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Últimos dias de Bomefree

de uma casa da família Ardinburgh para outra, muitas milhas distante. O cabelo dele estava branco como lã, ele estava quase cego, e seu passo era mais um rastejar que um andar, mas o clima estava quente e agradável, e ele não desgostou da jornada. Quando Isabella se dirigiu a ele, o pai reconheceu sua voz, e ficou extremamente feliz de vê-la. Ajudaram-lhe a montar a carroça, e ele foi levado de volta ao famoso porão de que falamos e lá eles mantiveram sua última conversa terrena. Novamente, como de costume, lamentou sua solidão: falou em tom de angústia sobre seus muitos filhos, dizendo: “todos foram tirados de mim! Agora não tenho ninguém para me dar um copo de água fresca. Por que devo continuar vivo e não morrer logo?” Isabella, cujo coração suspirava por seu pai, e que teria feito qualquer sacrifício para poder estar com ele e cuidar dele, tentou consolá-lo, dizendo que ouvira o povo branco dizer que todos os escravos no estado seriam libertados em dez anos e, então, ela viria e cuidaria dele.4 “Eu cuidaria tão bem de você quanto Mau-mau, se ela estivesse aqui”, continuou Isabella. “Ah, minha filha”, respondeu ele, “não posso viver por tanto tempo”. “Ah, papai, viva,

4 Provavelmente um boato. No lento processo de abolição da escravatura no estado de Nova York, a primeira lei, de 1799, previa a emancipação dos escravos nascidos a partir daquela data, mas somente quando atingissem a idade adulta. Sojourner, por ter nascido antes, não foi beneficiada com essa perspectiva de liberdade.

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e eu cuidarei muito bem de você”, foi a tréplica. Ela agora diz: “pensei então, na minha ignorância, que ele poderia viver, se quisesse. Eu achava isso, mais forte do que já achei alguma coisa na minha vida, e eu insisti que ele vivesse. Mas ele só balançou a cabeça e insistiu que não poderia.”

Mas antes que a boa constituição de Bomefree cedesse à idade, à exposição ou a um forte desejo de morrer, os Ardinburgh, novamente cansados dele, deram a liberdade a dois velhos escravos — Caesar, irmão de Mau-mau Bett, e sua esposa Betsey — com a condição de que eles cuidassem de James. (Estava prestes a dizer “cunhados”, mas como os escravos não são considerados, legalmente, maridos ou esposas, a ideia de serem cunhados é realmente descabida.) E, embora fossem velhos e enfermos para cuidarem de si mesmos (Caesar foi atormentado por muito tempo com inflamações febris e sua esposa com icterícia), eles prontamente aceitaram o benefício da liberdade que haviam desejado com a alma por toda a vida, embora em uma altura da vida em que a emancipação seria para eles pouco mais que destituição, e era uma liberdade mais desejada pelo senhor do que pelo escravo. Sojourner falava, a respeito dos escravos, na ignorância deles, “que seus pensamentos são mais curtos que o dedo dela”.

MORTE DE BOMEFREE

Uma cabana rústica, em um bosque solitário, longe de vizinhos, foi concedida a nossos amigos libertos, como a única ajuda que eles poderiam esperar. Bomefree, a partir desse momento, viu que suas precárias necessidades dificilmente seriam supridas, pois seus novos provedores eram pouco capazes de administrar as próprias carências. Contudo chegou o tempo em que as coisas ficariam decididamente piores que melhores, porque eles não ficaram juntos muito tempo, Betsey morreu e, pouco depois, Caesar a seguiu “na viagem da qual ninguém volta”, deixando o pobre James novamente desolado e mais desamparado do que nunca. Desta vez já não havia uma família amável morando na casa, e os Ardinburgh não o convidava mais para seus lares. Ainda assim, solitário, cego e desamparado como estava, James viveu por mais um tempo. Um dia,

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uma velha senhora negra chamada Soan o saudou em seu barraco, e James implorou a ela, da melhor maneira possível, inclusive com lágrimas, para ficar um pouco, lavar e remendar suas roupas, para que pudesse mais uma vez estar decente e confortável; pois ele estava sofrendo terrivelmente com a sujeira e os parasitas que se acumulavam sobre ele.

Soan era uma escrava alforriada, velha e fraca, sem ninguém para tomar conta dela, e faltava-lhe força para ocupar-se de um trabalho com tal magnitude, temendo que ela mesma ficasse doente e perecesse ali sem ajuda; e foi com grande relutância, e um coração cheio de pena, como ela declarou depois, que se sentiu forçada a deixá-lo em sua miséria e sujeira. E logo após sua visita, aquele escravo fiel, esse destroço abandonado de humanidade, foi encontrado em seu estrado miserável, congelado e rígido na morte. O anjo da misericórdia finalmente chegou e o aliviou das muitas misérias que os outros mortais haviam jogado sobre ele. Sim, ele havia morrido, de frio e de fome, sem ninguém para dizer uma palavra gentil ou fazer uma ação gentil por ele, naquela última pavorosa hora de necessidade!

A notícia de sua morte chegou aos ouvidos de John Ardinburgh, um neto do velho coronel; e ele declarou que “Bomefree, que havia sido um gentil e fiel escravo, deveria ter um bom funeral”. E agora, caros leitores, o que pensam que constitui para ele um bom funeral? Resposta: alguma tinta preta para o caixão, e uma jarra de aguardente! Que compensação por

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