Secularismo Pan-Indiano vs. Fundamentalismo Hindu - Sociologia Geral I

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Secularismo Pan-Indiano vs Fundamentalismo Hindu De que modo foram os ideólogos Gandhi, Savarkar e Golwalkar agentes sociais?

Discente: Joana de Sousa 219816 Sociologia Geral I Docente: Professor Doutor Pedro Matias Licenciatura em Ciências da Comunicação 1º Ano, 1º Semestre Ano Letivo 2015/2016


Nota prévia: O presente trabalho surgiu no âmbito da unidade curricular de Sociologia Geral I, actualmente leccionada pelo docente Professor Doutor Pedro Matias Santos, a propósito de um desafio lançado pelo mesmo aos alunos de Ciências da Comunicação. Não deixa de ser necessário clarificar alguns conceitos e fazer algumas referências historico-bibliográficas. O grande foco deste trabalho é a Índia e a História que lhe subjaz. "Durante mais de 50 Anos, os valores democráticos sobreviveram na Índia, apesar de certas aberrações na sua prática, demonstrando a resiliência do secularismo neste país." (in Santos, Pedro Matias; Secularismo pan-indiano vs. Fundamentalismo hindu - pág. 323). Ora, torna-se

fundamental esclarecer a noção de secularismo: O secularismo é o conceito que se refere à distinção entre as organizações do governo e os encarregados para representar o Estado a partir de organizações religiosas. É decorrente deste conceito que surge a conflito mais impactante da Índia: o conflito religioso. Historicamente, a Índia nasce com um grande número de religiões, o que motivou o conflito durante o período colonial britânico, período este em que o subcontinente indiano foi dominado pelo Império Britânico (ou Raj Britânico). O referido subcontinente consiste na área geográfica que inclui os territórios atuais da Índia, do Paquistão, do Bangladesh (exPaquistão Oriental) e Myanmar (anteriormente designado por "Burma"). Desse período em diante, passaram a poder ser distinguidos dois grupos religiosos maioritários na Índia: Os Muçulmanos e os Hindus. Existem duas possíveis explicações para o suceder deste conflito. Se por um lado, nos podemos focar no passado e remontar à ocupação muçulmana (séculos VII e VIII), também é possível salientar a política britânica de Divide And Rule, referente a um período moderno. Esta política traduz-se no controlo de uma de determinada área através da fragmentação das maiores concentrações de poder, impedindo que se sustentem individualmente. São objeto de estudo neste trabalho duas teses defendidas por três ideólogos diferentes, sendo a primeira referente ao secularismo pan-indiano – e da autoria de

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Gandhi – e a segunda relativa ao fundamentalismo hindu – defendido, embora com algumas divergências, por Sarvarkar e Golwalkar. Gandhi nasce em 1869, filho de um magistrado local. Aos dezanove anos muda-se para Londres com o objetivo de estudar Direito e desempenhar uma função idêntica à do seu pai, permanecendo na capital britânica até 1891. De regresso à Índia e constatando um futuro pouco promissor, assina, em 1893, um contrato válido por um ano com uma empresa indiana sediada no Natal (província em África do Sul). É precisamente lá que Gandhi inicia a sua atividade política, em defesa da minoria indiana naquele país, que era alvo de preconceitos raciais. Acaba por ficar em África do Sul até 1914, onde amadurece o seu posicionamento político-ideológico. Gandhi volta à sua terra natal, onde manifesta o seu desacordo perante os excessos que o governo colonial inglês e os fundamentalistas, do seu ponto de vista, cometiam. Acaba assim por ser assassinado, em Janeiro de 1948, por um fanático hindu. Vinayak Damodar Savarkar, nascido a 28 de Maio de 1883, foi um político indiano creditado com o desenvolvimento da ideologia política nacionalista hindu, defendendo a independência da Índia. Após a morte de Gandhi, foi várias vezes acusado por envolvimento no assassinato deste. Savarkar falece a 26 de Fevereiro em Bombaím. Já Golwalkar nasceu a 19 de Fevereiro de 1906 perto de Nagpur, Maharashtra. Era o único sobrevivente de nove filhos. Como professor, o seu pai era frequentemente transferido para escolas em todo o país, acabando Golwalkar por ser também matriculado em diversas escolas. Licenciado e mestre em Ciências, foi professor de Zoologia na BHU. Em 1935 volta a Nagpur, onde se licencia em Direito. Foi o segundo Sarsanghchalak

(líder supremo) do

Rashtriya

Swayamsevak

Sangh (a

maior

organização voluntária não-governamental do mundo. A RSS afirma que sua ideologia se baseia num princípio de serviço altruísta). Golwalkar morre a 5 de Junho de 1973, em Nagpur, cidade que o viu nascer.

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Bipolarização Partidária (CP vs BJP): Como já foi referido anteriormente, destaca-se na História da Índia um conflito secular, baseado em divergências religiosas e, posteriormente, partidárias. Por um lado temos o nacionalismo pan-indiano e Gandhi, que o defende com base no secularismo, isto é, a clara “distinção entre as organizações do governo e os encarregados para representar o Estado a partir de organizações religiosas”, como já foi referido. É inspirado na ideologia de Gandhi que surge o Partido do Congresso (CP), que acaba por também defender a ideia de constituição de um Estado secular panindiano por meios pacíficos. Por outro lado, temos Savarkar e Golwalkar (fundamentalistas hindus) e o nacionalismo hindu, isto é, pensamentos sociais e políticos baseados nas tradições espirituais e culturais da Índia e do Nepal. Foi através destes dois ideólogos que o Partido do Povo Indiano – BJP – orientou os seus valores, defendendo a constituição de um Estado teocrático (que possui um sistema de governo que se submete às normas de uma religião específica) hindu por meios de militância armada. É exatamente nestes exemplos que reside a bipolarização partidária: enquanto um partido (CP), inspirado em Gandhi, defende um Estado independente da religião, que deve ser constituído através de meios pacíficos, existe outro partido (BJP) com uma ideologia totalmente contrastante, que defende um Estado dependente da religião, que deverá ser constituído através de meios militantes (e, portanto, mais agressivos).

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Gandhi e o Secularismo: Gandhi defendia uma Índia secular e pluralista, isto é, que reconhecesse e aceitasse a diversidade; Acreditava que a Índia não deixava de ser uma nação só porque existiam crentes em religiões que não o hinduísmo e que esta deveria ter a capacidade de assimilar os estrangeiros. Recusava uma Índia monocultural e religiosamente unívoca e promovia, por oposição, uma Índia tolerante, onde todas as religiões fossem aceites. Era aqui que residia a radical ideia da universalidade de todas as religiões. Assim, Gandhi destacou dois aspetos como sendo os direitos fundamentais de uma futura constituição: o sufrágio universal (extensão do direito de voto a todos os indivíduos considerados maduros), de forma a garantir uma democracia; e a neutralidade religiosa por parte do Estado, pois “só um Estado laico poderia prevenir o comunalismo e assegurar a igualdade entre as diferentes comunidades religiosas da Índia” (in Santos, Pedro Matias; Secularismo pan-indiano vs. Fundamentalismo hindu - pág. 324). Relativamente

aos

meios, Gandhi

defendia

estratégias

cívicas

e políticas,

nomeadamente a “força do amor” – satyagraha -, pois só assim poderia ser possível atingir fins justos. Para isso, o ideólogo procurou encontrar uma legitimação religiosa, recorrendo ao livro mais sagrado do Hinduísmo, o Bhagavad-Gita, com o objetivo de fundamentar as suas teses. É com base neste mesmo livro que Ghandi nos afasta da ilusão da separação dos seres vivos (estimulando a ideia de união) e conclui que “exercer violência sobre outro indivíduo é, em última instância, exercer violência contra si próprio” (in Santos, Pedro Matias; Secularismo pan-indiano vs. Fundamentalismo hindu - pág. 325).

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Savarkar, Golwalkar e o Fundamentalismo hindu: Sarvarkar e Golwalkar, por outro lado, defendem a constituição de um Estado-nação hindu monolítico, em que as fronteiras físicas coincidem com as fronteiras étnica, religiosa e linguística da comunidade hindu. Porém, para ser possível entender as suas perspetivas, é essencial compreender a identidade hindu, sendo aí que estes dois ideólogos divergem. Salvarkar define a identidade hindu a partir de três critérios: nação, raça e cultura. Primeiramente, e relativamente à nação, “Savarkar faz coincidir a pátria com a Terra Santa” (in Santos, Pedro Matias; Secularismo pan-indiano vs. Fundamentalismo hindu - pág. 325, 326), isto é, para um hindu, a sua pátria (neste caso a Índia) representa também a sua

Terra Santa, o que não acontece com os cristãos ou com os muçulmanos, cuja pátria pode não corresponder à Terra Santa. No que toca à raça, o ideólogo defende que os hindus terão resultado do cruzamento de arianos e não-arianos (pertencentes a todas as castas) e, portanto, é possível que um estrangeiro se torne hindu, desde que se case com uma pessoa hindu. No que diz respeito à cultura, para Savarkar, é necessário ter-se uma ligação afetiva à civilização hindu para se ser hindu. Já Golwalkar defende a identidade hindu com cinco critérios: país, raça, religião, cultura e língua. Em relação ao primeiro critério, o político considera que a existência de um território é algo fundamental, na medida em que, caso ocorresse a ausência deste, as comunidades entrariam em diáspora, isto é, o deslocamento de grandes massas populacionais originárias de determinada zona para várias áreas de acolhimento distintas. Assim, “o primeiro requisito para a constituição de uma nação é um pedaço de terra delimitado preferencialmente por limites naturais” (in Santos, Pedro Matias; Secularismo pan-indiano vs. Fundamentalismo hindu - pág. 326). O segundo critério – a

raça - é o mais importante para Golwalkar, uma vez que este defende que, caso existam estrangeiros, estes devem fundir-se com os hindus, o que torna o casamento misto uma condição essencial para se tornar hindu. Para Golwalkar, a religião e cultura estão diretamente relacionadas, visto que a religião permeia cada ato do quotidiano hindu. Assim sendo, este defende que o Hinduísmo deve ser adotado como religião 6


oficial do Estado e os indivíduos pertencentes à nação hindu não devem ser heterogéneos. Contrariamente, devem ter um modo de vida que englobe ideias, cultura, sentimentos, fé e tradições comuns. Por fim, a língua. Apesar de as ideias de Gandhi e dos fundamentalistas (Savarkar e Golwalkar) serem diametralmente, isto é totalmente, opostas, apresentam alguns aspetos em comum, nomeadamente a língua. Golwalkar, assim como Savarkar e Gandhi, defende que o hindi seria a língua do futuro na Índia, por se tratar de uma das línguas mais faladas.

Gandhi vs Savarkar e Golwalkar: Outros aspetos comuns a todas as teses são o sistema de castas e a rejeição do estilo de vida ocidental. Em relação ao primeiro, todos defendiam que a rejeição da discriminação em função da casta. Porém, enquanto os fundamentalistas defendem a promoção entre várias castas, Gandhi vai mais longe, afirmando que a própria divisão da sociedade deveria ser abolida e que era necessária uma promoção de casamentos entre essas mesmas divisões da sociedade. A título de curiosidade, e porque também se relaciona com o tema em análise, Gandhi designava os exilados por Harijans, isto é, “filhos de Deus”. Este teve ainda um papel preponderante na mudança do estatuto social tradicional da mulher indiana, questão esta não abordada por Savarkar ou Golwalkar. Por fim, todos rejeitam o estilo de vida ocidental, considerando a cultura hindu superior a qualquer outra, na medida em que “o nosso Povo é p nosso Deus” e, aliás, “o verdadeiro objetivo de um hindu é o serviço à humanidade, pois é em última instância serviço a Deus” (in Santos, Pedro Matias; Secularismo pan-indiano vs. Fundamentalismo hindu - pág. 327). De acordo com os Savarkar e Golwalkar, a vida de

hindu deve reger-se pelo Dharma, código universal de conduta. O último é ainda contra o secularismo, coisa que Gandhi protesta, considerando “impereterível a proclamação de um estado secular para garantir a harmonia entre as diversas religiões da Índia. É, portanto, visível que continuam a existir divergências quanto a estas duas ideologias. Enquanto Gandhi defende a mudança do estatuto social da mulher indiana, 7


os fundamentalistas, bastante conservadores, consideram as mulheres guardiãs da tradição religiosa.

Conclusão: Após abordadas estas questões torna-se fundamental questionar o futuro da Índia e a forma como o mundo está a evoluir, sabendo que tanto Gandhi, como Savarkar e Golwalkar tiveram um papel fundamental na instrumentalização da cultura para conseguir a mobilização étnica. Gandhi - “o pai espiritual do secularismo indiano”- conseguiu, em 1976 a adição das palavras “secular” e “socialista” à descrição da Índia na sua Constituição. Porém, de acordo com Bhargava, o secularismo parece estar presente em todo o lado, sendo que um exemplo disso mesmo é o estabelecimento da primeira teocracia moderna no Irão de Khomeini (1979). Mais exemplos temos ao nosso dispor: no subcontinente indiano, onde existem três exemplos de uma crise do secularismo, como é o caso dos nacionalistas hindus tamiles no Sri Lanka, dos nacionalistas hindus e dos nacionalistas sikhs na Índia. Já no Ocidente, o mesmo se passa nos Estados Unidos da América, onde aumenta diariamente o fundamentalismo cristão protestante; e na Europa – nomeadamente na Grã-Bretanha, Alemanha e França -, uma vez que apresenta um elevado número de comunidades muçulmanas, “que põem em causa o modelo de referência de estado-nação.” (in Santos, Pedro Matias; Secularismo pan-indiano vs. Fundamentalismo hindu - pág. 331).

Atualmente, os filmes contemporâneos de Bollywood retratam, cada vez com mais frequência, o secularismo pan-indiano por Gandhi defendido. Estes filmes são vistos tanto por homens como por mulheres das mais diversas idades, bem como por diferentes

castas e demais comunidades religiosas. Hoje em dia, “A Índia

contemporânea é uma sociedade plural e é simultaneamente em Estado-nação” (in Santos, Pedro Matias; Secularismo pan-indiano vs. Fundamentalismo hindu - pág. 331).

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