A SIRENE
PARA NÃO ESQUECER | Ano 8 - Edição nº 92 - Janeiro de 2024 | Distribuição gratuita
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A SIRENE PARA NÃO ESQUECER
Janeiro de 2024 Mariana - MG
REPASSES Celebrações de Natal no reassentamento de Bento Rodrigues 9 de dezembro Na Praça São Bento, uma árvore de Natal foi montada e iluminada, o que proporcionou um ambiente festivo. O transporte até o local foi oferecido gratuitamente, e os presentes puderam desfrutar de lanches durante o evento. A escolha da árvore envolveu a participação de 128 pessoas e a opção 4, que representava uma árvore de 3 metros de comprimento e 6 metros de altura, foi a vitoriosa, com 83 votos.
Missa de Natal 24 de dezembro
Bênção do sino e missa 17 de dezembro No dia 17, às 15h, ocorreu a Bênção do Sino e a Missa em Ação de Graças pela conclusão de mais uma etapa dos trabalhos da igreja, em honra de seus responsáveis, trabalhadoras e trabalhadores da obra. Após a celebração eucarística, todas e todos participaram de uma recepção na Praça São Bento, em frente à igreja.
No dia 24 de dezembro, às 15h, foi realizada a Missa de Natal no reassentamento de Bento Rodrigues para celebrar as alegrias da vigília do Menino Jesus. Após a celebração eucarística, a apresentação de Natal marcou o encerramento da Novena de Natal, seguida por uma partilha festiva em comunidade.
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AGRADECIMENTO ESPECIAL Agradecemos a todas e todos que apoiaram a campanha de financiamento coletivo do Jornal A SIRENE e fizeram esta edição acontecer, especialmente, Ana Clara Costa Amaral, Maria Eunice Souza, Estefania Momm, Cristina de Oliveira Maia, Gislene Aparecida dos Santos, Claudia Neubern, Ana Paula Silva de Assis, Natália, Isadora Pimenta, Bruno Milanez, Vitoria Bas, Caíque Pinheiro, Wilson da Costa, Stephanie Nogueira Bollmann, Denize Nogueira, Virgínia Buarque, Eduardo, Jussara Jéssica Pereira, Geraldo Martins e Raquel Giffoni Pinto. Agradecemos também a todas as pessoas que contribuem anonimamente com nossa luta. PARA AJUDAR A MANTER O JORNAL, acesse: evoe.cc/jornalasirene
Convite: Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale 29 e 30 de janeiro Nos últimos dez anos, a AIAAV tem denunciado violações de direitos pela Vale S.A., envolvendo comunidades globais. Anualmente, busca fortalecer sua rede, adaptando-se para apoiar territórios atingidos pela mineração. A segunda edição em 2024, em Belo Horizonte, Minas Gerais, foca em ampliar a articulação, ouvir relatos de impactos e estabelecer metodologias para enfrentar os efeitos da mineração. Participe nos dias 29 e 30 de janeiro no Movimento do Graal no Brasil, Rua Pirapetinga, 390 Serra.
Nota de pesar 6 de dezembro Com profundo pesar, nós, do Jornal A SIRENE, lamentamos a morte de dois trabalhadores na mina da Ferro+ Mineração, em Ouro Preto. Estendemos nossos sentimentos aos familiares, às amigas e aos amigos das vítimas e desejamos força nesse momento difícil. Esse episódio lamentável evidencia, mais uma vez, o rastro de destruição e dor causado pela mineração predatória na vida das pessoas, especialmente em nossa região, por isso, também nos solidarizamos com todas as comunidades atingidas e impactadas por essa indústria. Que essas perdas irreparáveis reforcem a necessidade de repensar e reestruturar nossa relação com a mineração, em busca de alternativas sustentáveis que respeitem o meio ambiente, as vidas e preservem o bem-estar de todas e todos.
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Opinião Foto: WILSON DA COSTA
Papo de cumadres Natal ao Avesso Concebida e Clemilda, estão com a sensação de que o natal que passou simboliza não o nascimento, mas sim a morte de muitos filhos de Deus. — Clemilda, minha fia, oia como esse rompimentu de barrage fez nois morrê, nem batizadu de bola eu nunca vi nois peudê, agora nois veve sem fouça até pra morrê. — É muito triste ouvi istu e até de dizê, mas tem hora na vida que agente tem mais é vontade de morrê, mas pensandu, cumadre, nu Deus que nus criô e nu fio dele que na terra veiu nascê, nois precisemus arrumá fouça seja lá onde fô, e com as graça de Deus mais um natar fora de nossas casa nois tornemu a passá, completanu 9 natá que apesar da dor que as mineradora nos faz passá, nois há de alembrá du Cristu que morreu pra nos sarvá, pamode nossas vida vortá a levá. — Issu me faz alembra de dois repentista que estavam a declamar, um era doutor, u outro nem na pouta da escola passou, o doutor declamando um verso e assim terminou: “Maria chorou olhandu a molte du Sumo Bem”, então o moço que nem uma vogal aprendeu escrevê, achou de lhe respondê: “A mãe de Judas também padeceu da mesma agunia vendu seu filho enfoucado nu finar daquele dia, chorou u mesmu tantu, era mãe igual a Maria.” — É cumadre, nois que é mãe sabenu de tantus fius e fias que morreru pelu rompimentu ou por quarquer outru turmento, dá pra entendê que neste 25 de dezembru passadu, Jesus tem mais de sufrimentu du que de nascimentu. — Oia que triste sina, a molte faz chorá a terra que Jesus nasceu e nela padeceu, e que Judas teve sua ruína, e todas as pessoa que têm o amor como doutrina.
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Resgatar memórias é uma forma de resistência Furquim, distrito de Mariana fundado em 16 de fevereiro de 1718, foi um centro minerador de importância nos arredores da cidade, e hoje é uma comunidade que guarda o desenho típico dos arraiais de mineração do século XVIII, com uma estreita rua comprida, além da matriz de Bom Jesus do Monte. Mas nem só de marcas do período do ouro vive Furquim. Com o rompimento da barragem de Fundão, em 5 de novembro de 2015, a localidade encontra-se devastada pela ação dos rejeitos tóxicos. O isolamento em relação às comunidades vizinhas, devido à destruição dos acessos e ao esvaziamento decorrente da migração forçada de parte da população diante da impossibilidade de se manter nos locais em que viviam, é, hoje, uma realidade. As pessoas que ainda residem no território, pela dificuldade de venderem suas propriedades em função da desvalorização dos terrenos ou pela vontade de permanecer no lugar de origem, convivem com o medo constante de um novo rompimento. A fim de conservar a memória do território, moradoras e moradores guardam, com carinho, as “relíquias” de Furquim para que nada seja esquecido. Por Jeovânia Maria Dias Carneiro Linhares Com o apoio de Tatiane Análio
“As relíquias de Furquim são objetos, assim, não tão bem conservados. Eu fui garimpando isso porque muita gente queria descartar. Como eu gosto muito desses garimpos, dessas coisas antigas, eu fui garimpando. Eu até tentei, mas ainda não restaurei tudo o que quero. Quanto à importância desses objetos, para mim, é trazer a memória do passado para o presente e isso deixa um legado para as pessoas que estão chegando agora. Se, hoje, eu perguntar para alguém novo, para um garoto lá da região de Paracatu, eles talvez não vão saber, talvez nem conheçam mais esse tipo de trabalho, como era o carro de boi, como fazia roça, o que plantava na roça, como que colhia. Tendo esses objetos, tendo essa história viva, os pais, ou os tios, ou os avós vão contar essa história: ‘olha, aqui na comunidade, a gente plantava ali com o Josino, plantava lá com o Zé Carneiro, com o João e também com outras pessoas’. Sempre contando como que era, porque, quando você olha o objeto, traz a memória, né? Traz a memória viva de como era o trabalho, como era esse relacionamento da comunidade com as pessoas vizinhas ali ao redor, como eles faziam uma roça, demarcavam seu pedaço de terra e faziam o plantio de feijão, de milho, de abóbora, de arroz, de cana-de-açúcar. Então são várias histórias que a gente traz do passado vivo. Um passado que fica vivo na memória.” Jeovânia Maria Dias Carneiro Linhares, moradora de Furquim
Fotos: Tatiane Análio
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Caminhada de fé Edison Evaristo Pereira de Sousa, de 57 anos, e Adelmo Claudiano Martins, de 64 anos, moradores do distrito de Felipe dos Santos, em Barra Longa, e atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão, demonstraram sua fé durante uma caminhada de, aproximadamente, 38 km no dia dedicado à Nossa Senhora Aparecida, 12 de outubro. Cada caminheiro carregava junto ao peito, próximo ao coração, a imagem da Nossa Senhora Aparecida, a santa de sua devoção. Por Edison Evaristo Pereira de Sousa e Adelmo Claudiano Martins Com o apoio de Sérgio Papagaio
“Nós num tava muito bom de saúde, então resolvemos fazer uma caminhadinha pra santa nos ajudar, porque eu penso que a melhor medicina que existe é a fé em Deus e em Nossa Senhora Aparecida, pois é ela que nos cuida e é ela que nos guia.” Edison Evaristo Pereira de Sousa, morador do distrito de Felipe dos Santos (Barra Longa) “A nossa fé, né? Nós tava fazendo um tratamento de saúde e pegamos com a santa nessa caminhada pra ela nos ajudar. Nós sempre acreditamos no poder da santa e na nossa fé, que é o melhor remédio pra quem acredita e confia no poder da santa.” Adelmo Claudiano Martins, morador do distrito de Felipe dos Santos (Barra Longa)
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Programa de indenização da Vale “fecha as portas” sem promover reparação para o povo de Antônio Pereira
A comunidade de Antônio Pereira, distrito de Ouro Preto, que é vizinha de Mariana, vem sofrendo, desde 2019, com o medo de um possível rompimento e os danos provocados pelas obras de descomissionamento da barragem Doutor, da Vale. Mesmo causando danos para toda a comunidade, a Vale só propôs indenização para as pessoas que foram removidas de suas moradias e que estavam na chamada Zona de Autossalvamento (ZAS), de onde não há possibilidade de resgate em caso de rompimento. No entanto, no dia 31 de agosto, a Vale encerrou seu programa de Indenização Individual Extrajudi-
cial no distrito. Uma decisão judicial, de 22 de novembro de 2023, destaca que esse programa da ré é voluntário e não faz parte da Ação Civil Pública (ACP), que trata da reparação integral dos danos causados. A decisão esclarece que o programa “não pode reparar todos os danos e cumprir a lei dos atingidos”. Além disso, determina que o Instituto Guaicuy, assessoria técnica das pessoas atingidas de Antônio Pereira, e o Grupo de Estudos e Pesquisas Socioambientais (GEPSA/UFOP), perito da Justiça, mantenham seus estudos e “continuem a ter como escopo o ‘reassentamento’ e as indenizações individuais/coletivas”.
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Por Bruno Saback Gurgel Com o apoio de Ellen Barros
A decisão da juíza certamente é pautada na ACP, que realmente tem a possibilidade de garantir a reparação integral. Meu entendimento é que ela não vê este programa da Vale como uma reparação e pode, inclusive, gerar uma ‘chuva’ de novos processos no futuro. Ao mesmo tempo, ela retira uma via mais rápida e que pode ser alternativa para alguém. Não se pode julgar a urgência de cada pessoa atingida no processo de reparação, é individual, então, na minha opinião, o programa deveria continuar, pois não deixa de ser uma alternativa a mais e, nesse momento, temos é que dar mais possibilidades e não retirar possibilidades. Esta indenização não é, de forma alguma, uma reparação de danos, é uma forma da empresa oferecer um valor que ela acha justo. Ela e somente ela! Não há negociação, ela oferece
um valor e cada um pode aceitar ou não. Os critérios não são claros dos valores, não há uma matriz de danos para ser seguida. Para que haja reparação, a primeira coisa é entender que todos são atingidos no território de Antônio Pereira. Muitas pessoas na comunidade não se veem como atingidas e precisam ser informadas disso. Depois, é fundamental uma matriz de danos que seja aplicada integralmente e que ela seja construída com a comunidade, ouvindo suas demandas e suas angústias. A valorização tem que ser da vida e não somente do bem material. As comunidades estão perdendo sua identidade, suas características, a alegria de estar em um território que foi escolhido por elas para viver e não somente morar. As relações sociais foram quebradas de forma abusiva.
Foto: Arquivo pessoal
Barragem de Doutor, localizada em Antonio Pereira. Fotos: Instituto Guaicuy
Bruno Saback Gurgel é um morador atingido pelo descomissionamento da barragem Doutor, em Antônio Pereira. Ele e sua família foram removidos compulsoriamente de sua casa e moram, há dois anos, em um hotel.
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Ação Inglesa avança em 2023 e pessoas atingidas de Mariana levam suas vozes ao mundo Fotos: MATTHEW POVER
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Moradoras e moradores atingidos pela lama tóxica da barragem de Fundão participaram de audiências em Brasília, Londres (Inglaterra) e em cidade/s (Austrália), onde protestaram diante de executivos da BHP .
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Mais uma vez, o luto deu lugar à luta. O ano de 2023 foi de muitas batalhas e conquistas para as pessoas atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, e os avanços aconteceram no Brasil e no exterior. A Ação Inglesa que busca responsabilizar a mineradora BHP pelos danos causados a milhares de pessoas desde 2015 teve grandes vitórias e avanços ao longo dos últimos 12 meses. O processo na justiça da Inglaterra é uma esperança para, finalmente, fazer justiça aos milhares de pessoas atingidas pelo rejeito tóxico da Samarco. No início de 2023, a justiça do Reino Unido aceitou a entrada de cerca de 500 mil pessoas atingidas ao longo da bacia do Rio Doce na Ação Inglesa que cobra reparação integral da mineradora anglo-australiana BHP. A BHP e a Vale são as proprietárias da Samarco. O processo tramita na Inglaterra desde 2018, quando o escritório Pogust Goodhead entrou com uma ação contra a mineradora em nome de 200 mil vítimas, entre indivíduos, comunidades indígenas e quilombolas, empresas, municípios, instituições religiosas e autarquias de serviços públicos. Após um julgamento histórico no Tribunal de Apelação em julho de 2022, que garantiu a permanência do caso na Inglaterra, uma nova oportunidade foi aberta para a inclusão de novos clientes. O prazo encerrou-se no final de fevereiro de 2023 e o número total de requerentes saltou para mais de 700 mil, entre eles, 46 municípios. O processo cobra indenização avaliada em R$ 230 bilhões.
Protesto em Londres Em julho de 2023, BHP e Vale se enfrentaram em um julgamento no Tribunal de Londres para decidir se a mineradora brasileira seria incluída no processo e pagar 50% ou mais das indenizações às pessoas atingidas. Enquanto as empresas lutavam na Justiça para decidir quem deveria arcar com os pagamentos, cerca de 15 pessoas atingidas da bacia do Rio
Doce – entre moradoras e moradores de Mariana, indígenas e quilombolas – fizeram um protesto na porta do tribunal para cobrar reparações justas e a responsabilização dos culpados pelo rompimento. No dia 7 de agosto, a Justiça Inglesa rejeitou os argumentos da Vale e incluiu a mineradora brasileira na ação. A empresa ainda apresentou outros recursos em 2023, mas todos foram negados. “Protestamos contra as mineradoras que mataram nosso rio sagrado, o Rio Doce. Ele que nos dá o sustento material e imaterial. Com o rompimento da barragem, muitos materiais pesados caíram no rio e nossa cultura foi afetada. Precisamos mostrar ao mundo como essas empresas agem no Brasil. Eles vão lá, desmatam, poluem e fingem que isso não é nada. Tratam as pessoas como nada. É triste ver que eles não nos enxergam, só o dinheiro e não se importam com vidas”, explicou Maycon Krenak, indígena morador de Resplendor-MG, que protestou em Londres em julho.
Debate no Congresso Nacional Moradoras atingidas pela lama tóxica da barragem de Fundão participaram em setembro de uma audiência pública na Câmara dos Deputados para discutir a Ação Inglesa contra a BHP. Representando as pessoas atingidas de Mariana e da bacia do Rio Doce, estiveram presentes Gelvana Rodrigues – mãe do menino Thiago, de 5 anos, que faleceu vítima do rompimento da barragem de Fundão em Mariana – e Marilda Lyra de Oliveira, da Aldeia Indígena Boa Esperança, em Aracruz-ES. Durante quase três horas de discussões, as moradoras relataram às parlamentares e aos parlamentares federais todo o sofrimento e as dificuldades sofridas desde 5 de novembro de 2015. “Qual o nome que se dá a uma mãe que perde um filho? Meu filho estava dentro de casa e foi arrastado por mais de 100 quilômetros. É uma dor sem fim, e assim é com todas as 19 famílias que perderam parentes e choram todos os dias. Nós queremos justiça”, disse Gelvana Rodrigues durante a audiência em Brasília.
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Protesto na Austrália No dia 1º de novembro de 2023, as pessoas atingidas de Mariana cobraram pessoalmente os diretores da BHP na cidade de Adelaide, na Austrália. Cinco pessoas – dentre quilombolas, moradoras e moradores de Mariana e areeiros – denunciaram as falhas da Fundação Renova em atender às demandas das comunidades atingidas e lembraram que 107 pessoas já morreram desde o rompimento da barragem – 58 de Bento Rodrigues. O confronto aconteceu durante a Assembleia Geral Anual dos acionistas da mineradora. Durante 50 minutos, as brasileiras e os brasileiros denunciaram as perdas pessoais e coletivas que suas comunidades sofreram e ainda sofrem. O presidente da BHP, Ken Mackenzie, e o Diretor Executivo, Mike Henry, mostraram constrangimento com as fortes denúncias. A reunião foi encerrada logo após a última brasileira usar a palavra, seguida de aplausos. Julgamento em 2024 O julgamento da Ação Inglesa contra BHP e Vale será em outubro de 2024, no Tribunal de Londres. Caso um acordo para indenizar as mais de 700 mil pessoas não seja fechado até lá, os executivos das mineradoras deverão se sentar no banco dos réus para responder pelos atos que levaram ao rompimento. Tom Goodhead, sócio-administrador e Diretor Executivo global do escritório de advocacia Pogust Goodhead, acredita em um desfecho positivo para todas as pessoas atingidas pelo crime ambiental da BHP. “Oito anos é tempo demais. Meus clientes enfrentaram corajosamente as mineradoras responsáveis pela tragédia da barragem de Fundão desde 2015 e agora esperam que a justiça finalmente seja feita. Esperamos que Vale e BHP reconheçam suas responsabilidades e paguem compensações justas às milhares de pessoas atingidas pela lama tóxica. Já passou da hora de fazerem a coisa certa”, enfatizou o advogado inglês.
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Decisão judicial determina continuidade de três meses para Cáritas MG | ATI Mariana Em definição publicada na tarde do dia 18 de dezembro de 2023, a juíza da 4ª Vara Federal Cível e Agrária de Belo Horizonte determinou o prosseguimento das atividades da Cáritas MG | ATI Mariana por mais três meses - janeiro, fevereiro e março de 2024. A notícia é resultado das tentativas de negociações com as Instituições de Justiça, após Samarco, Vale, BHP e Fundação Renova terem discordado do plano de trabalho apresentado, que propõe mais 30 meses de atuação junto às comunidades atingidas. O direito à Assessoria Técnica Independente (ATI) conquistado em novembro de 2016, após muita luta das vítimas do desastre-crime da barragem de Fundão, tenta garantir igualdade técnica e segurança jurídica no processo de reparação dos danos causados. No entanto, a decisão homologada em Ação Civil Pública (ACP) que estabelece a permanência do assessoramento técnico independente em Mariana é constantemente colocada em risco por Samarco, Vale, BHP e Fundação Renova, ainda que, no acordo firmado em 2018, tenha sido determinado que o prazo para o término das atividades da ATI é de quatro anos após a entrega dos reassentamentos coletivos de Bento Rodrigues e Paracatu, inicialmente prevista para 2020 e ainda não concluída. Nesse contexto de luta pela continuidade do assessoramento técnico, é
importante ressaltar que a decisão estabelecida para o prazo de término dos trabalhos da Cáritas MG | ATI Mariana leva em conta a retomada dos modos de vida nas comunidades e, sobretudo, a demora de resolução dos problemas gerados pelo rompimento da barragem de Fundão. Diante dos atrasos e descumprimento dos prazos de entrega pela Fundação Renova, permanece necessária a reorganização e sequência dos trabalhos da Cáritas MG | ATI Mariana no território. Por isso, entre 2020 e 2023, a ATI e a Comissão dos Atingidos pela Barragem de Fundão (CABF) mantiveram o diálogo com as Instituições de Justiça, as empresas mantenedoras e Fundação Renova sobre a necessidade de continuidade do acompanhamento técnico por parte da Cáritas junto às famílias atingidas. Ao longo dos anos de atuação, a ATI realizou o cadastramento das pessoas atingidas, ofereceu assessoria jurídica e, atualmente, segue desempenhando um impor-
tante trabalho de garantia de direitos e fomento à participação informada no processo. Apesar de evidente a necessidade da atuação continuada, o segundo semestre de 2023 foi um marco de instabilidade para a Cáritas MG | ATI Mariana, diante da falta de aprovação do plano de trabalho apresentado para a Fundação Renova e suas mantenedoras. Diante da última decisão, a Cáritas MG | ATI Mariana comemora a continuidade do assessoramento técnico independente por mais tempo, considerando que ainda há muito trabalho a ser feito. Além disso, a instituição preserva o diálogo aberto com todas as comunidades atingidas do município e os demais atores envolvidos para que haja aprovação de um plano de trabalho com tempo estendido e com respeito à conclusão do processo de reparação integral. Foto: Arquivo Cáritas|ATI Mariana
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Regulamentar a PEAB com participação popular é urgente
Foto: Nádia Nicolau Mídia Ninja
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O Movimento dos Atingidos por Barragens foi vitorioso ao conseguir aprovar a Política Estadual dos Atingidos por Barragens (PEAB), mas ainda é necessária mais luta pela regulamentação.
Minas Gerais tem, expressa em lei, uma Política Estadual dos Atingidos por Barragens (PEAB), desde 2021, quando a Lei 23.795 foi sancionada. Nosso Projeto de Lei 303/19 foi contribuição para essa importante legislação que, pioneira no país, tem o objetivo de proteger os direitos das populações atingidas pelas barragens e/ou que vivem em áreas sob a atuação das empresas mineradoras. Recentemente, o Brasil passou a contar com uma Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas (PNAB). Em 15 de dezembro de 2023, o presidente Lula sancionou o texto, que estabelece direitos das populações atingidas ou que vivem em áreas de influências de barragens de mineração ou de usinas hidrelétricas. Uma grande vitória do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Entretanto, em Minas Gerais, após quatro anos de instituída, a PEAB ainda não foi regulamentada, o que vem sendo fortemente reiFoto: Ricardo Stuckert
Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Política Nacional de Direitos das Pessoas Atingidas Por Barragens
Minas ainda não regulamentou sua PEAB e, ainda mais grave, inicia uma movimentação neste sentido sem nenhum diálogo com a sociedade, excluindo as comunidades atingidas e a Assembleia B ea tr iz C er q u ei r a
vindicado pela população do Estado. Segundo levantamentos da Agência Nacional de Mineração (ANM), 40 mil mineiras e mineiros vivem sob algum tipo de ameaça por barragem. Alguns direitos só serão garantidos às pessoas atingidas com a regulamentação da legislação mineira, como o acesso à Assessoria Técnica Independente e o Plano de Recuperação e Desenvolvimento Econômico e Social (PRDES), que deve ser elaborado, gerido, executado e bancado pelo empreendedor da barragem. A assessoria independente e o PRDES são essenciais para assegurar o equilíbrio de forças entre as comunidades e as empresas criminosas no processo de reparação. Sem estas garantias, o que tem acontecido é a renovação constante dos crimes das mineradoras. Em outubro de 2022, o governo de Minas criou um grupo para regulamentação da PEAB sem a participação do Poder Legislativo e da sociedade civil. Desde então, nosso mandato já apresentou várias solicitações para garantir a participação das pessoas atingidas no
processo de reparação e para que a regulamentação efetivamente aconteça (Requerimentos 12.957/22, 1.500/23, 1.804/23, 6.280/23). A regulamentação do PEAB sem participação popular é um erro que concorre para favorecer quem pratica o crime e desproteger as pessoas atingidas pelas barragens.
Revida Mariana! Campanha busca garantir reparação dos crimes com participação popular
Mandato da deputada estadual e titular da Comissão de Administração Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, Beatriz Cerqueira (PT)
EDITORIAL A SIRENE: DESAFIOS E DESPERTAR POLÍTICO EM 2023 Encerramos 2023 refletindo sobre desafios e triunfos da luta das pessoas e comunidades atingidas e, sobretudo, destacando os impactos prejudiciais da exploração predatória dos “recursos” naturais ao longo das décadas. Enquanto é fácil mascarar resultados em escalas menores, essa realidade, que afeta diretamente o bem-estar da humanidade, revela a necessidade de enfrentamento global diante do avanço implacável do capitalismo, por meio de conscientização e compromisso coletivo. Nesse contexto, A SIRENE permanece como uma voz ativa na defesa dos direitos daquelas e daqueles que, há anos, sofrem os impactos dos crimes cometidos por grandes empresas, como a Samarco, a Vale e a BHP. Em diversas regiões do Brasil e do mundo, é imperativo que forças se unam para preservar a vida humana e contra um status quo que prioriza lucros em detrimento do meio ambiente e das comunidades vulneráveis. Recentemente, o impacto da atuação nociva da Braskem em Maceió, capital de Alagoas, voltou a chamar nossa atenção. As multas impostas pelo Instituto do Meio Ambiente (IMA) de Alagoas ultrapassam 72 milhões de reais, devido à omissão de informações, aos danos ambientais provocados e ao colapso da mina 18, que evidenciam uma alarmante falta de responsabilidade corporativa. Essas penalidades, aliadas à reincidência constatada pelo estudo do IMA, ressaltam a urgência de uma abordagem mais crítica e regulatória por parte do Estado, o que só acontecerá com pressão social. Esse é mais um evento doloroso que ressalta que a justiça ambiental e social ainda são ideais distantes. As lutas das comunidades atingidas buscam não apenas reparação imediata, mas, acima de tudo, uma sociedade mais justa e igualitária. Sigam contando com a atuação comprometida d’A SIRENE em 2024 e enquanto for preciso!