A Sirene - Ed. 49 (Maio/2020)

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A SIRENE

PARA NÃO ESQUECER | Ano 5 - Edição nº 49 - Maio de 2020 | Distribuição gratuita


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A SIRENE PARA NÃO ESQUECER

Maio de 2020 Mariana - MG

Informativo das Assessorias Técnicas AEDAS Barra Longa, abril

A Assessoria Técnica da AEDAS, de Barra Longa, informa que, seguindo as orientações das ações do governo para prevenção à pandemia do coronavírus, todas as atividades com os(as) atingidos(as) (grupos de base, assembleias e atendimentos no escritórios ou domiciliares) estão suspensas por tempo indeterminado. A equipe continuará trabalhando remotamente, a partir do dia 23 de março e sem previsão de retorno. Será realizada comunicação semanal sobre a manutenção das medidas de segurança. Os atendimentos com os(as) atingidos(as) serão realizados por telefone, nos seguintes números: (31) 971215664 (Felipe, de 8h às 12h) e (31) 981070835 (Laís, de 14h às 18h).

CÁRITAS Mariana, abril

Todas as atividades presenciais realizadas pela Assessoria Técnica da Cáritas junto aos(às) atingidos(as) de Mariana estão suspensas até o dia 31 de maio de 2020. Com isso, a Cáritas reafirma o compromisso de cuidar da vida e promover a solidariedade, além de respeitar as recomendações dos órgãos de saúde em tempos de pandemia ocasionada pela Covid-19. Durante este período, a equipe permanecerá fazendo trabalho remoto (de casa). Reforçamos para todos os atingidos e atingidas a necessidade do distanciamento social para evitar o contágio. Sigamos nos cuidando para, assim, cuidar também dos outros, especialmente das pessoas mais vulneráveis.

ATENÇÃO!

Escreva para: jornalasirene@gmail.com

Não assine nada

Acesse: www.jornalasirene.com.br

Em caso de dúvidas sobre o conteúdo, conte com a ajuda de um advogado ou qualquer outro especialista. Se te pedirem para assinar qualquer documento, procure o Ministério Público ou a Comissão dos Atingidos.

www.facebook.com/JornalSirene Para reproduzir qualquer conteúdo deste jornal, entre em contato e faça uma solicitação.

ROSA FORTINI Rio Doce, abril

Seguindo as recomendações do Ministério da Saúde, durante a pandemia de coronavírus, os atendimentos individuais da Assessoria Técnica Rosa Fortini não estão sendo realizados pessoalmente. Os escritórios permanecem fechados, porém a equipe segue trabalhando de suas casas em pesquisas, programas, decisões judiciais e estudos que possam embasar a defesa nas câmaras técnicas e na Justiça, quando as atividades forem retomadas. A Assessoria Técnica mantém constantemente o contato com os(as) atingidos(as) por meio de grupos de WhatsApp, de cada comissão, de produtores rurais e comerciantes, dos núcleos de base (um grupo com cerca de 15 pessoas de cada comunidade atingida), assim como o atendimento individual. Quando necessário, também estão sendo realizadas videoconferências.

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EXPEDIENTE Realização: Atingidos(as) pela Barragem de Fundão, Arquidiocese de Mariana | Conselho Editorial: Expedito Lucas da Silva (Kaé), Genival Pascoal, Letícia Oliveira, Pe. Geraldo Martins, Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio), Simone Maria da Silva | Editores-chefe: Genival Pascoal e Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio) | Jornalista Responsável: Wigde Arcangelo | Diagramação: Júlia Militão | Reportagem e Fotografia: Joice Valverde, Júlia Militão, Juliana Carvalho, Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio), Simone Maria da Silva | Apoio: Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) | Revisão: Elodia Lebourg | Impressão: Sempre Editora | Foto de capa: Joice Valverde | Tiragem: 3.000 exemplares | Fonte de recurso: Termo de Ajustamento de Conduta entre Arquidiocesse de Mariana e Ministério Público de Minas Gerais (1ª Promotoria de Justiça de Mariana).


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Foto: Wandeir Campos

Papo de Cumadres: Opinião:

Quarentena

Consebida e Clemilda estão aperriadas por estarem isoladas, se sentindo cumprindo pena, com a tal quarentena. Por Sérgio Papagaio

- Cumadre Clemilda, cê viu que arrumação u home da televisão mandô um recadu pra toda nação, cês fica em casa, num sai na rua não, pamode ocêis num pegá contaminação. - Agora cê presta atenção minha cumade, que dor nu coração, nois morava nu matu longe desta agromeração, já vivia u tempo quase todo em isolação, num cantinho que o pai du céu fez pra nois com suas próprias mão, u que separava nois duas e nossas famia era a barra dum ribeirão, nera duença não. - Pois, se a mardita barrage de fundão num tivesse jogadu nossas casa nu chão, nois ia passa a pandemia du jeitu que nois vivia, bem pertu uma da outra, cada uma dum ladu du riberão, sem se percupá com a tar contaminação. - Ês acha que nois é bandidu vira mexe nois tá presa sem crimi tê cumitidu. - Este é meu maior castigu, de sabê que us responsavis pelu rompimentu e por todu este turmentu, é us ricu da nação, que vai lá fora de avião buscá duença e molte pra toda população e põe nois num ceminteriu ou na prisão. - Cumadre minha senhora cada hora parece uma coisa nova que mexe na firida veia armentando sem piedade esta mardade, apresentandu a cada tempu uma situação, mas todas elas são de dor e ninhuma de libertação. - É cumadre nois tem que tê fé e seguir as orientação pois o vírus ataca todu mundu, sem fazer distição, e quandu chegá o fim de tudu istu, nois e tudu enquantu for atigidu priciza ta vivu, pra na vida, dá continuação.


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Mariana - MG

Direito de Entender:

A mineração que leva serras e destrói vidas e rios Do rude Cauê, a TNT aplainado, resta o postal na gaveta saudosista Carlos Drummond de Andrade (Canto mineral) O Pico do Cauê era a vista que Carlos Drummond de Andrade tinha em sua Itabira natal. Mas, se marcou a infância e a obra do poeta mineiro, ele se surpreendeu em “A montanha pulverizada”: Esta manhã acordo e / não a encontro. / Britada em bilhões de lascas / deslizando em correia transportadora / entupindo 150 vagões / no trem-monstro de cinco locomotivas / – o trem maior do mundo, tomem nota – / foge minha serra, vai / deixando no meu corpo e na paisagem / mísero pó de ferro, e este não passa. A mineração levou de Itabira do Mato Dentro um pico inteiro. Nas palavras de José Miguel Wisnik, “a montanha do Cauê, cuja efígie o lugar nos induz a ver pelo vestígio de sua localização espectral, não está mais lá, a não ser como presença alucinada de uma ausência”. No mesmo livro, fabuloso, que é “Maquinação do mundo: Drummond e a mineração”, Wisnik mostra como a mineração atravessou a vida e está presente na poesia de Drummond, e não deixa de “associar tal visão à catástrofe de Mariana e do rio Doce”. Ele nota também que, em “Mariana, a derrama dos rejeitos, empilhados como um castelo de cartas em duas barragens a montante, apoiando-se a si mesmas sem outros critérios a não ser o da acumulação sem freios, pela empresa Samarco, braço da atual Vale, cobrou seu tributo às comunidades e a todos os reinos da natureza em vidas e em destruição, no distrito de Bento Rodrigues e em tudo que se estende pelo rio Doce até o mar. (Já riscado da denominação Vale S.A. em 2007, quando a Companhia Vale do Rio Doce – privatizada pelo governo Fernando Henrique Cardoso em 1997 – trocou seu nome, é como se a companhia estivesse agora a ponto de riscar o próprio rio do mapa.)”. A imagem de Wisnik é perfeita, pois a Vale riscou o vale do rio Doce de seu nome e, mais tarde, ao lado da BHP Billiton Brasil e da Samarco, em certo sentido, também tirou do mapa o rio tal qual existia. E, tragicamente, ceifou a vida de pessoas e mudou rumos e projetos de comunidades inteiras. Informe sobre a questão dos estudos sobre riscos à saúde Uma decisão do Juízo da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte considerou inválidos, entre outros, os estudos de avaliação de riscos à saúde humana realizados pela empresa Ambios nos municípios de Barra Longa e de Mariana, que foram apresentados à população em devolutivas que ocorreram nos dias 15 e 16 de novembro do ano passado e que haviam seguido as diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Saúde. A decisão judicial também determina que seja utilizada uma outra metodologia, chamada de GAISMA (sigla para “Gestão Ambiental Integrada para Saúde e Meio Ambiente”), diferente daquela utilizada nos estudos que, agora, foram considerados inválidos pelo juiz. A decisão determina, ainda, o aprimoramento da metodologia, sob a denominação de “GAISMA-Aprimorada”. O Ministério Público Federal e as Defensorias Públicas da União, de Minas Gerais e do Espírito Santo, que atuam no caso e continuam defendendo a adoção das diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Saúde, apresentaram recurso de agravo de instrumento ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, questionando as decisões da 12ª Vara Federal. P.s.: Artigo pronto e já enviado à redação, no dia 4 de maio, o Tribunal Regional Federal deferiu parcialmente o pedido de antecipação de tutela recursal, para “determinar a continuidade do processo de reparação com base nos estudos anteriormente elaborados pela AMBIOS e pelo Grupo EPA Engenharia e Proteção Ambiental para avaliação de risco à saúde humana, cujas linhas de estudos deverão ser retomadas pela Fundação Renova, tendo em vista ser essa a metodologia chancelada pelo Ministério da Saúde”. A decisão ressalva a possibilidade de que seja realizada adequação prévia da metodologia GAISMA aos contornos definidos pelo Ministério da Saúde e pela Câmara Técnica Saúde do Comitê Interfederativo, “desde que essa opção se mostre a mais adequada e eficaz para a condução dos trabalhos”. Considero uma vitória da população atingida a decisão de continuidade do processo de reparação seguindo-se as diretrizes definidas pelo Ministério da Saúde.

Por Edmundo Antonio Dias Netto Junior Procurador regional substituto dos direitos do cidadão do Ministério Público Federal em Minas Gerais e membro das forças-tarefa Rio Doce e Brumadinho


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Quem somos nós? Por Sérgio Papagaio

Século 21, ano 2020, diante de uma evolução tecnológica que há poucos anos atrás era utópica, o homem segue vencendo barreiras inimagináveis, domesticando a tecnologia, conquistando o cosmo, descobrindo água em Marte, aposentando o pombo correio e levando a comunicação a níveis inacreditáveis . A ciência com cirurgias cada vez mais sofisticadas, a medicina adestrada, já se pensava no fim da morte por causas naturais, e outros mais ousados, pesquisam a criação da vida em laboratório. De súbito, o mal se ergue, e sorrateiramente ganha os tronos do mundo civilizado, para mostrar o arcaísmo de nossa evolução. A economia sobrepõe à vida e o material passa a ser fator preponderante nesta evolução desmedida, descobrimos então, que este ser denominado humano, não evoluiu nada, ainda pintam as paredes de suas cavernas, empilhadas sobre as outras num complexo desejo de arranhar o céu e numa estratagema, juntam as suas e os seus membros, para cheirarem o fumo numa alcoolização preparatória para a caça, num rito canibalesco promoverem as mais diferentes formas de abate de seus semelhantes, amparados por líderes agnósticos que sempre validam suas ações, usando de subterfúgios o capitalismo desenfreado, e o troféu para esta prática, vem em cifras, agrupando tesouros, que serviriam de suprimento, para uma vida de milhões de anos. Sem se preocupar com a fome alheia, maior e mais antiga doença do planeta, se analisarmos o código genético dos humanos, encontraremos o individualismo e seus derivados como um gene dominante na construção deste ser que está estagnado a um principio egoísta que os permite socializar com muitos, mas dividir apenas com os seus. Descobrimos que, só os pobres de dinheiro podem apresentar possibilidades de riquezas, pois todos aqueles que acumulam mais pão do que precisam, estão guardando o pão de alguém, e assim, progressivamente produzindo fome, pobreza da humanidade. E numa carreata da morte produzida pelos que se dizem mais fortes. Foi preciso um ser invisível, pra fazer alguns enxergarem que ninguém é maior que ninguém, no plano universal da construtividade humana, pois acreditarmos que todos entenderiam. É algo maior que a utopia, pois há um tempo um homem esteve entre nós para guiarmos e recebeu em troca de seu amor, a cruz, pelas mãos dos que não aceitam a partilha,mesmo assim, ele têm a receita para toda a cura, e para os que não entendem, procure no livro de receitas: a Bíblia Sagrada a receita primordial para todos os problemas sanar, primeira carta de Paulo aos coríntios. Ela vai te ensinar à uma nova vida confeccionar. *A pedido do autor, este texto não passou por edição ou revisão.

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Foto: Joice Valverde


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Mariana e Barra Longa na luta contra a Covid-19 Prefeituras informam o que tem sido feito para barrar o contágio por Covid-19 nas regiões. Atingidos(as) podem estar em grupos de risco por conta da vulnerabilidade emocional, porém ainda não foram pensadas ações específicas para esses grupos. Por Juliana Carvalho, Sérgio Papagaio e Wigde Arcangelo

O primeiro caso de coronavírus no Brasil foi em fevereiro. De lá para cá, conforme os dados oficiais, os casos têm aumentado exponencialmente e, considerando um número elevado de subnotificações, a realidade pode ser ainda pior. Se, nos dois primeiros meses do ano, o país não parecia preocupado com um vírus que se acreditava estar tão distante, em pouco tempo, tudo mudou. Em Mariana, no dia 16 de março, a Prefeitura Municipal declarou situação de emergência em saúde pública devido à Covid-19, nome científico da doença causada pelo novo coronavírus, por meio do Decreto Municipal nº. 10.030. A declaração veio no mesmo dia do anúncio de três casos suspeitos da doença na cidade. No dia seguinte, a Prefeitura Municipal de Barra Longa também decretou estado de alerta e, até o fechamento desta edição, contava com nenhum caso suspeito e nenhuma confirmação ou óbito. Enquanto isso, Mariana possuía 18 casos confirmados, quatro em investigação, uma morte suspeita e um óbito confirmado por Covid-19. No primeiro momento, foi criado o Comitê Gestor do Plano de Prevenção e Contingenciamento em Saúde - Covid-19. Esse grupo é formado por profissionais técnicos ligados diretamente à saúde e ao planejamento. A mudança é necessária, pois temos de nos adaptar diante dessa turbulência. Mariana foi a primeira cidade do interior de Minas a confirmar casos de Covid-19. Em razão disso, saímos à frente de vários outros municípios em relação ao combate à pandemia que assola não só nosso Estado e país, mas o mundo inteiro. Tivemos conversas sobre a flexibilidade do comércio local, mas entendemos que a prioridade é resguardar a saúde de nossos munícipes. No momento certo, retornaremos, de forma gradativa e segura, às atividades, mas sabemos que ainda não é o momento. Danilo Brito, secretário municipal de Saúde de Mariana Assim como Mariana, Barra Longa também criou um Comitê para pensar as ações de combate à Covid-19. Assim que informado pela Regional de Saúde [Barra Longa e Mariana não fazem parte da mesma Regional], com os demais municípios, a administração municipal participou, com uma quantia de 15 mil reais, para a ampliação de 10 leitos de CTI (Centro de Terapia Intensiva) nos hospitais de Ponte Nova. Na sequência, o Departamento Municipal de Saúde criou um comitê municipal de crise e, a partir daí, as orientações foram dadas por

meio de Decreto e as decisões foram tomadas sempre por reunião do comitê via videoconferência. As primeiras ações foram de montagem da barreira social, organização com os profissionais de saúde para estabelecer procedimentos no caso de pacientes contaminados e para pacientes que, mesmo contaminados, não necessitem de internação. Iniciou-se também o isolamento social, já no dia 20 pós-feriado de São José e permanece até o momento. Intensificou-se o serviço de informações à população através da rádio local e redes sociais do município. Raquel Aparecida Gomes Gonçalves, secretária municipal de Saúde de Barra Longa Na edição passada do Jornal A SIRENE, trouxemos uma matéria com a pesquisadora Dulce Maria Pereira, que nos disse que os(as) atingidos(as) estão dentro do grupo de risco, devido ao trauma sofrido. Perguntamos ao secretário de Mariana e à secretária de Barra Longa se os municípios têm pensado políticas de contenção da Covid-19 que englobem a população atingida. Segundo Raquel Aparecida Gomes Gonçalves: Elaboramos um Plano de Contingência, em que estão todas as ações, protocolos e fluxograma da nossa unidade. Os atingidos já fizeram contato com a secretaria e se colocaram à disposição para o que precisar. Raquel Aparecida Gomes Gonçalves, secretária municipal de Saúde de Barra Longa Segundo Danilo Brito, na cidade de Mariana não foram criadas ações específicas pensando nos grupos de riscos: Nosso foco é proteger a população como um todo. Esse vírus não escolhe quem irá infectar, esse mal é invisível. Todos devem tomar medidas de prevenção e se atentar às informações que são divulgadas nos meios oficiais da Prefeitura. Danilo Brito, secretário municipal de Saúde de Mariana O Jornal A SIRENE reforça, às comunidades atingidas, para que sigam as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), e que procurem lavar as mãos com frequência, evitem sair de casa e façam uso de máscara, que já é obrigatório na cidade de Mariana. Além disso, é importante estarem atentas às notícias falsas e não ingerir, de forma alguma, medicamentos sem prescrição médica, tais como remédios à base de cloroquina, ou desinfetantes e produtos de limpeza em geral.


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Cartas da quarentena Diante da pandemia do novo coronavírus, a principal recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é o isolamento social. A rotina de reuniões, audiências e encontros na luta pela reparação do crime está interrompida por tempo indeterminado. Agora, os(as) atingidos(as) enfrentam não só a saudade das comunidades, mas também a angústia de estarem presos em casas provisórias e, além disso, de não poderem estar juntos(as), unindo forças contra as empresas criminosas, que seguem se aproveitando de brechas e momentos de fragilidade para agir. Há pelo menos dois meses mantendo o isolamento em suas casas, os(as) atingidos(as) compartilham as preocupações e as mudanças da nova rotina.

Por Maria Carneiro (Lilica), Marquinhos Muniz e Simone Silva Com o apoio de Joice Valverde e Júlia Militão

O rompim ento da b arragem d cinco de no e Fundão, vembro de em 2015, só tro insegurança uxe transto rnos, e mais um m onte de cois na vida do a a s q u e acontece tingido. É o mesm o que aco ntece hoje preocupaç , com o v ão. A gente írus que tá v iv aí, é muit e r em quaren nosso loca a tena, se a g l, naquele ente estive lu g a r p e sse no queno, ter alguma co isa, a situa um lugar ção hoje se pra tá faz endo gente pra ria diferen viver em q te, teria aq uarentena uele espaç sentido. A , vejo que o da seria até m gente quie tinho lá n ais fácil ne tinha, esta o pedacin sse ria vivend h o d e te r r o a e que a gen ssa quaren Vamos diz te tena de m er assim, te o d o m n a d is o tranquilo. alguma co tempo, ser isa pra faz ia mais fác e r, p r il de tá pa a tá ocupa ssando po ndo r isso. Marquinh os Muniz , morador de Bento Rodrigue s


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Eu vim pra Ponte do Gama, porque minha família mora toda aqui, e até mesmo pra não ficar sozinha em isolamento, em Mariana. Quanto mais gente na casa, numa situação dessa, é melhor. E não tá sendo fácil, não. Lidando com dificuldade, porque a gente não tem costume de ficar preso dentro de casa, né, mas a gente entende que é uma coisa que tem que fazer e só assim pra essa pandemia passar. Então é difícil sim, ver em outras regiões pessoas morrendo, é muito difícil lidar com isso, tem família que tá perdendo pessoas de suas casas, de suas vidas. O que me preocupa também é que tem pessoas que não estão botando fé que tem que fazer isolamento e não estão nem aí. Diante dos fatos que a gente passou pelo rompimento da barragem, agora vai ter mais dificuldade de resolver essa situação, vai prolongar mais pra frente. Eu acho mais interessante prolongar do que ficar resolvendo esse problema por internet ou por telefone. Então essa pandemia vai acabar prejudicando nessa parte também. Mas é fé em Deus e aguardar que isso tudo vai passar. Maria Carneiro (Lilica), moradora de Ponte do Gama

Pra nós, como atingidos, pra nós, militantes, que somos atuantes mesmo na luta ao longo desses cinco anos, esse ano tem sido muito difícil, porque essa crise, essa pandemia tem nos impedido de fazer a luta. Enquanto nós estamos recolhidos dentro de casa, cuidando dos nossos, nos protegendo, os maus têm agido poderosamente. A cada dia, mais eu tenho certeza, infelizmente, que a justiça não é cega, a justiça é paga, e a gente tem visto ela atuar fortemente contra a luta coletiva. As empresas têm atuado de forma muito mais violenta do que elas já atuavam ao longo dos cinco anos. Tem ocorrido uma lista aí, de um abaixo-assinado, pedindo o fim do cadastro. Pra nós, atingidos, o fim do cadastro é, tipo, a morte de todo o processo, de toda a luta que a gente fez até agora. Quantas pessoas não tiveram acesso ainda ao cadastro? Quantas pessoas não têm noção dos seus danos, das suas perdas? Então tem sido muito difícil, porque a gente sofre com o medo, com a angústia de não saber se a gente vai passar por isso e vencer, se a gente vai estar vivo depois. E também tem a justiça, as mineradoras, que têm atuado de maneira massacrante pra nos atacar enquanto a gente não pode fazer a luta e eu acho isso desumano, covarde, e tem colocado a vida de muitos atingidos em risco, porque os atingidos estão se reunindo pra fazer concentrações e reuniões pra colher esses abaixo-assinados. E isso pode gerar a morte de muitos atingidos, devido à ação criminosa das empresas. Simone Silva, moradora de Barra Longa

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Do lado de fora Foto: Larissa Pinto

Todos os meses, atingidos(as) de diferentes comunidades ao longo da bacia do rio Doce abrem suas casas para receber a equipe do Jornal A SIRENE. Estamos acostumados a nos sentarmos juntos à mesa para ouvir seus relatos, resgatar lembranças e, para acompanhar a boa prosa, provamos seus quitutes e cafés quentinhos. Na despedida, deixamos sempre um sorriso despretensioso na varanda. Falamos de dentro. E assim nos aproximamos. Em todas essas visitas procuramos registrar suas emoções, da forma mais sensível possível, seja para uma denúncia ou memória. As fotografias do A SIRENE sempre tocaram muito os (as) leitores(as) e representaram bem os(as) atingidos(as). Hoje, neste contexto atípico de isolamento social devido à pandemia da Covid-19, enfrentamos uma dificuldade inesperada: pela primeira vez, estamos do lado de fora. Dada a impossibilidade de contato pessoal para as entrevistas, foi preciso recorrer ao nosso vasto arquivo para produzir o ensaio desta edição. Os(As) atingidos(as) seguem lutando para ter seus direitos assegurados, e o maior deles é ter suas casas de volta. Com eles(as), aprendemos a importância do lar. Trazemos, então, fotos que simbolizam bem a necessidade de ficarmos dentro de nossas casas, onde estamos seguros e protegidos. Enquanto seguimos distantes fisicamente, convidamos você para olhar, junto com a gente, pelo lado de fora das janelas e recordar alguns momentos em que estivemos do lado de dentro. Por Ana Paula Barcelos de Santos e Marcelo Augusto, Arlindo Luciano da Silva (Machadão), Maria Auxiliadora Rocha Machado (Dora), Maria das Graças Lima (Gracinha) e Dona Hilda. Com o apoio de Joice Valverde


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Foto: Wandeir Campos

Protegidos pelas grades da janela, vimos, na ed. 34, Ana Paula, Marcelo e seus filhos, em Areal-ES. Foto: Larissa Pinto

Na ed. 27, trouxemos a Gracinha na varanda de sua casa, no Gesteira.

Da janela, vimos dona Hilda cozinhando, em Areal - ES, para a ed. 33. Foto: Joice Valverde

Na ed. 40, encontramos Machadão na sua casa, em Monsenhor Horta.

Foto: Silmara Filgueiras

Foto: Joice Valverde

Para a ed. 41, Dora no portão de sua casa, em Barra Longa.


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Validade dos estudos sobre saúde em disputa na Justiça O Ministério Público Federal (MPF), a Defensoria Pública da União (DPU), a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DPE/ MG) e a Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo (DPE/ES) recorreram da decisão do juiz da 12ª Vara Federal que determinou a implementação e a execução da “Gestão Integrada para Saúde e Meio Ambiente (Gaisma)”, metodologia proposta pela Renova/Samarco/ Vale/BHP Billiton para avaliar os danos à saúde e ao meio ambiente. Os órgãos também recorreram da decisão do juiz de anular os estudos já feitos sobre o risco à saúde dos(as) atingidos(as). A Desembargadora Federal Daniele Maranhão aceitou o recurso parcialmente. Por Carmen Fróes e Sérgio Papagaio Com o apoio de Júlia Militão, Juliana Carvalho e Wigde Arcangelo

Foto: Juliana Carvalho

Em Barra Longa, apresentação dos resultados da AMBIOS por Alexandre Pessoa da Silva, coordenador do Estudo de Avaliação de Risco à Saúde Humana e Localidades Atingidas pelo Rompimento da Barragem de Fundão - MG.


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Desde o crime da Samarco/Vale/BHP Billiton, os(as) atingidos(as) lutaram por uma avaliação do risco à saúde decorrente do rompimento da barragem. Estudos independentes foram realizados ao longo dos anos, até que, em 2018, a Renova/ Samarco/Vale/BHP Billiton e a Câmara Técnica de Saúde (CTSaúde), órgão que compõe o Comitê Interfederativo (CIF), entraram em acordo na contratação da empresa AMBIOS para realizar o Estudo de Avaliação de Risco à Saúde Humana (ARSH), a partir das diretrizes do Ministério da Saúde. Os(As) atingidos(as) se viram no meio de mais uma luta para receber os resultados, enquanto a Renova/Samarco/ Vale/BHP Billiton adiava as conclusões do estudo. Apenas em novembro de 2019, a AMBIOS conseguiu realizar a devolutiva da pesquisa. Segundo a empresa, o ar e o solo dos territórios atingidos, em Barra Longa e em Mariana, estão contaminados por resíduos tóxicos. Não contente com a conclusão, a Renova/ Samarco/Vale/BHP Billiton propôs, em dezembro de 2019, uma outra metodologia de análise: a Gestão Integrada para a Saúde e Meio Ambiente (GAISMA). Diferentemente do trabalho da AMBIOS, a GAISMA não adota os padrões recomendados pelas diretrizes do Ministério da Saúde. O próprio Ministério, em parecer técnico, indica a GAISMA como inadequada para estudos de avaliação de riscos à saúde humana. Em janeiro deste ano, o juiz Mário de Paula Franco Júnior, da 12ª Vara Federal, determinou a implementação e a execução do novo modelo de estudo. Já em março, o juiz invalidou todos os estudos já realizados sobre os riscos à saúde, incluindo o da AMBIOS. Como justificativa, ele alegou que os estudos são “imprestáveis, inservíveis, inadequados, ante as notórias inconsistências técnicas e metodológicas que apresentaram”. No entanto, não apresentou os embasamentos de sua crítica. Em minha opinião, não é possível deslegitimar um estudo científico sem que as inconsistências que justificam essa deslegitimação sejam apontadas. Como pesquisadora que participou do estudo, gostaria muito de saber quais foram as inconsistências apontadas, que deslegitimam o estudo realizado pela AMBIOS e invalidam os seus resultados. Isso seria extremamente interessante, até porque, quando o estudo foi entregue, a Fundação Renova nos mandou uma série de perguntas, de questionamentos, solicitando esclarecimentos em vários pontos que estavam redigidos no texto do relatório da AMBIOS. E essas perguntas foram todas respondidas, detalhadamente. O rigor técnico e científico do estudo da AMBIOS é baseado na metodologia proposta pelo Ministério da Saúde, pelo departamento de vigilância em saúde ambiental e do trabalhador, da Secretaria de Vigilância em Saúde, para exatamente avaliar populações expostas a resíduos perigosos. Trabalhamos essa metodologia do Ministério da Saúde, ela é fruto de uma adaptação da metodologia americana da ATSDR (Agência de Registro de Substâncias Tóxicas e de Doenças), que foi realizada ao longo de mais de 20 anos de trabalho, com vários estudos realizados no Brasil, em áreas de passivos ambientais. Essa metodologia foi aperfeiçoada e adequada às condições e

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determinações do Sistema Único de Saúde (SUS), isso é muito importante. A lógica de atuação, a lógica de assistência, a lógica de vigilância do SUS que, agora mais do que nunca, a gente percebe como fundamental ter em um país do tamanho, da amplitude e da desigualdade que nós temos no Brasil. Essa metodologia é a do Ministério da Saúde preconizada para avaliar essas situações de populações expostas a resíduos perigosos, a áreas de passivos ambientais e é nela, e completamente nela, que foi desenvolvido o estudo da AMBIOS, dentro de todos os parâmetros preconizados pelo SUS desse país. O rigor técnico e científico foi absoluto. Carmen Fróes, professora da Faculdade de Medicina da UFRJ e consultora da AMBIOS Todos esses estudos foram feitos por profissionais da saúde, com as secretarias municipais de saúde, secretarias regionais estaduais e até o Ministério da Saúde teve participação em muitas decisões desse estudo que foi feito e, de repente, um juiz, que não é da área, decide que está errado. Eu não consegui entender com base em que ele decidiu que estava errado, até porque nós estamos diante de um crime. Num crime, a única pessoa que não pode apresentar soluções e decisões é o criminoso. No caso, a Renova representa o criminoso. Como ela vai fazer um estudo de saúde sem a participação dos profissionais de saúde que os atingidos acreditam e confiam? Eu sempre digo: é mais um rompimento de barragem, é uma forma de agredir de novo o atingido e uma violação de direito muito grande. Talvez tão grande quanto o rompimento da barragem, é alguém estar sentado numa cadeira, longe de tudo o que aconteceu, e decidir a vida dos outros, sem a participação dos outros, sem conhecer. É fazer receita médica por telefone, sem vir ao ambiente, sem conversar com as pessoas, sem saber quais são as testemunhas, quais são as provas que os atingidos levaram sobre esse lance da saúde. Os atingidos não foram ouvidos, quem foi ouvido foi só o criminoso. O criminoso é quem disse: 'é desse jeito que nós vamos reparar nosso crime'? Sérgio Papagaio, morador de Barra Longa O Ministério Público Federal (MPF), a Defensoria Pública da União (DPU), a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DPE/MG) e a Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo (DPE/ES) recorreram das decisões do juiz da 12ª Vara com base em parecer técnico do Ministério da Saúde, em nota técnica da CT-Saúde, documento elaborado pelo Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais da Universidade Federal de Minas Gerais (Gesta-UFMG) e em nota técnica da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). O recurso foi aceito parcialmente pela Desembargadora Federal Daniele Maranhão. Dessa forma, o processo de reparação continua sendo com base nos estudos da AMBIOS e do Grupo EPA Engenharia e Proteção Ambiental. A decisão permite que a metodologia GAISMA seja modificada para se encaixar nos padrões definidos pelo Ministério da Saúde e pela CT-Saúde. Ainda cabe recurso das empresas.


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Maio de 2020 Mariana - MG

É tempo de cuidar Por Ellen Barros e Gladston Figueiredo

“Testemunhar e anunciar o Evangelho de Jesus Cristo, defendendo e promovendo a vida e participando da construção solidária de uma sociedade justa, igualitária e plural, junto com as pessoas em situação de exclusão social.” (Missão da Cáritas Brasileira) Diante da crise humanitária causada pela pandemia de Covid-19, cumprir com a missão da Cáritas junto às pessoas em maior vulnerabilidade social é urgente. Nesse sentido, toda uma rede de solidariedade tem se articulado, para promover diretrizes para as ações dos(as) agentes da Cáritas no Brasil. Em sintonia com essas diretrizes, desde o dia 18 de março, a equipe de Assessoria Técnica dos Atingidos está realizando o trabalho remoto (de casa). Nesse período estão sendo desenvolvidos relatórios, pareceres e análises de documentos pelos(as) assessores(as), bem como reuniões com as equipes. Além disso, têm sido realizadas tomadas de termo com os(as) atingidos(as), por videoconferência, sendo esta uma das etapas do processo de cadastramento. Também está mantido o contato telefônico com a comunidade atingida por meio da Mobilização Social e Assessoria Jurídica. Com isso, cumprimos também as orientações das autoridades nacionais e internacionais em saúde. É fato que o distanciamento social é, hoje, a melhor forma de prevenção do contágio pelo novo coronavírus.

Diante da crise pandêmica, não podemos cruzar os braços. Por isso, a Cáritas Brasileira e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) têm promovido a campanha “É tempo de cuidar”. O objetivo da campanha é gerar mobilização social e ações emergenciais, como doações de alimentos e de produtos de higiene, em solidariedade com as pessoas em situação de vulnerabilidade social e pobreza extrema.

As ações são voltadas, principalmente, para a população em situação de rua, migrantes e refugiados(as), pessoas que vivem em moradias precárias, além dos(as) desempregados(as) e trabalhadores(as) informais, que, nesse momento, têm suas fontes de renda afetadas. Em Mariana, a equipe da Assessoria Técnica tem buscado cercar de atenção, cuidado e informações confiáveis as pessoas atingidas pela barragem de Fundão. A sensação de vida suspensa, tão presente no cotidiano de quem sofre com o crime da Samarco, desde novembro de 2015, tem se intensificado com o distanciamento social, devido à Covid-19. Pensando nisso, a equipe da Cáritas em Mariana elaborou informativos sobre o enfrentamento desse momento de crise. Neles, atingidos(as) encontram dicas de cuidado com a saúde física e mental, telefones úteis para atendimentos à saúde, orientações sobre as cestas básicas para alunos(as) da rede municipal de ensino, além de conteúdos sobre o acesso à Renda Básica Emergencial, neste último caso, inclusive o passo a passo para as inscrições de acesso a esse direito conquistado. Ao unir forças com o Levante Popular da Juventude, com o coletivo Outro Preto e com diversas outras organizações populares, a Cáritas, em Mariana, tem, ainda, realizado ações de apoio à campanha local Nós por Nós. Assim, arrecadamos alimentos e estimulamos o engajamento da população com doações em dinheiro que serão revertidas em cestas básicas para quem mais precisa na Região dos Inconfidentes. Participe você também!


Maio de 2020 Mariana - MG

APARASIRENE NÃO ESQUECER

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Dez coisas que você precisa saber sobre moradia A AEDAS, Assessoria Técnica de Barra Longa, trabalha com eixos temáticos, como a moradia. Separamos 10 pontos que mostram o avanço da luta dos(as) atingidos(as) com relação a esse tema e, também, as questões pelas quais ainda temos de lutar.

Por Assessoria Técnica dos Atingidos - AEDAS

1. É direito de todos(as) uma moradia digna e adequada. Moradia digna é aquela em que, dentre outras coisas, você tem segurança legal de posse; custo acessível; localização que permita acesso a opções de trabalho, serviços de saúde, escolas, creches e outras facilidades sociais; bem como não exponha os(as) seus(suas) moradores(as) a risco à saúde. 2. O rompimento da barragem de Fundão causou danos a esse direito, pela chegada da lama de rejeitos, pelo fluxo de caminhões pesados, pelo empobrecimento e pelas separações. Você acha que seu bem-estar, em relação a moradia, foi alterado após o rompimento? 3. Os(As) atingidos(as) iniciaram um processo de autorreconhecimento coletivo para identificar que tiveram esse direito violado. Por meio do grupo de base, as comunidades foram indicando as moradias e o risco que elas corriam. Assim, nasceram as listas da moradia: uma ampla, com reformas e reconstruções; outra das famílias em risco. 4. As listas e as formas de reparação foram apresentadas para a Fundação Renova no primeiro semestre de 2018. Desde aquele momento, ficou acordado que elas estavam abertas e que novas pessoas poderiam ser adicionadas, posto que muitas ainda estavam entendendo o seu direito. 5. A Fundação Renova aceitou a forma de reparar o dano escolhida pelos(as) atingidos(as), mas não reconhecia os(as) atingidos(as). Ela deixou de vir negociar na cidade e os(as) atingidos(as) começaram a se manifestar. O CIF (órgão que regula a Renova) teve de intervir e disse que os(as) atingidos(as) estavam certos. A Renova teria de mudar as pessoas em risco, reformar e reconstruir as casas. Foi uma grande vitória dos(as) atingidos(as)!

6. Para ajudar no projeto de suas casas e na fiscalização das obras, os(as) atingidos(as) solicitaram uma equipe técnica de sua confiança. Após muitas negociações, a Fundação Renova e as empresas aceitaram, mas, até hoje, apesar da cobranças, não contrataram. 7. A questão da moradia foi levada para o juiz decidir e ele disse que todas as casas de atingidos(as) tinham de ter um novo laudo feito pela empresa AECOM. O laudo vai dizer se a casa sofreu dano por causa do rompimento. Vocês lembram da vez em que a Fundação Renova contratou a VAZ DE MELLO e ela disse que as casas eram mal construídas? É preciso ficar de olho para não ter retrocesso. 8. A AECOM apresentou um plano de trabalho e o juiz já aprovou, antes de ouvir os(as) interessados(as). Nele, ela fala que vai começar a ir nas casas para fazer os laudos em setembro e que vai finalizar em abril de 2021. Depois disso, seriam feitos os projetos e as reformas. A reconstruções terminariam em 2022. Não seria mais rápido ter cumprido os acordos já feitos? 9. O plano de trabalho da AECOM tem vários problemas, um dos principais é a ausência total de participação dos(as) atingidos(as) no processo. Além disso, ele volta em debates já superados, como o reconhecimento dos(as) atingidos(as), ou seja, com ele, não há garantia de que todas as casas serão reformadas. 10. O Ministério Público recorreu da decisão do juiz. O órgão acredita que é mais efetivo obrigar a Fundação Renova a cumprir o que ela acordou. O MP também acredita que a judicialização afastou as decisões do território e do povo.


EDITORIAL Temos vivido tempos difíceis. Ainda assim, há quem diga que algo de bom poderá vir após esse período de autoisolamento social, mas isso não é uma garantia. Muitas pessoas estão em suas casas, seguindo as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), como é o caso do senhor Geraldo e dona Eny, que estampam a capa desta edição. Mas, afinal, o que é estar em casa? Para alguns, casa pode ser sinônimo de lar, de bem-estar, de aconchego. Para outros, pode ser o contrário, a depender de condições socioeconômicas, por exemplo. “Fica em casa!” Mas e quando a sua casa não é bem a SUA casa? Os(As) atingidos(as) podem até estar em casa, como manda o protocolo, mas qual o peso dessa quarentena quando algo primordial ainda está faltando? O crime de 5 de novembro de 2015 varreu do mapa centenas de casas, de lares e de histórias. Isso significa que, há mais de quatro anos, atingidos(as) estão sem um lar para chamar de seu. Continuam vivendo de forma provisória, aguardando as intermináveis obras de reassentamento que, agora, diante do novo coronavírus, tendem a atrasar mais ainda. Além disso, é fundamental ressaltar que, mesmo responsável pela onda de rejeitos que solapou as casas de pessoas que deram a vida para construí-las, mantê-las e modificá-las de acordo com seus gostos pessoais e suas necessidades, a mineradora Vale recebeu um prêmio no valor de 19 milhões de reais pelo seu alto desempenho em 2019. O mesmo ano em que a empresa despejou mais de 12 milhões de metros cúbicos de rejeito tóxico em Brumadinho, tirando a vida de 272 pessoas. O prêmio parece celebrar a morte como lucro. Diante disso, de tantos anos de injustiça e de atrasos na reparação dos danos que o crime do rompimento da barragem de Fundão trouxe, fica ainda mais difícil para os(as) atingidos(as) passarem por essa situação na qual uma pandemia vira o mundo inteiro de cabeça para baixo. Ainda assim, mesmo dentro de casas que não são as suas, as populações atingidas não desistirão de ter o que é delas por direito. A luta continua, seja de onde for.


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