Tarsila além da moldura

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DOMINGO FORTALEZA - CEARÁ - 11 DE MARÇO DE 2018

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| ARTE | Celebrada com exposição individual em Nova York e ovacionada pela crítica internacional, Tarsila do Amaral é revisitada em 120 obras que descortinam a vanguarda de sua criação e temas

TARSILA ALÉM DA MOLDURA

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DIVULGAÇÃO

JÁDER SANTANA jader.santana@opovo.com.br

A sensualidade das formas de Tarsila é celebrada nos Estados Unidos. A artista brasileira ganhou sua primeira exposição individual no Museu de Arte Moderna (MoMA) de Nova York: 120 obras suas ocupam as paredes de salões que já receberam de Man Ray a Kandinsky, de Picasso a Matisse. Com resenhas positivas em veículos como a revista The New Yorker e o jornal The New York Times, Tarsila tem examinada sua produção dos primeiros anos, quando transitava entre São Paulo e Paris costurando referências e assimilando vanguardas. Em cartaz no MoMA desde o início de fevereiro — com temporada que segue até 3 de junho —, Tarsila vem dilatar a excelente fase de nossos artistas em terras gringas. Só no ano passado, Nova York se rendeu à geometria absurda de Lygia Pape (Lygia Pape: A Multitude of Forms, no The Met Breuer), e às instalações únicas de Hélio Oiticica (Hélio Oiticica: To Organize Delirium, no Whitney Museum of American Art). Agora no MoMA, a exposição Tarsila do Amaral: Inventing Modern Art in Brazil já havia passado, também em 2017, pelo Art Institute of Chicago.

O curador da exposição, o venezuelano Luis Pérez-Oramas, explicou o sentido por trás do título Inventando Arte Moderna no Brasil. “A acepção da palavra ‘invenção’ aqui é filosófica: obviamente, Tarsila nunca se colocou como a ‘inventora do moderno’, mas ao se fazer moderna, ao abraçar a modernidade em sua obra e no Brasil, contribuiu para esta reinvenção da Modernidade”, explica ele, que foi curador-chefe da 30a Bienal de São Paulo, A iminência das poéticas, em 2012.

Dividida em quatro espaços — “De São Paulo a Paris”, “Descoberta do Brasil”, “Antropofagia” e “Além da Antropofagia” —, a exposição desvela a formação de uma artista que se inspirou na arte de dois continentes para construir sua expressão.Tarsila trouxe para o Brasil o que “devorou” (para ficar no campo da antropofagia) das vanguardas europeias. “Ela, inconscientemente, colocou em prática estratégias de mútua digestão simbólica. Não acho que Tarsila fosse ‘cubista’, assim como tampouco foi ‘surrealista’, mas sem dúvidas sua obra se in-

A fluidez das linhas e as formas voluptuosas de suas figuras falam da sensualidade ligada ao ritual antropofágico

FORMAS Obra Cartão-Postal, de 1929, parte de uma coleção privada do Rio de Janeiro

forma de ambas as correntes e experiências. Tarsila sempre foi uma artista brilhantemente eclética”. A fluidez das linhas e as formas voluptuosas de suas figuras, sobretudo naquelas obras produzidas durante os anos 1920, falam também da sensualidade ligada ao ritual antropofágico, ao ato de se devorar o homem, como aponta Pérez-Oramas . “Sua obra leva implícita a mensagem de que todo desafio cultural é também corporal, que a cultura é cultura do corpo e do sensível: por isso a paisagem se faz corpo e os corpos se fazem paisagem em suas melhores obras. O projeto antropofágico não é simplesmente um projeto de apropriação intelectual, mas um desafio do metabolismo, de digestão sensível do mundo e do outro”, conclui.

SOCIAL A Negra, de 1923, é uma das obras fundamentais dos primeiros anos de Tarsila


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Confira entrevista com Tarsilinha do Amaral, sobrinha-neta da artista e administradora do espólio da família.

O POVO - Como surgiu o convite para a exposição? Tarsilinha do Amaral - Eu já queria fazer uma exposição nos Estados Unidos há bastante tempo. E última vez que Tarsila foi exposta lá, de forma não individual, foi em 1993. O Museu de Arte de Chicago tem um quadro da coleção da minha tia, e esse quadro estava no ateliê dela. Quando eu estava em Chicago, tentei o contato com o museu, agendei reuniões, falei da minha ideia. Eles tiveram interesse, e desde então e gente vinha se falando.

OBRAS 120 obras integram a exposição no MoMA de Nova York, nos Estados Unidos

OP - A crítica especializada tem sido unânime em relação à exposição. Como você encara esse sucesso? Tarsilinha - Uma das primeiras coisas que me disseram é que não sabiam

por que Frida Kahlo era tão conhecida nos Estados Unidos, e Tarsila não. Eu sempre pensei muito nisso. Talvez pela proximidade do México de Frida com os EUA. Mas eu sabia que, quando conhecessem Tarsila, iam se apaixonar. Eu tinha certeza que e exposição seria elogiada, que o público e a crítica iam gostar muito.

OP - Tarsila foi figura central para as gerações posteriores de artistas brasileiros em diversos meios, da literatura ao teatro. Como você enxerga esse legado? Tarsilinha - Há 20 anos cuido de sua obra, e eu tenho plena consciência de que tomou uma proporção muito grande pra todo tipo de arte aqui no Brasil. E agora, ela começou e ir para o mundo. O MoMA é um museu que vai colocá-la no mundo inteiro. Ela tem essa capacidade. Eu morro de orgulho.

OP - Os aspectos sociais na obra de Tarsila permanecem atuais? Tarsilinha - Acho que Tarsila faz uma

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obra não tão política, mas muito mais social. Ela pensa nas pessoas, no povo. Os modernistas tinham essa preocupação social, queriam mudar o Brasil, trazer coisas novas, mas nenhum deles era muito engajado politicamente. O Oswald (de Andrade) muda um pouco quando termina com e Tarsila e se casa com e Pagu. Ele vira um ativista. Nos anos 1930, Tarsila pinta orfanatos, costureiras… Há a menção social, mas sem o engajamento político.

OP - Tarsila tinha ideia de que sua produção estava à frente de seu tempo? Tarsilinha - Meu pai, que foi muito próximo dela, dizia que ela tinha essa noção. Dizia que ia guardar os quadros, porque depois valeriam muito dinheiro. Ela sabia que era importante, que tinha participado de um momento muito revolucionário. Sabia que tinha um potencial muito grande. O que ela não imaginava, tenho certeza, é que teria toda essa influência. Não tinha noção do lugar onde poderia chegar.


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