Cinema com Rapadura - Críticas de Cinema (2011)

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CrĂ­ticas de 2011


A Casa dos Sonhos: corrida desenfreada em busca dos segredos Com elenco estelar e diretor premiado, longa reforça a máxima de que nem sempre esses fatores são sinônimos de um bom filme. Quando o nome de Jim Sheridan aparece pela primeira vez na projeção de “A Casa dos Sonhos”, muitos devem se perguntar: “é o cara que dirigiu ‘Meu Pé Esquerdo’ e ‘Em Nome do Pai’? Então, deve ser um bom filme com um enredo bem construído e picos dramáticos distribuídos de forma sensata”. No início dos créditos finais, quando seu nome surge pela segunda vez, a pergunta é outra: “será que é o mesmo diretor? Não é possível que esse filme tenha saído daquela cabeça”. E vamos para casa com a certeza de que até os grandes nomes cometem seus deslizes. Aqui, Sheridan foi soterrado por um filme tão insosso, sem propósito e mal construído, que o próprio cineasta solicitou que seu nome fosse retirado dos créditos. A Associação dos Diretores Norte-Americanos não aceitou o pedido, nem com as explicações de que os produtores haviam reeditado o longa de modo que o enredo foi completamente distorcido, e suas credenciais continuaram lá, para sua vergonha e nossa desconfiança repentina. Talvez essa breve introdução já seja suficiente para que você, caro leitor, perceba o quanto esse filme não causou nenhuma boa impressão ao que vos escreve. Caso ainda queira explicações, vamos aos motivos. A premissa da velha casa assombrada por espíritos deixados por antigos moradores que tiveram suas vidas violentamente encerradas, por mais manjada que possa parecer, continua funcionando e trazendo bons resultados. Passando por filmes como “O Bebê de Rosemary”, “O Iluminado” e “Os Outros”, não é difícil concluir que uma trama bem pensada, com situações que aos poucos revelem a origem do mistério aos protagonistas – de modo que nós já estejamos um ou dois passos à frente – são requisitos essenciais para um resultado positivo. Na medida em que os segredos são esclarecidos, são inseridos alguns sustos para manter alta a carga de adrenalina dos espectadores. Não é uma receita simples, mas nas mãos de alguém como Sheridan é possível imaginar que ela seria bem executada. Como já foi dito, não encontramos nada disso, embora a sinopse sugira uma história pelo menos curiosa: um editor bem-sucedido (Daniel Craig) larga o emprego para aproveitar melhor o tempo com a esposa (Rachel Weisz) e as duas filhas numa cidadezinha de grandes casas de madeira e ruas tranquilas. Após a mudança, descobrem que o novo lar foi cenário de um crime que chocou a região, com a morte de uma mãe e seus filhos, e cujas suspeitas recaem sobre o marido desaparecido. Ao mesmo tempo, a família percebe que estranhas pessoas rodeiam a casa no meio da madrugada, e que até a polícia apresenta um comportamento estranho. Apesar de interessante, o mistério que envolve a narrativa é conduzido de forma infantil e apressada – o filme tem 90 minutos de duração – com revelações acontecendo sem que o fio condutor daquelas novas verdades seja apresentado.


E tudo acontece de forma tão acelerada que o filme ganha uma estrutura quase episódica, com fatos isolados, sem uma contextualização adequada, e que servem para dar prosseguimento ao relato, explicar os mistérios e conduzir até o desfecho. No meio de tantos segredos pouco explorados, nem o fabuloso elenco composto por Craig, Rachel Weisz e Naomi Watts consegue adicionar alguma consistência ao longa, e até mesmo o potencial desses nomes enquanto parece ofuscado pela inconsistência da história. O resultado final de “A Casa dos Sonhos” não é pior pelo efeito de algumas surpresas que são apresentadas em seus últimos minutos. Após a grande revelação final, porém, a explanação dos motivos que levaram ao seu acontecimento é tão precária que volta a mergulhar o filme na mais profunda escuridão. E quando levamos em conta o roteiro apressado, a direção sem novidades, a exagerada penumbra dos cenários e o desempenho abaixo da média dos atores, percebemos que é essa escuridão é mais que merecida.


A Morte e Vida de Charlie O filme deve fazer sucesso entre o público jovem. O protagonista parece maduro demais para eles. Se em 2010 o cinema brasileiro teve a marca da doutrina espírita em seus lançamentos, com filmes como “Chico Xavier” e “Nosso Lar”, o início de 2011 parece dar continuidade ao que já foi visto. “Além da Vida”, um drama maduro do respeitado cineasta Clint Eastwood, é a opção para o público adulto. “A Morte e Vida de Charlie”, com Zac Efron no papel principal, foi feito sob medida para agradar legiões de fãs preocupados com espinhas no rosto e o boletim da escola. Não é justo colocar toda a responsabilidade pela pouca profundidade do filme na capacidade cênica do protagonista da franquia “High School Musical”. Superando todas as apostas, Efron surpreende pela consistência de sua atuação no papel do irmão mais velho que precisa aceitar a morte do caçula da família. O ator demonstra segurança e naturalidade ao contar a história de superação de Charlie, perdido entre lápides e visões de seu irmão. O maior problema do filme é a notável perda de qualidade do roteiro em sua segunda metade, com a divisão do foco da narrativa em dois pólos. Charlie precisa separar seu tempo entre duas ocupações: o compromisso ad aeternum firmado com o irmão e a atração pela única garota que consegue romper seu cerco de incomunicabilidade. E então é pertinente entrar em defesa de Amanda Crew, o par romântico de Charlie, que está consideravelmente adequada para seu papel. Antes de perder pontos por interpretações medíocres de seu elenco, o filme falha pela falta de profundidade em seu segundo ato. Enquanto a ligação entre os dois irmãos é bem trabalhada nas primeiras sequências, e o luto de Charlie é bem representado por Efron, a gradativa readaptação do protagonista ao mundo real foi pouco explorada pelo roteiro adaptado do livro “The Death and the Life of Charlie St. Cloud”, do escritor americano Ben Sherwood. Conhecido no meio literário como “o novo Nicholas Sparks”, o ex-jornalista da NBC e da ABC News demonstra qualidades semelhantes ao autor de “Diários de uma Paixão” na elaboração de histórias feitas para emocionar. O diretor Burr Steers soube dar continuidade às comparações e fez de “A Morte e Vida de Charlie” um filme para arrancar lágrimas do público. Não só o roteiro e a direção revelam traços de aproximação entre as adaptações das obras dos dois autores. A escolha de jovens atores com grande apelo junto ao público adolescente também marca as produções. Se as adaptações dos livros de Sparks trazem Rachel McAdams, Ryan Gosling, Miley Cyrus e Amanda Seyfried, o livro de Sherwood foi levado ao cinema pelas atuações de Zac Efron e Amanda Crew. A fotografia de “A Morte e Vida” foi trabalhada para valorizar os planos abertos das sequências de competição em alto mar e para acentuar a tranqüilidade e o clima quase onírico de boa convivência na cidade. As adaptações das obras de


Sparks também foram ambientadas em pequenas cidades, de população conservadora e hábitos antiquados. Além da atuação de Efron, a trilha sonora surpreende por sua qualidade e originalidade, com canções que fogem do pop convencional esperado para filme do gênero. A musicalidade de suas canções com influência do folk e do country clássicos também se distancia da tentativa de emocionar público e mostra mais maturidade do que o esperado. Kim Basinger, no papel da mãe de Charlie, teve seu desempenho potencialmente satisfatório pouco explorado pelo diretor. A atriz sai de cena ainda na primeira metade do filme, sob uma alegação pouco convincente. Se a narrativa priorizasse a reconstrução do âmbito familiar ao lado da superação do luto por parte de Charlie, a superficialidade de alguns momentos seria evitada. O maior mérito de “A Morte e Vida de Charlie” é a notável evolução de Efron e seu posicionamento na lista de promessas para o futuro. Fora isso, o que resta é a sensação de que seu talento seria melhor aproveitado em um projeto mais adulto e consistente. Entre a morte e a vida de Charlie, Efron teria sido mais feliz se escolhesse a primeira opção.


Água para Elefantes é piegas na medida certa para divertir Hora de deixar de lado o preconceito e admitir que Robert Pattinson superou suas expectativas. Todos esperavam pelo dia em que Robert Pattinson assumiria o papel que exigisse uma maturidade mais intensa que aquela demandada pelos filmes da série “Crepúsculo”. De um lado, a legião de fãs acostumadas e apaixonadas pelos caninos superdesenvolvidos do astro. Do outro, um número igualmente expressivo de críticos ferozes ao seu potencial. Para os primeiros, qualquer projeto em que Pattinson esteja inserido é sinônimo de sucesso e um motivo importante para ir ao cinema, para os outros – sobretudo para aqueles que não são influenciados pelos dois extremos – suas novas estréias funcionam como vitrines do seu crescimento (ou decadência) como ator. Em “Água para Elefantes”, o ator britânico assume o papel de protagonista e, para o bem de todos e felicidade geral da nação, cumpre seu desígnio de maneira convincente e esforçada. Vez por outra, esquecendo a boca aberta e apertando os olhos – com expressões faciais que se aproximam do olhar sedutor popularizado por James Dean – Pattinson demonstra que os resquícios do bom vampiro ainda permeiam sua atuação, o que não chega a comprometer o filme, já que a empatia criada entre público e personagem é quase imediata. Visto sob um panorama geral, seu desempenho sinaliza um potencial ainda pouco explorado e, talvez, desconhecido por ele próprio. Dividindo a cena com os oscarizados Reese Witherspoon e Christopher Waltz, Pattinson vive Jacob Jankowski, filho de imigrantes poloneses que vê seus sonhos simplórios ruírem após a morte trágica dos pais e a perda de todo seu patrimônio na liquidação de dívidas familiares. Sem casa, sem diploma universitário, sem namorada, e com a ideia de deixar todas as recordações no passado, Jacob decide seguir caminho até a cidade mais próxima. Nesse trajeto, acaba encontrando o Circo dos Irmãos Benzini, administrado pelos métodos agressivos do personagem de Waltz, e cuja principal atração é a encantadora de cavalos Marlena (Witherspoon), esposa do dono. Com um papel pouco desenvolvido e de profundidade rasa, Witherspoon tem seu potencial reduzido ao meramente elementar. Marlena aproveita um intervalo de dois minutos para narrar suas origens, enquanto durante todo o filme possui três ou quatro falas de alguma relevância. No tempo restante, sua personagem se exibe no picadeiro, bebe uísque e atura a inconstância emocional de Waltz, o grande nome em “Água para Elefantes”. O ator convence como um brutamontes ambicioso que oscila entre picos de paixão descompensada pela esposa e pelo circo e ódio ferrenho por qualquer um que desafie suas vontades.


E o elefante do título? Ele demora a aparecer no filme, mas quando surge logo assume, ao lado dos três atores, papel de suma importância no desenvolvimento da carga dramática que permanecia em estado quase ocioso desde as sequências iniciais. E é importante destacar - não me olhem estranho por isso – que o bicho cumpre bem seu papel de gigante dócil totalmente à mercê dos humores de seu dono. Aqueles que possuem coração frágil quando o assunto é a relação homem-animal devem ir preparados para emoções fortes. Se a história, baseada no best-seller homônimo de Sara Gruen, e o elenco estelar conseguem sozinhos atrair os mais diversos públicos, parece desnecessário perder tempo resolvendo detalhes e cuidando de aspectos nãofundamentais aos olhos daqueles atraídos pelos motivos acima citados (vide os filme da série “Crepúsculo”). Para o contentamento daqueles que não se satisfazem com pouco, o diretor Francis Lawrence – de “Constantine” e “Eu Sou a Lenda” – e o fotógrafo Rodrigo Pietro – de “Biutiful”, “Abraços Partidos” e “Babel” – oferecem ao público ângulos interessantes e cores de encher os olhos. Figurino, maquiagem e direção de arte também estão incríveis. Duas sequências específicas valeriam o preço do ingresso: atentem para o momento em que os trabalhadores se esforçam para armar a tenda do circo e, depois, para o passeio de Jacob pelos corredores estreitos dos vagões do trem, enquanto uma série de personagens secundários interage ao seu lado. Ao final do filme, é inevitável sentir aquele sabor nostálgico de uma dose revigorante de pieguice saudável. “Água para Elefantes” é isso: amor, drama, ódio e Robert Pattinson num ambiente circense. Mais burlesco é impossível!


Amizade Colorida – Você está pronto para o sexo casual? Um melhor amigo para compartilhar seus segredos, descarregar problemas e satisfazer suas vontades mais lascivas. Sem compromissos, sem ligações no dia seguinte. Funciona? Algumas comédias românticas, por mais previsíveis que possam ser, agradam os sentidos do espectador, seja pelas situações risíveis que carrega em seu roteiro, seja pelo carisma de seus protagonistas ou, ainda, pelos atributos físicos do mesmo. “Amizade Colorida” é absolutamente previsível, mas por ter em seu escopo todos os elementos acima citados, acaba sendo um divertimento interessante para uma noite sem muitas opções. O diretor Will Gluck traz em sua filmografia duas comédias anteriores: a pouco conhecida “Pelas Garotas e Pela Glória”, típica comédia adolescentóide com seu ambiente ginasial e líderes de torcida, lançada em 2009, e a bem-sucedida “A Mentira”, de 2010, que colocou Emma Stone no papel principal e surpreendeu o público pela originalidade de algumas situações, arrecadando uma boa bilheteria e ganhando uma indicação ao Globo de Ouro. Agora, com seu “Amizade Colorida”, Gluck parece solidificar sua imagem como fração dotada de alguma criatividade entre tantos realizadores de comédias românticas, e embora não faça um filme que seja inovador por completo, sabe trabalhar bem com as potencialidades de seu gênero. Potencialidades que começam com os protagonistas, dois nomes de apelo junto ao público. O cantor e compositor com incursão pela sétima arte Justin Timberlake carrega para os cinemas sua parcela feminina de fãs, e dá conta dela com um talento adequado para sua proposta, sempre demonstrando equilíbrio entre as situações e fugindo das atuações exageradas ou insuficientes. A ucraniana Mila Kunis, famosa por sua personagem em “Cisne Negro”, ainda não demonstra tamanha naturalidade enquanto promove uma ou outra situação cômica, embora sempre ofereça bons momentos quando assume os traços dramáticos de seu papel. Mesmo assim, é digno de destaque o esforço exibido por ela e a capacidade de fazer humor com seus próprios “defeitos” – dela e da personagem. O nome de Woody Harrelson aparece para, vez por outra, romper com a hegemonia do casal, e ele está impagável como o gay másculo da editoria de esportes de uma grande publicação. Vocês sabem o que esperar. Harrelson é Harrelson. A química entre o casal é natural, quente, excitante, beira o animalesco, e o roteiro – também de Will Gluck – sabe valorizar o que tem em mãos. Numa história em que o sexo casual é a palavra de ordem, os protagonistas atendem perfeitamente aos requisitos exigidos para boas – e divertidas – cenas de sexo. E elas estão lá, em todos os lugares, cômodos e posições imagináveis, com uma riqueza de detalhes surpreendente para a classificação indicativa que sustenta. Não que o público vá presenciar cenas explícitas – isso fugiria da proposta cômico-romântica do roteiro – mas as sequências de sexo carregam, para além do que faixa etária permite, algo de picante que não é facilmente conseguido nem por produções direcionadas ao público adulto. São corpos sem roupa marcados por lençóis de seda, expressões de êxtase e pedaços de


pele que escapam das cobertas, tudo captado de modo original pelas câmeras de Gluck, cheias de ângulos curiosos. Na segunda metade do longa, quando o sexo casual começa a assumir ares não tão casuais assim, é perceptível a mudança de tratamento demonstrada pelas lentes do diretor, que passa a trabalhar de modo mais romântico e idealizado. Melhor seria se tudo continuasse como antes... Para acompanhar o roteiro ágil, uma trilha sonora moderninha está por trás da trama: Bruno Mars, Eric Paul, Janelle Monáe, Train, Death Cab For Cutie, Greg Laswell e muitos outros nomes que fazem boa música pop. É difícil não sair do cinema cantarolando os versos de “Hey, Soul Sister”, do Train, ou não tamborilar na poltrona enquanto toca “Tightrope”, da Janelle Monáe. Numa visão geral, “Amizade Colorida” é um filme divertido, bem construído com suas cenas apimentadas e que sabe dosar de modo satisfatório o humor e o drama de seus protagonistas. Algumas sequências são realmente agradáveis, como a construção da apresentação dos personagens, em uma sobreposição de diálogos que vai ser explicada segundos depois. Talvez, alguns reclamem da escassez de situações cômicas no roteiro, mas arrancar gargalhadas sonoras nem sempre é sinônimo de qualidade.


Assassino a Preço Fixo Armas pesadas, carros velozes, explosões e algum drama familiar. O cinema de ação em sua melhor forma. Que os críticos mais convencionais me desculpem, mas pra ser bom um filme de ação só precisa de uma história interessante, um ator razoável e muitos, muitos tiros e carros voando pelos ares. Tudo o que foge desse clichê e tenta surpreender precisa ser dotado de qualidade inegável para não decepcionar. Para a satisfação dos admiradores do gênero, “Assassino a Preço Fixo” tem tudo o que agradou a legião de fãs de filmes como “Duro de Matar”, “True Lies” e “Máquina Mortífera”. O roteiro é simples. Um matador de aluguel (Jason Statham) toma como parceiro um jovem desajeitado (Ben Foster) e tenta inseri-lo no rol dos assassinos profissionais de sua região. Os roteiristas (Richard Wenk e Lewis John Carlino) ainda incluíram um intricado drama familiar que garante maior dinamismo e não compromete os momentos de ação. O protagonista foi traído e teve que assassinar seu mentor (Donald Sutherland), pai do personagem de Foster. O grande mote do filme é a busca dos parceiros por vingança: Statham à caça dos traidores e Foster à procura do assassino do pai. O trabalho é um remake do filme de mesmo título lançado em 1972 com o nome de Charles Bronson encabeçando o elenco. Naquela ocasião, Bronson eternizou o olhar lancinante da vingança e reafirmou seu entrosamento com armas de todos os tipos, características já percebidas no anterior “Era uma Vez no Oeste” e oficializadas em “Desejo de Matar”, de 1974. Statham ainda não recebeu o reconhecimento dado a Bronson, mas sua carreira bem direcionada é suficiente para colocá-lo no posto de melhor ator do cinema de ação dos últimos dez anos. Partindo de papeis coadjuvantes em produções de peso como “Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes” e “Snatch – Porcos e Diamantes” (ambos de Guy Ritchie), o ator britânico assumiu personagens de destaque em filmes de grande apelo junto ao público, como em “Os Mercenários”, as três versões de “Carga Explosiva” e “Roque – O Assassino”. Como nome frequente na escalação de atores para filmes do gênero, é de se esperar que seu currículo seja formado por um número se fim de produções duvidosas. Para nosso contento, algumas delas valem o preço do ingresso. O parceiro de Statham em “Assassino a Preço Fixo”, Ben Foster, ainda não saiu do espaço destinado aos coadjuvantes. Seus esforços em filme como “Pandorum”, “30 Dias de Noite” e “Os Indomáveis” não foram suficientes para garantir maior destaque nos projetos que seleciona. Com uma atuação convencional e pouco arrojada, Foster consegue provar que é o ator adequado para qualquer tipo de papel, em qualquer tipo de produção, embora nunca


ofereça ao público algo extraordinário. Se a ousadia e potencial dramático demonstrados por ele no excelente “O Mensageiro” fossem repetidos, seu nome figuraria fácil entre os melhores de sua geração. O inglês Simon West assumiu a direção do projeto e fez aquele que é de longe o melhor filme de sua carreira, formada por “Con Air”, “A Filha do General”, “Lara Croft: Tomb Raider” e “Quando um Estranho Chama”. Aqui o cineasta conseguiu equilibrar todos os fatores que pareciam artificiais em seus filmes anteriores. Tiros, explosões, alta velocidade e perseguições são apresentados de forma bem conjugada e não parecem enfadonhos ainda no final do último ato. Entre tanto convencionalismo bem aplicado, o filme peca pela montagem de algumas sequências, sobretudo nas cenas de sexo. Com cortes rápidos de vídeoclip e edição frenética, tais cenas parecem pouco maduras e não se adéquam ao real propósito do longa. A trilha sonora escolhida para essas sequências, exemplares de raps pouco conhecidos, também não convence e agrava o problema criado pela edição. A despeito da péssima tradução do título original – “The Mechanic” - para o português, “Assassino a Preço Fixo” vai deixar os fanáticos pelo cinema de ação grudados na poltrona. Afinal, o que é mais divertido que aquela profusão de tiros e perseguições em alta velocidade na tela do cinema?


Atividade Paranormal 3: dez minutos de terror Muitas pegadinhas, falsos sustos e até algum horror dão o tom na terceira parte da história, que continua tão monótona quanto as anteriores. O terceiro filme da franquia revive a infância das irmãs que protagonizaram os dois primeiros longas. Como o trailer sugere, a regressão procura explicar a origem dos acontecimentos que, futuramente, marcariam suas vidas. E as apostas foram muitas em um filme cujos protagonistas eram crianças pálidas e de longos cabelos negros caídos sobre o rosto. O horror é sempre mais inquietante quando envolve os pequenos, e quando esses pequenos exibem feições fantasmagóricas – ao melhor estilo do horror oriental – as esperanças por um por resultado satisfatório aumentam. No novo “Atividade Paranormal”, o que poderia ter sido bem trabalhado acabou se convertendo naquela que talvez seja a mais monótona e menos assustadora trama desde o primeiro capítulo da série. A primeira metade do filme acompanha a saudável rotina daquela que poderia ser a família perfeita: numa ampla casa, filhas saudáveis, mãe dedicada e um padrasto apaixonado por tudo aquilo convivem do modo mais tradicional que se possa imaginar. Muito criticado pela monotonia dos primeiros longas e pelos momentos esporádicos – quase raros – de horror explícito, é fácil perceber que estúdio e distribuidora planejaram um trailer que sugere um filme mais denso, ágil e cheio de momentos de tensão. E aquela prévia de um minuto e meio aliada ao sucesso do primeiro longa realmente deve ter feito a diferença na hora de escolher qual filme ver na noite de sexta-feira. Então, quando já em sua primeira metade “Atividade Paranormal 3” dá claras mostras de que o terror não seria tão bem trabalhado, é difícil não se decepcionar. O roteiro de Christopher B. Landon e Oren Peli brinca com os espectadores o tempo inteiro, até chegar ao nível do irritante. Em seus primeiros 30 ou 40 minutos de projeção, além de não conseguir criar um clima de tensão que se sustente até a sequência seguinte, quase todos os sustos são explicados no segundo posterior por algo que de paranormal não tem nada: aquele grito não passou de uma tentativa de uma pegadinha da esposa, e aquele barulho repentino é apenas a filha batendo a porta do quarto. A reação posterior ao susto é de riso. E raiva. A partir da metade final, algumas situações começam a colocar o terror em pauta, embora de modo completamente irrisório e num contexto tão falso que é difícil sentir medo. Então, percebemos que a grande falha de “Atividade Paranormal 3” é não conseguir alimentar um clima de tensão que perdure por toda a narrativa. Além dos sustos esporádicos, não há nada que transmita ao leitor a sensação permanente de grudar na poltrona e esperar aflito pelo perigo iminente. E mesmo que a situação ganhe algum incremento de horror em sua segunda metade, a reação que os personagens dão aos fatos sobrenaturais é suficiente para comprometer qualquer boa intenção. Em uma casa totalmente monitorada por câmeras de vídeo, ninguém pensa em verificar as fitas quando a filha mais velha acorda toda a família se queixando de ter sido erguida pelos cabelos e arremessada para longe por um fantasma. Poucas horas depois, a


mãe está serelepe tomando conta dos afazeres domésticos. E que se dane a filha atormentada. Finalmente, em seus últimos 15 minutos, “Atividade Paranormal 3” consegue construir o clima que tanto fez falta durante toda a projeção. Depois de abandonar a antiga residência, a família segue para um novo lar, e é naquele lugar que a explicação para todos os fatos daquele e dos filmes anteriores ganha espaço. Em uma longa sequência noturna, sem interrupções, o diretor Henry Joost conseguiu trabalhar de modo satisfatório com aqueles fatores máximos que sempre funcionam: a solidão extrema do personagem, câmera na mão, imagem tremida, jogo de luz e sombras, símbolos inexplicáveis e aparições repentinas. Quando, finalmente, conhecemos a origem de tudo aquilo, a trama volta a esfriar, e mais nada pode ser dito. De qualquer modo, o que salva o longa do completo fracasso enquanto filme de horror são os seus minutos finais. Caso uma nova sequência esteja sendo pensada, e caso ela tenha seu foco nos eventos anteriores ao anterior, seria bom levar em conta o bom trabalho realizado nesses últimos minutos de “Atividade Paranormal 3”. E aquele trailer tão divertido parece, sinceramente, saído de outro filme.


Caça às Bruxas As histórias de perseguição às jovens bruxas ganharam sua adaptação mais vergonhosa. Assistir ao novo filme do astro Nicolas Cage é uma experiência curiosa. Imagine uma trama cujos primeiros minutos exibissem uma fotografia interessante de tons alaranjados, um cenário macabro e uma sequência bem desenvolvida de enforcamento de bruxas. Dez estrelas talvez não fossem suficientes para definir a sensação de convencimento e boas expectativas causadas pela projeção. Por volta do seu quarto ou quinto minuto, uma reviravolta inesperada e suficientemente grotesca para não assustar ninguém retira ao menos uma estrela da pontuação final. E é dessa gradativa retirada de pontos que o público deve tirar sua conclusão sobre a qualidade do produto final. O clima apreensivo trabalhado nos primeiros minutos do primeiro ato pode ser justamente posicionado entre as melhores introduções de filmes de suspense. Os outros 90 minutos de projeção são tão descartáveis quanto a parcela inferior da enxurrada de filmes de horror que recebemos todos os anos. “Caça às Bruxas” é um filme vergonhoso para todos aqueles envolvidos em sua realização e audiência. A perseguição às mulheres acusadas de bruxaria no período medieval é assunto que desperta natural curiosidade e interesse. Acreditando no apelo de sua temática junto ao público, o roteirista Bragi F. Schut e o diretor Dominic Sena tentam narrar a história de uma jovem punida pela Igreja por supostamente ter realizado um pacto com o demônio e ter levado a praga ao vilarejo. Entre pessoas de rosto desfigurado e aves de rapina que anunciam o destino do lugar, dois desertores vividos por Cage e Ron Perlman recebem a tarefa de conduzir a bruxa até um mosteiro distante, para seu julgamento e sacrifício. Desde que bem adaptada, a proposta inicial do roteirista poderia fazer de “Caça às Bruxas” um filme assustador por seus detalhes e misterioso em seu argumento principal. A direção de Sena conseguiu distanciar dos personagens qualquer possibilidade de uma história convincente e comprometeu a qualidade de uma trama curiosa. O que vemos é uma sobreposição de falhas técnicas e tomadas pouco ousadas. Como reflexo ao trabalho incipiente do diretor, é difícil conseguir se envolver pelo clima sombrio das situações e momentos de ação. Um bom elenco ainda conseguiria elevar a qualidade de um projeto falido, mas colocar tal responsabilidade nas mãos vacilantes de Cage não foi a decisão adequada para a situação. Passando longe de oferecer ao público uma atuação que fizesse esquecer os inúmeros problemas na execução do filme, o ator prova que sua temporada de sucesso terminou em 2002, quando recebeu


indicações ao Oscar, Globo de Ouro e Bafta por “Adaptação”. Desde então, a carreira de Cage parece construída sobre um número excessivo de filmes ruins e personagens vergonhosos. A fotografia em “Caça às Bruxas”, ao contrário do que se espera de um filme ambientado numa época medieval, não colabora com a criação de ambientes sombrios. Entre os muros das cidades e nas grandes planícies, a luminosidade excessiva atrapalha a proposta assustadora do roteiro. Nas sequências desenvolvidas entre a névoa de uma floresta densa, alguns feixes de luz azul escapam das frestas entre as árvores e dão ao momento ares espectrais desnecessários e desafinados com a situação. Entre minutos de êxito e horas inteiras de problemas, o saldo final de pontos positivos em “Caça às Bruxas” é ínfimo. As sequências finais de luta corporal entre Cage e algo que não pode ser citado – para não comprometer o desfecho da história – representam bem o que o projeto inicial almejava e o que foi conseguido pelo diretor. Com recursos inferiores e em tempos remotos, Bergman filmou uma bruxa muito mais assustadora.


Capitães da Areia: uma homenagem ao espírito baiano Não importa quantos esforços e talentos estejam envolvidos, a Bahia sempre será território das palavras e personagens de Jorge Amado. Claro que não custa nada tentar... Jorge Amado cantou como ninguém as belezas, o gingado e a sexualidade aflorada da Bahia. Por meio de seus personagens, apresentou ao Brasil e ao mundo a cultura que caminhava por entre as ruas sinuosas do Pelourinho e corria pelas dunas da praia do Mangue Seco, com parágrafos que de tão bem trabalhados ainda são capazes de despertar os sentidos de seus leitores. Quem já leu sabe que é possível sentir o cheiro do suor de Tieta, correndo pela areia enquanto rejeita e deseja o mascate no primeiro capítulo do livro que leva seu nome. E as receitas detalhadas de Nacib, aquele brasileiro das arábias, fazem roncar nosso estômago como se cada letra impressa fosse um ingrediente suculento. Essa é a força da literatura de Jorge Amado. E é justamente isso que não aparece em “Capitães da Areia”, uma tentativa que, infelizmente, não passa da vontade. A história do grupo de pequenos golpistas de Salvador, liderado pelo emblemático Pedro Bala, perde o viço e parte da malícia colocados por Amado na obra original. A adaptação para o cinema foi lançada para dar início aos festejos do centenário de nascimento do escritor, que será comemorado em 2012, mas a homenagem acabou morrendo em seu propósito. Dirigido por Cecília Amado, neta de quem você está pensando, “Capitães da Areia” é o típico filme que falha por dois motivos: seu roteiro tenta abranger a totalidade da obra original e sua execução se perde em meio ao exagero de recursos estilísticos utilizados. Na ficha técnica do longa, roteiro e direção aparecem como atribuições de Cecília. São quase 300 páginas de uma narrativa que, embora divida seus parágrafos entre as dezenas de personagens envolvidos na trama, consegue aproximar o leitor das peculiaridades, ambições e personalidade de cada um deles. Para fugir da exaustão, a apresentação dos pequenos é feita gradativamente, na medida em que os causos são narrados. E muitos são os episódios criados pelo autor nas páginas de sua obra, o que torna inviável a apropriação, por parte de um filme cuja duração não ultrapassa as duas horas, de todos esses momentos. O roteiro de Cecília e Hilton Lacerda falha ao tentar incluir cada episódio em sua narrativa, o que acaba resultando em uma construção por demais segmentada, com momentos que não guardam ligação alguma com o que vai ser exibido a seguir. A estratégia talvez funcionasse melhor em um seriado televisivo, como já havia sido feito pela Rede Bandeirantes no final dos anos 80, formato que garante maior liberdade para um trabalho dividido em episódios. Em “Capitães da Areia”, uma grande colcha de retalhos é armada por pequenas histórias envolvendo os membros do grupo. Em algumas delas, ainda é possível enxergar tentativas de certo aprofundamento em seus personagens, como é o caso de Sem-Pernas durante o tempo em que convive com sua nova família adotiva. Apesar de realmente oferecer ao público certa


aproximação com alguns dos garotos, no momento seguinte tudo é deixado de lado abruptamente para dar espaço para outra micro-história que se anuncia. E todo o filme é construído tendo como base essa sobreposição de pequenos casos, descartados logo que resolvidos. No trabalho de direção, também é perceptível o esforço de Cecília na construção de um filme esteticamente agradável. É bem verdade que em alguns momentos sua câmera flutua de modo curioso entre os personagens e na captura da rotina de Salvador nos anos 30, mas na maioria das sequências assistimos ao exagero de sua boa vontade. Câmeras lentas, imagens aceleradas, cortes secos e pequenas sequências captadas de vários ângulos fazem a composição do filme parecer um expositor de possíveis técnicas cinematográficas. Em nenhum momento a direção faz sua opção, e é o espectador que precisa se habituar aos modos como a história é narrada. Outro ponto que poderia ser tomado como problema, mas é preferível que seja abordado de modo construtivo, é a atuação do elenco principal. Não estamos acompanhando atores com larga experiência diante das câmeras, e é perceptível o desconforto de alguns deles em sequências específicas, mas a verdade é que fica difícil mergulhar na história quando a maioria das atuações soa de modo teatral e completamente antinatural. Mesmo assim, é reconfortante ver o esforço dos jovens atores e perceber o entrosamento que, aparentemente, foi formado entre eles. A neta de Jorge Amado ainda merece receber seus louros, sobretudo por ter reavivado junto ao público uma das histórias imortais do escritor baiano. Sob esse aspecto, sua homenagem é completamente válida, e qualquer coisa que traga de forma positiva e respeitosa o nome de Amado de volta aos holofotes merece ser reconhecida. Ninguém vai sentir o gosto da Bahia assistindo ao “Capitães da Areia”. Também é difícil, mesmo com a imagem sendo exibida, sentir o cheiro das mulatas de flor na cabeça e o sabor do acarajé. Só Jorge Amado conseguia isso. Não é todo dia que nascem os mestres.


Cilada.com é o clichê mais divertido do ano Junte uma penca de atores conhecidos da dramaturgia brasileira, adicione alguns nomes que começaram a fazer sucesso com o auxílio da internet e está pronto um filme com humor quase ininterrupto. O fundo do palco cai e lá está Bruno com uma loira fogosa em trajes mínimos. Uma senhora desmaia de susto. A namorada faz barraco, xinga, bate o pé e prepara uma vingança mesquinha: divulga na rede um vídeo íntimo do casal que mostra uma certa... “agilidade extrema” do garanhão na cama. E Bruno, com seu círculo amplo de conhecidos e pinta de Don Juan dos trópicos, vira motivo de gozação no trabalho e entre os amigos. Então, aquele colega sem noção, que todos temos e guardamos pra aquelas horas em que não vale a pena consultar nem o melhor amigo, dá a dica: que tal fazer um novo vídeo, com depoimento das ex-namoradas narrando um pouco da potência sexual do novo solteiro? E lá vai Bruno em sua jornada quase épica e sua lista de telefones, ligando para a casa de suas ex-conquistas nas sequências mais engraçadas do longa. É evidente que as tentativas de melhorar a reputação deteriorada não vão funcionar tão cedo. Mais evidente ainda é que o rapaz não vai recuperar a exnamorada no primeiro ato, mas ela estará lá, linda e com os olhos quase cheios d’água, no desfecho. Entre os dois extremos, cheios de situações nada originais e clichês que saltam da tela, o que mais diverte em “Cilada.com” são os coadjuvantes. Principalmente aqueles quase insignificantes. Afinal, o que é mais divertido no filme que a senhora que desmaia, os amigos que não cansam de fazer piada com a situação, as ex-namoradas com suas peculiaridades, o diretor de cinema trash, o amigo sem noção e a empregada falante? O potencial cômico de tantas figuras (nem todas foram citadas nas linhas anteriores) não chega a ofuscar o humor dos protagonistas, que também sabem fazer rir. Bruno Mazzeo levou da televisão para os cinemas o jeito desengonçado de atuar e as piadas ágeis que consagraram seu estilo. Ele foi, ao lado da publicitária e escritora Rosana Ferrão, responsável pelo roteiro de “Cilada.com”, que é uma overdose de momentos engraçados capazes de arrancar reações que vão do riso amarelo ao gargalhar sonoro. E quando protagonistas e coadjuvantes estão afiados no humor de um roteiro sensato, o resultado não pode ser outro. Sorte nossa! É injusto não atribuir parte dos méritos ao diretor José Alvarenga Jr., um veterano no comando de filmes e seriados que elevaram a qualidade do humor no cinema brasileiro, embora nem sempre tenham agradado aos críticos mais formais. Ele foi um dos responsáveis por grandes sucessos como “Divã”, “Os Normais”, “A Diarista”, “Minha Nada Mole Vida” entre outros. Certamente, Mazzeo, Fernanda Paes Leme, Carol Castro, Fabiula Nascimento, Fulvio Stefanini e Sérgio Loroza não seriam tão engraçados sem a direção segura de alguém experiente como Alvarenga.


A trilha sonora de “Cilda.com” é atual e ágil para acompanhar a velocidade da edição e o humor frenético das situações. A música tema é “Por Tudo o que For”, do Lobão, em uma versão cantada especialmente para o longa. Por funcionar como uma comédia romântica, ou um romance de comédia, como o trailer faz questão de deixar claro, o filme consegue equilibrar suas músicas modernas com canções de fundo que fortalecem o clima retrô daquilo que nunca sai de moda: o final feliz. Então, surgem nomes como Karina Buhr e Tiê, representantes da nova geração da MPB que insistem em manter um pé no tradicional. “Cilada.com” é o desmembramento do seriado “Cilada”, exibido pelo canal de TV paga Multishow, e do quadro de mesmo nome exibido no “Fantástico”. Em ambos os programas, Mazzeo vivia situações corriqueiras que ganhavam ares de tragédia por algum motivo insignificante. Agora, nas telonas, o ator provou que seu talento está em constante expansão. Todos saiam da frente!


Contra o Tempo: Post mortem norte-americano Imagine que o seu direito ao descanso eterno fosse negado em prol da defesa de sua pátria. Embate ético e uso da física quântica para controle do passado são discussões levantadas em ficção científica. Algumas vezes o mote secundário de um filme dá fortes indícios de que, se colocado em primeiro plano, renderia melhores resultados que o exibido pelo produto original. É o que acontece em “Contra o Tempo”, nova ficção científica do diretor Duncan Jones focada na aplicabilidade dos princípios da física quântica no controle do passado em prol do futuro. O assunto acessório é a questão ética levantada pelo modo como é possível realizar tal proeza: com o uso da frequência cerebral adormecida de pessoas mortas. O tema central é, sem dúvidas, interessante, e recebe um tratamento bastante atual em “Contra o Tempo”. A Guerra do Afeganistão e o terrorismo são palavras recorrentes durante toda a trama e ajudam a estipular a temporalidade dos fatos, possivelmente inseridos em algum dia entre o ano de 2001, quando os Estados Unidos iniciaram a invasão do país islâmico, e o presente momento. Jake Gyllenhaal é o capitão Colter Stevens, veterano combatente que se encontra preso em uma espécie de cápsula atemporal e cuja única ligação com o tempo presente é um monitor de vídeo que exibe a imagem de Goodwin (Vera Farmiga, de “A Órfã”), pessoa com quem mantém contato e aquela que vai explicar o propósito da missão: evitar o segundo ataque de um terrorista em Chicago. O modo como isso vai ser feito é intrigante: com a ajuda de cálculos quânticos, Stevens será teletransportado até algumas horas no passado para a cena do primeiro ataque, um trem cheio de passageiros e com uma bomba alojada em um de seus compartimentos. O objetivo do capitão não é mudar o passado, mas apenas descobrir quem, entre os passageiros, é o terrorista. Em outro plano, no presente, Stevens recebe a notícia de que, na verdade, morreu há cerca de dois meses, e que suas atividades cerebrais latentes estão sendo usadas pela polícia norte-americana para a realização desse projeto inovador de combate ao terrorismo. A cápsula em que se encontra e a ações que realiza seriam o resultado da leitura de computadores – uma espécie de conexão entre a morte e a vida – com o fim de dar cabo ao propósito da polícia. E a partir da segunda metade de “Contra o Tempo”, o embate ético ganha mais força na trama, embora ainda seja abordado de modo superficial e didático, sempre colocado em segundo plano ao lado da história principal. Mesmo assim, é interessante observar as tentativas, mesmo que incipientes, de fomentar um debate sério sobre o assunto, principalmente entre os personagens de Gyllenhaal e Farmiga. A discussão não acontece, mas em tempos de pesquisas sobre células tronco, clonagem e manipulação genética, é impossível não deter o pensamento na possibilidade de super-exploração do último reduto que nos torna humanos: a morte. Quando o filme chega ao fim – com um desfecho interessante, mas ainda muito aquém do que seria possível se a questão ética fosse mais bem tratada – a sensação que fica é a de que aquele roteiro (escrito pelo pouco conhecido Bem


Ripley) renderia uma obra prima na mão de outros diretores que já demonstraram certa identificação com a ficção científica e com as questões morais. Imagine, por exemplo, que Stanley Kubrick levasse para “Contra o Tempo” um pouco de “Laranja Mecânica”, com sua visão inquietante de uma sociedade com capacidade para reprimir quaisquer instintos violentos de seus indivíduos, ou de “2001 – Uma Odisséia no Espaço”, obra máxima sobre a evolução humana confrontada com as potencialidades de uma inteligência artificial. Duncan Jones, filho de David Bowie, mesmo tendo realizado o aclamado “Moon”, de 2009, parece ainda não ter encontrado suas próprias estratégias para romper o equilíbrio tradicional dos modos de fazer cinema de ficção. Potencial para isso é fácil perceber que ele tem. O que falta agora é ousar um pouco mais – talvez seja hora de aprender com o pai camaleão – e investir na consolidação de um roteiro mais denso, que sustente de modo não didático e infantil a sua proposta de filme. “Contra o Tempo” não é um longa descartável: a história é bem construída e foge do previsível. Se Jones decidir colocar alguma sustância em sua próxima trama, alguma discussão que sustente suas ideias mirabolantes e retire a ficção do campo gélido dos supercomputadores e explosões interplanetárias, estaremos diante de um novo expoente desse cinema.


Deu a Louca na Chapeuzinho 2: você ainda vai dar boas risadas Em um universo de referências ao mundo pop, a segunda versão da releitura do clássico infantil coloca a aventura em primeiro plano. Boa parte dos personagens que povoaram nosso imaginário infantil foi incluída nesse caldeirão de referências. O tempero são as pinceladas nada sutis baseadas em grandes sucessos do cinema e alusões aos ícones da cultura pop. Conhecer tais referências é requisito quase essencial para rir das piadas de “Deu a Louca na Chapeuzinho 2”, que agora aposta em uma nova vertente: a aventura. Não que o humor tenha sido deixado de lado, mas aquela profusão de piadas do primeiro filme foi parcialmente substituída por explosões, vôos rasantes e muita velocidade. O novo “Deu a Louca na Chapeuzinho” parece, antes de tudo, uma animação pensada para satisfazer as exigências de um público infantil aficionado por games de ação e desenhos de super-heróis. Quando essa turma for ao cinema, certamente ficará impressionada com a qualidade das cenas de luta e perseguições no melhor estilo vilão versus mocinho. As crianças também vão rir, algumas vezes, por conta de uma ou outra piada que não exige uma bagagem cultural mais sólida para ser entendida. Mas, para os pequenos, o grande trunfo é a agilidade do roteiro. O público com maior experiência cinematográfica vai esboçar um sorriso no rosto quando perceber que filmes como “Kill Bill” e “Missão Impossível” foram homenageados pela animação. De forma pouco original, é verdade, mas devidamente homenageados. A boa surpresa fica por conta do reaparecimento do vilão do primeiro filme, o coelho Boingo, numa bem bolada referência ao Dr. Hannibal Lecter, de “O Silêncio dos Inocentes”. Certamente é o “Hello, Clarice” mais engraçado que você já assistiu. As ligações criadas entre as referências funcionam como suplementos para a velocidade da narrativa, que mais parece a adaptação cinematográfica de um game para o público jovem. O filme inteiro permanece exageradamente “redondo” – a equipe de arte soube manter as características estéticas do primeiro longa – como se personagens e cenários mantivessem sempre um aspecto pueril, apesar da violência camuflada que envolve a história. Em algumas sequências, é possível vislumbrar que aquilo seria perfeitamente adaptado para algum game de aventura, com seus ângulos confusos e movimentos milimetricamente planejados, seja deslizando por uma espécie de viga montada sob o ar, seja enfrentando um monstro verde que impede sua passagem até o destino final. O grande problema de “Deu a Louca na Chapeuzinho 2” é a relativa previsibilidade de seu roteiro – o que não deixa de ser aceitável para uma animação de proposta infanto-juvenil – mas que sempre pode ser tomada como uma falha que poderia ser contornada. Os pequenos precisam aprender aqueles valores exaustivamente repetidos nas escolas e aulas de catecismo: respeito ao próximo, perdão pelas falhas alheias, força de vontade, piedade.


Mas até isso pode ser tratado de forma subliminar em um filme que carregue essa proposta. O saldo final de “Deu a Louca na Chapeuzinho 2” é positivo, embora com pontuação inferior ao primeiro. O filme deve agradar crianças, jovens e adultos, fãs de aventura e bom humor. Não vale ir ao cinema esperando pela animação mais engraçada do ano. Deixe todas as expectativas em casa.


Enrolados A releitura da Disney para a história de Rapunzel surpreende por sua qualidade técnica e comprova que o futuro das princesas está na animação digital. Os Estúdios Disney chegaram bem ao seu 50º filme de animação, “Enrolados”. Assumindo os traços de uma megacorporação do entretenimento, a empresa parece cada vez mais sintonizada com as demandas do seu público, variado e inconstante após a sucessão de gerações. O desafio mais urgente, talvez, seja o resgate da parcela de audiência fisgada pelo sucesso de estúdios concorrentes. Colocar tal responsabilidade nas mãos de uma princesa de cabeleira avantajada é opção de risco quando os sucessos dos últimos anos priorizaram temáticas atuais. Na contramão de todas as suposições pessimistas, a Disney acertou em sua escolha. “Enrolados” representa o primeiro passo da Disney no sentido de reunir seu público disperso e monopolizar um prestígio atualmente dividido entre concorrentes de peso. Neste início de década, a história de uma princesa clássica trabalhada sob moldes modernos e com o auxílio do cinema 3D parece dotada de simbologia suficiente para representar a atual empreitada da empresa. O filme segue o argumento clássico do conto de fadas dos Irmãos Grimm, mas modifica algumas situações e insere novos traços para tornar o roteiro mais ágil e contemporâneo. Rapunzel foi levada para uma torre secreta por uma senhora que ambicionava a juventude eterna, o que só seria conseguido com o auxílio do cabelo da princesa. Com a ajuda de um ladrão fugitivo e aproveitando a ausência da madrasta, a garota arrasta sua cabeleira de 22 metros para fora da torre e vai conhecer o reino que imaginou. Ao contrário do original alemão, e para atrair a parcela masculina do público, o conto da Disney preferiu fugir da figura do príncipe convencional, criando em seu lugar um anti-herói com aparência de mocinho. Flynn Ryder divide com Rapunzel o protagonismo da história, e sua importância não se resume ao papel de par romântico. É ele o narrador da trama, responsável pela apresentação da história e dos personagens nos primeiros minutos do filme. Sua narração malandra (no Brasil a dublagem é de Luciano Hulk) foge do convencionalismo de animações clássicas como “Branca de Neve e os Sete Anões”, “Cinderela” e “A Bela e a Fera”. Algumas sequências também parecem feitas para a diversão do público masculino. Se Rapunzel aproveita seu tempo livre tricotando roupas, cozinhando bolinhos e pintando estrelas – atividades presentes no imaginário criado para princesas – também é capaz de tocar guitarra e desafiar beberrões num bar de quinta categoria com a mesma desenvoltura. Como forma de não abandonar todas as características responsáveis pelo êxito familiar da empresa, a trama de “Enrolados” também é permeada de boas lições. O alvo das recomendações morais, agora, é a parcela adolescente da


audiência e, por consequência, seus próprios pais. O maior conflito da primeira metade do filme diz respeito ao sonho de Rapunzel de sair da torre e os conselhos da madrasta sobre o perigo do mundo externo. Assumindo o papel de voz da sabedoria presente nas histórias de moral, Ryder explica que os filhos precisam romper o cerco de superproteção materna em algum momento. Aos dezoito anos, chegou a hora da princesa. A dúvida sobre a eficácia da animação digital para contar a história clássica de uma princesa tem fim ainda nos primeiros minutos de exibição. “Enrolados” parece o resultado de um trabalho minucioso de criação, em que todos os detalhes receberam tratamento cuidadoso e atenção redobrada. Os personagens surpreendem pelas texturas bem trabalhadas e expressões faciais que beiram a perfeição. O cabelo de Rapunzel demonstra ser resultado de uma dedicação exaustiva da equipe de criação, assim como o realismo dos ambientes externos e o nível de detalhamento das paisagens e planos mais abertos. As sequências de dança bávara no interior do reino e as lanternas voadoras, nos últimos momentos do filme, são momentos exitosos e merecem destaque entre os mais recentes lançamentos de animação digital. Se o casal de protagonistas consegue obter nossa empatia imediata, os personagens secundários também desempenham papel importante na trama. A iguana de estimação da princesa, o cavalo real e a trupe de bêbados do povoado, além de resultados de um excelente trabalho artístico, são engraçados e responsáveis por várias tiradas de humor. É evidente que a opção da Disney pela modernização de um clássico traria alguns prejuízos ao formato. As excelentes canções características dos filmes produzidos pelo modo tradicional de animação foram substituídas por músicas sem profundidade e com trechos pegajosos. A dublagem de Ryder para a versão brasileira, responsabilidade de Luciano Hulk, também não foi eficiente. É inegável o carisma de Hulk no comando de um programa de auditório, mas o mesmo não pode ser dito do seu trabalho como dublador. Sua narração deu ao personagem uma feição exageradamente folgada, com um sotaque e entonação de malandro carioca. As inovações vistas no filme parecem ter funcionado de modo satisfatório para os cofres da Disney. Em suas duas primeiras semanas de exibição, faturou mais US$ 96 milhões nos Estados Unidos e recebeu críticas favoráveis de diversos veículos de peso. Depois de “Enrolados”, até para os mais saudosistas fica difícil encontrar argumentos que comprovem a superioridade da animação tradicional na narração de contos de fada.


Fúria Sobre Rodas Nicolas Cage protagoniza mais um filme que tenta ser exploitation. Seu diretor esqueceu de que até para isso é necessária alguma inteligência. Na última década, Nicolas Cage foi um sargento americano em guerra contra o Japão, explorou tesouros perdidos, vendeu armas, trocou socos com o demônio e, pasmem, acabou de ressuscitar do purgatório. Revendo os títulos de sua filmografia mais recente, não é de se estranhar o lugar do qual ele teve que sair. Para sua tristeza, é pra lá que ele deve voltar assim que seu último filme, “Fúria Sobre Rodas”, sair dos cinemas. Pelo menos até que outro fiasco cinematográfico o retire de lá novamente. Para aqueles que imaginavam que em “Caça às Bruxas” o astro havia atingido o limite humanamente aceitável do bizarro, assistir “Fúria Sobre Rodas” vai ser uma experiência curiosa. Se a história de uma inocente garota acusada de bruxaria conseguiu causar, entre todos os pontos criticáveis, alguma boa impressão, o retorno de Cage, agora dotado de poderes retirados das trevas, não oferece ao público nenhum atrativo. Pelo contrário, a nova história é tão absurda e caricata que foge do risível e se torna constrangedora. Para nós e para Cage. O diretor Patrick Lussier, mais conhecido por colocar em três dimensões sua adaptação de “Dia dos Namorados Macabro”, experimenta em seu novo filme uma excessiva mistura de elementos incongruentes. Cage volta do outro mundo para recuperar sua neta, sequestrada pelos membros de uma seita diabólica, e para vingar a morte de sua filha, assassinada pelo mesmo grupo. Em seu encalço, está ainda uma espécie de anjo (ou demônio) da morte, insatisfeito pelo retorno de Cage ao mundo real, e a equipe policial de uma cidade empoeirada. Acompanha Cage em sua empreitada uma loira fogosa que trocou tapas com o noivo e não tem mais nada o que perder. O caldeirão de incoerências de Lussier ainda é condimentado pelos coadjuvantes, que vez ou outra aparecem em cena com o objetivo de tirar um naco do pescoço do astro. Pronto, é só se servir. É evidente que Cage domina como ninguém os golpes difíceis e mortais aprendidos durante sua temporada no inferno. Um soco aqui, um chute ali, muitos tiros, golpes de faca e uma interessante cena que vai te fazer repensar seu conceito de sexo perigoso. A câmera de Lussier oferece ao público ângulos e recursos bizarros de câmera lenta para acompanhar as investidas de Cage e garantir alguma graça ao propósito 3D que carrega. Nada muito eficiente. Se quiser rir um pouco, atenção ao papel de William Edward. Mais conhecido por seu trabalho como o agente Mahone, na série televisiva “Prison Break”, Edward é o Contador, anjo da morte que veio buscar e levar Cage de volta ao


seu lugar eterno. Usando seu olfato para seguir o trajeto e as pistas deixadas pelo protagonista, o Contador ainda oferece ao público uma gama de situações constrangedoras. Não é preciso explicitá-las. Assista e entenda. Entre tantas produções de qualidade duvidosa, críticas ferrenhas e apelos desesperados de um time de fãs que ainda acredita em seu potencial como ator, Cage continua selecionando papeis que soterram seus bons trabalhos. O premiado astro de “Despedida em Las Vegas”, “Adaptação” e “Feitiço da Lua” parece ter perdido a bússola que orientava suas decisões. Resta saber por quanto tempo seu nome e seu passado serão suficientes para sustentar os projetos que seleciona. A melhor lição que você pode retirar de “Fúria Sobre Rodas” é a paciência, pela história interminável e repetitiva, e a certeza de que Nicolas Cage sempre vai estampar algum cartaz da bilheteria dos cinemas, não importa o nível de constrangimento causado pela sua última atuação. Aliás, sempre desconfiei que a humanidade fosse um pouco masoquista.


Larry Crowne – O amor está de volta: o conformismo de Tom Hanks O amor está de volta. Esqueceram de colocar um pouco de pimenta nele. Não é todo dia que chega aos cinemas uma comédia romântica com capacidade de transformar os clichês que permeiam o gênero em pontos positivos para a produção. A grande maioria dos lançamentos que se enquadram dentro da proposta de fazer rir e emocionar acaba derrapando nas mesmas falhas de seus antecessores: roteiro imaturo e previsível, otimismo exagerado e atores cujo potencial cênico parece limitado. O segundo longa metragem dirigido por Tom Hanks pode ser posicionado no ponto neutro entre o êxito e o fracasso, entre o surpreendente e o irritante. Para a proposta que assumiu, sair da escala negativa talvez já seja um êxito. “Larry Crowne – O amor está de volta” marca o retorno do astro ao comando de um filme depois de um hiato de quase 15 anos – o último longa dirigido por Hanks havia sido “The Wonders – O sonho não acabou” – e o resgate da parceria exitosa firmada no drama “Jogos de Poder”, de 2007, entre ele e Julia Roberts. Aqui, nem a direção e nem a empatia entre os protagonistas parecem motivos suficientes para posicionar esse novo projeto numa classificação acima da média. O que temos é o exemplar de um filme morno, de cores frias e situações corriqueiras, que não se sustentaria sem os nomes que encabeçam sua realização. A premissa do roteiro – escrito por Hanks em parceria com Nia Vardalos, mais conhecida por seu papel em “Casamento Grego” – poderia parecer atual e conquistar de imediato parte do público norte-americano, ainda sob os efeitos morais da recessão econômica que explodiu em 2008. Larry (Hanks) era o funcionário modelo de uma grande rede de supermercados até ser formalmente demitido por não possuir um curso superior em seu currículo. Para contornar o problema, decide retomar os estudos e assume duas disciplinas que podem impulsionar sua carreira: oratória e economia. Enquanto divide as atenções de um professor oriental especialista em negócios numa sala de aula lotada, também precisa escapar dos olhares raivosos de Mercedes (Roberts), a irritadiça professora que assiste passivamente ao desmoronamento de seu casamento e do número de alunos matriculados em suas aulas. A trama é construída, então, sob duas óticas complementares. A primeira delas é a reconstrução pessoal e profissional vivida por Larry, em meio aos novos amigos que conquista no ambiente escolar e como resultado das mudanças em seu tipo físico e modo de vestir propostas por eles. O outro âmbito é o afetivo – aqui mais óbvio que o outro – que será galgado entre ele e a professora, após insistências, recusas e demais situações tão habituais ao gênero. E aqui aparece o otimismo exagerado que tanto irrita nas comédias românticas: logo sabemos que o desleixo físico e o azar profissional de Larry serão contornados, assim como é impossível não perceber que a antipática primeira impressão criada entre os protagonistas vai virar atração irresistível no último ato. No caldeirão de lugares-comuns que permeiam a narrativa, o que ainda garante certa vivacidade ao filme é o carisma de seus protagonistas. É difícil


olhar para Hanks e não sentir uma admiração que beira o afeto, seja pelos filmes que estrelou e que acompanharam nosso crescimento (“Quero Ser Grande”, “Forrest Gump” e “À Espera de um Milagre”), seja pela indefectível trajetória pessoal ligada ao seu nome. Igualmente raro é encontrar alguém que não demonstre algum interesse quando descobre o nome de Julia Roberts no topo de um projeto, e aqui ela está excelente como uma professora não muito afeita aos sorrisos. O desempenho dos protagonistas é o melhor motivo para ver “Larry Crowne” e para dar mais uma chance aos ímpetos de Hanks em suas atividades como diretor. Seu trabalho por trás das câmeras ainda carece da mesma vivacidade e bom humor que solidificou sua carreira. No comando de um filme, bommocismo nem sempre é sinônimo de qualidade.


Não Sei Como Ela Consegue: nada de novo no front Sarah Jessica Parker estrela filme que patina entre os gêneros e não consegue ser nem comédia, nem drama e nem no romance. E sua falta de propósito é positiva. Lá está Sarah Jessica Parker, correndo de salto alto pelas calçadas da metrópole e com um sobretudo que arranca suspiros de desejo de todas as meninas da sessão. Ela abre um sorriso brilhante, que reluz sob o sol, para falar com sua amiga e, de repente, percebe que está com piolhos. Seu casaco também está sujo com os restos da torta que preparou na noite anterior. E se ela corre, é pra não chegar atrasada ao trabalho. Definitivamente não é de Carrie Bradshaw, sua personagem em Sex and The City, que estamos falando. Aqui ela é apenas uma consultora do ramo de negócios, e também dona de casa, babá, esposa, cozinheira, conselheira, e todos aqueles atributos da mulher moderna. Mesmo soterrada por pilhas de mamadeiras, brinquedos de apito e tabelas financeiras, Kate arruma tempo para estar bonita – embora um tanto despenteada – e com bíceps de matar de inveja qualquer rapaz de academia. É o efeito Carrie Bradshaw impregnado em suas personagens. A vida atribulada de Kate é o mote principal de “Não Sei Como Ela Consegue”, e suas reflexões – embora um tanto rasas – tentam traçar um comentário sobre a situação da mulher depois da sua efetiva inserção no mercado de trabalho e a forma pela qual ela busca conciliar vida profissional e familiar. Nada muito sério, é claro, mas o filme deve satisfazer mulheres independentes financeiramente que lidam com os mesmos dilemas todos os dias. E para nossa felicidade, o longa não escorrega para o didatismo barato ao propor soluções e impor escolhas. Pelo contrário, embora seu roteiro seja raso como um prato, o filme não defende a ideia de que a mulher deve escolher uma das opções para ter uma vida plena, e muito menos que o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal pode salvar sua pele. A mensagem de “Não Sei Como Ela Consegue” é: você é uma mulher do século XXI e não vai ter a vida tranquila que sempre sonhou. Então, faça malabarismos com o seu tempo, diminua suas horas de sono e tente equilibrar todos os âmbitos envolvidos. As crises continuarão, mas é isso mesmo. O longa é dirigido pelo pouco conhecido cineasta Douglas McGrath, cujo último filme de destaque, “Confidencial”, foi lançado em 2006. Seu projeto mais famoso talvez seja a participação no roteiro de “Tiros na Broadway”, de 1994, ao lado de Woody Allen. Aqui, McGrath fez um filme sem grandes traços de originalidade, mas ganhou pontos ao mesclar a trama principal com os comentários em primeira pessoa de alguns personagens, como uma espécie de documentário informal. A coisa funciona assim: depois de cada sequência importante na história de Kate, são inseridos os depoimentos de algumas pessoas, em primeiro plano, sobre as atitudes da protagonista e as possíveis consequências que enfrentará. E esses momentos são, de longe, os mais interessantes e engraçados do longa. Esteja atento aos comentários


construtivos e inteligentes da senhora na academia e aos pensamentos frios e descompensados da assistente de Kate. Nesse ponto, fica nítido que quase todo o humor do longa foi transferido para os personagens secundários, enquanto Kate funciona como vitrine-alvo dos comentários e piadas. Talvez, se tais coadjuvantes recebessem um tratamento mais adequado e ganhassem algum destaque, o filme se tornaria mais divertido. Mesmo assim, como foi dito acima, a estratégia de “Não Sei Como Ela Consegue” é ter uma trama que opta por não se definir de acordo os gêneros mais tradicionais para um filme com aquelas características. Ele não é comédia, nem romance, e passa longe do drama. Assim, com um equilíbrio meio torto, temos espaço para acompanhar um pouco de cada situação. Não vá ao cinema imaginando que está diante de um tratado cinematográfico em defesa do feminismo, ou de uma ode ao caráter ambivalente da mulher moderna. Também não espere por risadas de doer a barriga, e nem por lágrimas sentimentalóides. A mensagem de Kate é a busca do equilíbrio, por mais chato que ele possa ser. O formato do filme também aposta nisso.


O equilíbrio impressionista de O Casamento do Meu Ex Sem picos de emoção e atuações avassaladoras, o filme é entretenimento saudável em meio aos lançamentos descartáveis do ano. Não se engane pelo título brasileiro, o filme é muito mais que uma comédia romântica. O título original, Os Românticos (The Romantics), se encaixaria melhor ao propósito do filme que, em português, foi batizado como “O Casamento do Meu Ex”. A classificação indicativa, uma comédia romântica, também carrega sua parcela de distorção, quando melhor seria considerá-lo um drama imaturo. Não confunda as bolas e pague pelo ingresso esperando por muitos motivos para gargalhar. Quem assumir o risco de assistir ao longa vai presenciar 90 minutos de um retrato mais ou menos impressionista de uma reunião de amigos, com seus conflitos internos e momentos de descontração característicos. Como numa pintura de Monet, a história é contada de forma visualmente agradável e limpa, esteticamente impecável e tradicional, sem grandes rompantes de inovação ou jogo hiper-elaborado de luz e sombras. Em “O Casamento do Meu Ex”, a composição dos quadros é singela e delicada, com iluminação distribuída nos lugares certos e pouco espaço para a distorção do escuro. É um filme branco, no máximo bege, o que de cara revela sua ambição de fugir do melodrama exagerado e das grandes atuações que fazem o time de atores verter litros de lágrimas e perder noites inteiras de sono. Aqui, tudo é equilibrado, desde a direção sem grandes inovações, até a atuação do elenco, formado por nomes que não figuram no Olimpo dos atores. O cenário da trama, assim como o figurino de seus personagens, parece retirado dos quadros campestres do pintor francês, com seus grandes campos verdes e árvores altas que dão ao ambiente ares quase ornamentais. As mesas e suas toalhas impecáveis estão postas na área externa de uma grande casa de madeira branca e janelas de vidro. Em seu interior, papéis de parede com motivos florais e móveis rústicos não deixam escapar o clima que permeia toda a produção. O casamento de Lila (Anna Paquin) e Tom (Josh Duhamel) vai começar em instantes, e os convidados, com seus trajes que, por mais modernos e alinhados que possam parecer, não deixam de lembrar as figuras que ilustram quadros como “Madame Monet and her son” e “Balcony on the sea in St. Adresse”. Em um filme morno, de cores pálidas e argumento sem força suficiente para sustentá-lo por muito tempo, foi decisão sábia limitar sua duração para pouco mais de 90 minutos. O espectador não corre o risco de ficar entediado com a “constância” da narrativa, executada em ritmo certo e com situações específicas que garantem outros bons minutos de história. Dois ou três dias são narrados em “O Casamento do Meu Ex”, desde a chegada do grupo de amigos ao local do casório até o momento de sua execução que quase consegue ser excitante. Não há tempo suficiente para se aprofundar na personalidade de seus personagens, e talvez nem tenha sido esse o desejo da diretora Galt Niederhoffer, produtora de filmes com relativo sucesso de público e crítica e que não abandonou o ar do cinema dito alternativo. Aqui, tudo parece tão superficial que ninguém sentiria falta se retirassem,


inadvertidamente, um ou dois personagens do grupo central de amigos. Em um das sequências da trama, é dito que todos do grupo viviam uma encenação e que ninguém ousava representar seu verdadeiro papel. A verdade é que nós também não conhecemos a verdadeira face daquelas pessoas. E isso está longe de ser um problema! A trilha sonora do longa também está antenada ao que é esperado de filmes que procuram valorizar seu lado independente. Moderna, mas com características deliciosamente fora de moda, tem em sua lista nomes como os americanos do The Bird and The Bee, que encantam públicos de todo o mundo com sua mistura de cores, música eletrônica e jazz, e o Bedouin Soundclash, que deu uma nova roupagem ao reggae jamaicano. É fácil perceber, durante toda a execução de “O Casamento do Meu Ex”, a presença de elementos clássicos aliados de forma ponderada ao novo. O resultado dessa mistura equilibrada é um filme de fácil digestão, sem grandes atuações ou sequências memoráveis, mas acima da média de qualidade dos outros filmes enquadrados na prateleira das comédias românticas. É aquele filme de qualidade que você ainda vê, vez por outra, na Sessão da Tarde.


O Palhaço: as cores encantadoras de Selton Mello Câmera contemplativa, cores fortes e apuro técnico são pano de fundo para filme sensível sobre a eterna insatisfação humana. É possível perceber ao menos uma diferença evidente entre as sequências circenses e aquelas que se desenvolvem fora das lonas no novo filme de Selton Mello, “O Palhaço”. Quando assumem seus personagens dentro dos limites do picadeiro, as figuras ganham uma peculiar tonalidade em seus rostos e trajes, causada pela elaborada fotografia em tons alaranjados. Toda a magia e contemplação envolvidas no ato de fazer arte circense parecem imersas em uma atmosfera que de tão iluminada, tão resplandecente, é capaz de camuflar a vida real. Quando o espetáculo termina e as cortinas são definitivamente fechadas, as cores da rotina, da insatisfação e do vazio dão o tom. “O Palhaço” encontra na vida de uma trupe circense o substrato máximo para trabalhar essa dualidade: os rostos eternamente felizes e artificiais do picadeiro escondem histórias tão banais e humanas quanto as nossas. E o exemplar perfeito é a tão explorada figura do palhaço trágico, que se não aqui não ganha traços originais compensa sua deficiência por qualidades técnicas que conseguem manter em níveis elevados o desenrolar do filme. O palhaço Pangaré (Selton Mello), uma das estrelas do circo Esperança – imagine quão sugestivo esse nome pode ser – arranca gargalhadas exageradas do cada vez mais escasso público nas cidadezinhas de interior em que seu circo se hospeda. Seus gestos demasiadamente teatrais e suas piadas vez por outra picantes fazem sucesso e ajudam a garantir a sobrevivência da trupe. Quando o espetáculo do dia chega ao fim, o dinheiro é contabilizado e a maquiagem retirada, conhecemos Benjamim, que não tem graça alguma. Desde o início percebemos que uma grande insatisfação injustificada move o seu personagem, que sente crescer dentro de si um vazio tão grande quanto as enormes paisagens captadas pelas câmeras. O grande problema é que nem ele sabe explicar os motivos daquela sensação, que nos é apresentada pelo seu eterno olhar perdido, dificuldade para travar conversas com estranhos, insônia e o crescente desejo por um ventilador. Selton, um dos expoentes do cinema nacional na última década, sabe honrar com sua atuação firme o incrível número de pessoas que se dirige ao cinema atraídas por seu nome. Mesmo quando ocupa o picadeiro com as piadas e mímicas de Pangaré, o ator consegue manter em suas expressões e, sobretudo em seu olhar, o desespero interno de Benjamim. Enquanto isso nós, espectadores, rimos o riso da suspeita, curiosos pelas causas daquela insatisfação e encantados pelo desenrolar dos atos circenses. Apesar de Selton ser o chamariz principal para “O Palhaço”, outros nomes que formam o elenco merecem destaque, seja pela importância que representam para a dramaturgia nacional, seja pelo excelente trabalho que oferecem no filme em questão. A velha guarda impera, com atores como Jackson Antunes e Tonico Pereira. No papel do delegado Justo, com a sua voz grave tão característica, Moacyr Franco é uma maravilhosa surpresa. Paulo José faz o


palhaço Puro Sangue, dono do circo e pai de Benjamim, e nos brinda com mais uma atuação memorável. O talento de Selton também vai para trás das câmeras. Como diretor, ele é seguro e ousado, e em algumas ocasiões sua câmera se movimenta de modo curioso e poético. Preste atenção no modo como é filmado o corpo de uma das moças da trupe, enquanto ela adentra o recinto e se joga na cama, ou ainda na sequência final, com uma câmera que acompanha os movimentos da encantadora garotinha vivida por Larissa Manoela. A curta duração do filme talvez prejudique um pouco a sua execução, visto que se torna quase impossível oferecer uma descrição mais profunda de alguns personagens, todos eles curiosos e com potencial para estrelarem outros filmes. Não chega a ser um problema, mas torna tudo menos agradável, principalmente por não garantir mais espaço para uma explicação adequada sobre as inquietações de Benjamim. “O Palhaço” tem tudo para figurar ao lado de grandes filmes com temática regional que tonaram-se sucesso de público e crítica, como “O Auto da Compadecida” e “Lisbela e o Prisioneiro”. A grande diferença entre eles está na sensível carga dramática colocada por Selton em seu produto. Afinal, quem vai fazer o palhaço rir?


O Discurso do Rei Completo em seu minimalismo e surpreendente em suas atuações. Bem vindo ao Cinema. É espantoso ver o resultado final de um projeto de filme cujo argumento central gira em torno de um fato prosaico da realeza britânica. Passando longe das sequências épicas de “Elizabeth” e dos momentos que voltaram a atenção do mundo para o Palácio de Buckingham, como em “A Rainha”, a trivialidade da temática de “O Discurso do Rei” não parecia suficiente para a realização de um filme completo. Contudo, não seria precipitado dizer que a família real está diante do mais admirável representante de sua linhagem. Não se anime para acompanhar cenas surpreendentes dos bastidores reais. O diretor também não revela aquele diálogo, capaz de abalar as estruturas inglesas, travado na intimidade dos aposentos da família. Também não espere por um tratado sobre a Europa entre guerras. O mote do filme é inteiramente desvendado em seu título, direto e sem rodeios, simples como a sua proposta. As dificuldades de expressão vocal de Albert Frederick Arthur George, pai da atual Elizabeth II, prejudicavam suas aspirações ao trono mais poderoso da Inglaterra e eram motivo de chacota entre familiares. Após assumir o lugar deixado por seu pai e renunciado por seu irmão mais velho, George precisa enfrentar um inimigo mais poderoso e sorrateiro que a Alemanha nazista: sua gagueira crônica. Desacreditado da medicina tradicional e cedendo às insistências de sua esposa, o novo rei decide se submeter aos métodos pouco ortodoxos de um médico desconhecido. Entre erros e acertos, disputa de egos e hierarquia mandada às favas, o resultado do tratamento é totalmente previsível, e nem por isso menos interessante. Parte do êxito de “O Discurso do Rei” deve ser creditado ao trabalho do elenco formado por atores que, na ocasião, atingiram níveis extremos de realismo cênico. Helena Bonham Carter provou que funciona melhor quando se distancia dos tipos excêntricos criados por seu marido. A atriz vive a esposa do protagonista - naquele que talvez seja o papel mais convencional e reservado de sua carreira - e prova que seu talento não se limita ao burlesco. Geoffrey Rush causa arrepios por sua interpretação madura como o médico do rei e marca ponto de destaque em sua carreira estável e bem desenvolvida. O grande nome do filme, e aqui assumo o favoritismo da maior parcela dos críticos, é Colin Firth, que deve estar rindo à toa pela escolha do provável papel pelo qual será lembrado por muito tempo. Com um trabalho consistente e visceral, Firth trouxe para “O Discurso do Rei” a parcela dramática que faltava em seu roteiro. A propriedade com que o ator representa o esforço do rei para driblar a gagueira causa inquietação no público e demonstra que nas mãos de


outra pessoa o personagem dificilmente carregaria o peso dramático obtido por Firth. Também surpreende o profissionalismo da direção de Tom Hooper, um inglês até então pouco conhecido no grande circuito comercial. Contrariando o que se espera de um cineasta jovem (ele tem 39 anos), o trabalho de Hooper tornouse notável pelas influências clássicas que carrega. Todo o filme parece elaborado tendo em vista o convencionalismo da Era de Ouro de Hollywood, nos anos de 1970. Hooper consegue fazer um longa clássico - sem soar ultrapassado ou monótono - que deve agradar todas as parcelas de público. As características atribuídas por Hooper ao seu filme transformam “O Discurso do Rei” no melhor exemplar moderno de bom gosto. Os enquadramentos e ângulos de câmera valorizam a aflição de Firth e aumentam a sensação de angústia e impotência vivida pelo rei. Com recursos ousados de close-up, a equipe de fotografia conseguiu efeito semelhante ao causado pelo modo como Carl Theodor Dreyer filmou a atriz Maria Falconetti no clássico “O Martírio de Joana D’Arc”. Ainda merece destaque a trilha sonora de Alexandre Desplat, mais um nome na lista dos eternamente injustiçados pela Academia. O francês exibe nesse seu novo projeto o mesmo apuro sonoro demonstrado em “A Rainha” e “O Curioso Caso de Benjamin Button”. As melodias tocadas em piano renderam ao compositor sua quarta indicação ao Oscar e a minha sincera torcida. É desnecessário apelar ao número de indicações aos grandes prêmios do cinema para demonstrar o êxito obtido aqui. Deixar as apostas dos críticos de lado é a melhor maneira de desfrutar essa grande obra-prima em sua totalidade. E falando em apostas, alguém duvida que a atual rainha Elizabeth soltou risinhos agradáveis entre uma xícara e outra de chá enquanto assistia “O Discurso do Rei”?


O Turista Jolie e Depp estão rindo da nossa cara. Saiba o porquê. “O Turista” é um filme sutilmente elaborado para fazer rir. Não um riso descontrolado e sonoro, mas aquele que contorce o canto dos lábios e te faz sentir bem. Melhor que seja assim. Em uma comédia tradicional, a chance de Johnny Depp potencializar seus trejeitos inconfundíveis tornaria o filme desanimador. E imaginar Angelina Jolie atuando em um humor barato não é uma possibilidade plausível. O diretor Florian Henckel von Donnersmarck soube trabalhar com as limitações dos dois astros e conseguiu destacar suas qualidades. Antes de desaprovar a indicação do filme para a categoria Musical/Comédia no Globo de Ouro 2011, é sensato reparar no real objetivo do diretor ao realizar o remake do francês “Anthony Zimmer – A Caçada”. Von Donnersmarck, que escreveu e dirigiu o excelente “A Vida dos Outros”, vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2007, desembarcou na América e ganhou os holofotes de Hollywood pelas mãos dos dois maiores astros do grande cinema. Felizmente ele não abandonou em terras germânicas a sutileza de suas narrativas, e certamente não era seu propósito filmar uma ação eletrizante, uma comédia convencional ou um romance meloso. “O Turista” copia os detalhes fundamentais de cada um desses gêneros e os posiciona numa linha narrativa bem construída. O resultado dessa experiência é um filme burlesco na medida certa para não cair no ridículo. Existe muito da franquia 007, da trilogia Bourne e do mais recente “Salt” em “O Turista”. Em resumo, toda a estrutura tradicional dos filmes clássicos de espionagem serve de plano de fundo para o roteiro. O grande mérito de von Donnersmarck foi não levar a sério o próprio gênero que decidiu trabalhar. Em uma das primeiras sequências do longa, Depp lê um livro de espionagem que não condiz com o tipo patético de seu personagem, o turista. O diretor parece confortável ao debochar de todos os elementos de seu filme, inclusive dos dois astros. O fato é que antes que Depp possa terminar sua leitura, Jolie investe todo o seu potencial sedutor e consegue atraí-lo para o centro de uma complexa ação policial envolvendo milhões de libras, traições e mafiosos sem escrúpulos. O argumento perfeito para um filme de investigação. Nesse ponto ganha destaque a originalidade do diretor, suficientemente cômodo para zombar de seu filme em todas as ocasiões possíveis. A aparição repentina de Jolie em seu barco luxuoso é acompanhada pelo som dedilhado de algum instrumento que faz referência ao surgimento de belas mulheres em filmes clássicos de romance, com toda a aura de perfeição e requinte.


Depp revive a antiga cena em que o mocinho caminha cheio de coragem ao pôr-do-sol, no meio da revoada de pombos na praça da cidade. Em outra sequência de ares clássicos, Jolie é recebida no baile noturno da elite veneziana (isso mesmo, um baile noturno) sob os olhares e comentários invejosos de madames com vestidos menos pomposos e penteados pouco elaborados. No ápice do baile, ao melhor modo das princesas da Disney, todos os convidados, inclusive os protagonistas, iniciam uma dança complexa em que todos já sabem os passos e dançam em perfeita sincronia. Não é necessário dizer qual casal ganha todos os olhares. Von Donnersmarck também abusa de recursos de close-up no rosto dos atores, seja para salientar o sorriso malicioso de Jolie, seja para reforçar a sempre confusa expressão de Depp. E se o diretor assumiu o caráter caricato de seu projeto, o casal protagonista não teve problemas para acompanhar seus esforços. Jolie incorporou os trejeitos exagerados de uma típica representante da aristocracia inglesa, com gestos demasiadamente trabalhados e um semblante incorruptível. Depp ainda não conseguiu se desvencilhar do modo Jack Sparrow de atuar, mas pra sua felicidade o seu novo personagem carrega muitas semelhanças com seu papel em “Piratas do Caribe”. Mesmo assim, ao contrário de Jolie, o ator não consegue assumir de forma satisfatória a canastrice que seu papel exige no segundo ato. Entre falhas e acertos, o fato é que o nome dos dois figurou na lista de indicados ao Globo de Ouro. Embora seja recheado de cenas de perseguição e tiros, “O Turista” deve desagradar quem espera por um filme de ação. Mesmo abrindo espaço para o romance entre os personagens, não é um filme dramático. Quem quer gargalhar também vai se decepcionar. Se você quer ver dois grandes atores vivendo personagens caricatos num filme em que nem o próprio diretor parece se levar a sério, prepare-se para duas horas de um humor discreto e agradável. Von Donnersmarck, bem vindo a Hollywood!


Os Muppets: humor e inocência em cores saturadas Reunindo o que há de mais encantador no cinema de Hollywood, o novo filme dos Muppets é aquela comédia que procuramos para assistir com toda a família. E o melhor: todos saem satisfeitos. Um filme de fantoches parece uma proposta utópica demais para o grande cinema. Quem sabe nas mãos de um cineasta independente, com enquadramentos pouco usuais e lançamento previsto para as sessões de arte... E qual seria o resultado de bonecos de mão sob o comando de um diretor alternativo? Provavelmente alguma comédia politicamente incorreta, cheia de palavrões e situações constrangedoras, ou um humor genuinamente violento, com sangue falso escorrendo pelas veias de pano dos brinquedos. Quando os fantoches mais famosos do mundo caem nas mãos da maior fábrica de sonhos do planeta, o resultado é bem diferente. São cores fortes, músicas alegres, situações familiares e, o mais importante, piadas leves que divertem públicos de todas as idades e deixam um sorriso nostálgico estampado no rosto daqueles que acompanharam a TV Record nas tardes das décadas de 1970 e 80. “Os Muppets” chegam aos cinemas e, carregando o que há de melhor da Disney, fazem um dos filmes mais divertidos do ano. Para quem não teve a oportunidade de morrer de rir da série em sua exibição original, o filme tem sua trama centrada na reapresentação dos personagens, e tudo em seu roteiro é saborosamente metalinguístico. O antigo estúdio dos Muppets está abandonado, e isso é revoltante o casal Gary e Mary (Jason Segel e Amy Adams). A única solução para contornar o ostracismo e evitar que um magnata do petróleo (Chris Cooper) destrua o estúdio é arrecadar uma fortuna e pagar as dívidas. Para essa tarefa, os humanos saem à procura dos Muppets e colocam em prática a ideia de um show beneficente. Nada mais sugestivo para representar o renascimento dos bonecos de pano em pleno século XXI. Pela sinopse, é fácil perceber a aura de encanto que permeia toda a trama, sobretudo por se tratar de uma produção da Disney. Além da questão financeira, entra em cena o resgate de valores universais, como a união, a amizade e o trabalho coletivo. A sinopse aparentemente boba é o fio condutor de uma história pontuada por um humor leve e inocente que dificilmente ainda se vê. Sob a direção de James Bobin, veterano diretor de séries de humor, os Muppets parecem mais engraçados, elétricos e excêntricos – embora sempre politicamente corretos – que em outras produções protagonizadas por eles. Tudo é clichê. E delicioso. São muitos os momentos em que é difícil conter a risada. Se em sua primeira metade o longa explica toda a trágica situação em que o antigo estúdio se encontra, o momento seguinte foi pensado para divertir. Alguns números musicais revivem o que houve de melhor na época dos grandes filmes cantados de Hollywood, com coreografias que te fazem bater com os dedos na poltrona. Depois, quando os Muppets estão empenhados na arrecadação de fundos para impedir a destruição do lugar, podemos acompanhar a confusão


dos bastidores de um programa de TV, com seus tipos excêntricos e manias peculiares. Para abrilhantar esse grande projeto nostálgico, um time de estrelas topou participar do longa, e vez por outra somos surpreendidos pela aparição de Whoopi Goldberg, Selena Gomez, Emily Blunt, Dave Grohl e muitos outros. A interação entre o elenco de carne e osso e os bonecos é um ponto forte do filme, e aqui aparece de forma bem executada e divertida. Nesse quesito, merece destaque todo o trabalho dos protagonistas, que oferecem ao público atuações tão pueris e cheias de animação quanto se possa imaginar para um filme do gênero, embora vez por outra acabem escorregando para o exagero de expressões, sobretudo durante os números musicais. Além dos valores tradicionais expostos em toda a duração do filme, além do maniqueísmo tão usual dos filmes da Disney – que separa em polos tão opostos o bem e o mal – a mensagem que fica ao final do longa, nessa brilhante sacada de metalinguagem, é de que os clássicos são eternos.


Pânico 4 Qual o seu filme de terror favorito? “O Iluminado”? “O Bebê de Rosemary”? “O Massacre da Serra Elétrica”? “REC”? Certamente, “Pânico 4” não será a resposta imediata de nenhum aficionado pelo gênero. O último episódio da franquia iniciada em 1996 está mais próximo de produções recentes como “Arrasta-me para o Inferno” e “Piranhas 3D”, justamente aquelas que souberam dosar a quantidade de horror e oferecer ao público bons motivos para rir. E rir vai ser sua reação mais constante durante a exibição de “Pânico 4”. Não aquele riso de constrangimento e vergonha despertado por algumas sequências infames de clássicos do terror. Aqui, o hilário foi minuciosamente planejado e bem posicionado por Kevin Williamson e Wes Craven, roteirista e diretor parceiros desde o primeiro filme. A narrativa segue a mesma linha colegial dos filmes anteriores, com a evolução de seus antigos protagonistas e a inserção de novos nomes em seu elenco jovem. Neve Campbell, a eternamente perseguida Sidney, está de volta após demoradas negociações com os realizadores e um cachê grandioso. Sua personagem amadureceu e agora autografa livros sobre a tragédia do passado. Courteney Cox, a Mônica de “Friends”, e David Arquette, membros do elenco do primeiro filme e casados desde então, também estão de volta nesta sequência. É curioso ver o entrosamento do casal em momentos que antecederam a polêmica separação conjugal, com declarações sobre traição, ereções constantes e pedidos de desculpas via Twitter. Na tentativa de atrair a parcela de público que nos 90 não estava liberada para ver “Pânico”, foram convocados atores de apelo junto aos jovens. Emma Roberts, de “Um Hotel Bom pra Cachorro”, Hayden Panettiere, de “Heroes”, e Adam Brody, de “The O.C.”, garantem a renovação do elenco e, com seus bons desempenhos, devem satisfazer os anseios daqueles que estavam saturados dos antigos atores. O elenco demonstra uma sintonia invejável e parece à vontade nas situações embaraçosas propostas pelo diretor. “Pânico 4” é aquele filme em que ninguém parece ter se levado a serio, e justamente por isso a sensação que fica para o público é a de que aquilo tudo foi uma grande brincadeira (des)organizada pelas câmeras de Craven. Aqui, o diretor dá continuidade ao convencionalismo técnico de seus filmes anteriores e, vez por outra, faz uso de recursos de closeup aproveitados em exaustão pelos representantes do gênero. O resultado final consegue passar longe do repetitivo, e as sequências em que o primeiro plano é dominado pelo salto alto da garota no piso do estacionamento, ou pelo olhar ensanguentado de uma vítima, possuem um sabor nostálgico indescritível.


Entre tantas referências e sátiras ao próprio gênero, o resultado final de “Pânico 4” é a aparência de uma grande metalinguagem deliciosamente fora de moda, onde tudo parece a versão distorcida e descompromissada de algum aspecto curioso do passado da franquia e do cinema de horror em geral. Ou seja, um prato cheio para as gerações mais antigas e uma oportunidade para os mais jovens conhecerem o que fazia a diversão das noites de domingo nos anos finais do último século. Com a tarefa de resgatar e homenagear uma geração inteira de jovens que na década de 90 delirou com a inventividade e bom humor de “Pânico”, Craven foi bem sucedido em sua ambição e lançou um dos filmes mais divertidos da temporada. Afinal, quem mais conseguiria fazer boas piada com os nomes de Channing Tatum e Bruce Willis entre poças de sangue e tripas expostas?


Piratas do Caribe 4 é divertido, mas cansa em sua primeira metade Cuidado, Disney! Sua mina de ouro pode estar caminhando para águas realmente misteriosas... Não importa o que façam ou digam, parece que a franquia Piratas do Caribe sempre terá uma boa recepção do grande público durante sua exibição nas telonas. O que se assiste no último episódio da série, “Piratas do Caribe 4 – Navegando em Águas Misteriosas”, é um emaranhado de situações desconexas e tediosas que não conseguem ofuscar a sempre caricata (e adorada) interpretação de Johnny Depp e o charme espanhol de Penélope Cruz. Aqueles para os quais tais fatores não são suficientes, precisam de esforços redobrados para acompanhar, até o fim, a nova saga de Jack Sparrow. Em resumo, tudo nesse quarto filme parece resultado de um plano ambicioso para encher o bolso de dinheiro do modo mais simples possível. Partindo do roteiro de Ted Elliott e Terry Rossio (baseado no livro “On Stranger Tides”, uma aventura marítima escrita em 1987 pelo americano Tim Powers), até a atuação dos atores, tudo parece canastrão demais para os padrões de relativa qualidade dos três filmes anteriores. Aqui, a trama acompanha a disputa entre Sparrow, Barbossa (Geoffrey Rush) e Angélica (Penélope Cruz) na busca pela Fonte da Juventude. A despeito de suas motivações específicas, a verdade é que os três parecem tão interessados em chegar ao ponto X do mapa do tesouro que quase não resta tempo para o saudável desenvolvimento da história. Então, dentro de seus 137 minutos (duração reduzida se comparada aos outros três filmes), não estranhe a sensação de uma correria exagerada e, ao mesmo tempo, de que nada de interessante foi contado. Os protagonistas da rixa são carismáticos, originais e conseguem escapar do lugar comum gerado em torno dos corsários do mar. Nada extraordinário para nomes que já fizeram grandes obras do cinema moderno, como “Ed Wood” e “Cry Baby” (Depp), “O Discurso do Rei” e “Shine – Brilhante” (Geoffrey Rush), e “Volver” e “Carne Trêmula” (Penélope Cruz). O capitão Sparrow continua cheio de tiques e trejeitos que não causam mais estranhamento e não divertem como antes. É o mesmo modo problemático de atuar que Depp vem colocando em seus demais projetos, como se fosse impossível dissociar ator e personagem. O capitão Barbossa parece ínfimo quando analisado ao lado do terapeuta vivido por Rush em “O Discurso do Rei”, e é difícil não desejar, durante todo o filme, um pouco mais de naturalidade ao seu personagem. A grande novidade é Penélope Cruz, deslumbrante como a figura que parece ter mais histórias pra contar: filha do pirata Barbanegra, ex-noviça e ex-namorada desiludida de Sparrow.


Gregor Verbinski, que havia sido chamado para dirigir o primeiro “Piratas do Caribe” em 2003, após filmes de relativo sucesso, foi substituído pelo premiado Rob Marshall, mais conhecido por seus trabalhos esteticamente impecáveis, como “Chicago”, “Memórias de uma Gueixa” e “Nine”. Muitos acreditaram que essa seria a oportunidade ideal para a renovação estética da série, e muito se falou sobre a possibilidade de um filme visualmente arrebatador, com uma perfeita sincronia entre cenário e personagens, cores vivas e cenas de luta perfeitamente coreografadas. O que é visto, levando em conta a capacidade de Marshall, é decepcionante. Pouco mudou em relação ao trabalho visual demonstrado no último filme, e em alguns pontos não é precipitado afirmar que houve uma sensível perda de qualidade. As batalhas épicas, que davam ritmo ao roteiro, agora não foram bem planejadas e executadas, e muitas delas carecem de agilidade. As cores de Marshall foram substituídas por uma fotografia demasiadamente sombria, que se estende por toda a primeira hora do filme. Ao sinal do primeiro raio de luz, a sensação é de alívio. A cartela de defeitos não deve ser suficiente para comprometer o êxito de “Piratas do Caribe 4”. Caso os estúdios Disney planejem dar continuidade ao propósito de filmar boas histórias de piratas, é importante rever conceitos e renovar seus atributos. Caso contrário, a franquia pode terminar como um produto descartável para seus diretores e vergonhoso para o elenco.


Planeta dos Macacos – A Origem: a história repaginada Deixando o texto original para trás, o novo filme aposta na parcela humana de uma trama até então dominada por macacos. Quando lançou “O Planeta dos Macacos”, em 1963, o escritor francês Pierre Boulle movimentou a sociedade literária européia com sua crítica social disfarçada em forma de ficção científica. A mensagem não passou despercebida, e bastava aguçar os sentidos para perceber que o território dominado pelos símios superdesenvolvidos funcionava perfeitamente como uma alusão ao totalitarismo político e escassez intelectual das nações. Como uma fábula futurista, aos moldes de “Laranja Mecânica”, “A Revolução dos Bichos” e “Admirável Mundo Novo”, o sentido crítico original de suas páginas acabou perdendo espaço para o apelo pop que a obra representou e para todas as possibilidades que seu texto sinalizava. Foi assim que, cinco anos depois, foi lançada a primeira adaptação cinematográfica do livro, com Charlton Heston no papel principal. Mantendo certa distância dos escritos originais – com a liberdade criativa permitida aos realizadores da sétima arte – o diretor Franklin Schaffner acrescentou alguma agilidade e dinamismo à trama, garantindo o êxito comercial do filme. A crítica social ainda estava lá – muitos analisaram a película como um grito contra a Guerra-Fria – embora encoberta por detalhes que fugiam completamente da história original. O projeto teve quatro sequências até 1973 e originou uma série de animação, além de inúmeros especiais reprisados até hoje pelas emissoras de TV. Em 2001, Tim Burton lançou sua visão da história, conformada ao seu estilo peculiar e com doses ainda mais imperceptíveis de crítica social. Finalmente, em 2011, chega aos cinema “Planeta dos Macacos – A Origem”, uma releitura que, além do título, pouco carrega da ideia criada por Boulle. Na verdade, o diretor Rupert Wyatt pode ter levado a cabo seu projeto sem ter lido uma página sequer do texto francês. Aqui, temos uma visão que foge em absoluto da proposta inicial de apresentar ao público um novo mundo dominado por macacos, em primeiro lugar porque esse mundo sequer existe. O mundo é humano, é o nosso mundo, com seus prédios opulentos, trânsito caótico e pequenos prazeres. Os macacos estão lá por acaso e em lugares bem determinados: no zoológico, em centros de captura e laboratórios de estudos químicos. Nesse filme, o protagonismo não é deles. Os símios são acessórios colocados à disposição dos humanos e do cientista Will Rodman (James Franco), que pesquisa a cura para o Alzheimer. Will registrou grandes avanços com a aplicação de certo composto em macacos, mas uma experiência malsucedida acabou minando seus planos. Seu único consolo foi levar para casa o filhote primata de uma de suas cobaias. Batizado de César, uma alusão ao protagonista do quarto filme da série iniciada em 68, o macaquinho logo demonstra uma aptidão inata para atividades que outros primatas de sua espécie não conseguiriam desenvolver. Além de criar, junto ao seu dono, estratégias exclusivas de comunicação, César realiza movimentos que ultrapassam as possibilidades símias. Após um


acidente, o macaco é levado para um abrigo de animais e passa a conviver com seus semelhantes. É lá que começa a revolução, quando resta pouco mais de 40 minutos para o final do filme. Deixada em segundo plano, a revolta dos macacos funciona como válvula de escape para acelerar a longa introdução da trama – que de tão longa talvez nem possa ser classificada de tal forma – estendida em aproximadamente 50 minutos de um filme que tem pouco mais de uma hora e meia. Não que possa ser tomada como um ponto negativo. Ela é tão interessante quanto os momentos finais da narrativa e, sob certos pontos de vista, até superior, visto que se desenvolve sem pressa rumo ao final. Os personagens são bem elaborados – os atores estão excelentes – e o público pode conhecer as motivações e necessidades de cada um deles. A exceção é a namorada do protagonista, vivida pela atriz indiana Freida Pinto, mais deslumbrante do que nunca. Sem tempo para ser desenvolvida, a personagem de Freida poderia ser retirada tranquilamente da trama. Numa observação geral, o grande problema de “Planeta dos Macacos – A Origem” é a velocidade do seu segundo ato, que contrasta de forma negativa com um primeiro momento belamente desenvolvido. Os clichês do gênero, a falta de inovação na direção, as mudanças no roteiro e até as risíveis cenas de diálogo entre macacos só reforçam o clima atemporal de uma história que ultrapassou quase cinco décadas. Com muito, muito esforço, é até possível vislumbrar alguma crítica social no meio daqueles primatas todos...


Professora sem classe: você já sonhou com ela antes Maconha, palavrões, roupas justas e pés em cima da mesa. Cuidado com o profissional que vai cuidar da educação dos seus filhos. “Professora Sem Classe” brinca com a usual quebra de paradigmas que permeia os sonhos mais ousados dos estudantes: a possibilidade de uma professora que rejeite todos os moldes institucionais. Ou alguém nunca imaginou que a figura no canto mais importante da sala de aula pudesse ter, fora dos limites da escola, uma personalidade exageradamente distinta daquela exibida durante o trabalho? Quando o profissional não consegue separar adequadamente seu modo de agir entre os dois mundos, o resultado é o que pode ser visto nesse filme de Jake Kasdan. Claro que o longa conta com o proposital exagero de situações do roteiro de Gene Stupnitsky e Lee Eisenberg, mais conhecidos por seu trabalho com a concepção de scripts para alguns episódios da série “The Office”. Afinal, não é todo dia que esbarramos com a professora do ensino fundamental envolta por uma nuvem de fumaça – cujo princípio ativo não é a nicotina – dentro do seu carro, estacionado no jardim da escola. Menos óbvio ainda é encontrá-la em trajes mínimos realizando piruetas no capô de um carro sendo lavado. O melhor exemplo do cinema colocando em prática nossas aspirações juvenis. Como dificilmente seria construído sobre os deslizes e excessos da professora – embora esses momentos garantam as cenas mais cômicas do longa – foi preciso criar uma história que funcionasse como linha guia entre o início e o fim dos 90 minutos de projeção. Um time de personagens secundários foi convocado para dar alguma substância ao roteiro: Justin Timberlake, Jason Segel e Lucy Punch são os outros professores do local e dividem espaço com Cameron Diaz. Entre protagonista e coadjuvantes, todos respondem bem aos estímulos exigidos para os seus personagens, embora ainda estejam longe de atuações memoráveis para suas carreiras. A mais próxima disso é Lucy Punch, no papel da professora que fiscaliza e denuncia os abusos da colega. Com uma ótima veia para a comédia, a atriz consegue fazer rir com seus modos exageradamente tradicionais e positivos de ministrar uma classe. O grande mérito da trama é a sua aparente não pretensão de ser lembrado como grande expoente da indústria do humor. Originalidade deixada de lado (no que se refere a criação da personagem principal), o que resta é um apanhado de situações clichê que dão força ao grande propósito da professora: arrumar 10 mil dólares para implantar silicone nos seios. E nesse momento a coisa toda já assumiu o tom de deboche necessário ao desenrolar da história. Não como algo negativo, mas sim aparentando uma neutralidade que não chega a aborrecer. É exatamente o que foi testado e aprovado em outras produções do gênero. E como um filme de comédia neutro, lá está a direção absurdamente tradicional, a fotografia meramente automática e a trilha sonora característica das comédias hollywoodianas que flertam com o humor negro, com rocks acelerados que vão desde o Judas Priest até o Whitesnake. Além da


composição da protagonista – mais por sua inserção naquele ambiente específico que por uma personalidade inovadora – nenhum outro esforço foi feito para garantir alguma originalidade ao restante do longa. Desde que bem administrado, como realmente acontece, essa neutralidade não chega a caracterizar um defeito. No meio de situações revividas e piadas usuais, dois momentos conseguem elevar a qualidade de “Professora Sem Classe“ e deixar no espectador a sensação de que o conjunto da obra poderia ser melhor. O primeiro deles é a sequência em que Cameron rodopia no capô dos carros molhados, durante a campanha escolar para arrecadação de dinheiro, que trabalha em níveis certos com a mistura entre humor e erotismo. O outro momento é o surgimento dos créditos iniciais do longa, embalados pelo rock tradicionalíssimo do Rockpile e acompanhado por imagens antigas de salas de aula ao redor do mundo. É um início inspirador para 90 minutos de um filme morno.


Qual Seu Número?: a pior forma de fazer humor Anna Faris e Chris Evans são os protagonistas de um longa que não diverte e não faz rir. Não perca seu tempo com eles. Nada funciona nessa comédia que tenta fugir do romântico. Nada mesmo. O trailer divertido e recheado de momentos cômicos vividos pela naturalmente cômica Anna Faris não corresponde ao produto final. Depois da hora e meia de projeção – e para aqueles que conseguiram chegar ao seu final – o que resta para o espectador é a sensação de tempo perdido e a constatação de que o humor é realmente um negócio muito estranho. Depois de muitos anos e sequências intermináveis como protagonista da franquia “Todo Mundo em Pânico” – em uma personagem desastrada e sexualmente não muito atraente – é complicado colocar Faris no papel de uma mulher fatal com uma lista absurda de conquistas masculinas no bolso. Mesmo que essa figura guarde em sua personalidade todo o azar e pé frio da personagem que a tornou conhecida, aqui a atriz não convence, seja pelas situações cômicas em que se envolve, seja pelo relativo amadurecimento do público que em 2000 assistia ao primeiro episódio de “Todo Mundo em Pânico” e – como um entretenimento que entrava na fase pós-adolescente – não reparava em suas limitações como atriz. O argumento é baseado no livro de mesmo nome lançado no Brasil pela editora Novo Conceito, aquele típico romance açucarado que esconde o valor clássico do amor e o sonho do príncipe encantado atrás de xingamentos, desaforos e muito sexo. Ally (Anna Faris) é a mulher com idade próxima aos 30 que não enxerga problemas em ter uma vida sexual ativa com base na troca frequente de parceiros, na melhor definição do que seria sexo casual. A temática liberal até esboça uma aproximação com outros longas realmente cômicos que abordaram o assunto, como “Amizade Colorida” e “Sexo Sem Compromisso”, embora os anteriores sejam infinitamente mais divertidos. Quando se enxerga desempregada e com uma lista de 20 homens com os quais já transou, Ally entra em desespero: a irmã está casando, as melhores amigas foram para a cama com um número inferior ao seu e, para completar, uma especialista de Harvard publicou uma pesquisa apontando que mulheres com alto número de parceiros dificilmente conseguem encontrar um marido. A única solução para o seu problema é reencontrar seus ex-parceiros sexuais, focar naqueles que subiram na vida e garantir sua futura estabilidade conjugal. Quem vai oferecer toda a ajuda necessária para a localização das potenciais vítimas é o seu vizinho, um músico desocupado vivido por Chris Evans, que agora, mais do que nunca, comprova que só frequenta o grande cinema pelos atributos físicos que exibe quando joga a camisa no chão. E se Anna Faris dá claros indícios de que perdeu parte de sua veia cômica, é Evans que carrega a parcela vergonhosa do longa. Seu personagem, quase sempre em trajes reduzidos e com piadas picantes na ponta da língua, é a plena representação de um ator que ergueu sua carreira tendo por base os músculos que ostenta. E é realmente enojante assistir ao tratamento que o diretor dá ao personagem e


aos constantes momentos de explícita “exploração corporal” a que ele se submete. Os projetos mais conhecidos do diretor, Mark Mylod, talvez sejam alguns episódios do seriado “United States of Tara” e o longa “Ali G Indahouse – O Filme”. Nos primeiros minutos de “Qual Seu Número”, enquanto sua câmera gira de forma vertiginosa e descontrolada pela cidade cenário da trama, ainda é possível guardar centelhas de credulidade. O problema é que todas elas são descartadas nos 15 minutos seguintes, até que o público é mergulhado na enxurrada de piadas de duplo sentido envolvendo posições e órgãos sexuais. “Qual Seu Número” serve apenas para reforçar a máxima de que até o humor depende de certo grau de inteligência para existir. Talvez seja por esse motivo que o longa nunca ultrapassa a barreira do quase: é um quase filme, com quase atores, que quase agrada. Ou seja: completamente descartável.


Quero Matar Meu Chefe: o bom humor do primeiro ato Que meu chefe não me leia... As possibilidades são muitas quando o assunto é conviver com alguém que oferece, diariamente, todas as chances para o crescimento – ou decadência – profissional de um subordinado na hierarquia interna de uma empresa. Chefe e funcionário podem desenvolver uma relação de confiança e interdependência, e nesses casos uma promoção costuma ser a recompensa mais adequada. Por outro lado, descobrir que seu chefe é um tirano enrustido em peles de beato é uma possibilidade no mínimo desesperadora. “Quero Matar Meu Chefe” brinca com encantadores ambientes de trabalho que revelam outras verdades entre as quatro paredes das salas de diretoria. É verdade que não se esbarra todo dia com chefes tão malignos. Assumir o posto de vice-liderança para, por exemplo, cortar o barato do melhor funcionário da empresa, é algo que foge do imaginável. Assim como encontrar seu superior cheirando pó no banheiro do corredor. E o que dizer daquelas que apalpam seu traseiro e soltam piscadelas maliciosas em momentos inesperados? As peculiaridades dos meus chefes ainda passam longe disso, mas não é raro encontrar histórias que beiram o absurdo. Há alguns anos uma dona de restaurante norte-americana foi denunciada por assédio sexual contra um cozinheiro e justificou suas atitudes por uma lei perdida no tempo que garantia aos chefes o direito de fazer qualquer coisa com seus subordinados. E tudo é possível. No caso dos chefes de Jason Bateman, Jason Sudeikis e Charlie Day, todas as justificativas para o crime parecem completamente aceitáveis e plenamente passíveis de realização. Mas essa colocação em prática dos planos mirabolantes é assunto para outros parágrafos. Na verdade, o melhor de “Quero Matar Meu Chefe” são as sequências do primeiro ato, quando o público conhece as manias e vontades dos três chefes: o excelente Kevin Spacey, Colin Farrell e Jennifer Aniston. É na primeira metade do filme que assistimos ao acelerado processo de sedução da dentista sobre o assistente, ao herdeiro que pede ao empregado que demita o cadeirante do escritório e ao diretor que gargalha quando escuta o apelido carinhoso da vó falecida de seu subordinado. E então, quando a paciência dos três protagonistas chega ao fim e o filme entra na onda do cinema de humor-ação que virou moda nos últimos anos, sua qualidade cai. As boas piadas são enterradas, a tensão dos escritórios é deixa de lado e tudo converge para um único propósito: a elaboração de um plano capaz de acabar com a vida dos três chefes. A partir daí, o longa entra numa fase em que o que prende o espectador na poltrona é a curiosidade pela conclusão dos planos – e nesse ponto sua construção foi satisfatória, já que nossas suspeitas sobre o destino dos chefes são derrubadas a cada momento. A relativa não previsibilidade do roteiro de Michael Markowitz, um veterano escritor de episódios para seriados, é um ponto forte que não consegue recolocar o filme no topo de qualidade que assumiu em seu início. A falha é muito grande para ser contornada.


Parte da culpa deve ser atribuída ao diretor Seth Gordon, do sem graça “Surpresas no Amor”. Apesar de carregar em sua bagagem experiências com a direção de alguns episódios da série “The Office” – e talvez isso explique seu excelente trabalho na primeira metade do filme, com a criação de um ambiente hostilmente cômico – o que assistimos na maior parte de “Quero Matar Meu Chefe” é uma sucessão de momentos exaustivamente explorados por produções do gênero. Qualquer resquício de uma originalidade inteligente foi deixado de lado para dar lugar ao ritmo frenético de perseguições em alta velocidade, cenas de espionagem e piadas prontas. Como diretor de cenas de ação, Gordon não convence. Caso optasse por desenvolver melhor e em mais tempo as situações vividas entre as paredes dos escritórios, com a tensão características das relações desiguais entre cargos de comando e subordinados, o resultado final de “Quero Matar Meu Chefe” seria superior. Pelo pouco que assistimos, o diretor pareceu suficientemente capaz de carregar uma hora e meia de um bom filme, original e engraçado. Sua opção não foi a melhor.


Santuário Frio, impaciência e claustrofobia. Não é o cinema 4D. Depois do estardalhaço em torno de “Avatar”, James Cameron está em posição confortável para colocar seu nome em produções menores e menos ousadas. Saem os Navis azulados em seus territórios fantásticos e entra em cena um grupo de exploradores de uma grande caverna em Papua (Nova Guiné). “Santuário” veio para consolidar a utilização de recursos em 3D no último espaço ainda pouco desbravado: os ambientes submarinos A direção de “Santuário” foi realizada pelo pouco conhecido Alister Grierson, que realiza aqui seu primeiro longa-metragem de apelo junto ao grande público. Cameron, embora tenha assumido o cargo de produtor-executivo, foi quem teve o nome mais explorado e recebeu posição de destaque nos cartazes e trailer do filme. Nos últimos minutos de “Santuário” ainda é difícil estabelecer uma divisão clara entre o trabalho dos dois profissionais. Entre qualidades e defeitos que seriam cometidos por ambos, o resultado final é divertido e capaz de provocar bons momentos de tensão. A história real de Andrew Wight, que teve participação no roteiro, carrega potencial dramático suficiente para render uma adaptação cinematográfica de qualidade. Wight fez parte da expedição que viu a caverna Esa-Sala desabar e impedir a retirada de seus companheiros. Durante dois dias os exploradores buscaram saídas alternativas entre fendas rochosas e ambientes repletos de água. A incerteza quanto a realização de operações de resgate na superfície e a chuva torrencial que acelerava a completa inundação da caverna são os fatores de maior tensão na história real. A adaptação para o cinema soube equilibrar esses dois fatores e alcançou sequências exitosas. A sensação claustrofóbica que acompanha os personagens em suas travessias por buracos mínimos entre as rochas foi bem capturada pela câmera de Grierson. O público consegue sentir a falta de ar e a aflição causada por movimentos limitados em espaços reduzidos de passagem. A direção também conseguiu transmitir a percepção de umidade e frio num ambiente em que tudo parece encharcado de água, desde a roupa dos personagens até os equipamentos de sobrevivência. “Santuário” seria um completo filme de suspense não fosse o desempenho medíocre de seu elenco. O australiano Richard Roxburgh, conhecido no Brasil pelo seu papel como o Duque, em “Moulin Rouge”, protagoniza a trama como o chefe da expedição e oferece ao público o melhor trabalho entre os atores. O mesmo não pode ser dito de Ioan Gruffudd, o nome mais popular do elenco. Conhecido por ter vivido o Senhor Fantástico nos dois filmes da série “O Quarteto Fantástico”, o ator não adere ao clima exigido pela trama. Nos


momentos de tensão, sua veia dramática demonstra insuficiência e ele decide se apoiar em expressões faciais exageradas. O filho do explorador é vivido por Rhys Wakefield, ator retirado de séries televisivas e que parece discípulo de Gruffudd nas técnicas de interpretação. Entre falhas e exageros, vai para Alice Parkinson, de “X-Men Origins”, o título de personagem mais irritante do filme. A frase “O que poderia dar errado explorando cavernas?”, dita entre risos prepotentes nos primeiros minutos de projeção, resume bem o que pode ser esperado da personagem. Para satisfação do público, o trabalho medíocre dos atores não consegue prejudicar o desenvolvimento de “Santuário”. A impotência do homem diante de uma situação em que todas as soluções tornaram-se inviáveis é argumento suficiente para valer o ingresso. Com um clima bem construído e sequências realmente desesperadoras, o nome de Cameron deixa de ser o único motivo para o sucesso do filme. Sobre a personagem de Parkinson, a reposta quanto o que pode dar errado numa caverna vai ser dada da maneira mais penosa que você pode supor...



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