Produção Literária em Tempos de Não-Leitores - Entrevista com Joca Reiners Terron

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PÁGINA 10 FORTALEZA - CE, SEGUNDA-FEIRA - 21 DE MARÇO DE 2016

PÁGINAS AZUIS JOCA REINERS TERRON

PRODUÇÃO LITERÁRIA EM TEMPOS DE NÃO-LEITORES ENTUSIASTA E DIFUSOR DA LITERATURA LATINO-AMERICANA, O ESCRITOR JOCA TERRON FALA SOBRE O DESAFIO DE TRANSFORMAR A LEITURA EM PRÁTICA COTIDIANA

Jáder Santana

Tatiana Fortes

jader.santana@opovo.com.br

tatianafortes@opovo.com.br

O

cuiabano Joca Terron viaja pela América Latina colecionando histórias e inspirações. Reuniu algumas delas na coleção Otra Língua, lançada pela editora Rocco em 2013, e responsável por trazer ao Brasil nomes até então ignorados por aqui, como o uruguaio Mario Levrero e o salvadorenho Horacio Moya. Vencedor do Prêmio Machado de Assis na categoria romance pelo seu Do Fundo do Poço se Vê a Lua, em 2010, é também autor de Não Há Nada Lá e A Tristeza Extraordinária do Leopardo-das-Neves, traduzido recentemente para o italiano. Em passagem por Fortaleza para ministrar uma oficina de criação literária inspirada nas Seis Propostas para o Próximo Milênio, do italiano Italo Calvino, Joca Terron conversou com O POVO.

O POVO - Você nasceu em Cuiabá e hoje vive em São Paulo. O mercado editorial está atento ao que vem sendo escrito fora do eixo Rio-São Paulo ou ir para o sudeste é imperativo para o novo escritor? JOCA TERRON- Acho que a necessidade de migrar fisicamente, hoje, é cada vez mais desprezível. Se você fizer um levantamento rápido dos escritores que estão em atividade hoje e são relevantes no Brasil, tenho a impressão que não vai haver um desequilíbrio. Se você levantar os grandes prêmios, também. A gente vai perceber que há escritores premiadíssimos que não vivem no sudeste. Mais ainda se a gente considerar outros traços. Por exemplo, se você pegar escritores como o Ronaldo Correia de Brito, o Sidney Rocha, que é cearense e mora no Pernambuco, e outros tantos, a dicção do lugar onde eles vivem é fundamental para a criação de suas obras e traz uma distinção literária que é grande. O que acontece é que em geral as pessoas migram não necessariamente pra aparecer como escritor, mas pra viver, pra trabalhar, e isso em geral tem a ver com a área de atuação que não é propriamente literária desses escritores. OP - Quem é o público leitor de literatura brasileira contemporânea? JOCA- Mulheres, certamente. Muito difícil saber quem está lendo. É um público cada vez menor e não acredito que exista um levantamento concreto. Mas se a gente se basear nos índices de leitura do brasileiro feitos nos últimos

meses, são pouquíssimas as pessoas que estão lendo literatura brasileira. OP - Quando você se descobriu leitor? JOCA - Eu comecei a ler muito cedo, não sei precisar direito. Na casa dos meus pais tem uma foto minha com uns dois anos ou três, folheando compenetrado um gibi, obviamente sem saber ler ainda. Teve a ver com muitas coisas, como a vida que a minha família levava nesse período, que era uma espécie de vida de nômade. Meu pai trabalhava no Banco do Brasil e a gente era obrigado a mudar com regularidade de cidade. Também com o fato de haver uma biblioteca em casa, pequena mas sortida, e com a felicidade de eu ter uma avó em São Paulo, o que me permitia respirar e ir até a civilização, até uma banca de jornal OP - Algum título marcou esse início de trajetória? JOCA - Tem muitíssimos. Eu lia de tudo. O Círculo do Livro foi fundamental, mas não só ele. Algumas editoras brasileiras tinham um sistema de divulgação que era feito em sala de aula. As salas de aula de escolas mais distantes recebiam divulgadores que levavam um catálogo com as publicações do trimestre, e aí os alunos levavam pra casa, mostravam pros pais, selecionavam, e no dia seguinte traziam o dinheiro e recebiam os livros depois. Nesse período, nos anos 1970, quando eu fui criança, era a única maneira de você comprar livros. Eu me lembro muito dos livros do Ro-

PERFIL

Joca Reiners Terron nasceu em Cuiabá, Mato Grosso, e passou parte da infância viajando com a família - seu pai era funcionário do Banco do Brasil. Fundou a editora Ciência do Acidente, que publicou autores pouco conhecidos do grande público, como o catarinense Manoel Carlos Karam e o paulista Valêncio Xavier. Autor de cinco romances e vários contos e poesias, foi responsável pela concepção da coleção Otra Língua, da Rocco.


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