Sertão Costurado por Sonhos

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SEGUNDA-FEIRA EGUNDA-FEIRA FORTALEZA RTALEZA - CE, - 111 DE JULHO DE 2016

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FOTOS CAMILA DE ALMEIDA

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S O H N O S R O P O D A R U T S O C O Ã T R SE O estilista José Ávila e seu time de modelos formado por primas e vizinhas

Em meio à secura do sertão, José Ávil a resolveu transform ar o cenário de arid coragem, ele faz da ez em arte. Com po moda sua forma de ucos recursos e mu expressão LEIA NA PÁG ita INA 3


FORTALEZA - CE, SEGUNDA-FEIRA - 11 DE JULHO DE 2016

3 CAMILA DE ALMEIDA

No ateliê improvisado em casa, José Ávila usa uma máquina “que funciona quando quer”e reaproveita tecidos para construir as peças que sonha vender em sua própria marca, a Zeavi

MODA.

O sertão na costura Inspirado pela seca que assola seu distrito, distante 37km do município de Irauçuba, adolescente cria moda e busca na arte o caminho para seus sonhos

Jáder Santana jader.santana@opovo.com.br

0 quilômetros de estrada de terra precária e outros sete de asfalto separam a casa de José Ávila do município de Irauçuba. Até Fortaleza, são 155 quilômetros a mais. Um pau de arara faz, duas vezes ao dia, pela manhã e no início da tarde, o trajeto entre o distrito de Juá e sua cidade. Ávila tenta se resolver com o que tem: as capas das almofadas de casa, uma roupa desfeita, uma sobra de tecido. Não é fácil fazer moda no interior do interior. Na loja de aviamentos local, o metro do tecido liso sai por R$10. O metro do estampado não sai por menos de R$18. E dinheiro é artigo de luxo em família de 18 filhos, pai agricultor e mãe bordadeira. Aos 17 anos, quatro deles dedicados à costura, Ávila sonha em ter sua própria marca. O nome já tem, Zeavi, e também as modelos, um grupo de amigas e

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primas que aceitam servir de manequim e vibram a cada convite. Também tem o patrocínio de uma loja de sapatos, que empresta calçados para os desfiles que produz. O que lhe falta é uma máquina de costura industrial, “pra melhorar o acabamento”. A que usa para criar, adquirida por ele no ano passado, “funciona quando quer”. Ocupa posição de destaque no ateliê que improvisou em um dos sete quartos de sua casa, ampliada pelo pai à medida que nasciam os filhos. Divide espaço com retalhos, carreteis, um manequim im-

provisado e pilhas de livros. Memória de Minhas Putas Tristes está entre eles. Mas é da porta pra fora que Ávila encontra inspiração. “Eu vejo esse sertão, essa seca, a caatinga, o semiárido, e isso me mostra o que tenho que fazer. O que não é belo pra você, pra mim pode ser mais que uma mera coisa. E é essa tese que quero defender em minha arte”. Conhece a Chanel de ouvir falar, e não tem interesse em descobrir marcas e estilistas famosos. “Não que eu despreze o trabalho deles, mas tenho medo de gravar essas imagens e trazer pro meu trabalho, de perder minha originalidade”. Admira quem é de casa, os de carne e osso e anos somados. “Eu aprecio muito as pessoas idosas, que viveram muito tempo mais que eu e que podem contar algo novo. Acho que eles são os meus ídolos”. Admira o pai, que aos 86 anos continua artista. “Acho meu pai uma das pessoas mais maravilhosas que existem. Herdei dele essa coisa de querer crescer e essa parte criativa, porque ele tá envolvido com a arte dele, plantando milho e feijão”. Reconhecendo a arte do pai, procura desenvolver as suas próprias. Além da costura, dedica-se à dança, ao teatro, à percussão e ao violino. Há espaço para todas elas naquele distrito de pessoas contadas. E o que não

“Eu vejo esse sertão, essa seca, a caatinga, o semiárido, e isso me mostra o que tenho que fazer. O que não é belo pra você, pra mim pode ser mais que uma mera coisa”, defende Ávila

encontra por lá, vai buscar fora: viveu em Paracuru por três meses, trabalhando numa lanchonete para se manter enquanto estudava dança contemporânea. Sua ambição não cabe em Juá. Estudante do 3° ano do ensino médio, tem um próximo passo definido: quer prestar o Enem e cursar moda na Universidade Federal do Ceará (UFC). Não é que seja fã de Fortaleza na verdade, acha a Cidade muito violenta, e só vem aqui quando precisa fazer algum curso - mas reconhece que precisa estar em uma cidade grande para avançar em seu sonho. “Quero comprar uma máquina nova e montar desfiles. Meu foco não é nem tanto vender pra lucrar, mas divulgar as belezas do sertão, do interior”, conta. Enquanto esse dia não chega, continua trabalhando com sua máquina doméstica e vestindo vizinhos e amigos. Prefere os trajes femininos, mas são as calças de homem que mais saem, ao preço de R$ 20 cada uma. Peças costuradas a mão custam, em média, R$ 80. E assim vai somando suas economias e levantando seu nome. De 2013, quando apresentou sua primeira coleção, até hoje, estima que tenha concebido e executado pelo menos 50 projetos. “Ele começou com essa história de costurar cedo. Sempre mexeu na minha máquina”, puxa a mãe pela me-

mória. Foi dona Francisca que ajudou o filho a comprar o equipamento novo e é ela que vem tentando convencê-lo a viajar até Caucaia para ficar por uma ou duas semanas na casa de uma tia, treinando a costura. “Ele é assim. Quando quer, ele não pensa no amanhã, quer hoje e é hoje. Imagina se ele tivesse alguém pra ensinar! Cada pessoa tem um sonho, e é tão bom quando ele é realizado”. Quando fala de preconceitos, Ávila reconhece que precisou de coragem para escolher a arte em meio a rudeza de todos os dias. Mas não se lamenta e se recusa a assumir o papel de vítima. “Preconceito sempre tem, na moda ou em qualquer meio envolvido com arte, com qualquer coisa que não seja pra menino ou homem. Quando falo que costuro, as pessoas se surpreendem. E eu relevo tudo, levo na boa, sei que não é todo mundo que tem a mente aberta pra entender”. Se não amasse tanto a costura, Ávila fugiria para a natureza. Seria biólogo, estudaria o que o cerca e o inspira. Os açudes secos, a poeira amarela, a quentura das pedras e os espinhos do mandacaru. “Até pra dormir coloco pra tocar os sons da natureza”. Mas em seu celular, além das faixas com ruídos de chuvas e de animais, há muito de Édith Piaf e Carla Bruni. É a França da alta costura que não sai de seus sonhos sertanejos. “A vida é pouca pra uma só aventura”, conclui.

Multimídia Conheça o trabalho de Ávila no Instagram de sua marca: @avillafarias Veja mais fotos do trabalho de José Ávila em http://bit.ly/29p8kCx


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