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Eles são capazes

Uma em cada sete pessoas é portadora de necessidades especiais

Gabriela Küster Solyom Maria Vitória Pessoa Yasmin Graeml

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Natã do Vale tem 17 anos, é um menino alegre, responsável e apaixonado pelo Atlético Paranaense. Natã vai para a escola todos os dias da semana, assiste aos jogos de futebol nas quartas-feiras e domingos, vai para a igreja e adora fazer videochamada com seus melhores amigos. Ele mora com a família, Gilson e Janete do Vale, seus pais, e Rafaela, a irmã mais velha. Aparentemente uma rotina comum, que poderia ser de qualquer adolescente, mas Natã foi diagnosticado com uma doença rara, a síndrome de Wolfram. Apesar de ser deficiente auditivo, Natã não estuda em uma escola especial. Ele está matriculado em uma instituição de ensino estadual no 1º ano do ensino médio. Sua mãe, Janete, conta que por seu filho ser aluno de inclusão, ele tem direito a atendimento domiciliar feito pelo Serviço de Atendimento à Rede de Escolarização Hospitalar (Sareh), para estudantes que precisam de continuidade no processo de educação fora do ambiente escolar. A família de Natã lutou muito por esse direito, do acompanhamento uma vez na semana, o qual só foi obtido por meio de prescrição médica. Até o fim de 2017, ele frequentava a escola regularmente.

Gilson, pai de Natã, compartilha que, apesar da legislação de inclusão existir e amparar a sua família com diversos direitos, tudo o que conquistaram para o Natã foi por meio da Justiça. “São 17 anos de lutas até com questões de saúde e liminares para terapias, medicações e consultas. A

Síndrome de Wolfram

É uma doença neurodegenerativa rara, ou se a, ela é progressiva e pode gerar muitos problemas no sistema nervoso central e no sistema nervoso periférico. Ela é caracterizada pela diabetes, atrofia óptica e sinais neurológicos. de Wolfram.

Arquivo pessoal lei existe na teoria, mas, na prática, há falhas na aplicação delas. Acaba que a legislação fala de forma muito geral e não olha para o indivíduo e, no caso do Natã, isso sempre foi muito complexo, pois chamam ele de “inclusão tripla”, devido à surdez, a atrofia óptica e as pautas autistas. Então é necessário que haja exceções para casos que não se enquadram nas leis comuns”.

Família junto com o Natã antes de um procedimento para restaurar sua visão

Em uma empresa com mais de 200 funcionários deve preecher suas vagas com 5%

A irmã de Natã, Rafaela, é biomédica e trabalha com a conscientização e ensino sobre a síndrome. Levando informação sobre a doença aos médicos, dando palestras aos alunos de graduação, na área de saúde, e também na área de educação inclusiva, em cursos também de pós-graduação em educação especial. Janete, muito orgulhosa com o papel que sua família está fazendo diz que sempre que saem de uma palestra várias pessoas vem até eles e mostram admiração e ficam agradecidos pela partilha do conhecimento: “principalmente os profissionais da educação, que na maioria das vezes nunca viram um caso assim. Nosso intuito é sensibilizar os profissionais, para que outras crianças não passem pelo que o Natã passou”.

Natã ainda não entende como funciona a profissionalização, e seus pais não sabem se, no caso dele, ela vai ser possível. Mas ele contou que no futuro tem um sonho: “Eu quero trabalhar junto com o meu pai”. Em uma tentativa de realizar sonhos como o de Natã, a Universidade Livre Eficiência Humana (Unilehu) é uma organização do terceiro setor que trabalha há 15 anos empregando pessoas com qualquer deficiência, garantindo qualidade de vida e profissionalização. Aline Gonçalves trabalha na coordenação do Programa Mais Eficiência, setor da Unilehu que é responsável pelo trabalho focado na inclusão da Pessoa com Deficiência (PCD) no mercado de trabalho.

O valor do salário do funcionário que trabalha na empresa até 500 funcionário deve ser 4%

Em uma empresa com até 100 funcionários deve preecher suas vagas com 2%

CONTRATAÇÃO EM EMPRESAS PRIVADAS PARA PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA FÍSICA

Em uma empresa com mais de mil funcionários

deve preecher suas vagas com 5%

lei: “Enfrentamos ainda o preconceito Aline explica que o papel deles hoje é e este é o maior desafio. Precisamos trabalhar a empregabilidade do PCD e de conscientização, e a partir disso, capacitar empresas para realizar esse todos os direitos serão garantidos sem processo de inclusão. Apesar de a con- obrigatoriedade”. tratação mínima ser obrigatória, ela conta que existe maior dificuldade na A Lei federal nº 8.213, de 24 de julho inserção de todos os tipos de deficiên- de 1991, implementou cota de concia que apresentam uma maior limi- tratação em empresas privadas para tação. “Por exemplo, deficiência visual pessoas portadoras de deficiência. De total é um público com dificuldade de acordo com a lei, Art. 93, uma emencontrar vaga, os deficientes físicos presa com cem ou mais empregados com maior limitação também, como deve preencher suas vagas com entre por exemplo cadeirantes, temos mais 2% a 5% com pessoas portadoras de restrições o que acaba deficiência. O reduzindo o número de oportunidades em que A superintendente percentual é de acordo com podemos encaixá-los”. acredita que, para o número de O acompanhamento garantir uma boa condição empregados, uma empresa depois da contratação é de empregabilidade, com entre cem feito no período de experiência 45 e 90 dias, é necessário que o e 200 empregados deve ter 2% por meio da conversa empregador não trate o das suas vagas com o RH, gestores e o funcionário. “Tam- funcionário como cotas, entre 201 e 500 bém fazemos mediação como cota. o valor deve ser frente a alguma difi- 3%, de 501 até culdade da empresa, e 1.000 de 4% e, após esta, a monitoria para saber se por fim, empresas com mais de 1001 o comportamento e/ou o resultado do funcionários devem ter 5% destas colaborador mudou”. preenchidas com colaboradores PCD. Cristhiane, acredita que as cotas não A Lei de Inclusão 13.146 de são suficientes sem a conscientização, 06/07/2015, estabeleceu os principais a pessoa com deficiência necessita de direitos das pessoas com deficiência, condições adequadas para desenvolver entre eles, igualdade e não discrimi- seu trabalho, o que inclui a atitude nação, atendimento prioritário, direi- dos colegas. A advogada ainda ressalta que as empresas que não cumprirem com a lei são passíveis de penalização.”Elas serão autuadas pela Delegacia Regional do Trabalho, juntamente com o Ministério Público do Trabalho, que será de acordo com a pessoa com deficiência que não foi contratada, para mim isto é uma evolução”. De acordo com a Who (2011) World Report on Disability, 1 bilhão de pessoas no mundo têm algum tipo de deficiência - isso significa que uma em cada sete pessoas é portadora de necessidades especiais e 80% vivem em países em desenvolvimento. De acordo com este mesmo relatório, apenas 50% dos homens que possuem algum tipo de deficiência estão empregados e quando falamos de mulheres este número cai para aproximadamente 20%. Cyro Eduardo de Souza tem 23 anos e

Hemiplegia

É uma condição onde metade dos músculos do corpo do indivíduo são paralisados. A extensão dessa paralisia varia de caso a caso. Pode incluir além da perda de funções motoras e mudanças na cognição a dificuldade na fala, deglutição e respiração.

tos fundamentais, direito ao trabalho, habilitação e reabilitação profissional, direito a assistência social, direito ao transporte, acessibilidade, acesso à justiça. Cristhiane Kulibaba é advogada e integrante da Comissão dos direitos das pessoas com Deficiência do Paraná e acredita que esta foi o maior avanço que a Comissão conquistou, mas aponta que ainda está muito longe de alcançarmos uma efetividade nesta

nasceu com hemiplegia. Ele é estudante do curso técnico de Segurança do Trabalho, e conquistou a vaga como menor aprendiz por meio do programa da Unilehu na Renault há seis meses. Por ser do grupo de PCDs da empresa, suas atividades são preparadas para que não exista nenhum empecilho na execução.

Durante toda a sua infância e adolescência, Cyro teve cuidados especiais nas escolas que forneciam atendimentos dedicados aos alunos com deficiência física. Ele explica que por ser PCD achava que nunca conseguiria entrar no mercado de trabalho outra preconceito da sociedade. “A ideia de que as pessoas criaram sobre nós PCDs que não temos que nos esforçar para conquistar uma vaga no mercado de trabalho. Estão completamente enganados. Mais do que tudo estamos aqui conquistar o nosso espaço e com dedicação em realizar um excelente trabalho.”

Mas seus pensamentos sobre mindset de crescimento fizeram com que seu primeiro passo fosse o encorajamento de buscar o primeiro trabalho. A sensação de felicidade toma conta ao relatar que trabalha na empresa que é considerada uma das 150 melhores para construir uma carreira de sucesso. Para ele, as oportunidades que as pessoas deficientes recebem são altas em relação às pessoas que não são.

Essa sensação de não se sentir capaz não é incomum. O Mauritius Census (2011) mostra que a maior parte das pessoas com necessidades especiais não procura um emprego por acreditar ser incapaz. Mesmo com a Declaração de Direitos das Pessoas Deficientes, resolução aprovada pela Assembléia Geral da Organização das Nações unidas em

Stargardt e De Best

É uma condição genética e degenerativa que leva a perda gradual da visão. Nela ocorre a perda progressiva das células fotoreceptoras da mácula, gerando a redução da visão central, com a preservação da visão periférica. A progressão da stargardt varia de pessoa a pessoa podendo se agravar após os 50 anos. Costuma aparecer na infância ou adolescência. Surge como um cisto amarelo que se forma sob o epitélio pigmentar da retina, uma camada que fica abaixo da mácula. 1975, estabelecendo para estas pessoas o direito a medidas de capacitação para que elas se tornem o mais autoconfiantes possível, o acesso à educação, treinamento vocacional, segurança econômica e social, visando à busca de um emprego que leve em consideração as suas necessidades especiais.

Dentro das empresas a contratação depende do perfil do candidato e das suas limitações, Claudia Vidal é superintendente de RH e jurídico em uma instituição financeira de Curitiba, que não será apresentada, pois devido ao momento de “home office” que estamos vivendo no mundo em 2020, por causa do Covid-19, seu departamento responsável pela liberação das entrevistas não está disponível. Claudia explica que no banco a inclusão é possível em todas as vagas que não exijam adaptações que a empresa não consegue oferecer. “Hoje, nós procuramos encontrar pessoas que tenham qualificações de acordo com cada vaga, por exemplo na área de marketing a gente tem uma pessoa que tem formação em marketing, na área de compras uma pessoa que tem experiência em compras, falando em PCD, eles tendo qualificação e podendo exercer suas funções são adequados para qualquer tipo de vaga”.

A superintendente acredita que, para garantir uma boa condição de empregabilidade, é necessário que o empregador não trate o funcionário como cota, o colaborador precisa ter acesso a chances reais de desenvolvimento e acesso a qualificação profissional. Para isso o contratado precisa estar em funções onde eles realmente possam fazer entregas e evoluir.

Encaixar uma pessoa com deficiência em uma função que ela precise fazer muito esforço para exercer normalmente será prejudicial para a produtividade e auto estima dela. Essa é a opinião da funcionária Milca de Souza. Ela é Business Partner da área de Pessoas e Cultura do Paraná Banco e tem a doença de Stargardt, condição de saúde que afeta a sua visão. Milca explica que para o melhor desempenho a transparência é necessária, o caminho na empresa que ela trabalha abre para o colaborador falar sobre o que precisa como adaptação.

“A qualidade de empregabilidade vem de um ambiente seguro, para pessoa dizer o que precisa e também do uso dessas ferramentas isso vem de uma sensibilidade muito grande do RH, para não julgar uma coisa como desnecessária. Eu contratei uma pessoa a pouco tempo que disse que só precisava de um apoio de pé, eu passei isso pra gestora. A pessoa tem uma deficiência e sabe o que é importante para ela, não questione. Analisamos cada necessidade sem julgamento. Você pode perguntar educadamente o porquê ela precisa disso, se existe outra opção”.

Outra questão levantada por ela é que sempre que o PCD é contratado é necessário ter uma conversa com a equipe e o gestor. Algumas deficiências são mais difíceis de lidar e precisam de uma interação e apoio da equipe. “Temos uma funcionária que tem deficiência auditiva parcial, então passamos as orientações; precisam falar de frente, olhando para ela. Uma equipe bem orientada também ajuda na qualidade do emprego dessa pessoa, porque ela não precisa ficar passando por situações constrangedoras”, conta Milca.

Ela relata que dentro do banco onde trabalha todas as adaptações necessárias são feitas para ela, como por exemplo telas maiores de computador e o uso de lupa eletrônica. No caso de uma doença degenerativa que com o passar do tempo sofre progressões, também são feitos ajustes no seu ambiente de trabalho.

Apesar de estar em uma empresa que se importa com o bem estar do colaborador Milca explica que não é somente o ambiente que precisa ser alterado, mas também a consciência das pessoas: “em relação às pessoas que têm deficiências visuais parciais como eu, acontece de algumas vezes as pessoas esquecerem que eu tenho essa deficiência, porque aquilo que não está visível as pessoas acabam esquecendo. Então todo tempo eu preciso ficar lembrando, isso é muito desconfortável”. Ela acredita que a inserção de mais PCD’s no ambiente profissional faria com que os outros funcionários tivessem mais contato com essa realidade, tornando eles mais sensíveis.

Um estudo da Unilehu aponta que para pessoas qualificadas, com ensino superior ou pós graduação é mais difícil encontrar vagas. Milca é formada em marketing e aponta que essa estatística está vinculada a um viés inconsciente de acreditar que uma pessoa com deficiência não vai desempenhar bem o seu trabalho. Ela expõe que ainda é uma dificuldade muito grande encontrar boas oportunidades no mercado.

Priscila Santos trabalha em uma montadora de carro em São José dos Pinhais e, devido à crise mundial do Covid-19, ela não conseguiu liberação para falar em nome da empresa. Priscila trabalha no departamento de RH, o qual é responsável pelas contratações tanto regulares quanto de PCD. Ela explica que, no ambiente de fabricação, as contratações para as vagas, quando o candidato possui alguma deficiência física, precisam ter os ambientes preparados, para que desta forma o funcionário possa realizar suas funções com segurança, para que não ocorra nenhum tipo de acidente no interior da fábrica.

As adaptações variam de acordo com as limitações do colaborador e o departamento no qual ele irá entrar. Para a especialista em Recursos Humanos a comunicação é um fator fundamental durante a contratação, pois assim é entendido qual área o colaborador consegue se desenvolver com a comunicação ativa. “Os funcionários não são vistos como pessoas incapazes de crescimento na empresa. O que desenvolvemos são métodos de aprendizagem para que eles possam crescer e desenvolver novos pilares no interior da organização”.

O acompanhamento psicológico para o funcionário PCD é de extrema importância, segundo o psicólogo Alceu

Arquivo pessoal

Milca de Souza Business Partner da área de pessoas e cultura do Paraná Banco

Arquivo pessoal Fernandes. Ele trabalha especialmente com pacientes com deficiência e acredita que somente com o acompanhamento o colaborador consegue quebrar algumas barreiras. Para Alceu, que trabalha diretamente com um deficientes auditivos, a grande dificuldade que os PCDs enfrentam é o relacionamento com pessoas do ambiente de trabalho. “Muitos se sentem frágeis por pensar que estão ocupando a vaga de trabalho pela cota obrigatória e não porque têm capacidade. As empresas que buscam pessoas deficientes para oferecer oportunidades, precisam preparar tanto a estrutura física quanto a comportamental, só assim poderão se desenvolver com menos dificuldade nos relacionamentos e alcançar objetivos profissionais”. Outra questão que o psicólogo aponta é que o incentivo ao estudo, vindo dos pais ou responsáveis para a criança que possui deficiência, a ajudará no futuro quando ingressar no mercado de trabalho. Ele explica que os estudos fazem parte do desenvolvimento psicológico da criança e cria o conforto no ambiente social, também beneficia no planejamento de metas e conquistas ao longo do tempo criando melhores condições a adaptação do indivíduo com a sua deficiência.

Jane Cléria Bonato tem deficiência auditiva, e, sua entrada no mercado de trabalho foi mais fácil pela empresa ser da família “mas digo que a comunicação seja um desafio” ela explica. Para sua formação ela estudou em escolas para surdos e concluiu o ensino fundamental, para ela mesmo que inicial a formação foi importante para que hoje ela desempenhe as atividades com tranquilidade.

Deficiência Auditiva

É considerada como a diferença existente entre a desempenho do indivíduo e a habilidade normal para a detecção sonora de acordo com padrões estabelecidos pela American National Standards Institute (ANSI - 1989). O deficiente auditivo pode não escutar parcialmente, em diversos graus, ou totalmente, existem diversas causas para a falta de audição, a falta desta prejudica o desenvolvimento da fala. O indivíduo que não consegue se comunicar oralmente, aprende, no Brasil, a linguagem conhecida por Libras, esta foi criada por um monge francês, morador de um mosteiro onde imperava a lei do silêncio.

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