Exercício nº 2 - Revisão da Literatura - Metodologia das Ciências Sociais

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Exercício 2: Revisão da Literatura O estereótipo feminino na publicidade: A mulher enquanto objeto e consumidora de publicidade.

Figura 1 - Fonte: Unsplash - Milada Vigerova

Discente: Joana Venceslau de Sousa, nº 219816 Licenciatura em Ciências da Comunicação Unidade Curricular: Metodologia das Ciências Sociais Docentes: Profª Marina Pignatelli e Profª Maria da Luz Ramos Ano Letivo 2016/2017


Problemática: O estereótipo feminino na publicidade: A mulher enquanto objeto e consumidora de publicidade. A revisão da literatura tem por objetivo ajudar “o investigador a adoptar uma abordagem penetrante do seu objeto de estudo e, assim, encontrar ideias e pistas de reflexão esclarecedoras” (Quivy & Campenhoudt, 1995). Assim sendo, os critérios de escolha respeitados são: a ligação com a problemática; a diversificação das abordagens, que constitui o ponto de partida para a dimensão crítica do presente trabalho; a dimensão razoável das literaturas, dada a disponibilidade temporal limitada. A seleção de elementos de análise e de interpretação é respeitante aos dois últimos anos (2015 e 2016). São apenas considerados estudos, teses, artigos de revistas e dissertações em português (de Portugal e do Brasil), retirados de fontes consideradas credíveis. São estas bibliotecas online – nomeadamente, BOCC, B-On -, revistas – RCA (Revista Científica de Ajes), Portal de Periódicos Científicos Eletrónicos da UFPB (Universidade Federal da Paraíba) e Revista de Estudos da Comunicação -, bases de dados e o motor de pesquisa “Google Scholar” (Google Académico). As palavras chave utilizadas foram “mulher” e “publicidade”. Na sociedade contemporânea, testemunhamos, segundo Júnior, R. D. N. M., & Bezerra, A. K. G. (2015), um mundo onde “a mulher passa a se inserir no mercado de trabalho ocupando os mais diversos cargos até então delegados ao homem”. Isso resulta numa modificação das identidades de género. Estas, ao invés de serem entendidas como fixas, são encaradas, de acordo com Ramalho (2009), citado por Gonzalez, Carolina Gonçalves, & Vieira, Viviane Cristina. (2015), como “construídas quando repetidas em um contexto social de controle, como o da publicidade, de maneira múltipla e multifacetada”. Contrariamente, Dantas Meneses, V., & Miranda, C. M. (2015) afirmam que “Na publicidade, as mulheres têm sido constantemente interpeladas e retratadas, tornando-se alvo de um discurso normativo, ideal, que projeta uma imagem homogeneizante da mulher e da beleza feminina, contribuindo, assim, para a naturalização dos estereótipos.”. As autoras afirmam que “a representação da imagem padronizada da beleza feminina veiculada na TV, por meio de peças publicitárias de grande alcance, tem sido responsável pela construção de estereótipos” que correspondem a uma “representação do padrão ideal de beleza da mulher, que por sua vez, está associado ao uso de determinado padrão de maquiagem, roupas e acessórios e de aspetos físicos ligados ao corpo, como a magreza, a “brancura” da pele, a juventude” que a sociedade de consumo pretende vender. Estes padrões “não correspondem às realidades vividas pela maioria das mulheres”. Considerando que vivemos hoje numa sociedade do espetáculo, Debord (1997), citado por Dantas Meneses, V., & Miranda, C. M. (2015), afirma que se valoriza mais o ter do que o ser, o que resulta num consumo demasiado focado em imagens e na procura incessante pela

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visibilidade. Isto resulta na atribuição da uma extrema relevância ao modo como o outro nos vê, isto é, “a construção da individualidade é medida a partir do olhar do outro”. Sendo o corpo um objeto de construção de identidades, é dotado de volatilidade, tornandose moldável e adaptável às tendências da indústria da beleza (Dantas Meneses, V., & Miranda, C. M., 2015). Moreno (2012), citado pelas autoras, afirma que as mulheres, dentro dessa conceção de sociedade do consumo, passam a ser consumidoras e, ao mesmo tempo, o próprio objeto do consumo masculino, o que ocorre por meio de representações com forte conotação sexual, veiculada nos mais diversos produtos mediáticos, incluindo telenovelas e peças publicitárias. As mulheres são apresentadas a elas próprias nas peças publicitárias como detentoras, antes de utilizar o produto, de uma vida triste, escura, sem muito sentido e sem definição, e, após utilizarem o produto, de outra vida (transformação das mulheres após o consumo), que corresponde a uma vida feliz e que traria à mulher autoestima, atitude e realização. Nessa perspetiva, a mulher não é um ser em si, mas a imagem de seu corpo à luz da sociedade do consumo. Assim, os media exercem uma influência na construção dos padrões de beleza feminina e a publicidade cria discursos na tentativa de persuadir e associar a beleza feminina como essencial e fundamental para a realização pessoal, para a mobilidade social e para a felicidade (Dantas Meneses, V., & Miranda, C. M., 2015).

Garcia, E. R. B. (2015) afirma que a mulher possui várias faces: “Assim, ela é, ao mesmo tempo, esposa, mãe, profissional e fémea que quer conservar-se sempre atraente para o seu companheiro.”, pelo que, logicamente, cada uma dessas faces deseja e consome produtos diferentes. Enquanto protetora e provedora da família e da casa, traz em si a domesticidade, pelo que, sendo a compradora oficial do lar, decide quais são as suas necessidades materiais e da sua família. É “o amplo espectro de seu poder de compra” (Carvalho, 2001) que o público feminino detém que prende a atenção dos publicitários, uma vez que, é uma consumidora que, além de consumir os típicos produtos femininos (perfumes, maquilhagem, roupa, calçado, cosmética), é responsável pelo consumo da família: comida, bebida, material de limpeza e de higiene, produtos destinados às crianças e ao homem (Garcia, E. R. B., 2015). Em concordância com Dantas Meneses, V., & Miranda, C. M. (2015), Carvalho (2001, p.23) - citado por Garcia, E. R. B. (2015) - infere que “a publicidade bate sempre na mesma tecla: para ser feliz e bem-sucedida, a mulher precisa estar sempre bela e ser (ou parecer) jovem”. Garcia, E. R. B. (2015) afirma que uma das qualidades da publicidade – cujo conceito é, citando Sant‟anna, que a “Publicidade é um meio de tornar conhecido um produto, um serviço ou uma firma. Seu objetivo é despertar, na massa consumidora, o desejo pela coisa anunciada [...]” - reside na liberdade de imprensa, o que é sinónimo de ação democrática. Segundo o autor, “sem os anúncios, nem os jornais, nem as revistas, nem as rádios, nem as televisões poderiam

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informar e entreter, ao mesmo tempo, os leitores e os ouvintes”, uma vez que a publicidade constitui o sustento financeiro destas organizações. O autor procedeu à análise de textos publicitários veiculados pela revista Marie Claire, concluindo que, de facto, “apesar de toda a evolução e das conquistas que as mulheres obtiveram, os apelos ainda continuam muito fúteis e a ideia central resume-se à beleza e ao consumismo”. Garcia, E. R. B. (2015) sugere até que, ao saber que as mulheres não admitem que as modelos dos anúncios são perfeitas, a publicidade investe na máxima de que não existe perfeição natural sem ajuda artificial.

Bezerra, A. K. G., de SS Andrade, A. C., & de Oliveira, C. C. (2016), apresentam uma perspetiva particular, afirmando que a publicidade explora o campo do inconsciente: “as pessoas não adquirem os produtos pelos benefícios incorporados neles próprios, e sim, por ligações emocionais que, na maioria das vezes, refletem as ideologias, crenças e comportamentos de quem os consomem”. Martins, M. S. (2016) afirma, citando Pinto (1997), que a imagem da mulher surge, recorrentemente, como símbolo de beleza física, da sensualidade e da disponibilidade sexual, numa visão deturpada, redutora e subalternizada da realidade vivenciada pelas mulheres e das suas reais capacidades sociais e intelectuais. Acrescenta, ainda, que o retrato da “Nova Mulher” apresentado pelos media constitui uma falácia, na medida em que, aquando de uma observação mais atenta, é possível concluir que este mesmo retrato se trata mais de um disfarce da evolução do que de uma mudança verdadeira. “No fundo, continuam a ter de encaixar num ideal de beleza feminina propagandeado pelas campanhas publicitárias e em estereótipos associados à aparência física, a fim de estimular o consumo” (Baudrillard, 1991; Wolf, 1994; & Cerqueira, 2008; citados por Martins, M. S., 2016). A autora (Martins, M. S., 2016) infere que, “atualmente, a representação do corpo, principalmente do corpo feminino, é utilizada pelos media, em particular pela publicidade, como um importante estímulo ao consumo”. Após ter realizado um estudo, a autora obteve dois resultados: “que os públicos (mulheres) consideram a questão da representação de género nos media, em particular na publicidade, como relevante e redutoras na tradução da realidade vivenciada pelas mulheres” e que “a maioria das participantes adotou posicionamentos críticos e re(ativos) acerca da manutenção de representações estereotipadas relativas à feminilidade; demonstrou pontualmente uma posição de empowerment feminino” (citando Gill, 2007a, 2007b e 2008); e sublinhou a “necessidade de desconstrução de tais imagens, a fim de se combater a fraca representatividade (ou ausência) de imagens de mulheres nos media”. A autora (Martins, M. S., 2016) destrinçou, na comunidade feminina contemporânea, “uma comunhão com algumas das questões defendidas pelos movimentos de mulheres e feministas, desde os anos 60 e 70”.

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Num estudo levado a cabo por Gonzalez, C. G., & Vieira, V. C. (2015), foi concluído que a Nestlé “não reposiciona a mulher através do uso de um discurso mais emancipador, mas acaba por situar suas práticas discursivas como mantenedoras de uma identidade já conhecida, que subjuga a mulher não ao homem, mas a seu próprio corpo”. Já Malta, R. B., & da Silva, K. R. (2016), concluíram, através de estudos, que “a cerveja ainda faz parte do universo masculino e que a publicidade reforça a distinção de papéis e a dominação masculina. Contudo, por meio das representações, notamos que o público feminino conseguiu obter, mesmo que de forma ainda pouco significativa, espaço dentro da publicidade destinada ao setor em questão, por se apresentar como consumidora do produto”. Lahni, C. R., & Afonso, J. N. (2016), referem, na sua obra Publicidade e relações de gênero: nos 40 anos do Ano Internacional da Mulher, reflexões a partir de anúncio da Heineken, uma pesquisa denominada "Representações das mulheres nas propagandas na TV”. Os autores aferiram que: O estudo, que ouviu 1501 homens e mulheres maiores de 18 anos, em 100 municípios de todas as regiões do país, mostrou que 56% das brasileiras e dos brasileiros não acreditam que as propagandas de TV mostram a mulher da vida real. Para 65%, o padrão de beleza nas propagandas é distante da realidade da população brasileira e 60% consideram que as mulheres ficam frustradas quando não conseguem ter o corpo e a beleza das mulheres mostradas nos comerciais.

Podemos, por fim concluir que, por um lado, a publicidade contemporânea apresenta-nos, na sua generalidade, uma perspetiva muito fútil da mulher, focando a sua estratégia publicitária na valorização da beleza e na máxima do “ter” ao invés do “ser”. Se, por vezes, apresenta uma mulher perfeita (na qual a grande maioria do público feminino não acredita), por outras vezes apresenta-nos a ideia de que o mais similar ao perfeito só é obtido através dos produtos publicitados. Este tipo de publicidade potencia a “coisificação” do ser feminino. Por outro lado, podemos entender que as mulheres não concordam com o ponto de vista acima mencionado. Tal como mencionado por Garcia, E. R. B. (2015), “A imagem da mulher submissa e ocupada unicamente com os afazeres domésticos deu lugar a uma mulher mais interativa e consciente, além de dedicada às responsabilidades de mãe, esposa e profissional”. Para além de desejar ser bonita, a mulher contemporânea atribui uma grande importância ao espaço que ocupa na sociedade, desejando também ser vista como “um ser pensante e operante, e não apenas como um monumento da ostentação” (Garcia, E. R. B., 2015).

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Referências Bibliográficas:

Bezerra, A. K. G., de SS Andrade, A. C., & de Oliveira, C. C. (2016). Mãe abre a felicidade: a consolidação da mitologia feminina, de donzela a grande mãe, nas publicidades da CocaCola Company. Temática, 12(2).

Dantas Meneses, V., & Miranda, C. M. (2015). Reflexões sobre a cultura da imagem e o imaginário feminino na publicidade. (1), doi:10.20873/uft.2447-4266.2015v1n1p171;

Garcia, E. R. B. (2015). O Estereótipo Confirmado: A Presença Da Mulher Na Publicidade Da Marie Claire. Rca-Revista Científica Da Ajes, 2(5); Gonzalez, Carolina Gonçalves, & Vieira, Viviane Cristina. (2015). Women as a target public of publicity campaigns: a social semiotic analysis of Nestlé's Nesfit campaign. Linguagem em (Dis)curso, 15(3), 347-365. doi:10.1590/1982-4017-150301-1015; Júnior, R. D. N. M., & Bezerra, A. K. G. (2015). A publicidade e a construção social nas relações de poder em gênero. Temática, 11(12). Lahni, C. R., & Afonso, J. N. (2016). Publicidade e relações de gênero: nos 40 anos do Ano Internacional da Mulher, reflexões a partir de anúncio da Heineken. Revista de Estudos da Comunicação, 17(42). Malta, R. B., & da Silva, K. R. (2016). A atual representação da mulher em comercias de cerveja: relações

socioculturais

e

mercadológicas.

Verso

E

Reverso,

30(73),

50-57.

doi:10.4013/ver.2016.30.73.05; Martins, M. S. (2016). O Empowerment feminino na publicidade: um estudo exploratório sobre as perceções e atitudes dos consumidores (Doctoral dissertation). Quivy, R., & Campenhoudt, L. V. (1995). Manuel de Recherche en Sciences Sociales (2ª ed.). (J. M. Marques, M. A. Mendes, & M. Carvalho, Trads.) Paris: Dunod.

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