Jornal A Sirene - Ed. 13 (abril)

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A SIRENE PARA NÃO ESQUECER | Ano 1- Edição 13 - Abril de 2017


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Informa

ATRASO DOS ALUGUÉIS PROVISÓRIOS A Samarco vem atrasando o pagamentos de aluguéis das residências provisórias em Mariana e Barra Longa. Relatos apontam que o problema concidiu com o início das operações da Fundação Renova/Samarco. A inadiplência tem resultado em constrangimentos para os atingidos, que chegam a ser cobrados diretamente pelos proprietários dos imóveis. O descaso repercutiu na imprensa e a fundação/empresa comprometeu-se a regularizar os débitos. O jornal A SIRENE recebeu, ainda, a informação de atraso no pagamento de contas de luz. SAÚDE EM BARRA LONGA Pesquisa realizada pelo Instituto de Saúde e Sustentabilidade, com 500 moradores de Barra Longa, aponta que 35% dos entrevistados tiveram a saúde piorada após a lama. Entre os problemas estão: doenças respiratórias (40%), infecções de pele (15,8%), transtornos psicológicos (11%), doenças infecciosas (6,8%) e oftalmológicas (6,3%). TROCA DO CARTÃO Em reunião agendada para 06/04, a Fundação Renova/Samarco informará a substituição dos cartões auxílio da Policard. Com o fim do contrato da prestadora, o serviço passa a ser administrado pela empresa Alelo. CADASTRO INTEGRADO O Ministério Público (MP) recomenda que os atingidos de Mariana ainda não assinem o cadastro elaborado pelas empresas Samarco e Synergia. De acordo com a promotoria, o documento continua não atendendo aos direitos dos moradores. O MP e a assessoria técnica estão trabalhando na reformulação do questionário. A reunião de finalização da construção do cadastro está prevista para o fim de maio. REASSENTAMENTO EM GESTEIRA O futuro da comunidade de Gesteira, distrito de Barra Longa, ainda é incerto. Apesar de 95% das pessoas atingidas terem aprovado, há mais de nove meses, a escolha do “terreno dos Macacos” para as obras de reconstrução, nada está garantido. As negociações para a compra das terras não avançaram e a empresa estimula acordos individuais, colocando em risco os laços daquela população.

VITÓRIA NA JUSTIÇA No dia 16 de março, quatro atingidos de Bento Rodrigues e Paracatu, em situação de dupla moradia, conquistaram o direito à antecipação de parte da indenização pelos danos sofridos com o rompimento da Barragem de Fundão. O requerimento havia sido feito pelo Ministério Público do Estado, em março de 2015. As quantias de R$10 mil deverão ser pagas às partes pelas empresas Samarco/ Vale/BHP Billiton. NOVELA DAS NOVE O último capítulo de “A Lei do Amor” (Rede Globo), que foi ao ar em 31 de março, fez referência ao rompimento da barragem. Na trama, as personagens Helô e Pedro discursaram na abertura de uma exposição dedicada ao desastre/crime: “A vida exige muito: a vida exige força e coragem para a gente amar, reconstruir e recomeçar. Essa mostra sobre a tragédia de Mariana é para a gente não esquecer que ainda há muito a ser feito e que só o amor pode nos dar grandeza para fazer as transformações necessárias.”

AVISO Não assine nada: • • • • •

Se tiver dúvidas sobre o conteúdo; Se precisar de ajuda de um advogado ou qualquer outro especialista; Se alguém disser que “todo mundo já assinou, só falta você”; Se você quiser consultar algum familiar antes; Se alguém disser que “se não assinar, não terá mais direito”.

Atenção!

Se te pedirem para assinar qualquer documento, procure o Ministério Público ou a Comissão dos Atingidos. O tempo para analisar e questionar qualquer coisa é seu!

Repasse essa mensagem a todos os atingidos. ERRAMOS Na edição 12, o Jornal A SIRENE errou. Na matéria “Lucila: uma tentativa de recomeçar” (contracapa), Caetano Queiroz afirmava: “eles [a Samarco] acabaram com tudo e vão acabar comigo”. Na verdade, o atingido de Paracatu afirmou o contrário: mesmo com todos os prejuízos gerados pela empresa, a Samarco NÃO vai acabar com ele. Pedimos desculpas a Caetano. Leitores, ajudem-nos a corrigir nossos erros escrevendo para: jornalasirene@gmail.com

Expediente Realização: Atingidos pela Barragem de Fundão, Arquidiocese de Mariana e Um Minuto de Sirene | Conselho Editorial: Milton Sena, Angélica Peixoto, Ana Elisa Novais, Cristiano José Sales, Fernanda Tropia, Genival Pascoal, Lucimar Muniz, Manoel Marcos Muniz, Mônica dos Santos, Pe. Geraldo Martins, Rodolfo Meirel, Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio), Silvany Diniz, Simone Maria da Silva e Thiago Alves | Editor-chefe: Milton Sena | Jornalista responsável: Rafael Drumond | Gestora de redes: Aline Monteiro | Editora de Arte: Silmara Filgueiras | Editora de Texto: Miriã Bonifácio | Reportagem e Fotografia: Carlos Paranhos, Daniela Felix, Flávio Ribeiro, Genival Pascoal, Larissa Helena, Lucimar Muniz, Madalena Santos, Sergio Papagaio, Simone Maria da Silva e Wandeir Campos | Apoio: Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e MICA/Brazil Foundation | Revisão: Elodia Lebourg | Agradecimentos: Guilherme de Sá Meneghin (Promotor de Justiça - Titular da 2ª Promotoria de Justiça de Mariana)| Impressão: Sempre Editora | Foto de capa: Lucas de Godoy | Tiragem: 2.000 exemplares | Fonte de recurso: Termo de ajustamento de conduta entre Arquidiocesse de Mariana e Ministerio Publico de Minas Gerais (2ª Promotoria de Justiça de Mariana).


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Papo de cumadres:

o jogo da Samarco Por Sérgio Papagaio Arte: Miriã Bonifácio

Consebida e Clemilda estão divididas em relação a assessoria técnica a ser implantada na cidade de Barra Longa.

Clemilda diz: cumade a moça da renova diz que agora vai pagá. - Isso ês diz todo dia, mas é pra enganá a maiuria, prus bobu num querê assessuria. Diz que vai pagá um de cada vez, se quizesse pagá, já teria pagadu nesse um anu e quatro mês. - Uai cumade, parece um jogo de xadrez. - É mesmo, eu du nosso ladu, ocê du ladu dês. Eu querenu a casa que a lama derrubô pra com meus fio morá, ocê querenu o dinheiru quês diz que vai pagá. Eu querenu meu terrenu nu reassentamentu pra prantá meus alimentu, ocê qué o dinheiru quês diz que vai pagá nesse momentu. Eu querenu assessuria, ocê o processo individuá. Sés num que pagá pra nós tudu juntu, procê sozinha quês vai pagá? Se nós num se juntá agora e pelus nossus direitu lutá, sozinha dispois a nossa boca vai margá, pois sés passa a pelna num monte, nun só ês nun vai passá? Cumadre óia só u que eu vô falá. Tudu quês fala que é bão pra nós, só servi pra nus rebentá, pois verdade mês, eu nunca vi ês falá. E sés tivessi boa tenção, era só metê a mão nu bolsu e pagá a população. Ês sempre inventa um pobrema quês diz que tá atrapaianu ês pagá, mas é barda de todo mal pagadô, pô a culpa num otru sinhô.

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Desafios da reconstrução O que significa reconstruir uma comunidade? A simples construção de habitações e prédios públicos refaz um lugar? Dar uma nova casa a pessoas que foram removidas de seus lares garante a continuidade de um projeto de vida? Criar uma paisagem pensada como um cenário semelhante ao original é suficiente para permitir um recomeço? Por Antonio Geraldo Santos, Felipe Pires e Isabella Walter (membros da assessoria técnica do cáritas - regional minas)

Identificar os desafios do processo de reassentamento dos atingidos de Bento e Paracatu é um ponto de partida importante para a reconstrução das comunidades. A retomada dos modos de vida possibilitados nos distritos originários trazem uma série de dificuldades: questões que envolvem desde o relevo das novas localidades aos processos de legalização das propriedades. Contudo, essa reconstrução se torna ainda mais complicada quando a Samarco, responsável pelas obras, desconsidera a ampla participação dos atingidos na condução dos processos. É comum a empresa usar o tempo como argumento de pressão para a tomada urgente de decisões. Apesar dos atingidos estarem ansiosos para voltarem a ter um lar, a rapidez na definição dos projetos tem um custo: a redução da possibilidade de participação. Se as questões não possuem prazo para entendimento e crítica coletiva, não há participação efetiva no processo, e o que resta é a construção de um projeto por parte de alguns poucos que possuem acesso às decisões mais imediatas. Para que o reassentamento seja bem sucedido, é necessário desenvolver um projeto participativo. Através dele, demandas técnicas podem ser conciliadas às expectativas das comunidades atingidas, como, por exemplo, a manutenção das relações de vizinhança e a promoção do sentimento de pertencimento. Em outras palavras, os atingidos precisam colaborar com a construção de um espaço com o qual possam se identificar no futuro. Portanto, o ideal é que o processo seja feito junto aos atingidos: que suas vozes sejam ouvidas e que lhes sejam dadas as oportunidades de entender o que é tecnicamente viável, quais são os desafios que o terreno impõe aos projetos, quais são as consequências positivas e negativas de suas escolhas. Afinal, quem vai morar nos distritos serão eles, e não os funcionários da empresa. Uma cidade imposta é uma cidade de poucos, para poucos. Ao contribuir para a reconstrução, as pessoas são integradas aos novos espaços, sentindo-se encarregadas por sua manutenção e melhoria. O outro lado dessa moeda é o abandono, resultado de não se sentir parte desses lugares. Quando o processo dos reassentamentos foi iniciado, sem consultar os atingidos, a empresa assumiu um novo risco: criar um espaço esvaziado de sentidos.

Foto: Wandeir Campos

Oficinas para discussão do projeto urbanístico de Bento, realizadas pela Assessoria Técnica em março.

Entendendo os desafios Relevo O relevo acidentado, tanto em Lavoura quanto em Lucila, trará outra conformação às localidades, originalmente planas. Assim, diversas ruas passarão a ser bastante inclinadas. Estruturas de contenção de terra, como muros de arrimo, serão construídas em diversos pontos – solução que ainda merece discussões visando à redução dos impactos. Meio Ambiente Os projetos de reconstrução devem levar em conta as Áreas de Preservação Permanente (APP), como as margens dos rios e córregos, topos de morros e encostas muito inclinadas. Essas áreas não podem ser ocupadas por construções, mas podem ser usadas como parques para compor a paisagem local. Esse fator limita, sobretudo, o projeto de reassentamento dos moradores de Paracatu, em Lucila. As Secretarias Estaduais de Meio Ambiente e de Cidades, entre outros órgãos públicos, deverão emitir pareceres sobre os projetos e liberar sua execução. Compra e regularização dos terrenos A compra das terras para loteamento é um processo burocrático e demorado. O terreno da Lavoura pertencia à ArcelorMittal, o que facilitou a negociação para compra, mas não o processo de registro, ainda em execução. Já o terreno de Lucila pertence a diferentes proprietários e as negociações seguem feitas de maneira individual. Há também a necessidade de se rever o Plano Diretor do município para que seja legalmente viável o loteamento de áreas hoje consideradas rurais, processo que demanda a participação efetiva da Prefeitura e da Câmara de Vereadores. Manutenções e mudanças Essa questão apareceu durante as oficinas para discussão do projeto urbanístico de Bento Rodrigues, realizadas pela Assessoria Técnica no mês de março. Para alguns moradores, as obras em Lavoura devem reproduzir, o máximo possível, o distrito original. Para outros, o projeto pode se adaptar à diferença de terreno e criar novos espaços e equipamentos urbanos. Tanto um ponto de vista como o outro possuem vantagens e desvantagens. O importante, contudo, é que as vozes divergentes sejam ouvidas e que se busque um consenso sobre o resultado final.


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Recriando espaços: praça Por Manoel Marcos, Cristiano Sales e Expedito Lucas da Silva Com apoio de Wandeir Campos

O desejo de voltar ao lugar de origem é grande entre os atingidos que tiveram seus lares destruídos pela lama. Para tentar preencher os laços de afeto, alguns lugares estão sendo reiventados na sede de Mariana. Nesta edição, trazemos o primeiro ensaio da série "Recriando espaços". Nele, aposentados mostram sua relação com o banco da praça localizado em frente ao Centro de Convenções. O ponto de encontro os faz lembrar do antigo assento de pedra que, em Bento Rodrigues, ficava próximo ao Bar de Sobreira.

Fotos: Larissa Helena

“A gente vem pra cá desde quando fomos trazidos para Mariana. Como aqui no Centro de Convenções acontece a maior parte das nossas reuniões, acostumamos a ficar sentados nesse banco. Também para lembrar de como era lá no Bento, onde sempre reuníamos uma turminha boa e ficávamos conversando. Com a diferença de que lá tinha sombra, árvores. Aqui é um dos poucos lugares que os vizinhos de antes vão passando, onde a gente se vê e tem um tempo pra prosear. Tem dias que essa praça fica cheia de povo do Bento. Percebo que olham torto pra nós.” Zé Barbosa dos Santos, 69 anos

“Mariana não é o nosso lugar. A gente vem até a praça para amenizar a cabeça, porque não tem nada pra fazer. Lá, meu tempo era ocupado com as minhas plantações, assim como o da maioria que veio forçada pra cá. Estamos cansados de falar e falar e não ver nossas casas construídas.” Egilson Santana Coelho, 50 anos

“A gente vem aqui para passar o tempo, conversar e distrair, já que a empresa não resolve nada. Eles ficam jogando a gente de um lado pro outro. Ali, só sai conversa.” Geraldo Barbosa dos Santos, 67 anos


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Pela saúde dos atingidos Por Antonio Geraldo Santos Com Apoio de Miriã Bonifácio

Caindo de paraquedas numa reunião da Fundação Renova/Samarco, denominada Proteção Social, fiquei preocupado e cheio de perguntas a respeito de como a saúde dos atingidos vem sendo tratada. Nessa reunião, descobri que, para atender as demandas de saúde dos atingidos, assim como o impacto das transferências provisórias para a sede de Mariana, a empresa foi obrigada a arcar com custos relativos à contratação de reforço profissional, à compra de materiais de trabalho e ao transporte dos pacientes até os locais de atendimento. Mais tarde, em conversa com a equipe da Saúde Mental - parte integrante da rede de atenção da Secretaria de Saúde de Mariana -, fui informado que a coordenação das ações é feita pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Trata-se de uma prerrogativa do próprio sistema, que entende que esse acompanhamento não poderia ser realizado diretamente pela empresa responsável por violar nossos direitos, mas sim pela autoridade sanitária do município. Porém, isso me preocupou mais ainda, pois sei o quanto o SUS é um órgão público que não dá conta das demandas da população. Além disso, mesmo com o Código de Ética profissional e a idoneidade do agente de saúde, é difícil acreditar que a empresa não esteja controlando as ações a seu favor. Afinal, quem paga é quem manda. Portanto, é importante que o poder público se posicione e assuma a responsabilidade com a saúde das pessoas, sem ficar no jogo do empurra-empurra quando o assunto é a ineficiência da assistência médica para os atingidos. Há pessoas acamadas desde o desastre criminoso, pacientes que já poderiam ter suas dores

amenizadas e o tempo de recuperação diminuído se as ações destinadas a eles tivessem saído do comum. Minha tia, por exemplo, estava com o fêmur quebrado e já caminhava para a fase final do tratamento. Entretanto, no dia do rompimento da barragem, com a pressa para salvá-la, o fêmur foi quebrado novamente, no mesmo parte do osso. Até hoje, ela está de cama. Me pergunto se a empresa tivesse providenciado o tratamento em uma clínica especializada ela já não estaria recuperada. Também sei de outras pessoas que ficaram com sequelas psicológicas diante dessa falta de cuidado específico. Deve haver um olhar diferente para nós! Os atingidos precisam de um atendimento que leve em conta os traumas físicos e psicológicos sofridos e a inserção num lugar diferente do habitual. Tentar nos colocar nesse contexto provisório como se ele fosse permanente é equivocado, pois o sofrimento de quem está conformado é o mesmo de quem discorda e luta para reverter a situação. E, por mais que demonstrem tranquilidade e otimismo, é na solidão que enfrentamos essa realidade. E ela é cruel. Nossos casos não se aplicam aos padrões convencionais de tratamento, pois não estamos falando apenas de conflitos familiares ou cotidianos. Estamos lidando com a perda da identidade, com o medo do futuro e, ainda, com algo que é cultural em nosso país: as pessoas em situação de vulnerabilidade tendem a ficar cada vez mais desprotegidas. Continuamos em constantes mudanças sentimentais e de pertencimento, por isso, também é necessário que haja um trabalho específico para que

Posto de saúde de Bento e Paracatu localizado na Rua Wenceslau Bráz.

Veículo que faz o transporte dos atingidos para os atendimentos.

a difícil estadia na cidade não se choque com as questões do reassentamento e do que será construído. A solução para isso deve passar pela compreensão de quais são as razões que causam nosso “adoecimento”. Talvez seja a falta de aceitação, talvez seja a recepção dos “anfitriões”

que nos veem como culpados pelo cenário caótico que a cidade vive. Fato é, o modelo de assistência em saúde precisa entender essas questões para aplicar tratamentos mais efetivos, que cuidem e evitem o aparecimento de novas doenças.

E o que o SUS não cobre? Minha filha Sofya sofre de alergias, decorrentes do contato com a poeira e lama da barragem. Tem muito tempo que ela não vai ao médico. Gastei muito com sua saúde, pois a Samarco não me dá recursos e tenho que recorrer ao serviço particular, uma vez que o SUS não cobre a contratação de um alergista. Essa realidade não é só minha, mas a de muitos atingidos do município de Barra Longa que convivem com o aparecimento ou agravamento de doenças após o rompimento. Não há uma assistência especializada para os doentes da lama. Simone Silva (Atingida de Barra Longa)


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REDE COLABORATIVA DE APOIO AOS ATINGIDOS: CONVIVER “Estou vendo todas as pessoas que gosto adoecendo. Meu pai e minha tia começaram a falar que não vão ver o Bento pronto. Há muitos outros doentes, em cima de uma cama. Uma coisa é certa: cada um está sofrendo de uma forma”, constata Andreia Sales, atingida de Bento Rodrigues. Em outubro de 2016, ela perdeu um tio que veio a falecer após complicações no quadro de saúde. Ele tinha problemas psicológicos e recusou atendimento médico. Por Equipe Conviver Com Apoio de Lucimar Muniz Foto: Equipe Conviver

Os danos provocados pelo rompimento da barragem de Fundão fazem parte da vida diária dos atingidos. A dor pelas incontáveis perdas e as mudanças drásticas de rotina acompanham aqueles que tiveram suas vidas arrastadas pela lama. No caso dos moradores de Bento e Paracatu, o deslocamento forçado para a sede de Mariana trouxe duras consequências aos atingidos, como a perda dos laços de vizinhança, a distância de amigos e familiares, o enfrentamento de diferentes formas de preconceito e a angústia com a incerteza dos prazos para a reconstrução dos distritos. Todas essas mudanças são muito difíceis e podem gerar quadros de intenso sofrimento psicológico. Crises de ansiedade, dependência química, alcoolismo e depressão são alguns adoecimentos mentais comuns nesse contexto. Quem estiver enfrentando esse tipo de dificuldade deve procurar ajuda especializada. Ninguém precisa e ninguém deve sofrer em silêncio. Para as comunidades atingidas de Mariana, essa atenção é feita por profissionais que integram os serviços de saúde da Prefeitura Municipal. Dentre as estratégias de atendimento à população atingida, foi criado, logo após o rompimento da Barragem de Fundão, o Conviver - Centro de Atenção Psicossocial. O centro conta com uma equipe de psicólogos, terapeutas ocupacionais, arteterapeutas, assistente social e psiquiatra que atuam diretamente com as famílias atingidas. O Conviver trabalha em parceria com as escolas de Bento Rodrigues e de Paracatu e com espaços comunitários

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QUADRO DOS SERVIÇOS Grupo de artesanato Grupo aberto para mulheres de Bento Rodrigues e Paracatu. Quintas-feiras, às 14h. Associação de Moradores do Barro Preto (Rua Praia da Canela, nº. 80, Bairro Barro Preto). Futsal feminino de Bento Rodrigues • Terças-feiras, às 19h. Quadra do Bairro Colina (Rua Onix, nº. 185, Bairro Colina - ao lado da Igreja Universal do Colina). • Sextas-feiras, às 19h. Quadra Olimpic Sport Club (Av. Manoel Leandro Correia, s/n, Barro Preto). Horta terapêutica (parceria com APAE) Associação de Moradores do Barro Preto (Rua Praia da Canela, nº. 80, Bairro Barro Preto). Cine JOVEM Espaço de encontro e cinema aberto para jovens de Bento Rodrigues e Paracatu. Sexta-feiras, às 18h. Paço do Mestre (Rua Wenceslau Braz, nº. 497, Centro).

Equipe Conviver realiza ação terapêutica com atingidas.

da cidade, como associações de bairros, igrejas, quadras e espaços culturais. A iniciativa articula-se, ainda, ao Fórum Acolher e aos serviços de Assistência Social da prefeitura. A atuação da equipe Conviver tem como foco a promoção de intervenções que buscam garantir o bem-estar e o suporte em Saúde Mental para os atingidos em Mariana. O grupo realiza encontros de integração das comunidades com o objetivo de criar espaços de convivência, interação e adaptação no território provisório. Também são ofertados espaços terapêuticos de escuta e acolhimento das angústias e tristezas.

Além disso, são realizadas atividades importantes para as comunidades, como artesanato, futsal, horta e brincadeiras infantis. Os cuidados são realizados através de atendimentos individuais ou em grupos com crianças, jovens, adultos e idosos, e acontecem em vários espaços da cidade (veja o quadro ao lado). Atingido: Em caso de necessidade, procure ajuda. A luta pela garantia de direitos e bem-estar não é só sua. Em caso de dúvidas ou reclamações, a equipe do jornal A SIRENE pode te ajudar com informações sobre onde e como solicitar suporte médico e terapêutico adequado.

Onde nos encontrar

Caps: Av. 16 de Julho, s/n, Centro (ao lado do INSS) Crescer: Rua do Aleijadinho, 473, Centro Unidade Básica de Saúde de Bento e Paracatu: Wenceslau Braz, 451, Centro (ao lado do PREVINE).

Meu Bairro Grupo de integração e orientação em saúde para os atingidos da região. Em abril, os encontros vão acontecer nos dias 07 e 28, às 8h. Associação de Moradores Amigos do Jardim dos Inconfidentes (Rua M, nº81, Bairro Jardim dos Inconfidentes). Meu Bairro Mirim Espaço de brincadeiras para crianças atingidas e orientação às mães. Quintas-feiras, às 9h. Quadra da Vila Maquiné, praça do bairro (Rua 4 de Outubro, nº. 56, Vila Maquiné). Grupo Conviver/Dom Oscar Atividades corporais e roda de conversa para os atingidos moradores da região. Segundas e quintas-feiras, às 18h. Rua Monsenhor Vicente Lácio, nº. 3, Bairro Dom Oscar. Sensibilidade e relaxamento Grupo terapêutico para trabalhar o corpo e as emoções. Quintas-feiras, às 14h. Paço do Mestre (Rua Wenceslau Braz, nº. 497, Centro). Arte do Bem Viver Grupo terapêutico para usuários de álcool e outras drogas. Terças-feiras, às 9h. Paço do Mestre (Rua Wenceslau Braz, nº. 497, Centro).


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Terras alagadas, direitos violados

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Após o rompimento da Barragem de Fundão, a Samarco iniciou uma disputa com proprietários de terras em Bento Rodrigues pela construção do Dique S4. Apesar de nenhum acordo ter sido firmado, em setembro do ano passado o Governo do Estado de Minas determinou o uso das terras pela mineradora até julho de 2019. Atualmente, com as obras do dique já finalizadas, a empresa convoca os proprietários atingidos para reuniões individuais, a portas fechadas, sem a presença do Poder Público, nas quais apresenta novas condições ao processo de indenização. Por Lucimar Muniz

Dique S4 alaga um terço das terras de Bento Rodrigues. No centro da imagem, as ruínas da Capela de São Bento.


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Foto: Rodolfo Meirel

Com a conclusão das obras do Dique S4, um terço das terras de Bento Rodrigues foram alagadas. Desde então, a empresa responsável pelo projeto, a Samarco, passou a convocar os donos das 55 propriedades atingidas para apresentar as conjdições do processo de indenização. Em reuniões individuais, realizadas sem acompanhamento jurídico, no Hotel Müller, o coordenador técnico da unidade industrial de Germano, Geraldo Batistelli, explicou aos proprietários o que muitos talvez não soubessem: por força do Decreto n°. 500 – oficializado em setembro pelo governo do Estado –, as obras do dique estavam prontas desde janeiro e que, a eles, competia a decisão de aceitar ou não as propostas indenizatórias. Contudo, a grande surpresa da reunião foi outra. No encontro, a empresa apresentou uma condição diferente daquela prevista no art. 6° do decreto estadual que regulamenta a construção do dique. Segundo disposto nesse documento, o uso das terras pela Samarco/Vale/BHP estaria condicionado ao período máximo de 36 meses, até 31 de julho de 2019. Nesses termos, após o término do prazo, o Dique S4 deveria ser desmontado e as terras em disputa devolvidas aos seus respectivos proprietários. Essa previsão justifica a indenização pelo uso temporário da região alagada, e não a compra definitiva dos lotes por parte da empresa. Porém, de acordo com Geraldo Batistelli, o período de 36 meses definirá não o uso das terras – que, “em caso de necessidade”, poderá ser prolongado –, mas o tempo de referência para o cálculo das indenizações. Isto é, na possibilidade de prorrogação da data de esvaziamento do dique, a empresa alega que poderá permanecer utilizando as terras por tempo indeterminado, sem novas indenizações pela extensão do prazo. Quando questionado sobre os valores indenizatórios, Batistelli esclareceu que essas informações serão repassadas aos proprietários em outro encontro, ainda sem agendamento. As quantias foram definidas por uma empresa terceirizada, a Vaz de Mello Consultoria em Avaliações e Perícias, e não estariam sujeitas a mudanças. Nessa primeira reunião, o coordenador apresentou uma lista de documentos - tanto pessoais, quanto imobiliários - que deverão ser providenciados para o acerto final da transação. Em relação ao caso, o Promotor de Justiça da Comarca de Mariana, Guilherme Meneghin, orienta os proprietários de

terras com direito à indenização a não assinarem nenhum acordo sem o conhecimento do Ministério Público, que ainda estuda o caso. Vantagem para Samarco De acordo com o secretário adjunto de Meio Ambiente do Estado de Minas Gerais, Germano Vieira, o valor total destinado à indenização dos 56 hectares alagados é de R$ 7 milhões de reais. Considerando que a quantia será utilizada integralmente nas indenizações, ao longo dos três anos, a Samarco propõe o pagamento de menos de R$ 0,35 por mês pelo uso do metro quadrado de terra. Se a empresa permanecer no local por tempo indeterminado, ela terá acesso às terras por um valor muito abaixo do que aquele que seria acordado em uma operação consensual de compra e venda. Para fins de comparação, registra-se que, no período anterior ao rompimento da barragem, a empresa propôs a compra de parte da área hoje alagada por um valor bem superior: R$ 35,83 pelo metro quadrado. Sabe-se que a empresa já possuía o projeto de uma barragem para o local, mas, na época, a oferta não foi aceita pelos proprietários. Hoje, mesmo sendo vítimas de um crime, os atingidos proprietários das terras serão submetidos a um valor menor, que garantirá à empresa o livre uso de suas terras por um período que pode ser eternizado. Riscos para a comunidade No período da permissão da obra, Carlos Eduardo Ferreira Pinto, então promotor de Defesa do Meio Ambiente do Estado e coordenador do Núcleo de Resolução de Conflitos Ambientais (Nucam), chamava atenção para o risco de transformação de Bento Rodrigues em uma grande barragem permanente de rejeitos. O promotor colocou em dúvida a efetividade da obra para contenção dos rejeitos depositados abaixo do dique, que poderiam seguir escoando pela Bacia do Rio Doce. A empresa manteve o argumento de que, com a aproximação do período chuvoso, o dique seria a solução mais rápida para evitar novos danos ao meio ambiente. Segundo a Samarco, o projeto conteria os sedimentos minerais oriundos de Fundão, contribuindo, assim, para melhorar a qualidade da água dos rios Santarém e Gualaxo do Norte. A justificativa foi aceita pelo IBAMA – o mesmo órgão que, em abril do ano pas-

sado, havia contestado a eficácia de outros três diques construídos pela mineradora na região. Já Marcos Paulo de Souza Miranda, ex-coordenador da Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Histórico, Cultural e Turístico de Minas, ainda no exercício do cargo, destacava o fato de que a empresa havia feito de tudo para que, com a aproximação do período chuvoso, essa fosse a única alternativa cabível. Além da incerteza sobre a efetividade da solução proposta, o alagamento traz sérios riscos à preservação do patrimônio histórico e cultural de Bento Rodrigues. A construção do dique fez submergir vestígios arqueológicos dos séculos 18 e 19. A empresa alegou que, para fins de preservação, as estruturas seriam revestidas com um invólucro protetor. No entanto, em apenas 5 meses, as embalagens já estão se deteriorando e demandam substituição. Em edições anteriores, o jornal A SIRENE demonstrou preocupação com a efetividade da técnica e o uso do procedimento sem estudo prévio. Há ainda outro fator a ser considerado: as ruínas do distrito correm risco de futuras inundações, tendo em vista a proximidade entre os limites calculados para a cheia “máxima” do dique e as construções que ainda permanecem em pé. A ameaça se torna ainda maior diante da lentidão no processo de tombamento da área, que permanece parado na Secretaria de Cultura de Mariana desde maio de 2016, contrariando a vontade da comunidade. Descaso e demandas Desde a publicação do Decreto n°. 500, os proprietários das terras em Bento Rodrigues enfrentam um absurdo silêncio em relação ao caso. Na ocasião, as famílias sequer receberam uma notificação judicial informando o que o Governo do Estado havia decidido sobre suas terras. Ao longo de todo o processo, a comunidade se manifestou contrária ao S4. Um documento de repúdio à construção da obra foi ignorado pelo Poder Público. Os moradores de Bento Rodrigues defendem seu direito de integração às decisões sobre o futuro da área. No entanto, a mineradora segue restringindo esse espaço de participação coletiva. Defendemos a realização de uma assembleia na qual a empresa apresente à comunidade e ao Ministério Público sua proposta de valores indenizatórios de acordo com o período assinalado pelo Decreto n°. 500.

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O futuro vai à escola Por Angélica Peixoto (Professora da escola de Paracatu), Daniela Felix e Elodia Lebourg Com o apoio de Eliene Santos (Diretora da escola de Bento) e Genival Pascoal

O grande desafio dos jovens de Bento e Paracatu é projetar o amanhã enquanto o passado se faz tão presente. As lembranças duras fazem parte da vida desses adolescentes que, como todos os outros, sonham com o futuro de suas vidas. Nesse dia a dia, feito de angústias e expectativas, a educação desempenha um papel fundamental, tanto para superação das dificuldades, como para criação de alternativas às trajetórias desses jovens. Sabemos que as condições nas escolas de Bento e Paracatu não são fáceis: nesses espaços, lidamos com o sentimento de sermos estrangeiros em um lugar que não é nosso, no qual nos falta liberdade e, muitas vezes, o que fica é o preconceito. Sem dúvidas, nossas melhores recordações estão reservadas para os antigos colégios. Lucielly, de 12 anos, define a saudade da escola em Paracatu: “Lá havia liberdade, natureza, um sentimento inexplicável. Era o nosso lugar... Simples e humilde, mas um lugar tão lindo”. Para Irlaine, de 15 anos, o sentimento não é diferente em relação à sua comunidade: “Era muito bom passear e estudar em Bento. A escola era ótima, os professores eram bons. Ainda bem que continuam aqui com a gente”. Apesar das dificuldades da nova realidade, esses estudantes estão dispostos a lutarem por seus projetos. Entre músicos, pediatras, engenheiros, policiais, jornalistas - e muitas outras profissões -, um novo futuro se avista no horizonte ainda jovem de Bento e Paracatu.

Os 92 alunos da Escola Municipal Bento Rodrigues foram levados para o prédio do Colégio Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida, situado no Alto do Rosário. Hoje, a escola aguarda a transferência para um espaço próprio, localizado na Avenida Nossa Senhora do Carmo. Já os 55 alunos da Escola Municipal de Paracatu estudam no bairro Morro Santana, em Mariana. Essas instituições atendem alunos da Educação Infantil e do Ensino Fundamental . A evasão escolar vem crescendo entre os jovens de Bento e Paracatu. Encontrar soluções para o problema demanda um trabalho em parceria entre a administração das escolas, pais, comunidade e grupos de apoio. No processo de transferência para a sede de Mariana, os alunos do Ensino Médio de Bento e Paracatu foram alocados em diferentes escolas da cidade. A perda da referência comunitária é um desafio ainda maior para esses jovens que estão tão próximos ao possível ingresso na universidade. Pensar políticas específicas para esse grupo é um compromisso que não pode ser esquecido.

Vitório, 13 anos

“Tava pensando e acho que mudei de profissão. Posso escrever a nova no verso desta folha mesmo?”

Lucineia, 12 anos

"Quando eu crescer eu quero ser trabalhadora igual a minha mãe. O estudo é importante para realizar sonhos."


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PARA NÃO ESQUECER

Fotos: Daniela Felix e Silmara Filgueiras

Fabricio, 13 anos

“No Bento, podíamos ir à quadra nas aulas de educação física e tínhamos liberdade, pois sabíamos que a escola era nossa. Acho que a escola é importante para termos uma formação e poder trabalhar”.

Lucielly, 12 anos

"Em nossas memórias iremos levar sempre a lembrança da escola em Paracatu. A saudade aumentará e não vou conseguir segurar as lágrimas. Por mais que a escola seja importante para um futuro melhor, às vezes dá vontade de largar tudo.”

Irlaine, 15 anos

“A escola nos mostra que somos capazes de ter uma ótima profissão no futuro”.

Rafaela, 15 anos

"Para mim, a escola é um recomeço de vida. Como eu quero ser advogada, policial e também agente, quero ter os estudos para sempre em minha vida.”

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PARA NÃO ESQUECER

Uma data querida, no melhor lugar do mundo Por Olívia Quintao Muniz e Mônica Santos Com apoio de Larissa Helena e Wandeir Campos

Olívia Quintao Muniz é atingida de Bento Rodrigues e não quis que seu 9º aniversário fosse comemorado em um lugar diferente daquele em que nasceu e cresceu. Buscando recordar comemorações passadas, ela desejou uma festa no local e pediu a presença de todos seus parentes e amigos. O pedido de Olívia tem muito a dizer sobre o afeto dos atingidos por sua terra de origem.

Meu pedido de aniversário

Foto: Larissa Helena

Dia 8 de Março foi o meu aniversário e caiu numa quarta-feira. Dias antes pedi à minha mãe para que ele fosse comemorado no Bento, mas no sábado. Celebramos o aniversário como eu queria. Teve muitos convidados especiais e muitas guloseimas; cachorro-quente, "machimelo", bolo, docinhos de Andreia e balas delícia. Me diverti bastante! Depois de cantar "parabéns", fizemos churrasco e à meia-noite, como de costume, fomos para perto da Igreja de São Bento agradecer e pedir que na cirurgia de nosso amigo Branco tudo corresse bem. A lua estava maravilhosa e não foi necessário ligarmos as lanternas. Depois que rezamos e cantamos, saímos à procura de uma área para mexer no celular. Voltamos para casa de Tia Terezinha e ficamos batendo papo até as três da manhã. Após isso cada um foi dormir. No dia seguinte, às seis da manhã, acordamos com o cantar dos pássaros e depois do café ficamos andamos pelo Bento. Almoçamos e em seguida voltamos para Mariana. Foi um sonho realizado para mim! Olívia Quintao Muniz, 9 anos, atingida de Bento Rodrigues

Olívia realizando o desejo de comemorar seu aniversário em Bento Rodrigues. Foto: Arquivo pessoal/família Quintão

Oito anos antes O primeiro aniversário de Olívia foi uma comemoração muito especial. A decoração era de circo e ela vestida de palhacinha foi a coisa mais linda que já vi. Fizemos um almoço, tudo organizado no salão do segundo andar da pousada da Sandra. A família e os amigos estavam reunidos, inclusive com a presença de uma pessoa muito importante para nós, a nossa avó Amélia. Ainda guardamos essa lembrança com muita saudade e carinho. A recordação da nossa casa, do nosso lugar, da nossa vida, de nossos avós, de tudo o que tínhamos e nos foi tirado de maneira brutal e covarde. Mônica Santos, madrinha da Olívia

No colo da mãe, Simaria Quintão, a pequena assopra sua primeira velinha de aniversário.


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A felicidade volta ao Gama Comunidade celebra o primeiro casamento após o rompimento. Festa foi realizada no centro comunitário do subdistrito.

Por Madalena Santos

Por algum tempo vínhamos nos perguntando se teríamos o nosso Gama de volta. Já sabíamos que sua paisagem não seria a mesma, mas tínhamos a dúvida se voltaríamos a sorrir e a brincar, ou até mesmo dançar como sempre fazíamos antes do rompimento da barragem. Essa dúvida se manteve até o dia 4 de março. Nessa data, eu vi Ponte do Gama cheio de pessoas, todos se sentindo em casa, completamente à vontade. Era o casamento de Gustavo, filho de Milton e Maria José. Já a noiva, Viviane, e sua família são de Ferros, interior de Minas. Não tem palavras que explique o que senti quando descobri que o nosso Gama foi escolhido para receber o casamento. Uma cerimônia assim fica marcado na memória das pessoas. Os noivos que hoje são marido e mulher lembrarão para sempre do dia e do local de sua união. E não só eles: esse casamento será inesquecível para todo o Gama! Quando cheguei, vi muitos convidados que não conhecia. Por um momento, senti como se fosse de fora, como se estivesse em uma terra desconhecida. Mas, foi só chegar na praça e respirar para perceber que meu Gama estava de volta. Aquelas pessoas estavam ali para celebrar a alegria do jeito que sempre fazíamos. Para mim e para todos que moram no Gama, isso foi um bom sinal. Nossa praça, antes tão viva, parecia ter perdido seu brilho. Já estávamos nos acostumando a ver aquele espaço de aconchego vazio, sem alegria. Para mim e para comunidade, poder ver de novo que todos estavam felizes foi uma dádiva. Quando a cerimônia começou, vi padrinhos e madrinhas entrando na nossa pequena capela. Foi uma emoção muito grande, principalmente quando a noiva entrou com os passos lentos em direção ao altar. Durante esse tempo, passa um filme em nossas mentes, algo que nem dá para acreditar. Foi uma honra poder ver que todos estavam cantando, sorrindo, brincando, que estavam satisfeitos só por estar ali. Isso nos deu mais força para continuar lutando por nossos direitos e nos fez acreditar que ainda teremos muitas outras alegrias e diversões para viver em nossa comunidade. Ponte do Gama está de pé e continuará assim enquanto um morador habitar o lugar. Eu estarei lá, pois onde há um, há dois, e dessa união, fazemos nosso Gama. Desse jeito se

faz a diferença. Jamais deixaremos nossa comunidade acabar. Agradeço Viviane e Gustavo por esse presente que nos foi proporcionado. Peço a Deus para que Ele continue abençoando o casal e desejo muita felicidade nessa nova caminhada. Que seus filhos e filhas cresçam com saúde e muita luz. Parabéns e obrigada! Com a palavra, os noivos Por Gustavo Sena e Viviane de Andrade Ponte do Gama foi o local escolhido para a realização do nosso casamento por ser um lugar que, de certa forma, nos identifica - somos do interior de Minas Gerais, eu nasci na cidade de Ferros. Também pelo profundo significado que Gama tem com o meu marido, onde sua mãe nasceu e cresceu. Acreditamos que “o amor é simples”, então celebrar um momento tão importante para a gente em um ambiente bucólico como aquele foi a manei-

ra que encontramos de demonstrar o nosso amor em sua forma mais pura. O Gama representa a simplicidade, a riqueza, a beleza e a paz do que sentimos um pelo outro. Ao longo da cerimônia e a partir do que ela repercutiu, percebemos o quanto este acontecimento tem ajudado os gamenses a olhar para a sua comunidade com esperança de “boas novas”, acreditando na volta de momentos felizes. Nossos convidados disseram que foi uma cerimônia muito bonita e emocionante. Recebemos a presença e o carinho de um grande número de pessoas, contando com a comunidade local e os convidados de diversas regiões. Assim, pudemos perceber que, mesmo após alguns anos sem a celebração de casamentos em Ponte do Gama e depois do rompimento da Barragem de Fundão, o desejo de comemorar a vida, até mesmo por quem não é da região, ainda está presente no local. Sentimos uma felicidade enorme em saber que de forma despretensiosa o nosso casamento fez despertar um novo olhar sobre a comunidade. Por tudo isso, aos nossos amigos, familiares e comunidade de Ponte do Gama, deixamos o nosso mais sincero sentimento de gratidão. Foto: Lucas de Godoy


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14 de março, dia de luta Mobilização faz juiz federal e Governador do Estado de Minas Gerais receberem Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Por MAB

A experiência mostra que a única forma de garantir os direitos dos atingidos, seja por barragens de geração de energia, grandes açudes ou rejeito mineral, é pela organização, autonomia e pressão popular. Como símbolo dessa necessidade, as muitas organizações sociais que tratam desse tema em todos os continentes tornaram o dia 14 de março o Dia Internacional de Luta pelos Direitos dos Atingidos, pelos Rios, pela Água e pela Vida. Dia de reunir as famílias em todas as partes do mundo para diversas manifestações que pretendem avançar na conquista dos direitos. Assim, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) realizou, entre os dias 13 e 15 de março, sua Jornada Nacional debatendo quatro grandes pautas: contra o “tarifaço” na energia elétrica, que prevê 45% de aumento nas contas de luz no próximo período; pela suspensão imediata da decisão que reduz em 23% os royalties (Compensação Financeira pelo Uso dos Recursos Hídricos – CFURH) sobre as terras alagadas para a geração de energia elétrica (essa diminuição reduzirá em R$ 600 milhões o valor que as prefeituras vão receber como compensação por seus municípios terem sido atingidos); pela reparação imediata de todos os crimes da Samarco na Bacia do Rio Doce; e em defesa da soberania e dos direitos do povo brasileiro. Famílias realizaram jornada histórica No dia 13 de março, cerca de 300 atingidos organizados pelo MAB ocuparam a Companhia Energética de Minas Gerais (CEMIG). O objetivo foi pressionar a estatal para que os direitos, sobretudo das famílias na Bacia do Rio Jequitinhonha, duramente atingidas pela Hidrelétrica de Irapé e não reconhecidas pela empresa, sejam respeitados. Também cobramos do governo Fernando Pimentel (PT-MG), a abertura de um diálogo para resolver tais questões, e que ele, simplesmente, não “empurre com a barriga” como tem feito desde que assumiu. No dia seguinte, os mesmos atingidos realizaram dois atos na 12ª Vara Federal para denunciar o crime da Samarco e cobrar mais efetividade da Justiça. Por causa da manifestação, o juiz responsável pelos processos da empresa, Mário de Paula Franco Júnior, recebeu o MAB, representado por Ellen Dutra, ribeirinha atingida na cidade de Belo Oriente, e Marcos Muniz, atingido de Bento Rodrigues, além de integrantes da coordenação do movimento. Em 15 de março, os atingidos participaram da Greve Geral contra a Reforma da Pre-

Fotos: Maxwell Vilela

Manifestantes são recebidos pelo juiz Mário Mário de Paula Franco Junior, da 12ª Vara Federal.

vidência, que reuniu mais de 150 mil pessoas em protesto pelas ruas de Belo Horizonte. Como resultado desse esforço, o governador Fernando Pimentel recebeu integrantes do movimento no Palácio da Liberdade. Ele ouviu muitas críticas a respeito de sua atuação em relação aos atingidos no Estado e se comprometeu em fazer com que a Política Estadual dos Atingidos por Barragens (PEABE) seja aprovada na Assembleia Legislativa (ALMG). Além disso, prometeu agilizar a liberação de projetos, a regularização de terras ocupadas, entre outras ações para o desenvolvimento integrado das regiões atingidas.

“Estar nas manifestações deste Dia Internacional de Lutas mostrou a força e a necessidade da organização popular. Pressionamos e conquistamos diálogos importantes com o governo estadual e com a Justiça. Destaco a reunião com o juiz da 12ª Federal que nos recebeu por mais de uma hora sem termos agenda marcada previamente. Agora, vamos aguardar as respostas e continuar pressionando para garantir o direito de todos.” Marcos Muniz

Atingidos ocupam sede da CEMIG/BH e cobram do governo estadual agilidade no atendimento às famílias.


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AGENDA DE ABRIL 3 Reunião Grupo de Trabalho Temático de Pedras Horário: 17h Local: Escritório dos Atingidos

10 Reunião Interna da Comissão dos Atingidos Horário: 18h Local: Escritório dos Atingidos

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3 Reunião Interna da Comissão dos Atingidos Horário: 18h Local: Escritório dos Atingidos

Reunião Grupo de Trabalho Temático de Paracatu Horário: 18h Local: Escritório dos Atingidos

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Reunião Grupo de Trabalho Temático de Paracatu Horário: 18h Local: Escritório dos Atingidos

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Reunião Interna da Comissão dos Atingidos Horário: 18h Local: Escritório dos Atingidos

Reunião Grupo de Trabalho Temático de Paracatu Horário: 18h Local: Escritório dos Atingidos

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Reunião Grupo de Trabalho Temático de Bento Rodrigues Horário: 18h Local: Escritório dos Atingidos

Reunião Interna da Comissão dos Atingidos Horário: 18h Local: Escritório dos Atingidos

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Reunião Grupo de Trabalho Temático de Paracatu Horário: 18h Local: Escritório dos Atingidos

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Reunião Grupo de Trabalho Temático de Bento Rodrigues Horário: 18h Local: Escritório dos Atingidos

Convite especial:

Reunião Grupo de Trabalho Temático de Bento Rodrigues Horário: 18h Local: Escritório dos Atingidos

Observação: *Agenda sujeita a alterações.

5 Reunião Grupo de Trabalho Temático de Bento Rodrigues Horário: 18h Local: Escritório dos Atingidos

17 Reunião Grupo de Trabalho Temático de Pedras Horário: 17h Local: Escritório dos Atingidos


Cuidado é uma palavra-chave nesta edição do jornal A SIRENE. Cuidado com a saúde da nossa gente, com a educação dos nossos jovens, com o planejamento dos locais que, no futuro, vão receber nossas histórias. Um cuidado que pode ser tão bom como esse da foto de capa, em que Keila acolhe sua avó Doca. Abordamos também o oposto desse cuidado, que é quando somos submetidos à omissão e ao descaso daqueles que foram responsáveis pela mudança mais radical de nossas vidas. Para nós, sair da roça e vir pra sede de Mariana foi algo muito drástico. A adaptação ao novo espaço não é fácil. Precisamos percorrer distâncias para resolver problemas corriqueiros. Enfrentamos filas intermináveis e barulhos excessivos. Para viver aqui, gastamos mais com deslocamento, alimentação e remédios. No caso dos idosos, essa mudança é ainda mais difícil. Alguns até saem de casa, sentam-se na beira do “aquário” do Centro de Convenções e esperam por outros moradores passarem. Às vezes, esses encontros acabam em boas conversas. Em outras, a pressa daqui faz com que muitos nem se cumprimentem direito. São as condições de se viver em um local muito agitado. Há muitos que nem saem mais de casa. Pessoas que não vêem os amigos, às vezes, nem a família. Que perderam o prazer de colocar a mesa debaixo do pé de manga para jogar baralho ou damas. Pessoas que estão deprimidas pensando que jamais vão se sentir em casa de novo, que não voltarão a sentir o prazer de ficar à vontade num lugar com seus filhos e netos. Muitos atingidos ainda estão sofrendo traumas físicos e psicológicos causados pela lama. Tem gente doente que precisa ter um atendimento específico, pessoas que já poderiam estar recuperadas, mas que não recebem a devida atenção. A empresa está tratando a saúde dos atingidos com descaso, mais preocupada com suas propagandas do que com o cuidado à nossa gente. Essa desconsideração é tão grande que as terras de Bento Rodrigues estão sendo tomadas sem que possamos fazer nada. Primeiro veio a lama, agora a água. Não é assim que a empresa vai “limpar” sua imagem, nem “lavar” a nossa alma. Quando os proprietários das terras alagadas pelo dique S4 são chamados para conversas particulares, sem a presença de nenhuma assessoria – apenas para ouvir condições que não podiam ser contestadas ou negociadas -, a Samarco quer que os atingidos dêem um tiro no escuro. Isso enfraquece ainda mais as condições psicológicas para continuarmos a luta pela participação nos processos que vão definir nosso futuro. Querem que a gente entregue o ouro de mão beijada. E sim, nossa terra vale ouro. Um ouro que não interessa à mineração, mas que dá sentido a nossas vidas. Apesar de tantas dificuldades, não desistimos de buscar nossa felicidade de volta. Mesmo sem condições adequadas, ainda celebramos aniversários e casamentos nas comunidades atingidas. Isso só demonstra o apego que temos por nossas terras e costumes culturais, porque não é em um imóvel alugado pela empresa que vamos encontrar as coisas que nos fazem estar em casa.


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