A SIRENE PARA NÃO ESQUECER | Ano 2- Edição 14 - Maio de 2017
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PARA NÃO ESQUECER
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Informa
AUDIÊNCIA DO DIA 07 Na audiência judicial do dia 07/04, o Ministério Público conseguiu garantir que 10% dos loteamentos de Bento e Paracatu, que serão destinados à habitação social da Prefeitura de Mariana, sejam realocados em outras áreas da cidade após o fim do reassentamento. Além disso, os critérios para inclusão dos sitiantes de Paracatu no reassentamento da comunidade também foram homologados: um acordo firmado na audiência estabeleceu que esses proprietários sejam contemplados na elaboração do projeto urbanístico do distrito. Foi decidido ainda que as pessoas que viviam em imóveis cedidos, em Bento e Paracatu, também irão receber uma casa, nos moldes padrão e com escritura. Ficou acordado que a Renova/Samarco tem até o dia 10/05 para responder sobre auxílios emergenciais já reclamados pelo MP, como problemas no aluguel e antecipação de indenização. A juíza do caso também cobrou da empresa agilidade na revisão do cadastro dos danos sofridos pelos atingidos. BAIXA DOS VEÍCULOS A audiência para tratar sobre a baixa dos carros atingidos pela lama foi alterada para o próximo dia 07/06. A mudança da data, que estava prevista para o dia 20/04, deve-se à posse recente da juíza que assumiu a 1ª Vara da Comarca de Mariana. Na audiência, o Ministério Público tentará um acordo com o Estado de Minas Gerais e as empresas para solucionar questões como a indenização sobre os veículos, quitação dos IPVA’s e demais pendências acerca dos automóveis. De acordo com o MP, três representantes dos atingidos foram definidos pela Comissão para falar sobre o tema durante a audiência. ÁGUA DE SANTA BÁRBARA Em março deste ano, a Prefeitura de Santa Bárbara anunciou que não irá autorizar a atuação da Samarco na região, caso a empresa não coloque em prática um projeto de saneamento urbano no município, orçado no valor de R$ 70 milhões. Além disso, a administração demanda da empresa a elaboração de um estudo sobre o impacto ambiental gerado pelo uso dos recursos hídricos da cidade. O retorno das atividades da Samarco depende das águas do Rio Conceição, que nasce no distrito de Brumal, em Santa Bárbara. A empresa tem até o dia 18 de junho para marcar uma audiência na qual a questão será discutida.
A TERRA TREME O diretor e produtor de cinema brasileiro Walter Salles, conhecido pelo aclamado “Central do Brasil” (1998), está produzindo, desde março deste ano, um curta-metragem voltado para o rompimento da Barragem de Fundão, intitulado “A Terra Treme”. O filme, mesmo
MISSA NO BENTO No último dia 01/05, moradores de diversas comunidades da região se reuniaram no terreno de Lavoura para a realização de uma missa, que contou ainda com a participação de um coral religioso. A cerimônia foi um marco para os moradores de Bento Rodrigues, já que esta foi a primeira missa celebrada no terreno onde a comunidade será reconstruída.
AVISO
Não assine nada: • Se tiver dúvidas sobre o conteúdo; • Se precisar de ajuda de um advogado ou de qualquer outro especialista; • Se alguém disser que “todo mundo já assinou, só falta você”; • Se você quiser consultar algum familiar antes; • Se alguém disser que “se não assinar, não terá mais direito”.
Atenção!
Se te pedirem para assinar qualquer documento, procure o Ministério Público ou a Comissão dos Atingidos. O tempo para analisar e questionar qualquer coisa é seu! Repasse essa mensagem a todos os atingidos.
Expediente Realização: Atingidos pela Barragem de Fundão, Arquidiocese de Mariana e Um Minuto de Sirene | Conselho Editorial: Milton Sena, Adelaide Dias, Angélica Peixoto, Ana Elisa Novais, Cristiano José Sales, Fernanda Tropia, Genival Pascoal, Lucimar Muniz, Manoel Marcos Muniz, Mônica dos Santos, Pe. Geraldo Martins, Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio), Silvany Diniz, Simone Maria da Silva e Thiago Alves | Editor-chefe: Milton Sena | Jornalista responsável: Rafael Drumond | Gestora de redes: Aline Monteiro | Editora de Arte: Silmara Filgueiras | Editora de Texto: Miriã Bonifácio | Reportagem e Fotografia: Carlos Paranhos, Daniela Felix, Flávio Ribeiro, Genival Pascoal, Larissa Helena, Lucimar Muniz, Madalena Santos, Sergio Papagaio, Simone Maria da Silva e Wandeir Campos | Apoio: Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e MICA/Brazil Foundation | Revisão: Elodia Lebourg | Agradecimentos: Guilherme de Sá Meneghin (Promotor de Justiça - Titular da 2ª Promotoria de Justiça de Mariana)| Impressão: Sempre Editora | Foto de capa: Larissa Helena | Tiragem: 2.000 exemplares | Fonte de recurso: Termo de ajustamento de conduta entre Arquidiocesse de Mariana e Ministerio Publico de Minas Gerais (2ª Promotoria de Justiça de Mariana).
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Memórias de Paracatu São raros os documentos e estudos sobre a origem da comunidade de Paracatu. Por isso, nós, moradores, a partir de conversas e visitas, fomos buscar essa história. Com a esperança de resgatar memórias e heranças culturais, lutamos pela preservação do local. Por Luzia Queiroz Com o apoio de Daniela Felix, Lucimar Muniz e Wandeir Campos
Quando perguntados sobre o começo de Paracatu de Baixo e de Paracatu de Cima, os moradores mais antigos contam que as terras foram possivelmente habitadas por povos indígenas e escravos. As características físicas dos nascidos na comunidade revelam esses traços e me fizeram refletir sobre a importância histórica do nosso povoado. O motivo do nome Paracatu vem do tupi-guarani, “rio bom, limpo (pará + catu)”. Descobri isso conversando com Rosária Frade, que é descendente de indígenas. Também foi numa conversa com Francisco Sales, conhecido como Chico Gualaxo, que soube que a Fazenda do Gualaxo, onde morou por 37 anos, tem um porão onde podem ter vivido escravos. Chico, que se mudou para Paracatu em 1974, diz que o imóvel pertenceu à família do Barão José Geraldo Pinto até meados do século 20. A filha de Zé Nhônhô, Naife Cerceau, também confirma o passado da propriedade: diz ela que seus avós moravam próximo ao local e sempre contavam que a Fazenda do Gualaxo foi erguida pelas mãos dos escravos da região. Essas particularidades nos levam a acreditar que a construção tenha mais de 200 anos. Antes da lama, o lugar tinha plantações de milho, feijão, café e arroz, além de criação de animais para reprodução e corte. Outro artefato que sempre me chamou atenção, desde que me mudei para Paracatu, é o muro de pedras. Muitas pessoas falam que a contrução é antiga e que havia uma casa e um moinho próximos a ela. Suspeitamos que o muro tenha mais de 150 anos, pelo cálculo que fizemos a partir da idade dos moradores que nos contavam essas histórias. Acredito que o resgate dessas riquezas, contadas de geração a geração, é muito importante para nossa comunidade, pois, dessa forma, estaremos preservando o local e impedindo que, em um futuro próximo, ele se transforme em uma barragem ou seja esquecido. Até então, não sabemos sequer a idade de Paracatu. Não temos acesso a arquivos, pesquisas e registros sobre o local. Por isso, digo: essa é uma história que nós queremos e precisamos contar.
Fotos: Daniela Felix
Chico Gualaxo, 84 anos, guarda na parede a imagem de sua antiga propriedade.
* A Fazenda do Gualaxo citada neste texto não é a conhecida propriedade do distrito de Carmargos, datada do século 18.
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HISTÓRIAS da nossa gente Superar a lama de Fundão é um desafio para nós que convivemos com a presença constante das marcas da tragédia. Para dar conta do recado, a vida nos pede força e coragem. Do jeito que podemos, a gente atende a esse chamado e busca, em pequenos gestos, recuperar os sentidos que nos foram tomados pela lama. Nossa gente conta a história da cristaleira que guarda lembranças bonitas de Paracatu; do rádio que transmite a resistência de Seu Geraldo; dos vestidos que tornam leve o corpo e a alma de Cássia, moradora de Barreto, em Barra Longa. Fomos atingidos, mas sobrevivemos. Todos os dias.
Foto: Larissa Helena
Comprei minha cristaleira há mais de 30 anos, aqui em Mariana mesmo. Na época, queria conservar minhas poucas vasilhas e vi que o móvel serviria muito bem, já que era pequenininho, igual aos objetos que eu precisava guardar. Depois do desastre, ela ficou atolada na lama. Para resgatá-la, meu filho, José Carlos, que nasceu e cresceu em Paracatu e conhecia o lugar muito bem, foi retirando os rejeitos do caminho e reconhecendo, cômodo por cômodo, o lugar onde a gente morava. Pegou portas, janelas e tudo mais que foi preciso para fazer caminho por cima da lama até a cristaleira. Ainda teve que quebrar os vidros do móvel para conseguir tirá-lo de lá. Na minha frente, ele desmontou, lavou, lixou e envernizou a cristaleira. Depois chamou o marceneiro para poder trazê-la para o lugar onde vivemos hoje. A cristaleira ficou tão nova como no dia em que a comprei. E foi muito importante ele ter conseguido recuperá-la porque essa é uma das melhores coisas que a gente tem, gostamos muito dela. Só fico insatisfeita de vê-la em uma casa que não é minha. Hoje, guardo novas vasilhas. Aquelas que eu tinha se foram com o desastre. Mas graças a Deus ainda tenho ela comigo. Baduína Leão Gonçalves, 75 anos
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Foto: Rodolfo Meirel
Uma das formas que encontrei para me distrair um pouco e esquecer o horrível dia 5 de novembro foi mergulhar na música e na dança. Desde pequena, sempre gostei muito de dançar. Quando coloco o fone no ouvido e saio por aí dançando, as pessoas acham até que eu sou louca. Gosto de tudo: samba, forró, axé, hip-hop, sertanejo. Mas a dança do ventre sempre despertou algo dentro de mim. Ficava imitando os passos daquelas mulheres que via na televisão enroladas em lenços coloridos. Sabendo disso, duas assistentes de saúde que vêm me visitar trouxeram de presente duas roupas para eu ensaiar: uma laranja e outra azul. A maior dificuldade aqui em Barretos é a falta de músicas. Como não tem sinal de internet, nem mesmo de linha telefônica, fica complicado. Quando tenho a oportunidade, gravo tudo no meu cartão de memória. Posso afirmar que a dança é fundamental neste momento depois do trauma. Cássia Bernabé, 19 anos
Foto: Larissa Helena
A minha perda no Bento foi muito grande. Me tornei um cara fora de mim. Num dia, eu tinha cinco propriedades, uma venda, R$60 mil em dinheiro e muita história. De repente, amanheci sem nada. E perdi tudo duas vezes na vida. A primeira foi com o Collor de Mello, a segunda foi a lama que levou. Me tornei angustioso. Minha saúde acabou. Eu bambeei, sabe? Sou um cara, hoje, que passa o dia deitado, escutando meus CDs de música sertaneja: Trio Parada Dura. Jacó e Jacozinho. João Carneiro e Claudinho e por aí vai. Até na hora de dormir ligo o rádio para conseguir passar a noite. Escuto as músicas e as pessoas falando comigo a madrugada inteirinha. É isso que limpa meus pensamentos ruins. Pelejo, pelejo, mas eles não vão embora. Tenho um zoeirão no ouvido do barulho da lama, que eu acho que tá na cabeça. A música me ajuda com isso também. O rádio é um objeto de uso contínuo. Tudo que eu preciso é de um perto de mim. Zé Barbosa, 69 anos
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Papo de Cumadres Por Sérgio Papagaio
Consebida e Clemilda, tava as duas desiludidas com a mesmice que a lama causou em suas vidas. Consebida diz: ispia esta lama, cumade, parece uma fotografia. _ Fotografia? _É, fotografia das nossas vida, minha vida é iguar a essa lama. _ Eu cumpriendo o seu drama, mas ocê miorô seu jeito? _ Miorei iguar as bera do rio. Quem num sabe acha que tá tudu feito, mais se rancá o matu, pur baxo é só rejeitu. _ Ah! Cumade, sua cara tá boa, cê tá bunita. _ Isso é só pintura, iguar as casa quês pintô pur cima das rachadura. Óia nossa vida, é só amargura, nem pexe tem mais nesse rio pra nós jogá na gurdura. _ E u Gestera? Nun vai reassentá? _ Diz qui us donu du terrenu isculidu pra fazê u reassentamentu num qué vendê. Fala que num pode disapropriá para u Gestera reassentá. _ Mas em Bento, para o dique S4 contruir, em menos de uma semana, põe sintidu meu sinhô, tiveru ajuda até du guvernadô. Onde u guvernadô tá, que nu Gestera nun vem disapropriá? _ Que issu cumade, u terenu do zotu ês pode tomá? _ Issu é uma lei que tem lá, se u donu num quisé vendê, u guvernu pode tomá, mas dispois tem qui pagá. _ Se ês quisé disapropiá nem santu Antônio com ganchu é capaz de sigurá. _ Agora nós já sabe que é mentira u que ês falô, pois u donu du terreno, numa reunião, a venda confirmou. _ E ocê foi nu Barretu? _Fui pra cima du Barretu num lugá chamadu Guerra. Eu vi uma lagoa com uns pexe pulanu, mas essa lagoa tá quase rebentanu, pois a enchurrada da estrada nu pé dela tá sulapanu. _ Então vô logu perguntanu, quem tem qui arrumá este danu? _ É a samarcu, mas ela só fica falanu e a enchurrada vai cortanu. _ Onde é esse sururu? _ Na casa de Dorinha e Bilú. Comu eu tava falanu, nós ta tudu se dananu, distrói casa, ponte, estrada, quandu acha quês tá arumanu, tem até lagoa rebentanu.
Maio de 2017 Mariana - MG Foto: Silmara Filgueiras
Foto: Larissa Helena
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Uma conquista para Gesteira Com o anúncio da venda do terreno de Macacos para o reassentanto, 9 famílias de Gesteira, distrito de Barra Longa, voltam a ter expectativas com a reconstrução de suas moradias. O comunicado contradiz alegação da Fundação Renova/Samarco sobre a impossibilidade da compra. Por Sérgio Papagaio Com o apoio de Thiago Alves (MAB)
O conflito vivido pela comunidade do Gesteira em relação ao reassentamento ganhou uma primeira solução. Em reunião realizada no último dia 25 de abril, com a participação dos atingidos e servidores do Ministério Público (Estadual e Federal), o proprietário de Macacos - localidade escolhida pelos atingidos para a reconstrução das casas destruídas - afirmou que está de acordo com a venda das terras. “Estou disposto a fazer tudo para colaborar com a aquisição do terreno pela Samarco a fim de ajudar com o reassentamento de Gesteira”, garantiu. A confirmação da venda derrubou o argumento usado pela empresa de que o reassentamento não seria viável em função da negativa dos proprietários sobre a transação. A Fundação Renova/Samarco chegou a apresentar um projeto de reassentamento à comunidade, elaborado sem a participação dos atingidos, em reunião realizada em março deste ano. Porém, de modo contraditório, a empresa afirmou que a compra das terras não seria possível. Essa estratégia deixou as informações
confusas e causou desgastes entre os moradores. Em um primeiro momento, alguns chegaram até a sinalizar a aceitação de uma indenização e a desistência do reassentamento, decisão que seria mais rápida e vantajosa para a mineradora. Por isso, a conquista dessa compra e de uma assessoria técnica para atender as demandas do local trazem o reassentamento de volta ao horizonte da comunidade. Agora, as famílias a serem reassentadas precisam enfrentar uma série de desafios para garantir a mínima reparação dos seus direitos, como, por exemplo, o envolvimento e a participação desses atingidos na dinâmica de elaboração do projeto e na adequação do terreno escolhido - mais inclinado do que o original (este localizado em área de várzea, próximo ao rio). Também por isso, a atuação da assessoria será fundamental. A empresa escolhida pelos atingidos para prestar o serviço na cidade de Barra Longa foi a Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (AEDAS) - organização civil de caráter representativo, sem fins lucrativos,
com experiência em trabalhos comunitários. Pesquisadores do GEPSA - grupo transdisciplinar ligado à Universidade Federal de Ouro Preto, que acompanham os atingidos de Barra Longa - destacam a importância desses profissionais para a promoção da emancipação dos atingidos em relação à tomada de decisões. Segundo eles, este trabalho não deve apresentar um caráter assistencialista, mas buscar uma articulação capaz de organizar os atingidos e mobilizá-los, dentro dos grupos de base, para uma atuação em longo prazo. Outro desafio para a assessoria será a gestão dos recursos financeiros disponíveis para atender ao volume de demandas no município. Além disso, o trabalho de capacitação dos profissionais selecionados é primordial para o sucesso da iniciativa: tanto no sentido de orientar, tecnicamente, a tomada de decisões dos moradores, quanto para fortalecer a comunidade para que esta faça valer os modos de vida que foram destruídos pela lama que ainda escorre pela cidade.
Foto: Larissa Helena
Comunidade de Gesteira reunida com MP e proprietário do terreno de Macacos, que confirmou interesse na venda das terras.
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Uma cidade adoecendo com a lama
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O desastre e todos os danos materiais, esse dia a dia caótico de um canteiro de obras e também o sentimento de injustiça e insegurança com as ações da empresa nos adoecem. Poderíamos listar as doenças físicas e psicológicas que temos tido, mas estas não caberiam em uma carta. Teríamos que escrever um livro para dar conta de tantos problemas de saúde. (Trecho da carta dos atingidos de Barra Longa pelo direito à saúde) Por Simone Silva Com o apoio de Miriã Bonifácio Foto: Silmara Filgueiras
“Mãe, se eu fosse você procuraria um médico, se não você vai perder sua filha. Ela vai morrer.” Ouvi isso de um enfermeiro de uma Unidade de Pronto Atendimento de Barra Longa. Com essas palavras, percebi a gravidade do quadro médico de Sofya, minha filha Na madrugada do dia 6 de novembro de 2015, a lama chegou a Barra Longa e até hoje não saiu. Com ela, vi, dia após dia, minha filha, Sofya, adoecer. No primeiro momento, veio uma diarreia que durou um mês, com o tempo, surgiram, em sua pele, bolhas e pequenos caroços. Quando saíamos à rua, na parte baixa da cidade, perto do rio, Sofya piorava. Percebi, aí, que sua reação estava ligada à lama. Comecei a evitar sair de casa, mas o problema bateu à minha porta quando os rejeitos da Samarco foram usados pela Prefeitura para pavimentar a rua onde moro. Minha luta envolveu muitas idas ao posto de saúde, em algumas ocasiões, mais de uma vez por dia. O caso de Sofya tornou-se crônico. Uma vez ela ficou internada por cinco dias em Ponte Nova, com infecção respiratória grave. Desde o primeiro momento, procurei a empresa e manifestei o problema. Como resposta, ouvia que a lama não era tóxi-
ca, porém via minha filha sofrendo com o cheiro e a poeira dos rejeitos. Como eu não deveria me preocupar? Como assim, “a lama não fazia mal”? A minha grande tristeza foi ter que parar de pagar o plano de saúde de Sofya. Precisei comprar remédios e arcar com os custos de um alergista, já que o SUS não atende essa especialidade. Fiz isso porque sabia que a empresa não resolveria o problema no tempo que Sofya precisava. Apontei o absurdo que vivia para o Ministério Público, para os profissionais da saúde e para funcionários da empresa Herkenhoff & Prates (HP) - terceirizada supostamente responsável por fazer o diálogo social com os atingidos em Barra Longa. Em certa ocasião, fui até ameaçada por um profissional dessa prestadora. Ele apertou a camiseta da empresa e me perguntou: “Você sabe quem eu sou?”. Fui chamada de louca. Não sei se teria forças para lutar se fosse
apenas minha saúde que estivesse em jogo. Talvez tivesse desistido. Mas precisei brigar para garantir recursos e justiça à Sofya, uma criança de poucos meses - hoje, dois anos - que não poderia buscar ajuda por conta própria. Adoeci vendo os riscos e a fragilidade da minha filha. Passei a apresentar pressão alta, falta de ar, crises de estresse. Cheguei a ser internada em uma UPA e tive que buscar suporte terapêutico. No último dia 27 de abril, meu esforço foi “recompensado” com o encaminhamento de Sofya para atendimento específico com um alergista particular. A primeira consulta, que será acompanhada por uma profissional da HP, está agendada para terça-feira, dia 9 de maio. Espero que, a partir daí, a empresa possa assumir suas responsabilidades e me garantir não apenas um atendimento, mas todo o tratamento que minha filha necessita. Certo mesmo é que a minha luta não acaba aqui.
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MUDANÇA Após o rompimento da Barragem de Fundão, Maria do Carmo, 70 anos, moradora de Barreto, distrito de Barra Longa, teve dois acidentes vasculares cerebrais (AVCs). Isso a obrigou a se mudar para Mariana, pois, no distrito, não há recursos suficientes para atendê-la, caso algo grave aconteça repentinamente. Maria do Carmo não recebeu amparo integral da mineradora Samarco e teve que custear algumas consultas. Atualmente, passa bem, mas familiares e amigos ainda se preocupam com sua situação.
MOBILIZAÇÃO Diana Fernandes, doutoranda em Psicologia Social pela PUC São Paulo, chegou a Barra Longa em agosto de 2016 para integrar o Coletivo de Saúde do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB). A construção do grupo se deu a partir dos problemas de saúde enfrentados pela população após o rompimento. Segundo a psicóloga, foram inúmeras as queixas que denunciavam não apenas o sofrimento e adoecimento dos barralonguenses, mas também a falta de informação e participação dos atingidos no processo de compreensão sobre o que a poeira da lama poderia causar. Em vista do quadro, o coletivo se propõe a realizar um trabalho de mobilização política da população, tendo como objetivo o envolvimento dos atingidos nos processos de reivindicação e luta pela garantia dos direitos à saúde e à vida.
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POLUIÇÃO DO AR Segundo relatório produzido pelo Greenpeace e pelo Instituto Saúde e Sustentabilidade, divulgado no mês de março, a lama depositada sobre Barra Longa, ao secar, provocou a emissão de pó responsável pela poluição do ar local. Além disso, a reconstrução transformou a cidade em um canteiro de obras, o que também impactou as condições de vida dos moradores. Segundo a pesquisa, a situação gera não apenas problemas respiratórios (40% dos barralonguenses), mas também lesões de pele e irritação nos olhos. Crianças, como Sofya, são as mais suscetíveis a apresentar complicações dessa natureza (60% das doenças respiratórias foram diagnosticadas em crianças). SAÚDE MENTAL Segundo Laura Vasconcelos, psicóloga que presta atendimento aos atingidos de Barra Longa, crianças da cidade vêm sofrendo crises de medo, ansiedade e pânico. Entre os jovens, o diagnóstico mais comum envolve quadros de estresse pós-traumático, falta de expectativas e sinais de depressão. Com o desastre, eles perderam espaços de convivência, como o campo de futebol, a pizzaria-danceteria e o trailer de sanduíches. Nos adultos, os maiores problemas são angústia e depressão. Os idosos, por sua vez, apresentam queixas relacionadas à perda de locomoção, ao confinamento em casa e à tristeza com as mudanças impostas pela lama. Foto: Stênio Lima
Imagem de Barra Longa em dezembro de 2015
DESCASO O rejeito ao longo do Rio do Carmo, curso d’água que atravessa Barra Longa, vem sendo retirado do centro e transferido para outros espaços que não foram diretamente atingidos. No Parque de Exposições, localizado próximo à entrada da cidade, 9 famílias dividem espaço com uma pilha de lama seca ali depositada. Antes da tragédia, o cotidiano desses moradores era ligado às águas do rio. Hoje, da janela das casas, ele mal pode ser visto. Além disso, o local é marcado pelo trânsito intenso de caminhões pipa e pelo barulho constante das máquinas usadas para jogar água nos montes de lama e diminuir os impactos da poeira na qualidade do ar. Foto: Larissa Helena
TODOS OS DIAS “Eu, Enir, moradora do Gesteira, já tinha problema nas vistas e alergia. Depois que a lama veio ficou pior. Meus olhos estão sempre irritados, a rinite atacada, a tosse seca. Todos os dias. A alergia ficou muito pior e continua. Uso vários tipos de remédios, com isso, a saúde da gente vai acabando. A poeira cobre tudo: as roupas, a casa da gente... Imagina nosso organismo? Isso em todos dias que Deus nos deu. Também sou vítima do mar de lama. Atingida.”
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O que nos alimenta? Depois que a lama da barragem nos expulsou de nossas comunidades, temos vivido grandes e inúmeras mudanças na sede de Mariana. Para nós, jovens, a “nova” alimentação na cidade evidencia a ausência de algo que antes era muito natural: saber de onde vem o alimento que comemos.
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Por Julio César Com apoio de Fernanda Trópia e Larissa Helena
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Katia - Paracatu Tutu com macarrão me faz lembrar das festas de Paracatu. O que mais mudou na nossa alimentação aqui foram as frutas e as verduras. Tipo, laranja comprada não é a mesma que a gente apanha no pé!
Gabriel Marcos - Bento
Indivíduos que sofrem, de forma voluntária ou involuntária, mudanças da área rural para a área urbana sofrem também alterações em seus hábitos alimentares. A necessidade de retirada de uma população do seu lugar de origem para outra localidade, gera, por si só, uma situação de vulnerabilidade no que diz respeito à saúde fisiológica e emocional dos envolvidos. Sujeitos vulneráveis a processos estressantes passam por desregulações de fome e apetite, o que resulta em prejuízos para a saúde. É preciso levar em consideração as perspectivas sociais, afetivas e culturais do ato de comer dessas pessoas. Fernanda Tropia - Nutricionista
A galinha caipira feita no fogão à lenha me lembra o Bento. Minha mãe ou meu pai faziam, aí eu chamava os meus amigos, a gente se fartava e depois voltávamos a brincar. Eu gostava das saladas que a minha avó fazia com as verduras e legumes colhidos na horta. Agora temos que comprar no sacolão. Mas o gosto é diferente, eu não gosto mais. Eu não comia ovo de granja, mas aqui na cidade é difícil encontrar ovos caipira e quando encontro são muito caros. Hambúrguer e açaí eu comia de vez em quando, mas agora como com frequência.
Carla - Paracatu Me lembro do cuscuz com rapadura e queijo de Paracatu. A minha alimentação não mudou, continuo comendo verduras e frutas. A gente compra o que precisa.
Julio Cézar - Bento Vitório Augusto dos Santos - Bento O alimento que me faz lembrar de Bento é manga. Quase não como mais, pois tudo é industrializado e com agrotóxico.
Irlane Geralda - Bento Lembro da farofa que comia no Bento. A maior mudança aqui na cidade foi a de passar a comer alimentos não muito saudáveis, enlatados e embalados. Aqui é tudo comprado. No Bento, a maioria dos alimentos eram plantados e colhidos ali mesmo.
Lembro de comer frutas no pé lá em Bento, do frango com quiabo e da costelinha com angú. Quando comecei a fazer academia também comecei a fazer dietas, pesquisei na internet mais sobre alguns alimentos e acabei descobrindo que alimentos comuns poderiam trazer riscos a nossa saúde (doenças, obesidades,etc.). Cortei, então, muitos alimentos que costumava digerir diariamente (refrigerantes, sorvetes, frituras). Sempre gostei de fazer atividades físicas e dietas, pois é uma forma de melhorar a saúde.
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Recriando espaços: A terra Por Manoel Marcos Muniz com apoio de Larissa Helena e Wandeir Campos
Nesta edição trazemos o segundo ensaio da série “Recriando Espaços”. Nele, atingidos mostram que a relação com a terra, lugar onde plantavam e retiravam parte da renda familiar, foi transferida para os breves momentos de conversas e compras de verduras e legumes na feira que acontece aos sábados no estacionamento do Centro de Convenções de Mariana.
Fotos: Larissa Helena
Marquinhos: Banana, cebolinha, laranja e quiabo
Maria Barbosa: Mandioca, banana e couve
Eu vou à feira comprar o que tinha lá no Bento. Aquilo que antes eu vendia e, agora, compro para o meu próprio consumo. Ela, a Sandra, vai à feira trabalhar e vender seus produtos para ajudar no orçamento do mês. Lá, ela mantém a convivência com antigos clientes. Nós vamos à feira para comprar os produtos que tínhamos no nosso quintal. Vamos para adquirir legumes, frutas e verduras que colhíamos em nossas terras e que, hoje, temos que comprar sem saber da origem ou qualidade. Mais do que isso, vamos à feira reencontrar pessoas que víamos sempre no nosso convívio em Bento Rodrigues. Pessoas que pela situação de morar cada um em ruas ou bairros distantes, temos esta oportunidade de conversar por alguns instantes, obter notícias uns dos outros. Assim, tentamos recarregar as baterias para nos mantermos firmes na luta. Marinalda: Couve, batata, alface e mostarda
Geraldo Marculino: Banana, chuchu e quiabo
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Animais fora de casa Os animais diretamente atingidos pelo rompimento da Barragem de Fundão continuam sob os cuidados do Programa de Assistência aos Animais da Fundação Renova/Samarco, previsto no Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta (TTAC) do Ministério Público de Minas Gerais. Marcos Muniz conta que a venda, a procriação e a indenização desses animais têm gerado inquietações e descontamentos. Por Manoel Marcos Muniz Com o apoio de Daniela Felix e Wandeir Campos
Em Bento Rodrigues, eu e meu irmão tínhamos criações de gado, galinhas-d’angola, caipira e da raça Brahma, patos, codornas, porcos, cavalos e cachorros. Pouco antes do rompimento da barragem, planejávamos comprar mais animais. Como eu tinha me aposentado, teria mais tempo para cuidar deles e mexer na terra. Mas perdi minhas plantações e muitos dos meus bichos foram levados pela lama. O gado que sobreviveu está na Fazenda Bom Retiro, sob a coordenação da Fundação Renova/Samarco. Por isso, toda semana visito o local para realizar a contagem e ver se os animais estão sendo bem cuidados. O tratamento é bom, mas claro que não é igual ao que teriam se ainda estivessem com os próprios donos. Encontrei o meu bezerro, que ganhou o nome de Guerreiro, um mês após ele ter sido levado pelos rejeitos da barragem. Minha vaca Kátia também foi uma das sobreviventes: dias depois do rompimento ela até deu cria. Acredito que esses animais devam continuar com a mesma qualidade de vida que tinham. Mas, percebi que eles não estão mais podendo procriar. Na fazenda, os bois foram separados das vacas, por exemplo. A empresa não conversou sobre isso diretamente com quem possui criação no local. Por isso, fui até o escritório da fundação e abri um protocolo contra essa atitu-
de. Disseram que me responderiam em até 40 dias e esse prazo já está quase vencendo. Com eles é assim, quando é pra darem uma resposta demoram muito, quando é pra nós atingidos decidirmos sobre algo, temos que ser rápidos. Ainda no final de agosto de 2016, a empresa demonstrou interesse em comprar minha criação. Desde o início deixei bem claro que não venderia nenhum deles. Querem comprar os animais para não ter mais a responsabilidade de cuidá-los. Até o momento, a indenização pela morte e perda dos animais não foi feita. Nós, atingidos, estamos discutindo uma série de requisitos que precisam ser levados em consideração nesse processo indenizatório, pois tudo tem que ser calculado. Por exemplo, se o animal era de estimação e a pessoa não venderia de jeito nenhum, porque ganhou de presente do pai ou da mãe; se vaca era leiteira; se o cavalo era manso, de charrete, de sela, de cangaia. Isso tem que ser valorado na indenização. Até mesmo os animais que estão na fazenda precisam entrar nessa conta, pois se não nascem novos bezerros, e a vaca não produz leite, não temos a renda que teríamos se ainda estivéssemos em Bento Rodrigues. E também tem os casos de morte. Independente da causa, se morreu aos cuidados da empresa tem que ser levado em conta.
Fotos: Daniela Felix
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“Quando Jamily nasceu, seu pai lhe deu a Poninha de presente. Ela aprendeu a montar com sete meses. Tanto a menina quanto a Poninha têm dez anos, cresceram juntas. Minha filha vem só de vez em quando visitar sua potrinha, porque precisa conciliar seu tempo com a escola. Tem dia que ela falta a aula para ver a Poninha, porque fica triste longe dela. Lá em Bento, Jamily a via todos os dias. Agora ficou limitado. Quando tivermos nosso cantinho, vamos levar todos animais para lá e criar eles.” Joana D’Arc
Joana D’Arc, moradora de Bento Rodrigues, não deixa que a filha perca o contato com os animais.
Histórico do caso De acordo com o relatório da “Força-tarefa Barragem de Fundão”, organizada pelo Governo de Minas Gerais, divulgado em fevereiro de 2016, foram registradas, com o rompimento, a morte de mil cabeças de animais, entre bovinos e equinos e animais de consumo familiar. O prejuízo relacionado à essas perdas e também a da infraestrutura de apoio (curral, galinheiro, pastagens, entre outros) para o município de Mariana foi de R$ 6.273.210,50 (milhões).
Num primeiro momento da tragédia, cerca de 485 animais foram abrigados em um galpão sob a responsabilidade da Samarco. Porém, segundo informações da FIOCRUZ, este espaço ficava em uma área endêmica de cinomose e leishmaniose visceral, o que causou grande preocupação quanto à disseminação da doença. A partir disso, houve a necessidade de uma ação emergencial de realocação desses animais e também o acompanhamento por parte dos órgãos de controle.
Segundo última informação disponível no site da Fundação Renova/Samarco, 286 animais estavam sob sua guarda no mês de março. O Jornal A Sirene procurou a Fundação para esclarecimentos sobre a reprodução, compra, indenização e morte destes animais, mas não obteve resposta até o fechamento desta matéria.
“Meu cavalo preto, o Pampinha, nasceu 15 dias antes da lama chegar. Ele subiu para o alto de um morro, junto a mãe. Os dois escaparam, mas a mãe morreu logo após chegar na fazenda. Perdi muitos animais no Bento. Através de uma foto na internet, descobri que os bombeiros tiveram que sacrificar uma égua minha. Ninguém me contou nada. Falam sobre a indenização, mas não definem o dia, nem a hora. Eu acho que vão esperar a gente morrer para nos indenizar. Quando o novo Bento sair queremos levar nossos animais para lá, porque a gente gosta da nossa criação.” Antônio Amado
Antônio Amado, de Bento Rodrigues, possui animais de grande porte sob a guarda da Renova/Samarco.
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A SIRENE
Maio de 2017
PARA NÃO ESQUECER
Renovação de contrato
Mariana - MG
Fundação Renova/Samarco anuncia mudanças de terceirizadas que prestam serviços aos atingidos, mas não esclarece os impactos das alterações na vida dos moradores. Por Flávio Ribeiro Com o apoio de Genival Pascoal e Carlos Paranhos
Fotos: Daniela Felix
Se, para os atingidos, sobram dúvidas sobre o presente e o futuro, para a Fundação Renova/Samarco falta transparência nos trabalhos de reparação. Enquanto diversos moradores de Bento e Paracatu se desdobram em busca de um atendimento mais adequado às suas necessidades, a instituição segue decidindo a vida dos atingidos sem envolvê-los em seus processos de deliberação. No último mês, a Renova/Samarco anunciou a troca de dois dos contratos que mais impactam no cotidiano dos moradores de Bento e Paracatu: a prestação do serviço de saúde e o cartão de auxílio financeiro. Porém, a instituição não informou detalhes das mudanças aos atingidos, aos grupos de apoio ou para o Ministério Público. Saúde Contratada em dezembro de 2015 para fornecer infraestrutura de saúde para a Prefeitura de Mariana, a Serviços Médicos Especializados (SME) não terá o contrato renovado pela Fundação Renova. A instituição alegou que o encerramento do acordo busca melhores alternativas no mercado para atender às demandas dos atingidos. A Fundação não respondeu quais seriam as diferenças entre os contratos que justificariam a alteração, nem quais demandas dos atingidos passariam a ser cobertas pelo novo plano. A mudança contratual gera incertezas quanto à recontratação dos profissionais que já atuam junto com os atingidos. Os moradores se preocupam com a perda dos vínculos gerados com as equipes responsáveis pela assistência na área de saúde, tendo em vista que essas trocas podem implicar na chegada de profissionais que desconhecem o histórico médico e as particularidades de cada atingido. O Seu Zezin Café, de Bento Rodrigues, por exemplo, diz ter medo de novas trocas de médicos, pois sua relação com uma das psicólogas é fundamental para o tratamento da depressão. Além disso, algumas mudanças já ocorridas, quando alguns dos profissionais pediram desligamento, acabaram gerando a troca de seu prontuário e também dos remédios que ele já estava acostumado a receber. Tendo em vista que a gestão do atendimento à saúde é prerrogativa do SUS, a responsabilidade pela avaliação dos profissionais que já atuam no atendimento aos atingidos cabe ao Poder Público. Até o fechamento desta edição, a Prefeitura não respondeu os questionamentos do jornal A SIRENE sobre sua participação no processo de troca
Atingidos recebem cartão do auxílio financeiro gerido pela nova operadora, Alelo.
Seu Zezim Café teme a troca da equipe que lhe oferece suporte médico.
da terceirizada, o que é motivo de preocupação para moradores de Bento e Paracatu. Auxílio financeiro O contrato dos cartões Policard também está sendo trocado. A partir de 1º de junho, a empresa Alelo passa a gerir os cartões do auxílio financeiro, já que a empresa foi a ganhadora da licitação feita pela Fundação. Embora a Renova destaque a abrangência do novo cartão, alguns atingidos apontam dificuldades em encontrar estabelecimentos
que operam com a bandeira “Elo” na região de Mariana. A Renova afirma que levou em consideração o número de estabelecimentos atendidos pela operadora em todo o país, mas não esclareceu se alguma pesquisa foi feita na cidade de Mariana, tampouco em estabelecimentos condizentes ao perfil de consumo dos atingidos. Para a moradora Simaria Caetana, a mudança do contrato já começou problemática, pois a atingida teve que se deslocar ao escritório da fundação para retirá-lo.
A SIRENE
Maio de 2017 Mariana - MG
PARA NÃO ESQUECER
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AGENDA DE MAIO 2 (terça)
3 (quarta)
Reunião Grupo de Trabalho Temático de Paracatu Horário: 18h Local: Escritório dos Atingidos
Reunião Grupo de Trabalho Temático de Bento Rodrigues Horário: 18h Local: Escritório dos Atingidos
10 (quarta) Reunião Grupo de Trabalho Temático de Bento Rodrigues Horário: 18h Local: Escritório dos Atingidos
17 (quarta) Reunião Grupo de Trabalho Temático de Bento Rodrigues Horário: 18h Local: Escritório dos Atingidos
23 (terça) Reunião Grupo de Trabalho Temático de Paracatu Horário: 18h Local: Escritório dos Atingidos
29 (segunda)
15 (segunda) Reunião Grupo de Trabalho Temático de Pedras Horário: 17h Local: Escritório dos Atingidos
22 (segunda)
Reunião Interna da Comissão dos Atingidos Horário: 18h Local: Escritório dos Atingidos
15 (segunda) Reunião Interna da Comissão dos Atingidos Horário: 18h Local: Escritório dos Atingidos
9 (terça) Reunião Grupo de Trabalho Temático de Paracatu Horário: 18h Local: Escritório dos Atingidos
16 (terça) Reunião Grupo de Trabalho Temático de Paracatu Horário: 18h Local: Escritório dos Atingidos
Convite especial: arte: Silmara Filgueiras
Reunião Interna da Comissão dos Atingidos Horário: 18h Local: Escritório dos Atingidos
24 (quarta) Reunião Grupo de Trabalho Temático de Bento Rodrigues Horário: 18h Local: Escritório dos Atingidos
29 (segunda)
Reunião Grupo de Trabalho Temático de Pedras Horário: 17h Local: Escritório dos Atingidos
Reunião Interna da Comissão dos Atingidos Horário: 18h Local: Escritório dos Atingidos
30 (terça)
31 (quarta)
Reunião Grupo de Trabalho Temático de Paracatu Horário: 18h Local: Escritório dos Atingidos
Reunião Grupo de Trabalho Temático de Bento Rodrigues Horário: 18h Local: Escritório dos Atingidos
Observação: *Agenda sujeita a alterações.
8 (segunda)
dia 18 de maio
Editorial Desde o rompimento da Barragem de Fundão, fomos obrigados a colocar valor nas coisas que perdemos. Tarefa difícil, pois o que a lama levou nem sempre pode ser medido por preço ou quantidade Quem sabia quantos pés de laranja ou de mandioca nós tínhamos em nosso quintal? O que conhecíamos era o esforço para cuidar e proteger nossas plantações. Quanto vale comer aquilo que plantávamos? Os alimentos frescos que víamos crescer em nossas próprias hortas já não chegam à gente. Quanto vale o pé de manga onde nossas crianças brincavam? O pé onde nós, quando crianças, brincávamos? E nossos animais que sobreviveram ao desastre e ainda estão longe de seus donos? Quanto vale a vida de um boi ou de um porco que, para nós, tinham até nome? E o valor das nossas águas? Como medir as perdas das nascentes e os peixes do rio? Quanto vale a paisagem que nos encantava as vistas? Quanto vale o trabalho tirado de um pescador que sustentava honestamente sua família? E os objetos que perdi e que guardavam as memórias da minha vida: o boletim da escola com a nota que me esforcei para conseguir, as fotografias que guardavam detalhes do passado que está longe, os prontuários que registravam meu histórico médico? Qual moeda há de pagar as histórias que a lama enterrou? Quanto vale a vida de um parente que foi tirada pela lama e que, hoje, permanece em lágrimas e saudade? Como ressarcir as pessoas que pelejam para se livrar da lama que ainda escorre, a lama que já secou, a lama que virou poeira e que respiramos todos os dias? Quanto vale a luta de Simone e Sofya, nossas personagens de capa? Quanto vale termos que brigar para sermos reconhecidos como atingidos? Quanto vale a nossa mudança de cotidiano e o esforço que, hoje, precisamos fazer para dar conta de uma rotina de reuniões? Quanto vale a saúde que, há um ano e meio, estamos perdendo para permanecermos de pé e combativos? Nossas perdas jamais poderão virar números. Viram, quando muito, histórias. Viram uma cristaleira, um rádio, um vestido. Viram sentimentos. Viraram nossas vidas reviradas.