O Brasil Segundo Lilia Schwarcz

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AURÉLIO ALVES/ESPECIAL PARA O POVO

Na manhã da última sexta-feira, 14, Lilia Schwarcz lançou novo livro e ministrou palestra na Universidade de Fortaleza (Unifor)

LIVRO. LANÇAMENTO

O BRASIL SEGUNDO LILIA SCHWARCZ

Em Fortaleza para palestra sobre seu último livro, Brasil: Uma Biografia, a antropóloga e historiadora Lilia Schwarcz argumenta que somos um País essencialmente ambivalente

Jáder Santana jader.santana@opovo.com.br

ilia Schwarcz cita Hannah Arendt para abrir o bate-papo. Quer nos instigar a pensar o cenário de crise como oportunidade para o exercício da atividade crítica, como momento privilegiado para o crescimento. Em Fortaleza para falar sobre o trabalho de pesquisa que resultou em seu último livro, Brasil: Uma Biografia, escrito em parceria com a historiadora Heloisa Starling, a antropóloga concentra seus argumentos na ideia básica de que nosso presente está cheio de passados. Nascida em São Paulo no final da década de 1950, Lilia é graduada em História pela Universidade de São Paulo (USP). Para seu mestrado e doutorado, escolheu se aventurar pelos meandros da antropologia social. Ao lado do marido, Luiz Schwarcz, fundou em 1986 a Companhia das Letras, que mais tarde se firmaria como uma das maiores editoras do País. Autora de obras importantes como O Sol do Brasil e As Barbas do Imperador, ambos premiados em diferentes edições do Prêmio Jabuti, publicou Brasil: Uma Biografia no início de 2015. Com quase 800 páginas que cobrem cinco séculos da trajetória de seu biografado - da chegada de Pedro Álvares Cabral, em 1500, até a consolidação do processo de redemocratização, no início da década de 1990 -, o livro foi escrito a partir da visão que as autoras têm da história: “Não é apenas um exercício do lembrar. A história é feita, sobretudo, de esquecimentos”, argumenta Lilia. Chamar a obra de biogra-

L

fia sinaliza para um pretendido distanciamento em relação aos formatos tradicionais dos livros de história. “Nós (as duas autoras) falávamos do Brasil como ‘ele’, e o País foi ficando como um personagem”, explica Lilia. Aqui, os grandes triunfos dividem espaço com personagens desconhecidos que tiveram participação decisiva na formação de nossa identidade, como o alfaiate João de Deus, um dos líderes da Conjuração Baiana, movimento emancipacionista e abolicionista registrado no final do século XVIII.

Naturalmente ambíguos “Nosso biografado tem nos frustrado. Mas precisamos aprender a conviver com essa ambivalência”, afirma Lilia, argumentando que vivemos em um País de “temporalidades misturadas”, com uma história que reflete repetições e rupturas na mesma medida. Nesse processo, o racismo aparece como uma herança perpetuada, nascida da visão distorcida que a perspectiva eurocêntrica lançou para a nação “descoberta” em 1500. Os anos de escravidão também ajudaram a fortalecer o panorama que escorre até nossos tempos. Dos escravos que eram “mãos e pés do Brasil” em algumas regiões eles representavam 80% da população , nasceu o preconceito com o trabalho manual, com o esforço físico como forma de ofício. A autora estima que entre 8 e 11 milhões de africanos foram retirados de seu continente e vendidos como escravos. Só o Brasil recebeu 4,9 milhões desse total. “Os escravos tentavam como podiam reagir a esse sistema tão violento”, explica Lilia, que critica o processo de naturalização a que a estru-

tura escravocrata foi submetida. “Eles apareciam todos os dias em anúncios nos jornais, e o tráfico era mais lucrativo para a metrópole que a própria cana. Foi elaborada uma verdadeira arqueologia da violência, com manuais de castigos e a instituição de símbolos como os pelourinhos”. A autora avança seu raciocínio e conduz suas reflexões pelo processo de abolição “não foi um presente ou dádiva do poder, já existiam inúmeros quilombos que mostravam outras configurações” -, pelo absurdo das teorias eugenistas que falavam dos “bem nascidos” e pela falácia da redenção do Brasil pelo branqueamento de sua população. Quando sua análise chega aos nossos dias, conduzida por uma linha de raciocínio que não deixa escapar as relações de causa e efeito que ilustram a construção histórica do País e seu momento atual, salta aos olhos o reconhecimento de uma crise que é política e social. “Os historiadores do futuro vão estranhar a naturalização da corrupção, essa desigualdade social, esse momento de fragilidade”. Enquanto o futuro está sendo desenhado - com suas heranças malditas e acúmulos nocivos Lilia nos convida ao otimismo. Diante de um público majoritário de estudantes, guarda para o final sua faísca de esperança: “apesar de tudo, a gente tem a maior fé no nosso biografado”.

Brasil: Uma Biografia, de Lilia Schwarcz e Heloisa Starling 792 páginas Preço: R$ 59 Companhia das Letras


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