A SIRENE PARA NÃO ESQUECER | Edição 10 - Janeiro de 2017
Foto: Rodolfo Meirel
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Janeiro de 2017 Mariana - MG
PARA NÃO ESQUECER
Editorial Como é bom começar um novo ano! Uma oportunidade para rever anseios, planos e metas. Assim como nós, a Samarco/ Vale/BHP também segue se planejando para 2017. Ela tem planos de voltar a operar com 60% de sua capacidade, e ainda assim, com rendimentos bastante positivos. Não somos contrários à retomada das atividades da mineradora. D efendemos a responsabilidade de seus atos, a garantia da segurança de vidas e o zelo com o meio ambiente, como relatou o atingido Genival Pascoal na Audiência Pública Sobre o Sistema de Disposição de Rejeitos Na Cava Alegria Sul, requerida pelo Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas(FONASC-CBH), realizada em Mariana no último dia 15 de dezembro. A urgência imposta pela busca por recursos não deve provocar novos danos. O maior desastre-crime socioambiental desse país deve deixar aprendizado. Aprendizado esse que mobiliza hoje diversos grupos/movimentos/instituições, em uma importante rede de apoio aos atingidos e de monitoramento dos riscos ambientais. Iniciamos nesta edição uma série de reportagens so-
Expediente
Erramos bre atores dessa rede, começando pelo Grupo de Estudos e Pesquisas Socioambientais(GEPSA) da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Trazemos também histórias de vida, de relação dos atingidos com a terra e com os animais. Histórias de casamentos, que, com 50 anos ou 2 meses, nas expectativas sobre o futuro. A mesma expectativa alimenta Vera, de Paracatu, que lutou muito pra ter sua casinha simples, e hoje só tem histórias da conquista suada de cada tijolo. O que une essas pessoas é o desejo pelo lugar com o qual se identificam. Identidade, história e memória ligam a comunidade de Bento aos muros antigos que haviam lá, e que serão alagados pela construção do dique S4. Fato esse que pode inviabilizar definitivamente pesquisas sobre as origens daquele povoado. Na seção “O Direito de Entender”, uma leitura do promotor Guilherme de Sá Meneghin sobre as trocas na equipe de promotores que compunham a força-tarefa responsável pelas investigações sobre rompimento da barragem de Fundão, e de como essa mudança poderá afetar o destino das pessoas e do meio ambiente atingido.
Na edição número 9, o jornal A Sirene errou. Na matéria "A nossa ponte", localizada na página 5, as seguintes afirmações "amigo da guarda" e "dois loucos" estão erradas, o correto é "anjo da guarda" e "os loucos", respectivamente. Assim como, na matéria "Meu acesso é controlado", na mesma página, informamos "tivemos que tirar os tapumes", o correto é "tivemos que abrir os cadeados do portão do tapume". Também informamos, na matéria “O último casamento em Paracatu”, localizada na página 13, que Karine se casou em setembro. O correto é em outubro, nove dias antes do rompimento da barragem. Nós pedimos desculpas aos personagens envolvidos e reiteramos que vocês, leitores, nos ajudem a corrigir nossos erros escrevendo para a seção “Espaço dos leitores”. Envie um e-mail para: jornalasirene@gmail.com
AVISO
Não assine nada: • Se tiver dúvidas sobre o conteúdo; • Se precisar de ajuda de um advogado ou qualquer outro especialista; • Se alguém disser que “todo mundo já assinou, só falta você”; • Se você quiser consultar algum familiar antes; • Se alguém disser que “se não assinar, não terá mais direito”.
Atenção! Se alguém tentar fazer você assinar qualquer coisa, procure o Ministério Público ou a Comissão dos Atingidos. O tempo para analisar e questionar qualquer documento é seu!
Leve essa mensagem a todos todos os outros atingidos
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Realização: Atingidos pela Barragem de Fundão, Arquidiocese de Mariana, Projeto de Extensão A Sirene e o Direito à Comunicação dos Atingidos pela Lama (Curso de Jornalismo/ICSA/UFOP) e Um Minuto de Sirene | Conselho Editorial: Milton Sena (Editor Chefe), Angélica Peixoto, Ana Elisa Novais, Cristiano José Sales, Fernanda Tropia, Genival Pascoal, Lucimar Muniz, Manoel Marcos Muniz, Mônica dos Santos, Pe. Geraldo Martins, Rodolfo Meirel, Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio), Silvany Diniz, Simone Maria da Silva e Thiago Alves | Diagramação: Silmara Filgueiras (Editora) | Fotografia: Rodolfo Meirel (Editor) | Apoio: Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e MICA/Brazil Foundation (Carlos Paranhos, Caroline Hardt, Daniela Felix, Flávio Ribeiro, Genival Pascoal, Larissa Helena, Miriã Bonifácio e Wandeir Campos) | Revisão: Ana Elisa Novais e Miriã Bonifácio | Agradecimentos: Guilherme de Sá Meneghin (Promotor de Justiça - Titular da 2ª Promotoria de Justiça de Mariana)| Impressão: Sempre Editora | Tiragem: 2.000 exemplares | Fonte de recurso: Termo de ajustamento de conduta entre Arquidiocesse de Mariana e Ministerio Publico de Minas Gerais (2ª Promotoria de Justica de Mariana).
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O cuidado com os animais Muitos animais também se tornaram atingidos com a enxurrada de lama. Nesta matéria, duas histórias de donos de animais sobreviventes ao lamaçal, que, por amor, se propuseram a cuidar diariamente deles e optaram por não vendê-los à Samarco, pois acreditam que sejam estes animais a pouca lembrança que ainda resta do lugar onde moravam.
Rosaria e seu cavalo Zimbá
Por Luzia Queiroz (atingida de Paracatu de Baixo), João Bigode, Rosária Frade e Wandeir Campos.
Rosaria Ferreira Duarte Frade, 59 anos, se mudou definitivamente para Paracatu de Baixo após a sua aposentadoria em 2007. “Vivi durante 15 anos no distrito e tinha dois imóveis, sendo uma casa e um sítio equivalente a 12 hectares onde mantinha minha criação de cavalos, bois e galinhas. Também tinha plantação de milho, feijão, mandioca, além do pomar e hortaliças”. Com o rompimento da barragem, os animais de Rosária, de início, foram retirados do distrito atingido e levados para uma fazenda sob os cuidados da Samarco. Mas não se
adaptaram e emagreceram rapidamente. “Aluguei um lote em Monsenhor Horta e transferi meus animais para o local, que abriga o velho cavalo “Zimbá”, meu maior apego, pelas histórias de alegria que vivi com ele”. O lote onde a criação está, é ela quem paga. “Não adianta esperar pela Samarco enquanto vejo os meus animais sofrerem. Até o momento não recebi a indenização da segunda casa que também tinha em Paracatu de Baixo, a empresa me ofereceu a compra dos bichos, mas tenho muito amor e carinho por eles”.
Fotos: Daniela Felix
João Bigode atravessa o rio a cavalo para cuidar do gado
João Bosco Gonçalves, o João Bigode, como é chamado, tem 68 anos e morou em Paracatu de Baixo desde que nasceu. Para conseguir adquirir sua casa e seus animais foi aos poucos. Começou vendendo leite, aos 25 anos de idade. “É a única coisa que sei fazer na vida”. Se dedicou tanto a área leiteira que fundou a Associação Agropecuária de Leite de Águas Claras. “Tinha 28 cabeças de gado no meu terreno, além de outras criações menores e plantação. Quando a barragem se rompeu e destruiu o meu sítio, muitos dos animais ficaram soterrados na lama. Salvei alguns com minhas próprias mãos. Uma das minhas vacas por exemplo estava presa na lama e eu busquei ela de cueca lá do outro lado”.
A Samarco não ofereceu a compra dos animais para o João Bigode diretamente, apenas indicou um outro terreno de pastagem para que ele pudesse colocá-los. Ele não aceitou e quis continuar no local de infância, onde seus bois, que agora não passam de 20 cabeças, pastam. O acesso até o local é precário, pois é preciso atravessar o rio a pé ou a cavalo para ir ao encontro aos animais. “O que mais sinto falta é do meu cachorro Campeiro, que me ajudava a tocar o gado. Ele se perdeu”. Para o tratamento de 18 cabeças de gado recebeu o equivalente a um saco de fubá e dois de farelo. Não tem planos de vendê-los à empresa, como ele mesmo lembra, “foi com muito sacríficio que consegui tudo o que tinha em Paracatu de Baixo”.
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ATINGIDO, QUEM É VOCÊ? O maior patrimônio de uma comunidade são as pessoas que dela fazem parte. Vera Lúcia é uma dessas pessoas . Com seu jeito simples revela uma história de vida marcada por lutas e desafios para sobreviver e criar três filhos sozinha, em Paracatu. Mãe e trabalhadora soube conjugar seus esforços para melhorar sua vida e educar os filhos com dignidade. Por isso e por um pouco mais, vale muito conhecer a mulher por trás da atingida pela barragem. Por Angélica Peixoto Com o apoio de Fernanda Tropia
No começo Estava com dois filhos pequenos, ano de 1983, decidiu que era hora de sair da casa dos pais e ir morar sozinha. Queria ter seu próprio cantinho.“Não foi fácil pois o dinheiro era pouco. Eu trabalhava recebendo por dia: capinava cana, picava lenha e precisava da ajuda do meu pai”. Sua primeira casa foi feita de barro, o chão de terra batida, com apenas dois cômodos coberta de sapé. “Era uma casa à moda de joão-de-barro.” O trabalho com piteira (sisal) Para se fazer tapete de sisal, a piteira precisa passar por um demorado processo de retirada das fibras que posteriormente são usadas na tecelagem. Vera trabalhou bastante tempo com isso. “Não enjeitava serviço, mas foi um trabalho doloroso. Buscava as folhas de piteira em Águas Claras a pé. Trazia na cabeça. Depois era preciso colocar de molho por oito dias, bater com um pau, lavar várias vezes. A água ficava espumosa e dava coceir a
no corpo todo. Nunca desanimei! Tudo que tive naquela época foi da piteira. Vendia a fibra de porta em porta, em Cachoeira do Brumado. Com o dinheiro cuidava melhor dos meus filhos. Coloquei até telhas na casa!” O trabalho na fazenda O terceiro filho estava com poucos meses de nascido e diante das necessidades de sustentar três crianças Vera foi trabalhar como cozinheira numa fazenda da região, deixando a casa aos cuidados do filho mais velho. Ia à pé. Andava duas horas por uma estrada de terra, tanto para ir como para voltar. “Não reclamava. A distância era muita, mas lá o dinheiro era bom, pois podia comprar comida, roupas e calçados melhores. Para mim não comprava nada. Minha preocupação era melhorar a vida dos meninos”.
O que é Sisal? Sisal é uma planta usada por Vera como matéria-prima na produção de fios. Da planta (piteira) é extraído principalmente a fibra das folhas, para confeccionar cordas, tapetes etc. É considerada a fibra mais dura que existe!
Qual sua identidade hoje?
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Melhoria da casa Em 1997 foi trabalhar na escola de Paracatu. Efetivada por concurso público, morava ainda num ranchinho, como costuma dizer. Os filhos agora crescidos ajudavam com as despesas. “Meu filho mais velho me disse: mãe, por que a senhora não faz uma casa de tijolo como todo mundo? O dinheiro
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ainda não dava. Preferi fazer mais cômodos, colocar telhas e manter as paredes de barro.” Ficou assim ainda por alguns anos. A casa nova Com o tempo e ajuda dos filhos foi colocando tijolos nas paredes “Num mês derrubava e fazia uma parede, Fotos: Larissa Helena
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no outro derrubava e fazia mais uma. Depois da casa toda entijolada coloquei cerâmica nos cômodos. Tinha duas cozinhas! Sua casa se destacava no meio das plantas. Pintada com um verde claro, no ponto mais alto do terreiro era convidativa. Vera sempre recebia a todos com orgulho de quem havia superado muitas dificuldades e alcançado seus objetivos. A barragem na sua vida “Não esperava um dia estar aqui em Mariana, como estou hoje. Dependendo dos outros. A barragem foi a pior coisa que aconteceu na minha vida. Trabalhei tanto, lutei tanto... Quero minha casa. Tenho muitos questionamentos. Se receber outra casa pode ser até melhor, mas igual a antiga nunca mais.”
Vera, uma mulher guerreira
Vera Lúcia é uma mulher muito ligada à terra. Seu trabalho e lazer sempre estiveram relacionados com capina, com cortação de lenha, com plantio de horta, flores e frutas.
Ser atingida “A lama veio e acabou com meus planos e minha paz. Tenho sessenta anos e vou esperar três anos para ter minha vida de volta. Eu era muito feliz debaixo das árvores do meu quintal. Como alguém pode pensar que eu não tinha nada em Paracatu? Moro numa casa confortável sim, mas que não é minha. Não tenho esperança de quase nada. E como sempre vou continuar lutando’’.
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Muros antigos de Bento
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Existem vestígios de muros feitos em pedra seca em Bento Rodrigues, construídos entre os séculos XVIII e XIX, com enorme importância arqueológica, mas que irão ficar enterrados nos rejeitos estocados pelo Dique S4. Essas construções fazem parte da memória coletiva e individual da nossa comunidade, e tem sido difícil engolir mais esta perda. Por Antônio Dalua, Genival Pascoal e Lucimar Muniz Com o apoio de Carlos Paranhos e Kleverson Lima
É curioso como o rompimento da barragem nos trouxe certos entendimentos, e com eles passamos a valorizar ainda mais o que sempre nos pertenceu, mas não dávamos o devido valor. Tínhamos diversos muros de pedra seca no entorno da Igreja de São Bento, que seguiam por suas ruas, becos e fundos de quintais. São muros que fizeram parte da história de muitas gerações. Estavam ali sempre firmes, até que a lama passou, restando apenas as bases, que podem ser usadas para estudos arqueológicos. Eles eram cheios de histórias, de causos de assombração a coisas corriqueiras. Neles nascia lobrobrô
(ora-pro-nóbis), que a gente colhia e comia com angu. Alguns tinham buracos, teve gente que escondeu dinheiro e depois esqueceu onde estava. Tinham aqueles tímidos que aproveitavam para ficar olhando as moças pelos buracos e assobiavam quando elas passavam. Além de fazermos parte da história desses muros, sabemos também que ficavam numa importante estrada de terra que ligava Mariana à Sabará, na região da Serra do Caraça. No povoado, segundo consta, houve uma única estalagem, que funcionava do lado da Igreja de São Bento, para abrigar os viajantes e os tropeiros. Era um prédio bonito, que possuía o teto todo pinta-
Fotos: Genival Pascoal
Parte do que restou do antigo muro de pedra da rua Raimundo Muniz.
do com florões no seu segundo andar. Quando as tropas chegavam, além de alguns espaços para as pessoas pernoitarem, tinham também espaços que eram destinados aos animais, os famosos ranchos. Alguns vestígios desse período existiam na paisagem local até a passagem do rejeito. O que mais chamava a atenção era o Curral de Pedras, uma construção diferente. Lá já foi da Dona Efigênia (mãe do Dalua), que depois vendeu para o Zé Felipe. Antes da barragem romper, a mineradora estava tentando comprar dele. Era um espaço bonito, bem cuidado, com três lagoas, que eles diziam ter sido feitas pelos escravos para tirar ouro. A gente usava lá pra pescar. Antônio Dalua narra
suas lembranças sobre os muros e a ausência que hoje fica: “O que eu lembro é que o muro atravessava a rua principal como se fosse um muro de broca (muro de arrimo), mas como na época dos escravos não existia broca nem cerca, eles amontoavam uma pedra em cima da outra. É muito antigo.” Essas construções, que enfrentaram as ações do tempo e até a passagem do rejeito, agora estão passando por uma nova prova de resistência, já que as águas do Dique S4 vão submergi-las e não sabemos se um dia os veremos de novo. A técnica de envelopamento promete que os muros serão conservados e que poderão ser acessados quando o dique perder sua função, mas não sabemos se o S4 sairá de lá algum dia.
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Em termos legais Procurado pelo Jornal A Sirene, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) relatou que pouca coisa pode ser feita para a preservação do muro e de qualquer outra construção antiga de Bento Rodrigues, porque o subdistrito não é tombado em nível federal. Apesar do processo municipal de tombamento ter se iniciado em maio de 2016, nada ainda foi feito para a conservação dos bens históricos da localidade.’ Já a mineradora Samarco alegou que os muros serão protegidos por um envelopamento: um processo que (teoricamente) cobre e preserva a estrutura. No entanto, a estabilidade das pedras é incerta, o que pode prejudicar ainda mais futuros estudos sobre essas construções, visto que toda a área será estocada por rejeitos pesados, além
das fortes ondas de água que batem constantemente. A Samarco apresentou o projeto de intervenção nos muros de Bento Rodrigues para a Superintendência do IPHAN de Belo Horizonte, mas não o encaminhou para a Secretaria de Cultura de Mariana ou para o Conselho Municipal do Patrimônio Cultural (COMPAT), órgãos responsáveis pelo patrimônio marianense. Essa apresentação é obrigatória, já que o tombamento de Bento Rodrigues encontra-se em andamento. A falta de contato com o projeto não permite uma avaliação técnica sobre as ações pensadas para a conservação dessas estruturas, o que reforça a sensação de que Bento Rodrigues não é mais propriedade nossa, mas da empresa. Não podemos fazer mais nada lá. Daqui a pouco não terá mais nada, apenas o rastro da lama.
Sinalização de segurança colocada pela Samarco na área de alagamento
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Memória e espaço Por Monica Santos Com apoio de Kleverson Lima Fotos: Cristiano Sales
Os moradores de Bento, não suportando a morosidade dos trabalhos na comunidade atingida, já há algum tempo realizam expedições em conjunto com os arqueólogos responsáveis pelo trabalho. E encontraram um banco que ficava próximo ao Bar da Sandra, embaixo de uma árvore. Maria fez o que estava acostumada desde pequena: saudou o velho companheiro deitando-se sobre o seu corpo de pedra. Enfim, ele voltou a sentir a luz, e ela pôde (por alguns segundos) descansar e se esquecer de tudo que aconteceu. Nota: A intenção desta reportagem não é estimular essa prática, mas demonstrar como o trabalho de arqueologia tem andado a passos lentos e não corresponde às expectativas dos atingidos.
Envelopamento de proteção feito nas bases dos muros de pedra no alagamento provocado pela construção do dique S4.
"Era o que minha mãe mais queria achar: os bancos de pedra. Foi emocionante! Uma outra vez escavamos no lugar que eles estavam, mas foi em vão. A cada pedra que achávamos que eram os bancos, ela chorava. Foi lindo."
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Família Silva, de Bento Rodrigues Por Filomeno e Tereza da Silva (atingidos de Bento Rodrigues) Com o apoio de Wandeir Campos, Larissa Helena e Mônica Santos
O casal Filomeno e Tereza viveram seus mais de 50 anos de casados em Bento Rodrigues, onde tiveram três filhos. Mesmo coincidindo a vida escolar das crianças e a profissional do marido, os cônjuges nunca abandonaram o distrito de origem. Em 1982, adquiriram uma casa em Mariana e, após a tragédia, se mudaram definitivamente para ela. Nesta casa acontecem as festas que antes eram realizadas em Bento: agora novo ponto de encontro da Família Silva.
Sou Filomeno da Silva, nasci em 1933 em Bento Rodrigues e minha esposa Tereza Viana da Silva, em 1937 em Ouro Preto, cidade onde nos casamos no dia 20 de julho de 1963. Logo depois do matrimônio, fixamos em Bento Rodrigues e por lá moramos durante os nossos 53 anos de casados, tivemos 3 filhos e construímos uma história juntos, eu trabalhando fora, na Vila Alegria, e Tereza cuidando de minha mãe e nossos filhos. Lá nasceram a Maria Marta, a Marinalda e o Mauro. Viemos para Mariana forçados, pois até então a vinda à cidade histórica era apenas nas quintas-feiras, quando tocava com a banda. No dia do rompimento da barragem, saímos de Bento por volta das 14h20 e acreditamos fazer parte de um milagre, porque se estivéssemos por lá, o fim teria sido diferente. Não tínhamos noção da proporção da altura que foi a enxurrada da lama. Na nossa casa, que ficava situada
Na foto a família e o Dom Francisco Barroso Filho que celebrou uma missa na Igreja de Nossa Senhora do Carmo para a comemoração dos 50 anos de matrimônio do casal
na Rua São Bento, era costume fazermos as festas entre os filhos e os netos, sempre em épocas festivas (Natal, Ano Novo e Páscoa), as noites eram marcadas pelos “fogos de artifícios do Mauro”, o nosso caçula. Independente do dia dasemana, os aniversários eram comemorados. Íamos dormir mais cedo e os três filhos prosseguiam com a festa.
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Fotos: Arquivo Pessoal
Sr Filomeno e Dona Tereza na comemoração dos seus 50 anos de casados
Sr. Filomeno & Dona Tereza M. M
M. S
M. S
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O último casamento de Bento Rodrigues Por Mônica Santos e Célis Felício Com o apoio de Wandeir Campos e Larissa Helena
Às vésperas de completar dois meses de casada, Celis saiu para trabalhar no dia 5 de Novembro de 2015 às 6 h da manhã e não pôde voltar a Bento Rodrigues mais, sua casa tinha sido arrastada pela lama. Hoje, ela vive em Mariana com o marido e recebe apenas o auxílio cartão e o aluguel da casa, pagos pela Samarco.
Sou Célis Vieira Gonçalves Felício, sempre conheci meu marido, Marcelo José Felício. Desde criança conhecia ele. Aliás, lá em Bento era assim: todo mundo conhecia todo mundo. Começamos a namorar quando eu tinha 27 anos e durante o nosso namoro, que durou 5 anos, fazíamos vários planos para a nossa vida de casados. Até que a lama da Samarco levou tudo. Saí de casa às 6 horas do dia 5 de novembro e não voltei mais. A única coisa que ficou comigo foi o meu uniforme de serviço. Me casei na Igreja de São Bento, que pertence à Paróquia Nossa Se-
nhora da Conceição, em Catas Altas, onde a maioria dos casamentos de Bento Rodrigues eram celebrados. Nosso casamento aconteceu no dia 19 de setembro de 2015 às 17h. Fomos abençoados pelo padre Armando, que ministrou lindamente a concretização do nosso sonho. Eu chamei todos osmeus irmãos e dois sobrinhos meus para serem padrinhos do meu casamento, além de dois sobrinhos do Marcelo. Fizemos tudo para a festa, e o que pude economizar, economizei. A recepção foi no ginásio e todos meus amigos ajudaram a servir. O povo da comunidade estava em peso lá, como
de costume. Sempre que tinha algum casamento todos íam para comemorar com os noivos. Nunca me imaginei morando aqui em Mariana. A expectativa era de trabalhar e voltar para Bento. Nunca sair de lá. Foi uma mudança radical na minha vida, nem todos os meus presentes estavam abertos ainda. A minha casa faltava apenas o acabamento. Estava toda preparada para que eu tivesse meus filhos e eles crescessem por lá. Era espaçosa. Se não fosse o rompimento da barragem já teríamos arrumado um bebê faz tempo.
Foto: Larissa Helena
Álbum fotográfico, pronto meses depois, única recordação do dia do casamento.
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O Tempero da Vida Por Sergio Papagaio
Ontem a tarde eu encontrei com Deus. Ele estava de bermuda, camiseta preta, um pé de chinelo outro descalço. Na sua forma mais humana, eu acho. Ele não me viu, estava distraído temperando a vida, então eu notei que o tempero que usava tinha de tudo um pouco. Eu vi no tacho que mexia: dor, tristeza, riso, fome e alegria. Tinha o amor endurecido e o ódio dissolvido. Foi mudada a composição quando adicionou à porção um punhado de razão, mas que perdera força ao se misturar com a emoção e, juntados à traição, davam um sabor de ilusão, e se tornava mais forte pelos vícios e a paixão. Quando percebi, era levado pela mão até uma elevação. E com o dedo da mão direita indicou-me um telão. Os filmes que iam passando melhoraram a minha percepção. Eu vi nascimento e morte ao mesmo tempo. Vi as coisas lá do céu e as do inferno também. O que mais me chocou foram as coisas, só dos homens, e num grande caldeirão todo homem metia a mão: um punha sal, outro manjericão. Uma mulher pôs três frutas de pequi e um moço muito estranho pôs um tempero que nunca vi. Uma senhora negra envolta num manto azul tira do coração um tempero cor de anil (era o meu querido Brasil) e com muita emoção o coloca no caldeirão. Um homem lá de Brasília adiciona corrupção. Não cai tudo nessa porção: um outro homem do mesmo calibre desvia a maior parte para outros caldeirões. Num tumulto desesperado, cada um põe um bocado mais, e a coisa fica feia quando o povo da caneta põe dinheiro na mistura, faz brotar no caldeirão tris-
teza, dor, escravidão. De repente ouve-se uma enorme explosão: foi a Vale temperando a morte com a lama assassina da barragem de Fundão. Voltei-me para Deus em um questionamento: - Porque permites esses acontecimentos? Ele então me respondeu: - O tempero que amarga a terra, que mata o homem e faz a guerra não é meu, nem é de satanás. O próprio homem é quem o faz, baseado nos ensinamentos deste outro rapaz. - Mesmo causando a morte o homem seria capaz? - Criei todo homem pra viver eternamente. A morte foi conseqüência dos temperos dos homens, de maneira inconsequente, pois o homem na maldade, em sua ação, pôs a nação do inferno no segundo escalão. - Então satanás deveria ter cartão, pois foi muito atingido no setor de malvadeza. O homem constrói barragens que chamamos de represa, que levam uns à morte e os outros à tristeza. Destrói comunidades inteiras, faz doenças de todo tipo, mistura a cabeça do homem e separa os que a cabeça perdem, faz uns morrerem e outros se matarem. Mas isso já é suficiente para o diabo destronar, e levá-lo na Fundação Renova pra exigir a indenização, diante de tantas provas que são. Olhem só essa situação: satanás acusando a Vale, BHP e a Samarco de plagiar a tentação e de agir conforme o mal, fosse deles a criação.
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Foto: Genival Pascoal
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REDE COLABORATIVA DE APOIO AOS ATINGIDOS Desde o rompimento da barragem de Fundão, diversos voluntários, grupos, movimentos e instituições têm se organizado para atuar em apoio aos direitos dos atingidos. Mas muitas dúvidas ainda existem sobre como e a quem recorrer ou sobre a real autonomia dos atingidos e seu papel nessa rede de apoio. Nessa série que iniciamos agora, buscamos apresentar esses grupos, entendendo que os atingidos são protagonistas de suas ações, mas podem contar, quando acharem necessário, com uma grande rede colaborativa que se forma e se fortalece quanto mais acontece a troca de experiências e a ajuda mútua. O primeiro grupo que apresentaremos é o Grupo de Estudos e Pesquisas socioambientais (GEPSA) da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) POR LUCIMAR MUNIZ COM APOIO DE ANA ELISA NOVAIS ENTREVISTA CEDIDA POR TATIANA RIBEIRO SOUZA, PROFESSORA DO CURSO DE DIREITO DA UFOP E COORDENADORA DO GEPSA Fotos: Arquivo GEPSA
Projeto “Observatório do Reassentamento” : professores com Antônio Marcos (Gesteira)
O GEPSA tem como objetivo acompanhar os desdobramentos do desastre de Fundão, atuando na defesa dos atingidos, ao lado de outros grupos de pesquisa, dos movimentos sociais e do Ministério Público, que tem sido mais combativo na fiscalização das reparações devidas pelas empresas responsáveis por esse desastre: a Samarco, a Vale e a BHP. Nossa atuação junto aos atingidos se dá especialmente a partir das demandas apresentadas por eles. Desde as primeiras visitas e primeiros contatos com as populações atingidas, temos nos orientado por uma escuta atenta sobre os seus sofrimentos, suas deman-
das e expectativas. Depois de identificadas as possibilidades de contribuição da nossa equipe, que é bastante interdisciplinar, desenvolvemos projetos e parcerias que vão nos inserindo cada vez mais nesse universo que é a luta pelos direitos dos atingidos. As denúncias de violação dos direitos humanos dos atingidos, feitas aos organismos internacionais em parceria com outros grupos e entidades, foram muito importantes para colocar o crime da Samarco na agenda política internacional e buscar a pressão desses organismos sobre o Governo Brasileiro. Também é muito relevante o contato mais
direto que estabelecemos em Barra Longa, que resultou nos projetos “Observatório do Reassentamento” e “Narrativas atingidas” de assessoria aos moradores de Gesteira, e em um projeto voltado para a educação, por meio da formação de professores sobre a questão minerária na região. Além disso, o acompanhamento dos inquéritos e das ações civis públicas contra a Samarco, a Vale e a BHP, tem sido fundamental para entendermos as estratégias da empresa (para minimizar os seus prejuízos com as reparações de danos) e orientarmos os atingidos sobre a melhor forma de defender os seus direitos.
Infelizmente, na nossa avaliação, o cenário atual é bastante desfavorável aos atingidos. A incapacidade do poder público de assumir o controle da crise social, econômica e ambiental produzida pelo rompimento da barragem de Fundão é o principal fator de impunidade para o crime cometido pela Samarco e prejuízo para os atingidos. A força econômica da mineração se reflete claramente na influência sobre os poderes políticos e na formação da opinião pública, fazendo com que seus interesses sejam preservados, em prejuízo dos direitos dos atingidos.
Parte do caderno técnico do Observatório do Reassentamento
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Direito de entender
O que é o Ministério Público?
Por Guilherme de Sá Meneghin Promotor de Justiça Titular da 2ª Promotoria de Justiça de Mariana
De acordo com o artigo 127 da Constituição da República de 1988, o Ministério Público é uma “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. Trata-se de instituição criada para vigiar o cumprimento das leis que versam sobre interesses coletivos e individuais indisponíveis. Dentre os interesses coletivos pode-se elencar a punição de autores de crimes, o combate à corrupção, a tutela dos direitos humanos e a defesa do meio ambiente. Já interesses individuais indisponíveis são aqueles que exigem especial proteção, como os diretos de crianças e idosos. O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), que é uma das vertentes do Ministério Público brasileiro, compõe-se de membros chamados Promotores de Justiça, que ingressam na instituição mediante aprovação em concurso público. Para o desempenho de suas funções, os Promotores de Justiça que trabalham nas comarcas, como Mariana e Ouro Preto, dispõem da garantia de inamovibilidade. Grosso modo, é dizer que o Promotor de Justiça não pode ser “transferido” da comarca onde atua, sem sua prévia aceitação. Além disso, possuem independência funcional, ou seja, não podem sofrer interferência em suas atribuições. Essas prerrogativas visam assegurar que os Promotores de Justiça atuem de forma eficiente, sem sofrerem pressões indevidas. Com o objetivo de assistir os Promotores, o MPMG possui órgãos em Belo Horizonte, denominados “Centros de Apoio Operacional”, para cada
Foto: arquivo pessoal/Guilherme Meneghin
Cerimônia de posse do novo Procurador Geral de Justiça, Antônio Sérgio Tonet, do Ministério Público de Minas Gerais.
área de atuação. Existe um centro de apoio para as funções criminais, um para a defesa dos direitos humanos, um para proteção do meio ambiente e assim por diante. Por exercerem atividade de auxílio aos Promotores das comarcas, os membros que integram esses órgãos são permutados periodicamente. Logo, as mudanças promovidas nos centros de apoio do MPMG não prejudicam os promotores que atuam nas comarcas afetadas pelo desastre da barragem de Fundão, pois os Promotores de Justiça das comarcas são os verdadeiros responsáveis pela adoção
das medidas judiciais e extrajudiciais relacionadas ao caso, especialmente para defesa dos direitos humanos dos atingidos de Mariana. Vale dizer que, coincidentemente, no dia 14 de dezembro de 2016, comemora-se o Dia Nacional do Ministério Público, data em que se celebra a formação dessa instituição cujas funções são essenciais para “construir uma sociedade livre, justa e solidária” no Brasil. Certamente, esse objetivo só se torna possível na medida em que o Ministério Público seja composto por Promotores de Justiça atuantes, progressistas e independentes.
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Foto: Daniela Felix
ARTE: CARLOS PARANHOS
Espiritualidade de fim de ano
Por Paula Geralda Alves Com apoio de Daniela Felix e Miriã Bonifácio
Na ceia de natal da família da Paula não faltam doces. E também não falta fé. As cenas do cotidiano da maioria dos atingidos pela barragem revela o modo como cada um lida com a sua espiritualidade e religião. E é isso que tem movido a luta de todos. O natal para mim e minha família é muito importante, sempre foi, mas depois do rompimento da barragem se tornou ainda mais importante, pois celebramos a vida, o nascimento do salvador e o nosso renascimento naquele cinco de novembro de 2015. Deus nos deu uma segunda chance de viver, por isso, todos os dias, eu e minha família agradecemos a Deus o dom da vida. Estamos vivos e isso é muito importante. Se a barragem tivesse se rompido durante a noite não estaríamos aqui comemorando um segundo natal.
“Obrigado senhor pela vida de cada sobrevivente do dia cinco de novembro de 2015”
O que nunca falta em nosso Natal: Pudim de leite condensado Ingredientes: 1 lata de leite condensado;
queimado; Molhe a fôrma com água fria;
1 lata da mesma medida de leite; 3 ovos. Bata tudo no liquidificador. Modo de fazer: Faça uma calda de açúcar
Coloque a calda na fôrma e despeje os ingredientes na fôrma; Cozinhe em banho maria. Aproveite!
A SIRENE
Janeiro de 2017 Mariana - MG
PARA NÃO ESQUECER
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Olhar de fora: afetado pelo sentimento dos atingidos Foto: Arquivo pessoal/ Eduardo Ades
Por Eduardo Ades Com o apoio de Antonio Geraldo Santos
No dia 5 de novembro de 2015, eu não tive que correr da lama. Ela chegou a mim por meio de imagens. Ao longo de vários dias, ela escorreu forte pela televisão, pelo computador, pelo celular. A lama não destruiu minha casa, nem sequer sujou minhas roupas. Mas ficou gravada nos meus olhos. E eu seguia sem entender toda aquela destruição. O que iria acontecer com as pessoas que perderam parentes, que perderam suas casas, seus trabalhos, com as pessoas que não tinham água para beber, com o rio Doce destruído? Até que um dia eu percebi que as imagens da lama começaram a se diluir no mar de imagens diárias. E então praticamente sumiram. Mas não dava para simplesmente esquecer. Percebi que, para entender, eu precisaria seguir, ir até lá. Como documentarista, concluí que eu poderia colaborar para
que a história de vida dessas pessoas não se perdesse, não fosse esquecida. O que encontrei em Mariana me surpreendeu muito. Deparei-me com o real tamanho da tragédia: ela era muito maior do que eu imaginava, porque era a soma das centenas tragédias vividas por cada um. E, mesmo em meio a tantas dificuldades pessoais, vi que a preocupação principal de todos era organizar as comunidades e construir uma mobilização coletiva. Pessoas de todos os tipos discutindo conceitos jurídicos, estratégias de diálogo, formas de negociação. Ao longo dos meses seguintes, vi como cada um encontrou meios diferentes para reconstruir a própria vida. E tenho visto a dificuldade envolvida em construir uma vida provisória, numa casa que não é sua, numa cidade diferente de onde se quer morar, tendo que participar de inúmeras reuniões e
assembleias, preencher infinitos formulários e cadastros – e ainda receber jornalistas, documentaristas e pesquisadores. No dia 5 de novembro de 2016, estive no ato realizado em Bento Rodrigues e foi uma experiência muito forte para mim. Após alguns meses de convivência, consegui entender um pouco o que sentiam todos os que estavam ali presentes. E também os que não foram. Já não sei se é possível entender tudo. Estar perto destas transformações e ter a possibilidade de ser afetado pelo sentimento dos atingidos já é muita coisa. Estou aprendendo muito com vocês, vendo como cada um à sua maneira tem transformado luto em luta. Espero que o filme que estamos fazendo juntos retribua aquilo que vocês têm me ensinado.
Nos dias 14 e 15 de dezembro aconteceram em Mariana e Ouro Preto audiências públicas para discutir o sistema de disposição de rejeitos na cava Alegria Sul, da Samarco. Genival Pascoal, atingido de Bento Rodrigues, solicitou a leitura desse texto ao coletivo Um Minuto de Sirene, na audiência de Mariana. Genival, membro do Conselho Editorial do jornal A Sirene, deu seu/nosso recado: é preciso pensar um novo modelo de mineração que não faça mais vítimas e não afete ainda mais os trabalhadores.