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the record Com a proliferação do acesso à internet e a correspondente e contínua evolução tecnológica, o cidadão comum adotou o online como uma ferramenta de comprovada utilidade e indispensabilidade nos diferentes aspetos do seu dia-a-dia. Entre as diferentes dimensões que o conceito de cidadão comum comporta, a de leitor é uma delas. E se o leitor está online, os meios têm de estar, é uma presença quase mandatória. Contudo, esta adaptação é um processo, não um momento, e ainda há muitas arestas por limar. Nascem, no novo meio, novos suportes, novas plataformas, novos meios de expressão e de comunicação. Nascem também novas incertezas e novos debates. Os meios online já não são novidade, nem os afamados blogs. Mas a inevitável comparação e, muitas vezes, confusão, é um tema de debate vigente.
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“É legítimo que o leitor espere do jornalista um comportamento que obedece a critérios jornalísticos”
Os meios de comunicação têm, hospedada nas suas plataformas online, uma oferta de blogs. Expresso, Jornal de Notícias, Público e Record são apenas alguns exemplos. Muitos deles são escritos por jornalistas dos próprios meios, como Alexandre Pais, do Record, com o blog A Quinta do Careca ou Jorge Fiel, do Jornal de Notícias, com a Lavandaria. Alguns textos são de carácter informativo, atual e opinativo, outros são de cunho pessoal.
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Por estarem inseridos nos meios – o que pode gerar a suposição de que o rigor é o mesmo da informação jornalística – ou porque gozam de uma credibilidade reforçada, já que tradicionalmente o leitor confia no jornalista, devem estes blogs e respetivos autores ser abrangidos pela mesma conduta e pelas mesmas normas de ética dos meios de comunicação e dos jornalistas? Na procura de resposta, a mgate falou com um jornalista, com um professor, com o sindicato da profissão e com a entidade reguladora. Paulo Querido, jornalista, acredita que “compete a cada órgão decidir em matéria de observância dos códigos em vigor e de outras regras que queira aplicar”, independentemente do carácter das páginas em questão. Contudo, acredita que, na generalidade, “os blogs são aceites pelo público como espaços relativamente informais, diferentes dos outros espaços onde se publica opinião e informação”. Nos casos em que os blogs não se diferenciam das restantes páginas do jornal, “nem pelas funcionalidades, nem pelo aspeto, nem mesmo pela escrita”, Paulo Querido considera que acarretam um “prejuízo na relação com o leitor, formalizando-a. Conto-me entre os que acham que a publicação nos blogs e a comunicação nas redes não devem estar sujeitas aos mesmos códigos e regras aplicados nos espaços informativos tradicionais. Isto sem prejuízo de considerar útil e até recomendável a elaboração de um novo código que seja específico do ambiente reticular, com o objetivo de ajudar o jornalista ou o comentador”, dispõe Paulo Querido, em referência ao rigor da informação jornalística.
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A opinião de Nelson Ribeiro, professor de Ciências da Comunicação na Universidade Católica, concorda com a “natureza distinta” dos blogs. Contudo, defende que “a sua inclusão nos sites das publicações leva a que os leitores possam supor que os critérios utilizados na produção da informação aí veiculada sejam os mesmos que são utilizados na construção dos conteúdos publicados noutras áreas do site do jornal ou revista”. E as publicações, ao produzirem blogs que “funcionam como uma extensão da marca”, também estão, de acordo com o docente, “a transmitir a ideia de que a informação aí contida corresponde aos padrões de produção a que a marca habituou os seus leitores”. O professor da Universidade Católica alerta ainda para o risco de os jornalistas permitirem que seja colocada em causa a sua própria credibilidade, quando publicam, em blogs, conteúdos que não obedecem a critérios deontológicos: “É legítimo que o leitor espere do jornalista um comportamento profissional enraizado numa prática profissional que obedece a critérios jornalísticos.”
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Alfredo Maia, presidente do Sindicato dos Jornalistas, apresenta uma opinião semelhante e defende que os blogs que estão alojados em sites de meios de comunicação social “estão sujeitos a um escrutínio e a uma crítica muito mais intensos”, porque beneficiam da credibilidade e do prestígio do meio que os aloja. Para o líder do sindicato é legítimo afirmar que “qualquer cidadão tem o direito de exigir uma conduta mais séria, mais rigorosa, mais ponderada do que a qualquer outro blogger”, mas Alfredo Maia reconhece que, ao contrário do que acontece numa redação, os autores dos blogs “gozam de uma autonomia maior do ponto de vista da organização e da criação”. Por conseguinte, “o nível de exigência é, seguramente, superior”. Quanto à criação de normas, o presidente do sindicato assevera que já existem normas suficientes, “para tudo e mais alguma coisa”. Contudo, admite que os próprios órgãos estabeleçam regras escritas ou tácitas para acolher os autores de blogs. “O que é preciso é bom senso. E não nos esquecermos de que os nossos atos como jornalistas têm sempre consequências, muitas vezes más”, conclui.
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A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) apoia-se na Recomendação CM/Rec(2011)7 do Comité de Ministros da União Europeia, de 21 de setembro de 2011, que define um conjunto de critérios que pretendem diferenciar várias atividades, para fundamentar a sua posição perante o assunto. “A generalidade dos blogs que encontramos hoje na internet têm como principal objetivo o entretenimento e a partilha de gostos e interesses dos utilizadores. Não existe qualquer preocupação editorial, vontade de atuar como média ou intenção de agir de acordo com os padrões da profissão de jornalista”, pelo que, de acordo com a ERC, não faz sentido “que lhes sejam exigidos um conjunto de deveres, tais como de pluralismo, contraditório, rigor, respeito pelas regras ético-legais”. Em declarações à mgate, a ERC esclarece que “uma vez que não estamos perante um órgão de comunicação social, remeter estes conteúdos para o território da regulação seria exorbitar o âmbito de competência da ERC”. Ainda assim, a ERC afirma não ignorar que alguns blogs são usados para a divulgação de informação, com conteúdos submetidos a tratamento editorial. Nesse caso, o procedimento definido pela entidade reguladora passa por uma “avaliação casuística” que permita discernir se se trata, ou não, de uma atividade de media sujeita a regulação.
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A ERC ressalva ainda que “o facto de um determinado blog estar hospedado na plataforma eletrónica de um jornal não implica automaticamente que seja um órgão de comunicação social”, mas que esse facto contribuiu para que se verifiquem dois dos requisitos previstos na recomendação do Comité de Ministros – alcance e disseminação, pela capacidade de chegar a uma vasta audiência, e a expetativa do público. E, ainda assim, se o blog tiver apenas conteúdos de cariz pessoal, não será objeto de regulação da ERC.
“Um blogger que não é jornalista não está obrigado aos mesmos deveres, mas também não pode reivindicar os mesmos direitos”
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Numa outra perspetiva, há opinion makers que se tornam bloggers e bloggers que se tornam opinion markers. São muitas vezes objeto de no tícia. Outros são, tal como jornalistas, convidados para fazer a cobertura de eventos e redigem textos de cariz informativo. São, em muitos casos, considerados extremamente credíveis pelo público. Contudo, não existem normas nem legislação que os regule. Impõe-se a mesma questão – devem os blogs ser abrangidos pelas mesmas normas que guiam os jornalistas e os meios de comunicação? A posição oficial, a da ERC, é a de que estes casos se enquadram no espaço de opinião, pelo que os seus autores são os únicos responsáveis pelos seus conteúdos e, em princípio, “não se lhes aplicam direitos e deveres da deontologia jornalística”. Paulo Querido alerta que estes autores “também são, em muitos casos, considerados extremamente não credíveis pelo público”. O jornalista acredita que os meios tradicionais continuam, erradamente, a encarar o público como uma massa disforme, quando a rede “permite precisamente estabelecer as diferenças entre os vários públicos e até as reações diferentes de um mesmo público perante circunstâncias diferentes”. Contudo, em resposta à questão colocada, Paulo Querido é perentório: “Não. O que se pode eventualmente fazer é elaborar, meio a meio, ou para a comunicação social em geral, um código específico, proveniente do ambiente em rede.”
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Nelson Ribeiro acredita que existe espaço para jornalistas e bloggers, porque ambos desempenham funções muito distintas. “Ao mesmo tempo que não me parece positivo que o jornalista produza conteúdos que o levem a ser confundido com um blogger, julgo que quem escreve um blog nada tem a ganhar em querer assumir a função do jornalista”, opina. O professor vai mais longe e assegura que “tal como os bloggers não vieram colocar em causa o papel dos jornalistas, que se assumem como profissionais na produção de informação cuja prática profissional se encontra veiculada a um quadro normativo estabelecido, também os bloggers, pelo menos aqueles que efetivamente produzem conteúdos originais, não se devem sentir ameaçados pelos jornalistas”. Nelson Ribeiro nota ainda que a esfera jornalística desempenha um importante papel na legitimação de bloggers enquanto produtores de informação e, sobretudo, de opinião.
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Para Alfredo Maia, bloggers e jornalistas não podem, nem devem, ser confundidos: “As regras parecem-me claras. A lei diz que é jornalista aquele que exerce a profissão a título permanente e remunerado e que tem, portanto, uma carteira profissional que garante um conjunto de direitos e de deveres.” Para o líder do sindicato, um blogger que não é jornalista não está obrigado aos mesmos deveres, mas também não pode reivindicar os mesmos direitos. Contudo, mantém a opinião de que não é necessário definir normas específicas e fundamenta o argumento com uma referência histórica: “Um blog não é mais do que um dos opúsculos das grandes polémicas dos literatos do século XIX. A única coisa que mudou foi o suporte tecnológico e o potencial de divulgação. Se hoje vivessem, como é o que o fariam? Num blog.”