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O desafio de voltar para casa

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Encontro de almas

Encontro de almas

Estudantes internacionais e intercambistas são afetados diretamente pela crise da Covid-19 tendo que escolher arriscar uma tentativa de volta para o país ou permanecer onde estavam estudando

Gabriela Küster Solyom Maria Vitória Pessoa Yasmin Graeml 5º e 7º Período Trinta e duas horas no aeroporto e muitos voos cancelados. A saga de Jorge Corazza Mussi para voltar ao Brasil devido ao coronavírus esteve longe de ser uma viagem tranquila. Jorge estava terminando seu segundo semestre no Patrick Henry Community College, nos Estados Unidos, quando foi surpreendido com a chegada da Covid-19 ao país, levando ao cancelamento das aulas.

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Quando recebeu a notícia de que suas aulas seriam online o estudante ligou para os pais pedindo para voltar para casa mais cedo e assistir às aulas do Brasil junto com a família. A missão de trazer o filho de volta não foi uma tarefa simples. Seu pai, Jorge Possebon Mussi, conta que passou horas tentando falar com a companhia aérea, mas que a qualidade das ligações estava muito ruim e levava mais de uma hora para ser atendido em qualquer empresa.

Jorge tentou trocar a passagem que o filho voltaria para o Brasil nas férias no começo de maio. Inicialmente, a companhia queria cobrar uma taxa, mas ele conseguiu a anulação, explicando que o motivo da volta antecipada era o novo coronavírus. O voo foi

marcado para o dia 23, no início da semana seguinte. Além do voo internacional, o estudante precisou de um trecho interno até Miami, de onde o avião para o Brasil sairia.

Em Nova York, cidade considerada o epicentro da doença nos Estados Unidos, as medidas rápidas de isolamento social também surpreenderam os estudantes. Mariana Betiol é aluna da Parsons Art and Design School, localizada na Quinta Avenida, local que atrai diariamente milhares de pessoas. Nos seus últimos dias na cidade, ela chegou a ver o local vazio.

Mariana lembra que o semestre começou normalmente, apesar de os Estados Unidos já terem casos registrados desde o começo do ano. A Covid-19 não era um assunto muito comentado. A estudante chegou a ir para a Disneyworld em fevereiro, pegando um voo de Nova York para Orlando, e aproveitando os parques lotados sem qualquer preocupação.

Foi no começo de março que as coisas se complicaram na cidade “Desde que começou a ter muitos casos na Califórnia, eu sabia que era impossível não ter em Nova Iorque. É muita gente nos metrôs, muitos turistas…”, conta Mariana. No dia 4 de março, quando confirmaram o primeiro caso de contaminação comunitária, ela tinha uma excursão para um museu e lembrou que ela e uma amiga optaram por ir de uber.

“O problema é que o número começou a aumentar muito rápido. Estavam dizendo que quadruplicou a cada três dias na cidade”, lembra a estudante. Em 15 de março, Mariana iria a um show com uma amiga e, quando resolveu vender o ingresso, ainda se questionava se era de fato necessário desistir do concerto, que mais tarde seria cancelado.

A primeira decisão de combate contra o coronavírus das duas universidades foi prolongar as férias de primavera de uma para duas semanas. As de Jorge seriam de 7 de março até o dia 15, de uma semana para duas, decisão que foi seguida pelo cancelamento das atividades presenciais. “Lá pelo dia de 16 de março, eu liguei para ele e falei: Olha, minhas aulas foram canceladas. Eu sei que as passagens estão mais baratas agora. Então, acho que agora é a hora de tentar ver alguma coisa para voltar para o brasil, que aí pelo menos eu fico com vocês”, conta o estudante.

Passagens compradas, a ideia do filho era fazer uma surpresa para a mãe que achava que ele só tinha conseguido comprar passagem para o meio de abril. Na noite do dia 20, três dias antes do voo, foi anunciado que o Panamá fecharia a fronteira e, como

Arquivo Pessoal

Mariana em passeio na Times Square, NY.

Jorge em Martinsville.

Jorge tinha uma conexão lá, o voo para o Brasil foi cancelado. Seu pai logo voltou à guerra por passagens, tentou ligar na companhia aérea pela qual Jorge voaria e, sem resposta, resolveu simplesmente comprar uma nova passagem tanto para o trecho nacional quanto o internacional.

A viagem era longa de Martinsville, no estado da Virgínia, onde fica a universidade Jorge tinha que ir de carro até Greensbro, na Carolina do Norte, cidade mais próxima com aeroporto. De lá pegar um voo para Miami e, só depois disso, vir para o Brasil. O estudante não tem carro e, por isso, assim que desligou o telefone com o pai começou a procurar carona já para o dia seguinte. “Um amigo meu me levou, mas eu dependia muito de achar alguém que pudesse me levar no horário certo”, conta Jorge.

Como a cidade da universidade é pequena não tem ônibus nem uber disponível. Jorge chegou ao aeroporto de Greensbro às 8 da manhã para o seu voo às 14 horas, com destino a Miami. O voo para o Brasil era só no dia seguinte, mas, como estavam tendo muitos cancelamentos de voos internos, ele preferiu tentar adiantar e arriscar esperar do que fazer uma conexão mais curta.

“O voo para o Brasil era só à noite, mas o meu era a noite no dia seguinte, então o que eu ia tentar fazer era chegar cedo para tentar pegar o voo que tinha naquele dia mesmo. No mesmo horário, mas um dia antes”, explica o estudante.

O plano não deu certo, um voo para Manaus foi cancelado no dia anterior e fez com que o voo para São Paulo, que Jorge queria pegar estivesse lotado. O pai do estudante começou a perceber que os voos dentro do Brasil também estavam começando a ser cancelados. Preocupado, ele chegou a ligar para o diretor do Aeroporto de Guarulhos para saber se havia uma chance muito alta do voo da noite do dia seguinte ser cancelado.

Enquanto isso, já estava no aeroporto o estudante tentava encontrar algum voo que pudesse vir para o Brasil sem ficar mais de 24 horas no aeroporto. “Isso era domingo, então pensa, no domingo eu conheci gente que estava no aeroporto tentando trocar voo desde terça-feira e filas de mais de 200 pessoas em cada guichê para tentar resolver alguma coisa”, relembra.

Na hora, a preocupação com o vírus era pequena em relação a de não poder para casa: “Não estava pensando no virus, claro que de 5 em 5 minutos eu estava passando álcool gel e ficando longe de todo mundo, só que o meu maior medo era ficar preso nos Estados Unidos.”

“Falei minhas aulas foram canceladas, as passagens estão baratas agora, acho que agora é a hora de tentar voltar para o Brasil.”

Arquivo Pessoal

Mariana durante o intercâmbio em NY.

conta Jorge. A esta altura, a chegada do filho não era mais surpresa para a mãe, Simone Mussi, que estava muito nervosa com toda a situação. “Eu fazia o trabalho de base, só rezava”.

O estudante veio só com a mala de mão deixando todas as suas coisas no apartamento onde mora com mais três amigos brasileiros nos Estados Unidos. Dos quatro, ele foi o terceiro a vir embora e o quarto, quando tentou vir, não conseguiu mais voo.

Na sexta-feira antes das férias, Mariana já não teve aula, ela ainda não imaginava que o semestre inteiro seria online, mas decidi que já que teria mais férias viria para o Brasil “Vou para o Brasil, passou as duas semanas e volto para terminar o semestre. Até lá já vão ter controlado isso”. Já havia boatos de que as aulas seriam online após as férias, mas ela ainda mantinha a esperança de voltar para Nova Iorque e terminar o semestre. Para um estudante internacional sair dos Estados Unidos, é preciso de autorização da universidade, que foi contra a decisão da estudante de voltar para casa e não assinou os documentos. “Me perguntaram se eu tinha certeza que eu queria voltar para casa. Porque se o Brasil piorasse e NYC melhorasse, e eu não conseguisse voltar, eu seria penalizada e ter consequências na escola e no visto.” Mesmo assim, a estudante resolveu vir ficar com a família e acredita que, com a situação atual, esta regra irá mudar.

A principal preocupação de Mariana era morar no dormitório da faculdade, já que em Harvard os alunos tiveram três dias para se mudar e ela não teria para onde ir. Em uma reunião, os responsáveis falaram que isso não iria acontecer devido ao fato que os dormitórios da Parsons terem mais estrutura, como cozinha e banheiro, dentro de todos os apartamentos facilitando o isolamento. Uma semana depois que Mariana chegou ao Brasil, recebeu o e-mail, da universidade, avisando que quem pudesse, teria que se mudar dos dormitórios.

A estudante também deixou tudo para trás, fechado no dormitório, e voltou para o Brasil com o que coube em uma mala. No caminho, a motorista do uber que a levou para o aeroporto comentou que estava rodando a cidade procurando por papel higiênico e que não estava encontrando mais.

A coordenadora de mobilidade internacional da PUCPR, Lídia Kovalski explica que a unidade de Curitiba decidiu não tomar uma posição ou dar aconselhamentos gerais para os estudantes em intercâmbio. Lídia conta que a movimentação com os estudantes começou quando o número de casos na Itália cresceu muito. “Primeiro precisávamos pensar no aluno PUC que estava fora. O contato

com esses alunos foi feito através de e-mail no dia 11 de março”. Para eles, foram dadas três opções: continuar no país do intercâmbio com as aulas online; voltar para o Brasil e continuar com as aulas online; ou cancelar a matrícula na universidade parceira e

se matricular nas matérias da grade padrão da PUC.

“A maioria das nossas universidades parceiras deu opção aos alunos de voltarem para casa, e continuarem com as aulas feitas online. O único caso que tivemos foi uma aluna que estava na Virginia Tech e não teve opção, apesar de nós termos deixado livre. O governo norte-americano enviou os intercambistas para casa.”

Para os intercambistas que estavam aqui em Curitiba, um e-mail foi enviado no dia 15 de março, oferecendo as mesmas três opções. “Toda semana temos reunião com a nossa diretoria para examinar o cenário e decidir o que será feito com as alterações do momento.” A coordenadora ressaltou que os cursos mais afetados, tanto fora, como no Brasil, foram os da saúde, como: medicina, fisioterapia e enfermagem; pela falta das aulas práticas. A dupla diplomação oferecida para diversos cursos da universidade, não será afetada.

A intercambista Caroline Goulart está na Université Lumière, em Lyon, na França, e escolheu não voltar, já que fazer intercâmbio era um grande sonho para ela. Com a crise da Covid-19, as universidades fizeram um acordo em que os intercambistas podem ficar dois anos para não ter a experiência tão prejudicada e é isso que a estudante pensa em fazer.

Caroline conta que muitos estudantes foram “obrigados” a voltar por cortes

de bolsas e cancelamento de programas: “Foi uma coisa muito louca, veio do nada, gente comprando passagem resolvendo a vida em questão de um dia”. A estudante chegou a ficar com a chave do apartamento de uma amiga que voltou para casa antes, e não teve tempo de entregar o imóvel.

Apesar da cozinha ser compartilhada o dormitório permitiu que os estudantes internacionais ou que não tinham para

Arquivo Pessoal

Carolina Goulart no intercâmbio em Lyon, França

onde ir ficassem por lá, mas deu o incentivo de poder deixar as coisas e não pagar aluguel para todos aqueles que pudessem ir embora. “Eu procuro estar fazendo exercício, porque eu moro em uma residência bem grande com muita área verde”, conta a intercambista. As aulas da universidade também seguiram online.

A psicóloga Priscila Conte está coordenando um grupo de apoio psicológico para intercambistas e estudantes internacionais. A psicóloga acredita que o intercâmbio já é um período de mudanças, adaptações e até mesmo de solidão e que isso pode ser agravado pela situação que estamos vivendo.

O apoio psicológico começou em formato de lives no instagram e virou um grupo no whats onde acontecem troca. Os participantes podem contar aquilo que vem os afligindo e o que eles tem feito para se alegrar durante a crise. “E todos os estudos que eu tenho visto sobre crescimento pós-traumático mostram que um dos fatores mais relevantes para que no futuro você possa lidar bem com esta situação são as relações sociais. Então, além de estar sendo um grupo focado no agora deles, já está sendo pensado também no futuro”, explica a psicóloga.

Priscila atende pacientes que moram fora do país e conta que a situação envolve “medo do que pode acontecer, medo de perder os familiares mais próximos por não estarem presentes. Então, em momentos de pandemia, em guerras, as pessoas se recordam de como a vida é frágil.” Sem falar na frustração que vem para muitos que sonharam por muito tempo em morar em outro país e agora que estão lá precisam ficar dentro de casa e lidar com essa situação.

E quem ficou no Brasil?

Riccardo Rossignoli é estudante intercambista na PUCPR, em Curitiba, no curso de medicina. Ele tem 22 anos e é natural de Verona, na Itália. Riccardo chegou em Curitiba no dia 7 de fevereiro para fazer o seu primeiro semestre de internato. Ele explica que seu último dia no hospital foi em 28 de março.

Desde o começo o intercâmbio previa somente aulas presenciais em atendimento, o que torna o método de vídeoconferências que a universidade adotou, impraticável.

Riccardo diz que recebeu tanto as informações da sua faculdade na Itália, quanto da PUC. E decidiu ficar no Brasil, com esperança que as aulas presenciais voltassem. O intercâmbio deveria durar 5 meses, acabando no final de junho. Ele conta que pensou muitas vezes em voltar para casa, mas decidiu ficar para aproveitar o Brasil.

Ele está se preparando para as provas que vai precisar fazer quando voltar para sua universidade: “Não me sinto longe da minha família e amigos, porque conversamos muito. E felizmente não conheço ninguém que foi infectado com o coronavírus. Se estivesse na Itália teria que estar dentro de casa também, então prefiro ficar aqui.” Uma coisa positiva o isolamento trouxe. Riccardo conta que durante o internato não tinha tempo para fazer nada, pois estava sempre muito cansado. E agora consegue aproveitar para conhecer a família com quem está morando. Eles aproveitaram para voltar para o interior, e Riccardo comenta que está gostando muito de conhecer a cultura do Brasil.

“Estou vivendo de verdade o que o Brasil é. Eu estou aprendendo o que o Brasil é, e isso não tem preço.”

Arquivo Pessoal

Riccardo no interior do Paraná com a hostfamily .

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