Androides em Crise

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m um mundo devastado pela guerra e escurecido por uma poeira corrosiva, como você distinguiria humanos remanescentes e robôs inteligentes? Rick Deckard, caçador de recompensas vinculado ao departamento de polícia de São Francisco, vasculha a cidade a procura de androides e neles aplica um teste que mede o grau de empatia das criaturas. Nesse futuro opaco, o único elemento eficaz para separar homem e máquina é a capacidade que um deles tem de se preocupar com o próximo. Mas em uma cidade onde homens precisam da religião para dilatar sua empatia, a linha que separa o real e o fabricado parece cada vez mais delgada. É essa a projeção trágica de Philip K. Dick para 2019 temos dois anos até lá! - em seu Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?, clássico da ficção científica publicado originalmente em 1968 e lançado no Brasil pela Editora Aleph. Levada aos cinemas no início da década de 1980 por Ridley Scott, que havia lançado o seminal Alien poucos anos antes, a história de Dick passou por reformulações de narrativa e trouxe Harrison Ford no papel do caçador de androides. Blade Runner não animou as plateias em seu lançamento, registrando recepção mista da crítica especializada, mas logo conquistou lugar de destaque nas prateleiras de cinema cult. O texto original situa sua trama nos anos que se seguiram à Guerra Mundial Terminus, quando uma poeira radioativa invadiu as cidades e dizimou espécies inteiras de plantas e animais. A maior parte da população emigrou para colônias interplanetárias, e os que decidiram permanecer na Terra dividem espaço com um lixo que prolifera sem controle, sinal de que as coisas criadas pelo homem agora tomam o lugar dele. Mas a criação de um cenário que precisou da ação humana para se tornar apocalíp apocalíptico não é o maior mérito do livro de Dick. O que o autor faz de melhor é empregar sua astúcia na elaboração de personagens essencialmente ambíguos, no desenvolvimento de diálogos evasivos e eixos de narração que avançam mais pela sugestão que pela certeza. Deckard, o caçador de androides cuja tarefa é capturar seis criaturas que estariam se passando

E

FICÇÃO CIENTÍFICA.

ANDROIDES EM CRISE Com o anúncio recente de que a sequência de Blade Runner vai estrear em 2017, o Vida&Arte mergulha em Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?, obra que originou a saga futurista

por humanos, é um protagonista perdido entre as evidências que coleta e as intuições que tenta reprimir. Em sua ficção científica existencialista, o que conduz a ação são as possibilidades filosóficas da vida, da religião, da tecnologia e da própria condição humana. “De fato, tudo em mim se tornou antinatural; eu me tornei um ser antinatural”, reflete Deckard, que assiste ao estremecimento de suas certezas quando enxerga em perspectiva as contradições que o rodeiam: precisa caçar uma androide entusiasta das artes enquanto sua própria esposa vive conectada a circuitos elétricos que lhe regulam as emoções. A adaptação de Ridley Scott, em prol de uma evolução mais ágil da narrativa, acaba suprimindo alguns pontos do texto de Dick. Toda a discussão sobre religião, por exemplo, foi deixada fora do roteiro para o cinema. No romance, a figura divina é representada por uma criatura virtual embutida em uma espécie de videogame de realidade aumentada. O objetivo do jogo é compartilhar as dores e as alegrias humanas, garantindo que cada cidadão se preocupe com seu vizinho. Originalmente, Dick não aprovou o roteiro adaptado e escolheu se afastar da produção do longa, mas mudanças no texto o trouxeram de volta ao projeto. O autor demonstrou entusiasmo pelo filme em carta enviada a um dos produtores de Blade Runner em 1981. No texto, presente na seção de extras da edição brasileira, Dick prenuncia que o impacto do longa “será simplesmente arrebatador, tanto em termos de público como para as pessoas criativas”. A edição nacional ainda traz a última entrevista do autor e uma análise do jornalista Ronaldo Bressane sobre a adaptação.

O AUTOR BLADE RUNNER 2049 A última semana de 2016 trouxe um presente que agitou o universo do cinema. Foi divulgado o trailer de Blade Runner 2049, sequência do filme de Ridley Scott lançado em 1982. O longa situa seus acontecimentos 30 anos depois dos eventos do primeiro filme e traz Ryan Gosling como um novo caçador de androides da polícia de Los Angeles que recebe a tarefa de encontrar Deckard, mais uma vez vivido por Harrison Ford. Dirigido por Dennis Villeneuve, do elogiado A Chegada, tem previsão de estreia para 5 de outubro deste ano.

Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?, de Philip K. Dick 272 páginas Quanto: R$39 Editora Aleph

Um dos grandes autores americanos do século XX, destacou-se na publicação de obras de ficção científica. Escreveu 44 romances e 121 contos, entre eles O Homem do Castelo Alto, Os Três Estigmas de Palmer Eldritch e Ubik, todos publicados no Brasil pela editora Aleph. Seus textos foram adaptados para o cinema em diversas ocasiões e deram origem a filmes como O Vingador do Futuro, Minority Report e Os Agentes do Destino. Dick morreu em 1982, três meses antes da estreia de Blade Runner, baseado em seu romance Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?.


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