e com maiores taxas de analfabetismo. Os efeitos da baixa escolaridade podem ser sentidos no mercado de trabalho. Os dados do Ipea de 2017 afirmam que só no ano de 2089 negros/as e brancas/os terão equiparação salarial. Diante dessa realidade, os homens negros acabam por ocupar os espaços do comércio informal como principal fonte de renda e sobrevivência. Em relação à idade, apesar de a média por entrevistada/o está entre 35-39 anos, o número de jovens no comércio informal foi bastante significativo, 38% do total. Dados da última PNADContínua divulgados pelo IBGE em 22 março de 2019 apontam que os índices de desempregadas/os têm crescido muito entre as/os jovens, mesmo aquelas e aqueles escolarizadas/os têm encontrado dificuldades em se empregar. Esses dados nos auxiliam a compreender os números cada vez maiores de jovens inseridas/os no mercado informal e isso pode ser visualizado nesta pesquisa. Em relação ao número de dependentes, para nós ficou explicitado a centralidade da renda conquistada com o comércio informal para a sobrevivência familiar. Das/os entrevistadas/os, 78% afirmaram ter filhas/os e 44,6% possuem de 2 a 5 dependentes financeiros. Com destaque para as/os trabalhadoras/es que diante do cenário atual de crise têm ajudando filhos/as desempregadas/os, constituindo-se nesse momento como a única fonte de renda de suas famílias. Esses últimos dados nos permitem compreender a importância da renda advinda das/os trabalhadoras/es informais para a sobrevivência de suas famílias e com isso dimensionar os impactos negativos das remoções e/ou realocações de seus locais de trabalho.
DADOS DAS CONDIÇÕES DO TRABALHO AMBULANTE Os dados dessa seção são referentes às condições de trabalho das/dos entrevistadas/os: quais as motivações para tornar-se ambulante; há quanto tempo está nessa profissão; quantas horas trabalham por dia; se já trabalhou em outra ocupação; se já trabalhou de carteira assinada; se atualmente procura emprego; qual tipo de mercadoria comercializa e onde a adquire. São questões que nos permitem compreender mais sobre a realidade do trabalho informal e das/os ambulantes. 1. Local de Trabalho
Das pessoas entrevistadas, 95,7% informaram que não tem ponto fixo, ou seja, seu local de trabalho não está fixado/preso ao chão, a exemplo das carroças, tabuleiros e telas que são retirados ao fim do expediente. Enquanto que 4,3% são fixos, que compreendem as bancas de revista e os fiteiros. Importante salientar que, mesmo o ponto não sendo fixo, as/os ambulantes trabalham todos os dias nos mesmos locais. Alguns entrevistados, que estão há mais tempo no comércio informal, relataram que trabalham no mesmo local há 25 anos, por exemplo. Gráfico 14 – Local de trabalho das/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista
Fonte: Elaboração própria
2. Motivos para ser ambulante Em relação, ao porquê as pessoas “decidiram” ser ambulantes, 65,8% responderam que são ambulantes devido à dificuldade de encontrar emprego. A principal dificuldade apontada pelas/os entrevistadas/os é a baixa escolaridade. Enquanto que 20,7% disseram que o motivo seria a independência, a autonomia e liberdade que esse tipo de trabalho possibilita; e apenas 5,9 % informaram que seria para ganhar mais. Gráfico 15 – Motivos de ser ambulante das/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista
Fonte: Elaboração própria
As respostas diferentes desses três motivos correspondem a 7,6% do universo total e podem ser divididas em quatro grandes motivações: “herança de família”; ou seja, herdou do pai, da família esse ofício e nele trabalha desde criança. As/os ambulantes que comercializam desde pequenos/as afirmaram que por fazerem isso há muito tempo não se veem em outra atividade, além de acreditarem que é muito melhor ser comerciante informal do que trabalhar “para os outros”, como foi dito: “é melhor trabalhar aqui”. Há também as pessoas não admitidas em empregos formais por questões de saúde. Outras/os pontuaram que o valor do salário-mínimo ofertado no mercado formal
é insuficiente, que não impossibilita suprir as necessidades básicas de sua família, e no comércio informal, a depender do mês o apurado pode ser mais que um salário. Há essa possibilidade enquanto que no emprego formal não. Além, da exploração e o assédio moral existentes nas relações de trabalho formal. Essa última questão pode dialogar com o ponto acima em relação a possibilidade de sair de relações de exploração nos ambientes de trabalho e com isso ter mais independência, poder cuidar dos próprios horários e não se submeter a um patrão. Mesmo diante da diversidade das respostas, o fator desemprego predominou para que as/os entrevistadas/os se tornassem ambulantes, com o total de 65,8%.
3.Tempo de ambulante Gráfico 16 – Tempo de ambulante das/dos trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista
Fonte: Elaboração própria Os dados do gráfico acima revelam o tempo de trabalho das/dos ambulantes. Podemos observar que 27,6% estão entre 1 e 5 anos, seguido de 23,7 % que estão com mais de 5 até 10 anos; entre 10 e 20 anos temos 23%. Enquanto que na faixa de 20 até 30 anos temos 13,5%; há 7,9% com mais de 30 até 40 anos. Com menos de um ano, temos 3,0% e com mais de 40 anos temos 1,3%.
Diante desses dados, observamos que 69,4 % das pessoas entrevistadas estão trabalhando enquanto ambulantes há mais de 5 anos. No entanto, a maior média, 27,6% é de ambulantes que estão entre 1 e 5 anos na atividade. Podemos relacionar esse número ao aumento significativo de trabalhadoras/es no comércio informal desde o início das crises político-econômicas, há cinco anos em 2015.
4. Principais perfis de ambulantes A partir desses últimos dados (porque decidiu ser ambulante e tempo de ambulante), compreendemos que há três perfis principais de ambulantes que trabalham hoje na Av. Conde da Boa Vista: 1) aqueles que estão há muito tempo nesse ramo, numa média aproximada de 20 anos; 2) aqueles que perderam seus trabalhos formais devido a crise econômica e as novas determinações da reforma trabalhista; e 3) os imigrantes senegaleses, que forçados pela crise econômica no seu país, vieram buscar o sustento da família na cidade do Recife. O primeiro perfil, são os/as ambulantes que estão na atividade desde criança, que herdaram dos pais esse ofício. Pois, muitos relataram que começaram a trabalhar desde criança, para ajudar no sustento da família, e permaneceram até os dias de hoje. Outro fator importante associado a esse é a questão da baixa escolaridade. Por trabalharem desde crianças, muitos/as não concluíram o ensino médio. Apesar da constatação dessa realidade na pesquisa, essas duas variáveis podem caminhar juntas ou não, há as/os ambulantes que decidiram permanecer na atividade por opção. Outro perfil, que representa uma parcela significativa é o das pessoas vítimas da crise econômica que se aprofundou em meados de 2015. Elas relataram que, na verdade, “não decidiram ser ambulantes, mas tinha que ser, porque apesar de procurarem emprego, não conseguiram”. Outro fator que foi pontuado também, diz respeito a falta de tempo, um dos entrevistados indagou que “não teria como procurar emprego, ou ele trabalhava pra sustentar a família ou entregava currículo”, além do cansaço da busca sem êxito, que contribui para que muitas/os desistam do emprego de carteira assinada. O terceiro perfil é o dos imigrantes senegaleses, que segundo informações oficiais e meios de comunicação, começaram a chegar em maior número ao Brasil entre 2014-2015, são 220 morando em Pernambuco, a maior parte em Recife. Encantados pela promessa de crescimento econômico devido a Copa do Mundo e Olimpíadas, eles chegaram ao estado com a esperança de ajudar as famílias que ficaram em seu país.
O perfil dos 13 senegaleses entrevistados pela pesquisa é: homem cis; heterossexual (apenas um se autodeclarou pansexual);
negro; de religião muçulmana; 42,9% concluíram o ensino
médio; 76,9 % são casados (apenas 3 são solteiros), 84,6 % tem filhos (11 deles); residentes do bairro da Boa Vista, moram em apartamentos alugados. 69,2 % tem dependentes, com uma quantidade de dependentes elevada, com destaque para três que possuem cada um, respectivamente 8, 10 e 15 dependentes no Senegal, principalmente crianças e adultos; 53,8 % responderam que decidiram ser ambulante por causa da dificuldade de encontrar emprego e 30,8% disseram que se tornaram ambulante para ganhar mais para poder sustentar a família; 69,3% trabalham há mais de 5 anos nesse ramo. Em relação às condições de trabalho, 61,5% já trabalharam em outra atividade remunerada e 53,8% afirmaram nunca ter trabalhado de carteira assinada. A maioria trabalha mais de 8 horas por dia, com destaque para os 30,8% que trabalham 12 horas, tendo como mercadorias, os importados (relógios, bijuterias). 53,8% afirmam que recebem de 01 a 03 salários-mínimos. Contudo, é importante salientar que a média de salário informada é de 1 salário-mínimo e meio.
5. Fonte de renda Gráfico 17 – Fonte de renda das/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista
Fonte: Elaboração própria
Das/os ambulantes entrevistadas/os, 94,7% responderam que o trabalho informal é a sua única fonte de renda. Representando a maioria das/os respondentes, como nos mostra o gráfico acima. As duas últimas variáveis nos apontam para a necessidade do reconhecimento do trabalho informal como um meio legítimo de sustento das/os trabalhadoras/es. Visto que, de acordo com os dados sistematizados nessa pesquisa, 94,7% dos ambulantes da Boa Vista sobrevivem exclusivamente do comércio informal. Além da contribuição direta para e economia da cidade, a população das classes média e média baixa, compram, principalmente nos ambulantes, não só produtos, mas serviços, como o conserto de celulares, chaves e alimentação. Constituindo-se, em um meio acessível de consumo para essas classes e de fomento para a economia. De acordo com as informações do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em parceria com o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco), em 2018, a riqueza gerada pela informalidade seguiu uma tendência de crescimento, desde o início da crise no final de 2014. Ainda segundo os dados, a informalidade representa 16,9 % do Produto Interno Bruto - PIB do país. Dessa forma, é fundamental o reconhecimento e regularização do trabalho informal, como um meio digno e legal de trabalho. A regularização e o reconhecimento auxiliam para a garantia dos direitos trabalhistas das/os ambulantes e também protegem o ofício e suas condições de trabalho.
5. Horas trabalhadas Outro ponto importante diz respeito às horas trabalhadas e às condições de trabalho. O gráfico abaixo nos aponta que a maioria dessas pessoas passam mais de ⅓ do seu dia trabalhando. Observamos que 56,6 % das pessoas, ou seja, mais da metade, trabalham de 8 a 12 horas diárias; seguido de 28% que trabalham entre 6 e 8 horas. Com mais de 12 horas de trabalho temos 8,9 % e com o menor percentual, apenas 6,6 % trabalham menos de 6 horas. Gráfico 18 – Horas de trabalho das/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista
Fonte: Elaboração própria O tempo medido em horas trabalhadas também nos apontam para a centralidade da atividade no cotidiano das/os ambulantes, que tais como outras/os profissionais, passam a maior parte de suas vidas trabalhando e/ou desenvolvendo atividades correlatas ao trabalho.
6. Condições de trabalho
No tocante às condições de trabalho, podemos observar ao longo da pesquisa que os/as ambulantes passam boa parte das horas trabalhadas em pé, sem acesso a banheiro, no calor ou na chuva, e em situações precarizadas e insalubres de trabalho. Fora o tempo de deslocamento de suas casas até o ponto e aquelas/aqueles que ainda passam mais horas preparando e organizando seus produtos. Como as pessoas que comercializam alimentos que, além do tempo que passam no ponto, de 4 a 6 horas por dia, há o tempo da compra e preparo dos alimentos, o que eleva ainda mais as horas trabalhadas e em pé. Como veremos mais abaixo, esse grupo é formado majoritariamente por mulheres. No que se refere a experiência no mercado de trabalho, apesar de 73,7% afirmarem já ter trabalhado em outra atividade remunerada, 44,7% nunca tiveram suas carteiras de trabalho assinadas. De acordo com a maioria das respostas, podemos caracterizar essas atividades remuneradas, como ocupações historicamente subalternizadas e precarizadas, tais como os trabalhos na construção civil e serviços gerais para os homens e empregadas domésticas para as mulheres. Combinando os dados acima, é possível perceber que essas pessoas, em sua maioria, nunca foram absorvidas pelo mercado de trabalho formal, em decorrência da baixa escolaridade e/ou ausência de profissionalização técnica. E por isso também que 76,3 % das pessoas informaram que não estão à procura de emprego atualmente. De acordo com as respostas espontâneas no momento da aplicação dos questionários, muitas/os relataram que não se “encaixam” nesse modelo de trabalho formal justamente pela falta de escolaridade, assim como também disseram que “cansaram” de colocar currículos, ir às agências de emprego e não ter oportunidades. Para aquelas e aqueles em idade avançada, entre 45-60 anos em situação de desemprego torna-se ainda mais difícil conseguir uma vaga e quando esse fator se soma à escolaridade, praticamente não há alternativas, fora do comércio informal.
7. Mercadoria
Gráfico 19 – Tipo de mercadoria comercializada pelas/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista
Fonte: Elaboração própria
No que se refere aos produtos comercializados, a partir dos dados observamos que há uma forte presença dos importados, principalmente os acessórios para celular com 45,1%; seguido dos alimentos com 39,1%; serviços e variedades (fiteiro, banca de revista) apresentam valores aproximados, 4,6% e 4,3%; os artigos de época representam apenas 1%. Cabe destacar que dentre os serviços prestados estão: aferição de pressão, chaveiros e esteticista. Os outros tipos de produtos somaram 5,9 %. Importante destacar ainda que dentro da categoria “importados” estão os produtos como óculos, relógios, bijuterias; e na categoria “artigos de época”, como o próprio nome diz, são produtos relacionados com a época do ano, por exemplo, sombrinhas, bonés, adereços para o carnaval, são joão, artigos de decoração para o natal e festas de fim de ano. Um dado relevante está relacionado a distribuição espacial desses produtos e os horários. Há uma grande concentração dos importados na calçada do Shopping Boa Vista e na calçada do antigo Colégio Marista pela manhã e à tarde. Já em relação a comercialização de alimentos, o horário é principalmente à noite, próximo ao Shopping Boa Vista, cinema São Luís e cursos técnicos e faculdades localizados ao longo da avenida.
Uma questão importante para pontuarmos, diz respeito à segurança proporcionada pela presença das/os ambulantes no período da noite na avenida. Dentro do campo da sociologia do crime e da violência, Claudio Beato (2012) argumenta que quanto mais ocuparmos os espaços públicos, há menos chances de ocorrências de crimes, tais como roubo e furto. A presença das pessoas funciona como um tipo de controle social da violência. A realidade atual da Avenida Conde da Boa Vista condiz exatamente com o que essa tese se propõe, o número de pessoas que trabalham e, principalmente, estudam à noite nessa região é bastante significativo. E nos relatos, durante a aplicação dos questionários e em conversas informais com as/os entrevistadas/os, foi dito que, a presença das carrocinhas de alimentos e comerciantes que ficam até tarde oferecem uma maior segurança para as pessoas devido à movimentação que se estende até 22-23 horas. Caso não houvesse o comércio informal naquela região, a sensação de segurança partilhada pelas pessoas, possivelmente seria menor, devido a uma baixa movimentação na região no período da noite. Gráfico 20 – Origem da mercadoria comercializada pelas/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista
Fonte: Elaboração própria Em relação ao local onde as mercadorias são adquiridas, prevalece com 71,4% as lojas, depósitos ou fábricas; seguida da fabricação própria/familiar com 20,4% e 6,6 % de fabricação de terceiros/artesanal.
Percebemos que os importados geralmente são comprados em lojas do próprio comércio da cidade do Recife; poucos informaram que compram as mercadorias em São Paulo. As/os vendedores que vendem água, pipoca e outras guloseimas, compram em depósitos e bombonieres. Alguns relataram que realizam pesquisa de preço para verificar qual local está mais em conta determinada mercadoria. As/os que trabalham com artesanato e com alimentos (lanches e refeições), a origem da mercadoria é própria ou familiar ou de terceiros. Verificamos que em muitas das carrocinhas de alimentos trabalham vários membros de uma família como ajudantes. As/os ambulantes que vendem raízes e frutas adquirem no Centro de Abastecimento e Logística de Pernambuco - CEASA. Esses dados são relevantes porque nos mostram como esse trabalho contribui para o desenvolvimento econômico da cidade, pois mantém uma série de outros empregos, das lojas, dos depósitos e até mesmos outros microempreendimentos informais familiares.
8. Apurado mensal
Gráfico 21 – Apurado mensal das/os trabalhadores informais da Av. Conde da Boa Vista
Fonte: Elaboração própria
Em relação ao apurado por mês, os dados revelam que 50,3% recebem até um salário-mínimo, enquanto que 47,4% recebem de 01 a 03 salários-mínimos. Apenas 1,3.% informaram que não sabiam responder quanto conseguiam apurar; 1% respondeu que recebiam mais de 03 salários, o que corresponde apenas 3 pessoas. É importante ressaltar que das/os entrevistadas/os que afirmaram receber de 1 a 3 salários, recebem no máximo 1 salário-mínimo e meio. Poucas pessoas afirmaram receber 2 salários.
Cabe dizer também que durante a aplicação dos questionários alguns
entrevistados informaram que atualmente está muito mais difícil “fazer um salário”, que antes da crise conseguiam apurar entre 1 e 2 salários. Hoje para sustentar a família com o básico (alimentação e aluguel) tem custado mais horas de trabalho e menos descanso, com ambulantes chegando a trabalhar os 3 turnos para garantir “o pão no fim do mês”. Um dado interessante diz respeito ao cruzamento das informações referentes a gênero e produto. A relação entre as duas variáveis gênero e produtos nos apontam que das entrevistadas: 37,8% comercializam alimentos; 10,2% importados; 35,7% serviços (aferir pressão, chaveiro, eletricista e etc); 23,1% variedades; 0% artigos de época; 27,8% outros (cola rato, escova de dente, cinto, carteira, bolsa, chapéu e etc.). Dos entrevistados: 61,3% comercializam alimentos; 89,9% importados; 64,3% serviços; 76% variedades e 72,2% outros. A média das mulheres comercializa alimentos em seguida dos serviços, já entre os homens, predomina o comércio de importados em seguida dos serviços.
9. Gênero x produto
Tabela 4 – Gênero x Produto Gênero x Produto tipos de produtos Gênero
alimentos importados serviços
Andrógino
outros
TOTAL
1
0
0
0
0
0
1
0,80%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,30%
45
14
5
0
3
5
72
37,80%
10,20%
35,70%
0,00%
23,10%
27,80%
23,70%
73
123
9
3
10
13
23 1
61,30%
89,80%
64,30% 100,00%
76,90%
72,20%
76,00%
119
137
3
13
18
30 4
100,00%
100,00%
100,00% 100,00%
100,00%
Mulher cis
Homem cis
TOTAL
artigos de variedades época
14
100,00% 100,00%
Fonte: Elaboração própria
A partir da análise dos dados acima, podemos compreender que as/os trabalhadoras/es estão expostos a fatores de vulnerabilidade social, que vão desde a quantidade de horas trabalhadas às condições de trabalho. Como podemos observar a renda apurada com o trabalho informal representa a única fonte de renda para 94,7% das/os entrevistadas/os. Podemos observar também que a/o comerciante informal trabalha em média de 8-12 horas por dia, com apurado mensal de 1 a 1 salário e meio, boa parte delas/deles comercializam nos três turnos e em condições precárias de trabalho. Estão cotidianamente expostas/os ao sol, chuva, lixo, esgoto a céu aberto e ao mal cheiro. Além das longas horas de trabalho, em pé, não realizam as refeições corretamente e possuem poucas pausas para o banheiro. Apesar desse contexto de vulnerabilidade, há também a luta e solidariedade entre as/os trabalhadoras/es, que se apoiam e se fortalecem no cotidiano. Desde quando uma/um precisa ir ao
banheiro e a/o vizinha/o “toma conta” da mercadoria, da tela ou carrinho de alimentos, e/ou nas brincadeiras para descontrair e aliviar o peso da lida diária. Ficou evidenciado também, a contribuição do comércio informal para e economia, geração de emprego e renda para as pessoas desempregadas e em situações de vulnerabilidade social. Assim, consideramos que o trabalho do comércio informal é uma atividade de grande impacto socioeconômico para a população, mas atualmente, sem condições dignas de trabalho e garantia de direitos. Somado a todos esses fatores, ainda vivem constantemente na iminência de perder suas mercadorias e locais de trabalho por parte dos agentes públicos que deveriam salvaguardar esse direito ao trabalho.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Através da pesquisa podemos observar que o trabalho informal exercido pelas/os ambulantes na Avenida Conde da Boa Vista é feito por homens e mulheres, brasileiros e estrangeiros, em sua maioria de pessoas negras, casadas com filhas/os, com baixa escolaridade, que encontram no comércio informal uma alternativa para a sobrevivência e sustento de suas famílias. São centenas de famílias, crianças e idosos, que dependem desse trabalho “suado” literalmente, pois elas/eles trabalham de sol à chuva, sem parar. Além das dificuldades próprias da profissão, os agentes externos também contribuem para a precariedade desse trabalho. A falta de regulamentação, por exemplo, proporciona grande instabilidade as trabalhadoras e trabalhadores do comércio informal, que diariamente estão suscetíveis à apreensão de mercadorias, o famoso "rapa", e a serem removidos dos seus locais de trabalho, através das ações de controle urbano realizadas pela Secretaria de Mobilidade e Controle Urbano. Essas ações não levam em consideração o fato de que, apesar de camelôs não serem fixos, muitos/as trabalhadores/as ocupam cotidianamente os mesmos espaços e, em boa parte dos casos, há muitos anos. É importante reforçar que mais de 65% das/os trabalhadoras/es informais exercem essa atividade hoje, em decorrência do desemprego. Ausências de oportunidades históricas, vivenciadas por várias gerações, devido à baixa escolaridade, que impede a profissionalização e inserção no mercado de trabalho formal. Uma das entrevistadas, uma mulher negra moradora do Jardim Jordão, durante a aplicação do questionário, desabafou: “eu não decidi ser ambulante, a necessidade me obriga”. Com o ensino fundamental incompleto e seis filhos, desde a adolescência trabalha como ambulante, já vendeu caldinho na praia, hoje vende água, pipoca e outras guloseimas para sustentar a família. Outro entrevistado está há 45 anos trabalhando como ambulante, começou aos 10 anos vendendo chocolate em frente ao cinema. O pai já era “camelô” e vendia pente de osso e envelope em frente aos Correios. O irmão também é ambulante. Assim como a outra entrevistada, ele também não decidiu ser ambulante, e nesse caso, “é algo de família”, ofício aprendido para conseguir o sustento. Esse discurso de “não escolhi ser ambulante” se repete de diferentes formas. A outra forma é dita por uma entrevistada jovem, casada, com um filho, residente em Prazeres e estudante de Direito. Ela relata que devido à implementação das novas diretrizes da reforma trabalhista foi
demitida da loja em que trabalhava, e para continuar os estudos e contribuindo com a renda familiar, decidiu ajudar o marido (que já era ambulante) a vender acessórios para celular. Com os imigrantes senegaleses essa lógica não é diferente. Com esperança de ter uma vida melhor no Brasil, com um emprego digno para sustentar a família, ao chegarem aqui, muitos viram que a situação não era tão boa quanto imaginavam e poucos conseguiram emprego formal. Desempregados, acabaram por ocupar as calçadas para comercializar suas mercadorias e poder ajudar suas famílias em África. Dito isto, podemos mais uma vez afirmar a centralidade que o trabalho informal tem na vida dessas 304 pessoas, e o quanto é fundamental para sobrevivência de outras 1.000 pessoas que dele dependem. Diante de tantos desafios enfrentados é preciso pontuar a importância de um sindicato organizado na luta pela garantia dos direitos da/o trabalhadora/o do comércio e prestação de serviço informal. O SINTRACI, hoje, representa uma força importante no estado, de organização e resistência das trabalhadoras e dos trabalhadores do comércio e prestação de serviço informal que, frente ao crescente aumento do desemprego e à falta de regulamentação da profissão, vivem em constante insegurança diante das ações de controle urbano do Poder Público Municipal, que utilizando-se do seu poder de polícia frequentemente remove as/os trabalhadoras/es de seus locais de trabalho e com isso a sua única fonte de renda, sem apresentar alternativa. Através da pressão social, por meio de protestos de rua e articulação institucional com organizações da sociedade civil, movimentos sociais e mandatos parlamentares, o sindicato tem pressionado o Poder Público Municipal a abrir diálogo para construir alternativas e garantir o direito ao trabalho de milhares de pessoas no Recife. Diante das análises e de tantos desafios aqui expostos, o presente relatório nos ajuda a compreender as realidades e condições de trabalho das mulheres e homens do comércio informal da avenida Conde da Boa Vista. O perfil socioeconômico elaborado, com base na coleta de dados, possibilita a compreensão da centralidade do comércio informal na vida das/os entrevistadas/os e suas famílias, ampliando nossas capacidades de compreensão da realidade apresentada, bem como ofertando dados e análise para que o poder público reflita e desenvolva, junto com as/os trabalhadoras/es, um projeto inclusivo e que garanta condições dignas de trabalho, tal como prevê a nossa constituição. REFERÊNCIAS
BEATO Filho, Claudio Chaves. Crime e cidades. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012.
LIMA, Antônio Marques Silva. O Recife que ninguém vê: uma análise de morar no bairro do Pilar no Recife. Dissertação de mestrado da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Natal, RN, 2017. Observatório das Metrópoles; Movimento Unidos dos Camelôs. Camelôs: um panorama das condições de trabalho de homens e mulheres no centro do Rio de Janeiro. Projeto morar, trabalhar e viver no centro, 2019. Disponível em: http://observatoriodasmetropoles.net.br/wp/camelospanorama-das-condicoes-de-trabalho-de-homens-e-mulheres-no-centro-do-rio-de-janeiro/