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FORTALEZA - CE, DOMINGO - 8 DE JANEIRO DE 2017 Twitter: @opovoonline
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LITERATURA.
Geografia afetiva Cultura Do Brasil a Israel, atravessando continentes, Cecília Meireles viajou por todo o mundo, colecionando sensações e descobrindo palavras para descrevê-las Jáder Santana jader.santana@opovo.com.br
s crônicas de viagem de Cecília Meireles, relançadas em box de três volumes pela Global Editora, dão conta de uma mulher habitada pelo universo. Nelas, a poetisa defende que sair de casa só vale a pena quando o esforço proporciona contato sincero com dois elementos: a terra e o povo. Seus percursos são, antes de tudo, sentimentais, e Cecília quer transmitir ao leitor uma impressão que vá além do deslocamento geográfico. Escritas do início da década de 1940 aos primeiros anos de 1960, suas crônicas revelam, nas entrelinhas ou em reflexões de pura sinceridade, o mundo do pós-guerra, um cenário no qual a velocidade dos meios de transporte e o encolhimento das distâncias geográficas contribuíam para o fortalecimento de uma condição globalizada de estar no mundo. Cecília vive o período de transição do navio de passageiros para a aviação comercial, e a fugacidade da nova forma de
A
cruzar países a encanta e assusta em medidas parecidas. “Não é como o cais, onde os lenços continuam a acenar enquanto o barco se afasta. O viajante ainda está na terra, mas já está muito longe”, escreve em O Avião, crônica de 1952 presente no primeiro volume da coleção. Quando narra suas viagens, Cecília parte da intenção jornalística e avança para uma estrutura essencialmente literária, distanciando-se da frieza dos relatos técnicos de turismo. Não lemos sobre uma viagem ao Paquistão, mas sobre o Paquistão experienciado pela autora, com seus elogios e queixas, oposições e perspectivas. A autora abre-se a críticas, permite-se acidez como quando se queixa
da falta de natureza em Buenos Aires ou aponta esculturas detestáveis em Paris. Seus relatos são dotados de uma franqueza que aproxima o texto do que se espera de um diário, com colocações pinceladas de bom humor e momentos de reflexão que se misturam às suas memórias pessoais. Cecília quer que compartilhemos de suas experiências. LEIA MAIS NA PÁGINA 24
“Quando narra suas viagens, Cecília parte da intenção jornalística e avança para uma estrutura essencialmente literária”
TURISMO PESSOAL “Grande é a diferença entre o turista e o viajante”, provoca Cecília Meireles em um texto de 1953, presente no segundo volume da coleção. A autora recusa o título de turista, refletindo que este cruza as cidades como um comerciante, buscando sensações revestidas de conforto e desfrutando prazeres de ordem material. “É uma criatura feliz, que parte por este mundo com a sua máquina fotográfica a tiracolo, o guia no bolso, um sucinto vocabulário entre os dentes: seu destino é caminhar pela superfície das coisas”. O viajante, criatura mais triste que o outro, sairia de casa em busca de alimento espiritual, beleza, aprendizado, contemplação. Enfrentariam percursos sem a necessidade de conforto, alimentadas por sonhos e afeições, “querendo morar em cada coisa, descer à origem de tudo, amar loucamente cada aspecto do caminho, desde as pedras mais toscas às mais sublimadas almas do passado, do presente e até do futuro - um futuro que ele nem conhecerá”.