Crise bate à porta da imprensa desportiva

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Crise bate à porta da imprensa

desportiva

Tem-se assistido, nos últimos anos, ao surgimento de vários programas televisivos sobre futebol. Na internet, aumenta a quantidade de informação desportiva gratuita, com os sites dos jornais da especialidade a liderar em termos de visitas. Paralelamente, a circulação dos diários desportivos em papel está em quebra desde 2008.



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N

os últimos cinco anos, os desportivos Record (Cofina), A Bola (Sociedade Vicra Desportiva) e O Jogo (Controlinveste), têm registado aumentos do número médio de leitores por edição. O Record cresceu, desde 2008, cinco pontos percentuais (p.p.), A Bola aumentou 3,4 p.p. e O Jogo 4,8 p.p. Em 2012, cada edição do desportivo da Cofina foi lida por 864 mil pessoas, 814 mil leram A Bola e 548 mil preferiram O Jogo. Contudo, ambos os jornais auditados pela Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação (APCT) – Record e O Jogo – viram cair acentuadamente o número de exemplares vendidos por edição nos últimos cinco anos. O diário

desportivo da Cofina vendia, em média, 71,9 mil exemplares por edição em 2008. Em 2012, ficou-se pelos 54,9 mil. A tendência negativa verifica-se também no jornal O Jogo, que há cinco anos vendia 31,6 mil exemplares por dia, valor que no último ano caiu para 22,7 mil. A Bola não é auditada pela APCT e não são conhecidos os seus valores, mas deverá acompanhar a tendência dos concorrentes. Na televisão e na internet, a tendência é oposta. Os canais do cabo beneficiaram do processo de implementação da TDT (Televisão Digital Terrestre), que despoletou um aumento significativo da adesão a serviços de televisão paga. Esta migração reflete-se na audiência e aumenta o potencial dos programas sobre futebol no cabo. RTP Informação, SIC Notícias e TVI 24 já contam com vários


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formatos em que estão presentes alguns dos comentadores mais conhecidos, como Eduardo Barroso, José Guilherme Aguiar ou Manuel Serrão. O programa mais visto é “O Dia Seguinte”, da SIC Notícias, com mais de 100 mil espectadores por emissão. O canal informativo da Impresa conta ainda com o programa “Tempo Extra”. Na RTP Informação, “Grande Área”, “Trio d’Ataque” e “Zona Mista” compõem a oferta desportiva, liderada pelo formato “Trio d’Ataque”, com 89,9 mil telespectadores. Na TVI 24, são emitidos os formatos “Mais Futebol” e “Prolongamento”, com pouco mais de 60 mil espectadores por emissão. O Mais Futebol começou por ser um órgão de comunicação online, fundado em 2000, que conseguiu afirmar-se e ganhar notoriedade. Em visitas, o site conquistou números muito próximos dos do jornal

O Jogo, tendo conseguido superá-lo em 2012. Só em fevereiro de 2009 nasceu o formato televisivo. A oferta de informação desportiva no cabo conta ainda com canais como o Eurosport, ESPN ou Motors, e os seis do pacote Sport TV (Sport TV 1, Sport TV 2, Sport TV 3, Sport TV 4, Sport TV Liga Inglesa e Sport TV Golfe). De acordo com os últimos dados, os canais desportivos do grupo Controlinveste já estão presentes em 600 mil lares. Os sites de informação desportivos são dos mais populares em Portugal. Desde 2008, contrariamente ao que sucedeu com os jornais em papel, o número de visitas aumentou exponencialmente. O mais visitado é o site do jornal A Bola, que em 2012 registou um número médio mensal de visitas de 29,5 milhões. Em 2008, registava apenas 11,4 milhões.


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osé Manuel Ribeiro, diretor do jornal O Jogo, acredita que o aumento de informação desportiva na televisão não tem influência direta na quebra da circulação, porque embora “consumam uma parte da informação, sobretudo análise e comentário, o conteúdo noticioso puro e duro continua muito residual”. De acordo com o diretor do desportivo da Controlinveste, os jornais, com a sua “face digital”, continuam a ser a principal fonte de notícias de desporto. E esta vertente, a do online, já poderá ter afetado o papel: “É verdade que uma boa parte da mais-valia da edição papel é consumida de véspera na internet e nos telemóveis.” Contudo, esta realidade não é nova para os jornais, que, como José Manuel Ribeiro recorda, “tiveram de se bater com as rádios, por exemplo”. A novidade assenta no “volume e stress informativo”, que não serão,

porém, a causa direta do declínio do papel. Apesar de se tornar “mais fácil para o leitor abdicar do jornal diário perante uma alternativa gratuita”, a perda de poder de compra é, para José Manuel Ribeiro, o que mais afeta a circulação. Perante a potencial concorrência, “não há que ser seletivo”. Quem o diz é Vítor Serpa, diretor do jornal A Bola. “Todos os jornais são concorrentes entre si e concorrentes com todas as outras plataformas. Quem pensar isoladamente não só se atrasará irreversivelmente como nunca perceberá o seu próprio colapso”, conjetura o diretor. E terá sido esta lógica que levou A Bola a criar A Bola TV, o canal de televisão por cabo lançado em outubro de 2012. O Record também está presente em televisão, através de um espaço diário na CMTV.


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ara José Manuel Ribeiro, as multiplataformas e a presença no digital também são uma boa arma, mas o diretor d’O Jogo inverte o cenário: “A melhor informação desportiva é de longe a dos jornais, são os outros meios que, querendo tomar posição nesta área, precisam de descobrir forma de ultrapassar essa deficiência” José Manuel Ribeiro adverte, contudo, para a globalidade do problema, que não é apenas dos jornais desportivos. “Essa competição não está a ser ganha pelos outros meios de comunicação – está a ser perdida por todos”, refere. Num panorama pouco animador, a rentabilização do online pode ser a chave. Para ambos os diretores, a informação desportiva deve ser paga. José Manuel Ribeiro vai mais longe e

diz que o pagamento “devia ser uma bênção”: “Neste momento, cada jornal desportivo custa 85 cêntimos. Os três juntos custam 2,55€. Se cada utilizador dos nossos sites pagasse 30 cêntimos por dia, no total, as despesas dos três jornais, ou seja, o custo de recolher a informação paga que disponibilizamos no papel, estariam cobertas e haveria lucro.” O desafio passa agora, explica o diretor, por “construir um mundo em que as pessoas entendam o que têm a ganhar”. E talvez não seja possível sem que percebam primeiro, e “da pior forma,


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o que têm a perder”. Para Vítor Serpa, “a ideia de que os sites devem ser gratuitos vai apenas atrasar, talvez dramaticamente, a óbvia necessidade de mais tarde ou mais cedo se tornarem pagos”.

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oderá o papel sobreviver à “investida” da televisão e da internet, meios mais rápidos na divulgação da notícia? Vítor Serpa prevê um futuro assente apenas na complementaridade, porque “os que são mais rápidos a divulgar notícias são deficitários a explicá-las e a introduzi-las no contexto apropriado”. José Manuel Ribeiro confia nos encantos do papel e nas “características que muitas pessoas continuarão a preferir”. A incerteza, porém, prende-se com três questões-chave: “Que informação é que essas pessoas especiais

vão querer que o papel lhes dê? A que preço? E com que periodicidade?” Para o diretor do diário O Jogo, quem faz jornais para um milhão de leitores, “também pode fazê-los para cem ou cinquenta mil, tudo depende das condições”


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RADIOGRAFIA DA INFORMAÇÃO DESPORTIVA EM PORTUGAL

Número médio de leitores por edição (milhares) Fonte: Bareme Imprensa – Grupo Marktest (2008-2012)

839,4

831,1

856,0

806,2

806,2

864,3

A Bola

698,1 781,2

814,5

O Jogo

706,4

523,6

Record

556,8

540,2

548,5

2010

2011

2012

448,8

2008

2009

Média de exemplares vendidos por edição (milhares) Fonte: APCT (2008-2012)

71,9

70,9

69,6 62,2 54,9

Record O Jogo

31,6

2008

29,0

2009

29,0

2010

27,4

2011

22,7

2012


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Número médio mensal de visitas (milhões) Fonte: Netscope – Grupo Marktest (2008-2012)

29,5

25,1

23,6

19,7 19,6 13,5 15,4

11,4 12,0 9,5 5,8

2008

A Bola

5,8

6,3

5,8

6,2

5,0

5,7

6,0

5,6

2009

2010

2011

Record

O Jogo

2012

Mais Futebol


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Número médio de espectadores por emissão (milhares) - RTP Informação Fonte: Grupo Marktest (2008-2011) e GfK (2012-2013)

89,9

78,0 69,8

52,2

51,5

38,3

46,3

2011

2012

37,0

2010 Grande Área

Trio d’Ataque

Zona Mista

Nota: Em 2012 são apenas contabilizados os dados a partir do mês de março, período em que a GfK iniciou a medição das audiências televisivas.


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Número médio de espectadores por emissão (milhares) - SIC Notícias Fonte: Grupo Marktest (2008-2011) e GfK (2012-2013)

145,0

117,0

105,6

114,0 92,2

119,6

111,9

101,7 86,6 73,7

2008

2009

2010

O Dia Seguinte

2011

2012

Tempo Extra

Nota: Em 2012 são apenas contabilizados os dados a partir do mês de março, período em que a GfK iniciou a medição das audiências televisivas.


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Número médio de espectadores por emissão (milhares) - TVI 24 Fonte: Grupo Marktest (2008-2011) e GfK (2012-2013)

65,4

63,4

31,7 26,9 28,1 18,8

2010

2011 Mais Futebol

2012 Prolongamento

Nota: Em 2012 são apenas contabilizados os dados a partir do mês de março, período em que a GfK iniciou a medição das audiências televisivas.


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