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Memórias que não foram apagadas

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Atração fatal

Atração fatal

Apesar de estarem estabelecidos em Curitiba desde o século XIX, os judeus que vivem na cidade ainda hoje sofrem com preconceitos e estereótipos relacionados à religião

Ana Iamaciro Andressa Carvalho Carla Tortato Laís da Rosa

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O Paraná é o quarto estado do país com maior número de judeus, com 3,5 a 4 mil ntegrantes na comunidade.

“Quando eu estava no primeiro ou segundo ano [do ensino médio], houve uma vez em que eu cheguei na sala de aula e tinham desenhado uma suástica na minha mesa. [...] Havia sido de manhã, minha reação foi ficar quieto, não fazer nada. Eu coloquei um estojo em cima para ninguém ver”. Esse é o relato de Itay Peceniski, que à época, com 15 anos, presenciou o preconceito enquanto iniciava seu contato com pessoas não judias, após trocar de colégio. Depois do ocorrido, Itay comenta que seus amigos, que estudaram com ele na escola israelita, chegaram a incentivá-lo a recorrer ao diretor da instituição para que uma providência fosse tomada, entretanto, nada foi feito a respeito.

O fato ocorreu há sete anos, mas Itay, hoje com 22, ainda sente os impactos

do antissemitismo na sua vida. Antes do ocorrido no colégio, seu contato era praticamente apenas com judeus. Ele, que nasceu em Israel, veio para Curitiba em 1999, quando tinha 2 anos, à época não sabia falar a língua portuguesa tão bem quanto sabia hebraico. Itay conta que foi um processo de adaptação, pois o Brasil é um país muito ligado à religião cristã.

Ele afirma que alguns estereótipos relacionados a pessoas de origem judaica ainda permanecem no imaginário coletivo, com ideias como as que dizem que os judeus são todos multimilionários e teorias da conspiração que afirmam que eles estão sempre tramando uma manipulação a fim de dominar o mundo para beneficiar a si mesmos. Motivos como esses, devido à falta de conhecimento das pessoas sobre a religião judaica, refletem no cotidiano dos judeus. Itay, que tem pais judeus e cresceu em uma comunidade judaica, afirma que, por medo, não usa o quipá (chapeuzinho típico da religião) na rua e pelo mesmo motivo também já deixou de usar brinco.

Ele relata que sente receio até mesmo ao se apresentar para alguém. “As pessoas veem já pelo meu nome, tipo, ‘Nossa, que nome diferente, de onde é?.’ Daí, para a maioria, se eu não sinto muita confiança, eu falo qualquer coisa, do tipo ‘Meus pais inventaram’ ou ‘É em tupi-guarani’. É dessa forma que o antissemitismo me afeta.”, afirma pensativo.

O Paraná é o quarto estado do país com maior número de judeus. São cerca de 150 mil no Brasil. Segundo

Isac Baril, presidente da Federação Israelita do Paraná, o número de judeus no estado está entre 3,5 mil e 4 mil. Em Curitiba, são mais ou menos 850 famílias. Em Maringá, há uma pequena comunidade, em torno de 60 pessoas. Londrina tem 50 pessoas e, em Ponta Grossa, há cerca de 20 pessoas de origem judaica.

“Quando você conhece o diferente, você vê que ele não é tão diferente de você.”

Ilana Lerner, diretora da BPP

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Veja um pouco do museu da religião judaica, Yad Vashem, em Jerusalém.

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Os judeus chegaram a Curitiba em torno de 1880. A grande maioria veio da Polônia, da Alemanha e da antiga União Soviética (Rússia e Ucrânia). No Brasil, a maior parte dos judeus não nasceu em Israel e, sim, de outras origens, como da União Soviética, do Egito e da Síria. No estado do Paraná, a maior quantidade é de judeus de origem polonesa, alemães, ucranianos e romenos. O maior índice é de poloneses e alemães.

Este ano completam-se 75 anos do fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), que pôs fim ao Holocausto, em que minorias sofreram uma perseguição sem precedentes. Entre as vítimas, havia negros, ciganos, homossexuais e, principalmente, judeus. Ao todo os nazistas, sob o comando de Adolf Hitler, foram responsáveis pela morte de cerca de seis milhões de pessoas de origem judaica. Mesmo após décadas do ocorrido, manifestações antissemitas e pró-nazistas continuam a ocorrer. Neste ano, em Curitiba,18 carros foram vandalizados com desenhos de símbolos nazistas em um clube. Em outro caso recente, em dezembro do ano passado, um jovem causou polêmica ao usar uma suástica em um shopping da cidade.

Para o professor de História da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Dennison de Oliveira, o preconceito contra pessoas de origem étnica judaica parece ser dominante, já o judaísmo como religião, que antes era motivação para preconceito, hoje atua no sentido inverso. “Como se vê no caso brasileiro, notadamente na judaização das seitas evangélicas e pentecostais que celebram símbolos e valores judaicos”, relata.

Sobre a relação estreita entre Brasil e Israel, Oliveira afirma que esta pode ser uma motivação para o antissemitismo, na medida em que é possível (mas de forma alguma justificável) se estabelecer uma relação entre a comunidade judaica local e as sistemáticas violações dos direitos humanos das populações palestinas que vivem sob ocupação militar israelense.

O historiador acredita que é possível que o antissemitismo tenha relação com o fato de muitas pessoas não terem a dimensão histórica e social do que foi o Holocausto judeu, mas que também pode ser inversamente, ou seja, como se a existência anterior de um genocídio justificasse sua retomada.

O Museu do Holocausto de Curitiba, localizado no bairro Bom Retiro, é um lugar importante que abriga memórias em suas paredes. A meia luz que ilumina o ambiente expressa a tristeza e as lembranças da luta dos judeus,

O Museu do Holocausto se destaca pela luta contra a intolerância, o ódio, a discriminação tão relevantes nos dias de hoje.

conservando a história e reunindo diversos documentos, fotos e relatos de pessoas que passaram pelo período horrendo durante a Segunda Guerra Mundial. Carlos Reiss, diretor geral do museu, conta que trabalha com o conceito de vítima do Holocausto como sendo qualquer pessoa que tenha sofrido algum tipo de perseguição ou discriminação por parte do regime nazista. Ele afirma que quando o museu foi inaugurado, há oito anos, havia pouco mais de 20 sobreviventes do Holocausto, mas agora apenas qua-

tro ainda estão vivos, todos com idade bastante avançada.

“Com uma estimativa entre 500 e mil pessoas, a gente tem pouco perto da estimativa, mas imaginando que desses 120 ou 130 dos quais nós temos o registro, praticamente todos deixaram filhos, netos, bisnetos, nós estamos falando, hoje, de centenas de pessoas, centenas de descendentes que vivem aqui e muitos vivendo ainda aqui em Curitiba, vivendo no Paraná. Então, isso que é o mais bonito de tudo, de como a vida seguiu seu rumo e o objetivo de aniquilar essas pessoas não foi concretizado. Tanto é que as novas gerações estão aí”, conta Reiss.

Segundo Carlos Reiss, o antissemitismo foi ganhando novas características, mas sua origem vem de muito tempo atrás. “O ódio pelos judeus vai se concretizando a partir de acusações de que foram eles que mataram Jesus, que se intensificaram durante a Idade Média. Acusações de que os judeus sequestram criancinhas para fazer algum tipo de ritual, depois vem a ideia de que o judeu é de uma raça inferior ou praticamente não-humano, de que o judeu é alguém que não pode ser cidadão desse país porque ele é um traidor da pátria.”, diz. Reiss reitera que todas as acusações contra o povo judeu se formaram com o tempo e que o antissemitismo se fortaleceu com base nesse ódio.

“Os movimentos skinhead, os de negação do Holocausto, neonazistas, todos esses grupos são contemporâneos, mas muitos deles acabam se apoiando nessas ideias antigas que

o antissemitismo foi recolhendo e adquirindo no decorrer do século 20”, afirma Reiss.

Sobre a intolerância nos dias atuais, Reiss afirma que nas redes sociais, o ambiente virtual é muito mais propício para que discursos racistas e antissemitas saíssem das sombras e alcançasse um número maior de pessoas. “Com o fenômeno das redes sociais, da internet e da possibilidade de difusão de ideias, se tornou algo muito mais alarmante. Há uma necessidade cada vez maior de a gente combater esse tipo de discurso, esse tipo de narrativa”, diz.

Em combate ao antissemitismo, para Reiss, a maneira mais eficaz é preservar as histórias das pessoas. “É uma forma, em primeiro lugar, de transmitir valores universais como tolerância, a ideia da diversidade, da coexistência, da paz, resistência, justiça. Preservar e contar essas histórias é uma forma da gente transmitir valores para as próximas gerações”, explica.

“Preservar e contar essas histórias é uma forma da gente transmitir valores para as próximas gerações.”

Guilherme de Souza, psicólogo

Ele complementa com um segundo passo: fortalecer esses valores. Para ele, o Holocausto pode ser uma ferramenta contra qualquer tipo de ódio, como o fascismo, violência contra a mulher, LGBT fobia, etc. “Restringir o legado [do Holocausto] apenas à luta contra o antissemitismo, significa não usar o potencial educativo que o Holocausto tem de combater a intolerância como um todo”, afirma Reiss.

Segundo o psicólogo Guilherme da Silva de Souza, o Brasil sendo um país de grande diversidade cultural, étnica e religiosa também faz com que haja um crescimento psicológico variado da população, e com isso, ocorra um aumento da discriminação religiosa, pois o nosso histórico cultural já vem dos nossos antepassados onde aprendemos a ser intolerantes passivos e assim, reforçando esse julgamento. “Quando as pessoas falam ‘chuta que é macumba’ e outros comentários do tipo, fazem que inconscientemente reforcem nosso olhar de julgamento”. Para diretora da Biblioteca Pública do Paraná, Ilana Lerner Hoffmann, que também é judia, a informação e o conhecimento são importantes ferramentas no combate à intolerância. Segundo ela, é necessário que as pessoas passem a ver as diferenças como algo positivo, como curiosidade para aprender mais sobre as diversidades, não apenas em termos religiosos.

Ilana ressalta a importância dos livros nesse processo, pois a leitura é uma forma de conhecimento e uma ferramenta para entender o mundo. Então, tratando-se da literatura judaica, os livros assumem uma função de disseminação cultural. “Quando você lê, você se empodera”, afirma. Para ela, o conhecimento não pode ter barreiras, contudo, ao mesmo tempo em que a biblioteca oferece livros sobre Adolf Hitler, tem também uma infinidade de outros que tratam a respeito do que ele causou para milhões de pessoas. “O mais importante é o que as pessoas fazem com esse conhecimento.”

Ilana conta que cresceu em um ambiente judaico, seus avós eram bastante religiosos e ela frequentou escolas e até fez parte de movimentos juvenis dentro da comunidade. Em casa, ela mantém alguns costumes, mas nem todos os preceitos da religião. “Eu acho que é importante que as pessoas tenham respeito pela identidade religiosa de cada um, seja ela qual for”, diz.

Quanto ao preconceito, Ilana afirma que apesar de não ter sofrido nada pessoalmente, há uma intolerância generalizada. “Você sente que existe um olhar diferente, escuta as piadas e as pessoas falando de coisas que elas não conhecem [...] Eu não tive a vivência pessoal, mas eu vi durante toda a minha vida movimentos anti judaicos acontecerem, as suásticas sendo pintadas nos muros e o cemitério sendo profanado. A questão sobre antissemitismo é mal explicada.”

É dessa forma que alguns estereótipos relacionados às pessoas de origem judaica ainda permanecem. A diretora da BPP cita, por exemplo, a ideia de que eles são pães duros e “donos de

Itay Peceniski

Itay no local de culto da religião judaica, conhecida como Sinagoga.

O centro é a maior referência para estudo e pesquisa sobre o Holocausto no Brasil .

Divulgação

lojinha”. Ela explica que isso ocorre porque quando os judeus chegaram a Curitiba, no começo da migração, eles não tinham terra e nem estudo, a única coisa que podiam obter era uma loja. “É uma coisa muito brasileira de mesclar o preconceito com o humor, por isso que eu acho válido esse movimento que está acontecendo de tirar certas palavras, de mudar certos conceitos e expressões.”, afirma.

Ilana relata, entretanto, que isso não ocorre apenas com pessoas de origem judaica, mas com chineses, árabes, japoneses, portugueses e outras comunidades, visto que Curitiba sempre foi uma cidade feita de imigrantes. Segundo ela, esses grupos têm um convívio aberto e amigo entre si, o que pode ter efeito positivo na educação das pessoas. “O que eu espero é que elas aprendam de uma vez por todas a se respeitarem, a se conhecerem, porque quando você conhece o diferente, você vê que ele não é tão diferente de você”.

A orientação feita por Isac Baril, presidente da Federação Israelita do Paraná, para quando um judeu sofre algum tipo de preconceito por conta de sua religião e cultura, é entrar em contato com a organização, pois ela é o órgão representativo dos judeus no estado. A federação tem um departamento jurídico para onde encaminham os casos de antissemitismo e, em seguida, tomam as providências necessárias. Baril conta que um dos casos de antissemitismo que ocorreu recentemente, um homem publicou nas redes sociais a frase “Não fizeram o trabalho completo de exterminar todos os judeus”. O homem foi condenado a 2 anos de prisão. Outro caso que Baril ressalta foi de um menino de 16 anos que publicou uma foto nas redes sociais, dele segurando uma faca na mão com a legenda “Isso aqui é para você judeus”. Isac reitera que existe célula nazista no Brasil e também em Curitiba. “Temos que lembrar que quando se fala em célula nazista, eles não são apenas contra judeus, são contra negros, contra nordestinos, contra ciganos, índios, comunidade LGBTQI+, entre outros”, diz.

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Veja um pouco sobre a história, o diário e o legado de Anne Frank, uma grande figura para a história dos judeus.

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