A Sirene - Ed. 51 (Julho/2020)

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A SIRENE

PARA NÃO ESQUECER | Ano 5 - Edição nº 51 - Julho de 2020 | Distribuição gratuita


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A SIRENE PARA NÃO ESQUECER

Julho de 2020 Mariana - MG

Informativo das Assessorias Técnicas AEDAS Barra Longa, Junho

A AEDAS, Assessoria Técnica de Barra Longa, informa que, seguindo as orientações das ações do governo para prevenção à pandemia do coronavírus, todas as atividades com as atingidas e os atingidos (grupos de base, assembleias e atendimentos no escritórios ou domiciliares) estão suspensas por tempo indeterminado. A equipe continua trabalhando remotamente, desde o dia 23 de março e sem previsão de retorno. Será realizada comunicação semanal sobre a manutenção das medidas de segurança. Os atendimentos com os(as) atingidos(as) serão realizados por telefone, nos seguintes números: (31)983516703 (Leandro, de 8h às 12h) e (31)981070835 (Laís, de 14h às 18h).

CÁRITAS Mariana, Junho

A Cáritas MG, assessoria técnica das pessoas atingidas pela barragem de Fundão em Mariana, conta agora com uma Central de Informações. Assim, em caso de dúvida sobre qualquer fase do processo de reparação, entre em contato conosco pelo telefone (31)992180264. Todas as atividades presenciais realizadas pela Assessoria Técnica da Cáritas com as atingidas e os atingidos de Mariana continuam suspensas devido à pandemia ocasionada pela Covid-19. Durante esse período, a equipe permanecerá fazendo trabalho remoto (de casa). Reforçamos a necessidade do distanciamento social para evitar o contágio. Sigamos nos cuidando para, assim, cuidar também dos outros.

Atenção!

Escreva para: jornalasirene@gmail.com

Não assine nada

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Em caso de dúvidas sobre o conteúdo, conte com a ajuda de um advogado ou qualquer outro especialista. Se te pedirem para assinar qualquer documento, procure o Ministério Público ou a Comissão dos Atingidos.

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ROSA FORTINI Rio Doce, Junho

A maior parte da equipe da Assessoria Técnica Centro Rosa Fortini permanece trabalhando em home office e com os escritórios fechados. Alguns profissionais, respeitando os protocolos da saúde, devido à pandemia, encontram-se in loco, realizando atendimentos individuais em campo, dando andamento às demandas que vão surgindo no território. A Assessoria Técnica mantém constantemente o contato com os(as) atingidos(as) por meio de grupos de Whatsapp e, quando necessário, são realizadas reuniões on line.

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Expediente Realização: Atingidos(as) pela Barragem de Fundão, Arquidiocese de Mariana | Conselho Editorial: Expedito Lucas da Silva (Kaé), Genival Pascoal, Letícia Oliveira, Pe. Geraldo Martins, Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio), Simone Maria da Silva | Editores-chefe: Genival Pascoal e Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio) | Jornalista Responsável: Wigde Arcangelo | Diagramação: Júlia Militão | Reportagem e Fotografia: Joice Valverde, Júlia Militão, Juliana Carvalho, Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio), Simone Maria da Silva | Apoio: Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) | Revisão: Elodia Lebourg | Agradecimentos: Beatriz Ribeiro e Isis Medeiros | Impressão: Sempre Editora | Foto de capa: Larissa Pinto | Tiragem: 3.000 exemplares | Fonte de recurso: Termo de Ajustamento de Conduta entre Arquidiocesse de Mariana e Ministério Público de Minas Gerais (1ª Promotoria de Justiça de Mariana).


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Foto: Joice Valverde

Papo de Cumadres: Opinião:

a Renova e a pandemia Comsebida e Clemilda estão se sentindo invadidas, com a possibilidade da renova voltar a atuar no território de Barra Longa, desrespeitando as orientações da OMS (Organização Mundial de Saúde) e propagando a peste. Por Sérgio Papagaio

- Cumadre Clemilda, este povo da Renova e das barrage só pensa nu materiá, nu meiu de uma pandemia ês qué em Barra Longa vortá a trabaiá, sem si impoltá se nois vai contaminá. - Uma coisa cumade Consebida, é com muita revorta que eu vô te falá, ficaru mais de quatru anu enrolanu e de angustia nus matanu, agora que u corona ta contaminanu, ês qué vortá a trabaiá, e arrumá uma outra forma de nus matá, e a cidade toda contaminá. - Fiquei sabenu pela televisão, que onde a vale continua com us trabaiu da mineração, a produção maior num é de ferru, e sim de contaminação, com us ônibu lotado de trabaiadô fazendu agromeração. - Prestenção cumadi o quantu que u pobre Vale na consideração da vale, num impolta de que Vale ele seja, u que a gente sabe, atingidu ou não, trabaiodô da renova ou da mineração, pras mineradora nois é só um numeru podendu ser apagadu, por rompimentu de barrage ou por contaminação, u que pra ês num pode pará, é a marvada produção. - Agora cê falô tudu, sem dexá interrogação, nois pra vale è regeitu, sem a menor validação, quantu mais atigidu morrê, com esta tar contaminação, menus dinheru ês tira da gibera, pois num vai pagá us falicidu, e desta manera nois é outra vez atingidu. - Parece que us prefeitu de muitas cidade tão iguar u de mariana que prefere a economia du, que a vida, e puriçu aceita a vorta da renova, pra trabaiá nu reacentamentu de Paracatu e de Bentu, que sempre impuraru com a barriga, e agora quer corrê com u siuviçu, e us atigidu por causa da pandemia num pode nem oiá, quem, a obra vai avaliá? - Sujeitanu a população que o elegeu, a um acordu feitu pur cima, sem consurtá a população, submetedu todu mundo a uma triteza, com mais de 700 pessoas confirmanu a marvadeza, dispresanu a vida que contráriu a quarquer cituação só dá uma safra, repete não.


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Direito de Entender:

A Fundação Renova e a transferência para o SUS dos custos da reparação em saúde O Rio? É doce. A Vale? Amarga. Ai, antes fosse Mais leve a carga. Carlos Drummond de Andrade (Lira itabirana)

A lira é de Itabira, terra natal do poeta, e foi publicada em dezembro de 1983. Depois disso, a Vale, já privatizada, se associou à BHP Billiton no controle acionário da Samarco, a barragem se rompeu em um desastre que ainda pulsa e até mesmo o rio deixou de ser doce. Mais pesada tem se feito a carga nas vidas das pessoas. As três mineradoras criaram a Fundação Renova, que nem de longe aliviou esse peso. Ao contrário. A demora da Renova em custear a implementação do Plano de Ações em Saúde de Barra Longa, por exemplo, levou o Ministério Público Federal (MPF) a ajuizar uma ação civil pública contra a fundação. O MPF tem atuado com foco na centralidade do sofrimento da vítima (que abordei neste espaço em março deste ano) e, nesse sentido, a ação civil pública, que tratou da falta da implementação do Plano de Ações em Saúde de Barra Longa, só foi proposta depois de reuniões realizadas com pessoas atingidas no município e com a sua assessoria técnica independente. Quando chegaram a Barra Longa, os rejeitos de mineração vindos da barragem colapsada de Fundão transbordaram o leito do rio do Carmo e invadiram até mesmo o centro da cidade. Outras regiões do município, como o distrito de Gesteira, também foram tomadas pela lama. O ritmo e os projetos de vida da população foram imensamente alterados, com profundos danos à saúde. Diante da enorme sobrecarga que o desastre tem trazido ao Sistema Único de Saúde (SUS) ao longo da bacia do rio Doce, alguns municípios já construíram e vários outros estão elaborando seus planos de ações em saúde. São instrumentos por meio dos quais os gestores públicos realizam o planejamento das medidas necessárias na área, para atender a população atingida, disponibilizar os tratamentos que possam ser necessários, bem como prevenir doenças e permitir o bem-estar da população. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), esse bem-estar deve ser completo – físico, mental e social –, não sendo suficiente falar em ausência de doença ou enfermidade. Infelizmente, não é essa a realidade da população atingida. O Laboratório de Educação Ambiental, Arquitetura, Urbanismo, Engenharias e Pesquisa para Sustentabilidade da Universidade Federal de Ouro Preto, por meio de equipe coordenada pela professora Dulce Maria Pereira, expediu nota técnica que assinala, com base em estudos realizados em Barra Longa, pelo Ministério da Saúde, de 2016 a 2018, que, “dos motivos que levaram ao atendimento, as infecções de vias aéreas superiores (IVAS) apresentaram maior número de registros, 1.060 (14,2%). Parasitose, hipertensão, dermatite, diabetes, depressão, transtorno mental e asma tiveram um incremento superior a 1.000% nos atendimentos”. Não se pode perder de vista que todos os gastos acrescidos ao SUS devem ser ressarcidos pelas empresas responsáveis, por meio da fundação que criaram. Empreendimentos privados, causadores de um desastre socioeconômico e ambiental, como o que decorreu do rompimento da barragem de Fundão, não podem repassar aos cofres públicos as despesas de reparação na área de saúde. Nem devem entrar nessa conta medidas compensatórias secundárias. O pedido liminar foi negado pela Justiça, motivo pelo qual o MPF apresentou um recurso postulando ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região que determine a implementação do Plano de Ações em Saúde de Barra Longa. O processo de reparação deve girar em torno das pessoas atingidas, não nos parecendo apropriada a menção ao que a decisão recorrida, por algumas vezes, denominou de “centralidade da jurisdição”, sobretudo em caso que atinge as vidas de milhares de pessoas em Minas Gerais e no Espírito Santo. P.s.: Já havia enviado este artigo para A Sirene quando tive a notícia de que a ação civil pública que buscava a implementação do plano de ações em saúde de Barra Longa foi julgada extinta pelo juízo de 1ª instância, em Belo Horizonte, sem exame dos pedidos, tendo sido acolhido o argumento das empresas Samarco, Vale e BHP Billiton Brasil, no sentido de que o MPF seria parte ilegítima para propor a ação, que trataria de interesses do município. Os autos ainda não vieram para ciência do inteiro teor da sentença. Inevitável lembrar Darcy Ribeiro: “Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu”. Mas não iremos nos resignar; há um longo caminho a percorrer.

Por Edmundo Antonio Dias Netto Junior Procurador regional substituto dos direitos do cidadão do Ministério Público Federal em Minas Gerais e membro das forças-tarefa Rio Doce e Brumadinho


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Opinião:

Como estamos habitando a Terra Por Alecsandra Santos da Cunha Doutora em Geografia, é assessora Técnica das famílias atingidas pela barragem em Mariana-MG. Mestre em Geografia, especialista em Educação Ambiental, Agricultura Familiar Camponesa e Educação do Campo

Cientistas afirmam que estamos vivendo o Antropoceno, um momento no qual as ações humanas são a base das transformações no planeta. E o que isso tem a ver com a Covid-19 e as famílias atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão? A forma como o ser humano atua no mundo está diretamente ligada ao surgimento e à disseminação das pandemias. Convido vocês a algumas reflexões. Nosso planeta tem cerca de 4,6 bilhões de anos. Os processos evolutivos se dão em centenas, milhares e bilhares de anos. Há cerca de 12 mil anos, o ser humano deixou de ser nômade para se tornar sedentário e domesticar animais e plantas. Grupos humanos fixos em territórios, aglomerados e em contato com animais deram origem a diversas doenças. Os animais carregam fungos, protozoários, vírus, entre outros, que são transmitidos entre espécies. Os vírus, por exemplo, têm grande capacidade de mutação, acelerada pela destruição da natureza. As pesquisas sobre a origem da Covid-19 ainda são recentes, mas se aponta para a transmissão do morcego para os pangolins e desses para os seres humanos, ou ainda para uma transmissão direta entre morcegos e humanos. Ao destruir os habitats dos animais, essas espécies buscam novas formas e espaços de sobrevivência. Quando a exploração dos recursos naturais avança sobre as florestas, morcegos, por exemplo, se adaptam e podem alcançar as zonas urbanas, transmitindo vírus aos humanos. A mineração é uma das atividades com maior potencial de alteração do meio ambiente. Mineradoras operam mundo afora, retirando as riquezas minerais locais e deixando para trás um rastro de destruição. As comunidades que vivem nos entornos da exploração mineral precisam conviver diariamente com o avanço das minas sobre seus territórios, se apropriando de terras, água etc. Territórios que são a base dos seus modos de vida, da solidariedade, da coletividade, da pequena produção de alimentos para o sustento da família e dependentes dos recursos naturais locais. Mesmo diante de um crime, como o rompimento da barragem de Fundão, a mineração segue sua exploração, enquanto as comunidades atingidas lutam para serem reparadas e voltarem a viver dignamente. Já vêm sofrendo a privação de seus direitos e, diante da pandemia instalada, mais uma vez, são abaladas profundamente. Com o afastamento social, precisam se reinventar na busca pela sobrevivência. A mineração segue suas atividades normalmente, agravando a situação, fazendo com que o vírus circule ainda mais, visto os números relacionados à Covid-19 que o município de Mariana vem apresentando, pois mais da metade dos casos confirmados são de funcionários ligados às empresas mineradoras. Empresas de capital transnacional, que lucram trilhões por ano por meio da exploração dos recursos naturais locais, têm a obrigação de prezar pela saúde e pela segurança de seus funcionários. Possuem recursos para manter seus trabalhadores em afastamento social, com salários em dia, garantindo a vida. O capitalismo, com sua exploração da natureza para atender a cultura do consumo exagerado e acumulação de riquezas nas mãos de poucos, está saturando o planeta. Até quando o capital triunfará sobre a vida humana? Entre a certeza que outras formas de viver e ser no/do mundo são possíveis e a esperança que a humanidade repense seus valores, deixo um fraterno abraço e #ficaemcasa, se puder.

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A espera pela efetivação do Plano de Ações em Saúde

Os(As) atingidos(as) de Barra Longa têm lutado para que o Plano de Ações em Saúde seja implementado na cidade, a fim de que seja garantido um melhor atendimento nas dependências do Sistema Único de Saúde (SUS). Para a realização do Plano, houve um processo de escuta dos(as) atingidos(as), levantamento de dados, reuniões e grupos de base, para identificar os problemas de saúde e as necessidades da população. Portanto, foi uma construção coletiva. O documento foi aprovado pelo Comitê Interfederativo (CIF), em dezembro de 2018, e, até hoje, a Renova se recusa a colocá-lo em prática, mesmo com o aumento no número de atendimentos clínicos após o rompimento da barragem de Fundão. Por Aline Pacheco Silva e Andreia Mendes Anunciação Com o apoio de Juliana Carvalho, Sérgio Papagaio e Simone Silva

O Plano de Ações em Saúde de Barra Longa foi construído conjuntamente pelos técnicos da Secretaria Municipal de Saúde, pela Comissão de Atingidos e Atingidas, pelo Coletivo de Saúde, com o auxílio de uma assessoria técnica independente (AEDAS), da Superintendência Regional de Saúde, da Secretaria Estadual de Saúde e do Ministério da Saúde, a partir de dados oficiais disponibilizados pela Secretaria Municipal de Saúde, de estudos realizados pela equipe do EpiSUS do Ministério da Saúde e de informações advindas da população nas reuniões de Grupo de Base e do Coletivo de Saúde. Aline Pacheco Silva, assessora técnica da AEDAS Os atingidos esperam é que a Renova comece a exercer o Plano. Ele já foi aprovado, mas, até agora, a Renova não exerceu, não colocou pra funcionar do jeito que deveria. Desde o rompimento da barragem, a situação da saúde na nossa cidade está muito fragilizada. São problemas respiratórios, são problemas de pele... Eu falo muito assim que nossas crianças, depois do rompimento, vivem de antibiótico, antiinflamatório e antialérgico. Esse é o almoço e a janta das nossas crianças. Andreia Mendes Anunciação, moradora de Barra Longa Os principais pontos levantados pela população e que estão contidos no Plano são: implementação de um serviço de saúde mental, aumento de equipe da atenção básica, auxílio para aquisição

de medicação e insumos laboratoriais, aumento do número de consultas com especialistas, melhoria na vigilância em saúde e no sistema de informação. Até o momento, a Fundação Renova não realizou qualquer ação de efetivação do Plano, mesmo já tendo sido notificada pelo CIF e tendo conhecimento das suspeitas de intoxicação por metais pesados na população e de um estudo que demonstra a situação de perigo urgente para saúde pública na cidade. Aline Pacheco Silva, assessora técnica da AEDAS Se o Plano de Ações em Saúde já tivesse sido colocado em prática, o povo estaria mais tranquilo. A gente já estava com escassez na saúde, aí veio o coronavírus para deixar o povo muito mais atormentado. A saúde é uma coisa muito preocupante para os atingidos, porque, devido ao rompimento da barragem, nós ficamos com a situação da saúde muito fragilizada. Andreia Mendes Anunciação, moradora de Barra Longa Neste momento de pandemia, torna-se ainda mais urgente a implementação do Plano de Ações em Saúde de Barra Longa, visto que o SUS do município já se encontra sobrecarregado e a população adoecida, tanto física quanto mentalmente. Aline Pacheco Silva, assessora técnica da AEDAS


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Foto: Larissa Helena

Sem melhorias na saúde do município, mas com o medo do retorno da Renova No dia 4 de junho, a Comissão de Atingidos e Atingidas de Barra Longa entregou um ofício contra o retorno das operações da Renova e de terceirizadas na cidade. O documento, destinado à Prefeitura de Barra Longa, à Secretaria de Obras de Barra Longa e à Secretaria de Saúde de Barra Longa, é referente ao retorno operacional da Renova e de suas terceirizadas. Com a pandemia do novo coronavírus, os(as) atingidos(as) temem que os(as) funcionários(as) da Renova agravem o quadro de contaminação na cidade. Até o momento, não houve resposta formal dos órgãos públicos, tampouco da Renova/Samarco/Vale/BHP Billiton. Na véspera da entrega do ofício, 3 de junho, havia apenas um caso confirmado da doença. O último boletim divulgado pela Prefeitura de Barra Longa, no dia 1º de julho, informa 54 casos confirmados. Confira o ofício: Por Sérgio Papagaio

Prezados, A Comissão de Atingidas e Atingidos, em conjunto com o coletivo de saúde de Barra Longa, os quais contam com a participação de vários atingidos e várias atingidas, vem apresentar sua posição contrária à retomada dos trabalhos da Renova e de suas terceirizadas no território durante todo o período da transmissão ativa da Covid 19, pautando o bem-estar e a saúde de seus munícipes. A partir do exemplo da cidade de Mariana, onde a Renova e suas terceirizadas não interromperam as atividades e vieram a contaminar, até o momento, vários funcionários, contribuindo para um triste número que começa a ultrapassar as barreiras do controle, situação calamitosa que põe em risco vidas humanas. Nós, cidadãos e cidadãs barra-longuenses, pautamos, primeiramente, a vida, ato que, no picadeiro da existência, não se repete. Portanto, lembramos que, pela forma como Barra Longa foi atingida, cabe à Renova, fundação criada para reparar o crime do rompimento da barragem da Samarco Minerações e suas controladoras, Vale e BHP Billiton do Brasil, e tudo o que possa ter relação com o rompimento, visto que a vida se seguia com pescadores, garimpeiros tradicionais, lavradores da terra santa de Barra Longa, extrativistas, dentre outros ofícios que foram ceifados ou parcialmente prejudicados. A Fundação Renova não visa o lucro e já possui verba direcionada para reparação e, portanto, não sofrerá, como os empreendedores comuns, os efeitos da crise econômica. Nesse sentido, encontrase em melhores condições de proteger os direitos e a dignidade de seus trabalhadores. Entendemos que esta é a hora de unirmos os poderes legislativo e executivo e toda a população da cidade, a fim de exigir, da Renova e de suas contratadas, a continuidade do pagamento de salários dos seus funcionários, pago pontualmente, uma vez que a cidade de Barra Longa amarga o título de única cidade da bacia do Rio Doce que foi, e ainda é, atingida nos quintais de muitas casas e no centro urbano. Valendo da lei (ambiental) que obriga a responsabilidade do poluidor pagador arcar com as consequências do seu crime. Lembramos que os efeitos da pandemia encontram especial gravidade no contexto de vulnerabilidade gerado e aprofundado pelo rompimento da barragem de Fundão. Passados quase cinco anos do rompimento, sem uma efetiva reparação, maiores são as dificuldades para que as famílias consigam se proteger adequadamente. Sem mais para o momento, respeitosamente, Comissão de Atingidos e Atingidas de Barra Longa, Coletivo de Saúde e demais atingidos(as)


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A fé em Antônio

O dia de Santo Antônio faz parte das celebrações das festa juninas, assim como os dias de São João e São Pedro. Da mesma maneira que a fé é tida como um símbolo importante da luta e da resistência nas comunidades atingidas, os momentos de alegria e de partilha proporcionados pelas comemorações juninas são parte da tradição e do amor que os une nos territórios. A alegria de reunir famílias e amigos para as rezas, danças e brincadeiras, recheadas de comidas e bebidas típicas, deixou saudade. Neste ano, devido à pandemia, os(as) atingidos(as) lidam com celebrações virtuais e a saudade do encontro. Por Maria de Fátima Santos Tavares (Fatinha), Maria Geralda, José de Felix Com o apoio de Beatriz Ribeiro e Júlia Militão Foto: Wandeir Campos

Foto: Larissa Pinto

Aqui a festa de Santo Antônio é na casa do Antônio (Toninho) e da Fatinha. No dia 13 de junho, tem uma fogueira muito legal. É uma festa de tradição, porque o pai dele fazia. O pai dele faleceu e ele continua fazendo a festa do mesmo jeito. Tem as rezas de Santo Antônio, tem a fogueira, tem quadrilha, tem comida à vontade, tem quentão, bebida quente de todo tipo… Tudo de graça. Eles fazem essa festa todo ano, é uma festa linda. Tem show ao vivo, eles também trazem cantores que estão acostumados a cantar na região. É uma festa muito boa, muito bacana mesmo e é a tradição da nossa comunidade. Esse ano, infelizmente, nós não tivemos por causa do distanciamento social. Mas sempre, todo ano que fazemos, é muito boa, junta muita gente. José de Félix, morador de Ponte do Gama


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Foto: Wandeir Campos

Foto: Arquivo pessoal de Maria de Fátima Santos Tavares (Fatinha)

A festa do nosso padroeiro Santo Antônio traz, pra nós da comunidade de Paracatu, um significado muito bonito, comemoramos sempre com muita animação, com quadrilha, canjica, pipoca, quentão… É uma festa de muita animação. Neste ano, por causa da pandemia, a gente não teve como celebrar da forma que sempre foi celebrada. Por causa da pandemia, a gente entendeu que, neste momento que estamos vivendo, não daria pra acontecer, mas eu não deixei que passasse em branco. No dia 13, foi celebrada uma missa, em homenagem ao nosso padroeiro Santo Antônio, transmitida no Facebook, pelo padre Harley Lima. Tivemos esse momento de celebração com o nosso padroeiro, dando vivas a ele, e eu distribuí umas balinhas. Enfim, a gente encerrou assim o nosso momento de homenagem ao nosso padroeiro. É uma festa muito importante pra nós. Eu, como coordenadora da igreja, não podia deixar passar em branco. Esse ano a gente teve até saudade do ano passado, pela animação da festa que aconteceu. Maria Geralda, moradora de Paracatu de Baixo A Reza de Santo Antônio é uma tradição da família do meu marido. Está na família há muitos anos, só com os pais dele fez 50 anos. Esse ano, por causa do coronavírus, não aconteceu o encontro de família e amigos, mas a reza de Santo Antônio, pra nós, é devoção de muita fé e agradecimento. Ela era feita na casa do avô do meu marido, quando o pai dele nasceu, no dia de Santo Antônio. O avô colocou o nome de Antônio e a reza continuou até o pai dele se casar. O pai dele, então, passou a reza pra ele, que continuou com a ajuda e o apoio da mãe, dona Gertrudes. Eles faziam a reza todos os anos, não importava onde ela estava morando, ela não deixava de se reunir com a família pra reza. O senhor Antônio mais dona Gertrudes passaram essa devoção para os filhos, que cresceram juntos na fé e devoção com Santo Antônio, e eles estão passando para os netos, que também gostam da reza. Quando nos mudamos aqui pro Gama, em 2011, a reza passou a ser aqui em casa. Eu aprendi a ser devota de Santo Antônio com eles. Aqui na minha casa, a reza está acontecendo há nove anos. Os netos ficam mais felizes quando está chegando o dia da reza da fogueira de Santo Antônio do que no Natal. No dia, fazemos uma bela fogueira, quentão, canjica, rezamos as orações tradicionais do dia, levantamos o mastro com a bandeira de Santo Antônio e é só alegria. Maria de Fátima Santos Tavares (Fatinha), moradora de Ponte do Gama


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Casamento em roça é assim

Charles e Lilian namoravam em frente a casa de seus pais, em Paracatu de Baixo.

Casamento de Charles e Lilian, em Cláudio Manoel, no dia 13 de outubro de 2012.


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m, cheio, né?

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Fotos: Arquivo pessoal de Charles Batista e Lilian Batista

Os primeiros encontros a gente nunca esquece. Charles e Lilian guardam até as datas e os lugares. Charles é de Paracatu de Baixo e Lilian de Cláudio Manuel, mas foi em uma festa em Águas Claras que se conheceram. O namoro no banquinho em frente à casa dos pais de Charles, em Paracatu, seguiu firme, unindo as duas famílias e as comunidades. Devotos de Nossa Senhora Aparecida, casaram-se no dia seguinte às comemorações de 12 de outubro, também sob as bênçãos do padroeiro de Paracatu, Santo Antônio, o santo casamenteiro. O rompimento da barragem de Fundão, em 2015, poucos anos depois do casamento, interrompeu a obra da casa que estavam construindo, em Paracatu, e adiou o sonho de terem um(a) filho(a). Agora, enfim, o fruto desta união logo chegará para alegrar ainda mais a vida dos dois. Charles e Lilian serão papais da Lívia.

Por Charles Batista e Lilian Batista Com o apoio de Beatriz Ribeiro, Joice Valverde e Júlia Militão

Eu sou de Paracatu de Baixo e a minha esposa, Lilian, é de Cláudio Manoel. Nós casamos em 2012 e agora vamos ser papais. Eu morava em Paracatu, mas trabalhava em Mariana, e conheci a Lilian em uma festa em Águas Claras, no dia 13 de novembro de 2010. Eu me interessei por ela, só que, nesse dia, a gente não conseguiu conversar, mas ela ficou sabendo que eu queria conhecer ela pessoalmente. No dia 14, a gente se encontrou e começamos a ficar. E, assim, acaba tendo ligação, porque eu já tinha estudado com a irmã dela, que era casada com meu primo. Então meio que gerou um contato mais próximo, por influência, né? As famílias se conheciam. Daí pra frente, foi encontro atrás de encontro. Eu saía de Mariana e ia atrás dela lá em Cláudio Manoel, aonde ela estivesse, e a gente encontrava. Passaram poucos dias, a gente começou a namorar sério e, em 2012, a gente ficou noivo no começo do ano e programamos o casamento para outubro. Eu queria casar no dia 12 de outubro, porque a gente é devoto de Nossa Senhora Aparecida, porém era em uma sexta-feira, então ficou um pouco complicado, porque sexta não é dia de fazer casamento, né? Mas a gente fez carreata dia 12, que tem todo ano, e casamos no sábado, dia 13 de outubro de 2012. A gente se conheceu em locais diferentes, mas, quando foi o casamento, encheu muita gente, de vários distritos, porque casamento em roça é assim, cheio, né? A gente casou em Cláudio Manoel, mas levamos toda a comunidade de Paracatu, só não foi quem não tinha condição, mas a comunidade tava em peso lá. Fora a comunidade de Pedras, Águas Claras, porque a gente convidou o máximo de pessoas que a gente podia, além da comunidade de Cláudio Manoel. Então reuniram-se mais ou menos uns quatro distritos. Ih, tinha muita gente! Histórias de família Querendo ou não, a gente é fruto do que o pai ensina e preza, né? A gente segue a doutrina. Meus pais eram casados e, toda a vida, eu quis casar. E acaba que, quando as famí-

lias se conhecem, uma fica sabendo informação da outra. Por exemplo, se a família de um fosse malfalada ou tivesse algum problema, gera certa discussão ou desconforto, mas, graças a Deus, a minha com a dela não teve isso. Pelo contrário, rapidamente, a gente namorou e, com dois anos, casou. Meu pai, Jerônimo, e minha mãe, Arlinda, a história também é interessante, porque minha mãe é de Paracatu e meu pai também. E, antigamente, o pessoal casava com o próprio pessoal do lugar, não deixava pra outro. Por exemplo, em Paracatu, uma comunidade que não tem muita gente perto, acabava que, muitas vezes, as pessoas namoravam e casavam com gente do lugar mesmo. No caso do meu pai e da minha mãe, as famílias são de lá, eles casaram lá também e muita gente lá é assim, casada com gente de lá mesmo. Acaba que, em Paracatu, quem não é parente, tem parentesco longe. O primo de um é primo do outro, o outro é parente do outro. “Tudo farinha do mesmo saco.” Hoje eles têm oito filhos, eu sou o mais velho, vou fazer 31. Meu pai construiu a casinha dele no terreno que o pai dele separou pra ele, porque, antigamente, era assim. Aí ele construiu a casinha lá e casou. Planejamentos Poucos anos depois de casados, a gente tava pensando em ter filho. Só que aí veio o rompimento da barragem e atrapalhou o planejamento. Eu já tava construindo uma casinha lá na roça, a gente morava em Mariana e tava pensando em ter uma casinha lá, pra ter espaço pro filho da gente. Isso aí não foi possível, aí a gente adiou um pouco essa questão de ter filho. Só que, agora, como a gente viu que as coisas estavam difíceis de resolver e ia demorar muito, ano passado, a gente planejou, organizou e pensou em tentar engravidar. Aí no final do ano, graças a Deus, deu certo e a nossa neném agora tá quase nascendo. É uma moça e vai chamar Lívia. Charles Batista e Lilian Batista, moradores de Paracatu de Baixo e de Cláudio Manoel


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Ofício marcado no corpo: a vida de uma pescadora atingida Eliane Balke vive do mar e do mangue. Ela é pescadora e catadora de caranguejo por tradição, aprendeu a profissão com a família. A pescadora, que definia sua rotina de trabalho como um “mar de rosas”, viu essa realidade mudar quando a lama de rejeito de minério da Samarco/Vale/BHP Billiton chegou ao Espírito Santo. A fartura do pescado, o que ela mais gostava no seu trabalho, não existe mais. O meio ambiente também sofre com o rompimento da barragem da Samarco/Vale/BHP Billiton. Eliane, além de pescadora e catadora de caranguejo, tornou-se atingida. Há mais de quatro anos, vem descobrindo o que isso significa. Mas algo que ela logo aprendeu é que ser mulher e atingida é carregar um peso a mais que seus companheiros de luta. Por Eliane Balke Com o apoio de Sérgio Papagaio e Wigde Arcangelo

Sou pescadora por ofício. Sempre transformei as dificuldades em trabalho árduo. No mangue, retirava o necessário para o sustento de casa. Ser pescadora é um desafio de vida, eu dependia exclusivamente da pesca. Assim como os muitos capixabas, também fui prejudicada pela chegada da lama de rejeitos da Samarco/ Vale/BHP Billiton no litoral do Espírito Santo. O desastre não retirou apenas as condições de trabalho, mas atingiu todo um modo de vida, porque ser uma pescadora é saber do mundo de um determinado jeito. É ser meteorologista formada pela experiência, ser conhecedora das características próprias de cada espécie de peixe, da utilidade de cada ferramenta pesqueira, saber o significado de cada toada de vento. São saberes que se mesclam no cheiro do rio e do mangue, nas cores refletidas pelas águas, em cada hora do dia e na beleza dos estuários do mangue, do rio percorrido no ir e vir do trabalho. Pescadora tem o ofício marcado no corpo, pele preta na maioria das vezes com a lama do mangue, que se doura com o sol de todos os dias, por longos anos. Mãos calejadas, hábeis da pesca, cortadas pelas puãs dos caranguejos, do siri, pelas lâminas que fisgam o peixe. O pescado não é apenas a geração de renda, mas é a base diária da alimentação. Só sei pescar, é o que sempre fiz, o desastre ganhou pernas de lama em cada curso d’água conectado ao Doce. A água une a gente. Isto é, a mesma energia conecta tradições e costumes ao longo da nossa ancestralidade de ocupação territorial da bacia do rio Doce.

A natureza mudou Hoje, há a permanência de rejeitos no rio Doce. Em ampla faixa costeira, aqui do Espírito Santo, comer o peixe todos os dias significa incertezas, risco e medo. Os rejeitos da mineradora Samarco encontraram rotas de destruição pelo emaranhado de cursos de água que irrigam a planície costeira do Espírito Santo. A lama de rejeitos de minério da Samarco chegou pelo rio Doce e foi despejada no mar, que, sensatamente, recusou o que não lhe pertencia. E a devolutiva de parte desses rejeitos tem provocado sérios desequilíbrios no ecossistema aqui na região, atingiu desde o manguezal litorâneo até as bocas de outros rios existentes ao longo da costa capixaba. Todo nosso ecossistema foi danificado, nossa natureza está contaminada. A quantidade e a variedade de peixes diminuíram significativamente após a chegada dos rejeitos de minério. Hoje, a captura de espécies com anomalias ou até mesmo sem vida tornou-se comum. O sabor do pescado não é mais o mesmo. A água passou a cheirar mal. O manguezal passou a morrer; dele, restam apenas árvores secas e uma coloração de rosa, incomum, tom marrom ferrugem. Pouco pescado, pouco caranguejo, siri, mariscos. A Samarco nos prejudicou. Mulher e atingida A empresa não resolve nada, só nos coloca na posição de mendigar um cartão emergencial. E é diferente ser mulher atingida, não há mecanismos voltados especificamente para a


APARASIRENE NÃO ESQUECER

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Foto: Isis Medeiros

escuta de atingidas mulheres. Assim como não existe também uma política protetiva aos direitos dos vulnerabilizados dentro da estrutura patriarcal em que a gente vive. Não colocam a mulher como responsável financeira. Eu me sinto fragilizada nesse processo de reparação. A discriminação de gênero apresentou-se, inclusive, nos primeiros cadastramentos realizados com as pescadoras aqui no Estado do Espírito Santo. As pescadoras eram identificadas como lavadeiras, foi o meu caso, veio no meu formulário. Mulheres que eram proprietárias de embarcações foram classificadas como tripulantes, o que, de acordo com a matriz de danos da Renova, acarretava redução significativa dos valores indenizatórios. Ainda há uma luta pelo reconhecimento de mulheres pesqueiras que limpavam, cortavam, congelavam e vendiam o pescado. É muito triste, como mulher atingida, ver o modelo de mitigação e indenização proposto para as atingidas do rio Doce não seguir diretrizes de amparo à mulher, como acontece, por exemplo, nos programas do Governo Federal, como o Bolsa Família, no qual as mulheres são titulares preferenciais aos benefícios. Com o processo de se tornar uma atingida, vamos aprendendo um novo vocabulário. Palavras antes inexpressivas ganham, com o rompimento, sentido na luta e para a luta. Entre os novos dizeres, um termo motiva a esperança no futuro, que é a reparação integral. Faz-se necessária a restituição do meu modo de vida, atingida pelo desastre, bem como a adoção das medidas compensatórias para os estragos irreparáveis. O desastre não implicou apenas na perda da renda, mas também na falta do espaço de convivência, lazer e

sociabilidade. Foi deixado um vazio pela perda de relação com o rio, o descanso que o banho de mar provoca, a sensação de conquista do peixe fisgado da água e servido à mesa. Sobram as dúvidas A ausência de informação sobre a extensão da contaminação e quais políticas devem ser adotadas, em relação aos meus hábitos diários, reflete diretamente no quadro de saúde que vivo. Estou em contato com o ambiente atingido. Há contaminação do pescado, consequentemente, crise da nossa segurança alimentar. O mais grave: não possuo outra opção de subsistência alternativa à pesca. Enquanto isso, faltam informações básicas: posso pescar? Posso comer o peixe? Posso nadar na água? Posso filtrar e consumir a água da torneira? A ausência de uma política competente de comunicação e diálogo implica não só na minha desinformação em relação ao processo de reparação. A contaminação no manguezal vem provocando doenças e matando os peixes, os caranguejos, os animais silvestres. Toda a cadeia produtiva organizada em torno da pesca foi inviabilizada, da captura ao beneficiamento. A comercialização foi atingida intensamente e prejudicou minhas principais atividades econômicas e de subsistência, que são a pesca, a cata do caranguejo e de outros mariscos. Eliane Balke, moradora de Barra Nova Sul, São Mateus, Espírito Santo


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A SIRENE PARA NÃO ESQUECER

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Foto: Camila Bento/Cáritas MG

Dona Orides da Paixão de Souza, 88 anos, atingida de Bento Rodrigues, acompanhada da assessora jurídica da Cáritas, Mayra Costa, em novembro de 2019, para a reunião de apresentação da proposta de indenização na FNE.


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APARASIRENE NÃO ESQUECER

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Indenizações: sem acesso à comunicação não tem negociação, e agora? Por Ellen Barros

No momento em que a Fundação Renova avisa, via ofício, que vai iniciar, de modo remoto, as apresentações das propostas de indenização das pessoas atingidas em Mariana, é urgente cobrar, mais uma vez, que o direito à comunicação seja garantido. A interação à distância é um desafio e uma realidade para milhares de pessoas atingidas pela barragem de Fundão, especialmente nesses quatro meses em que a pandemia fez necessário o distanciamento social. No entanto, ela deixa de ser um desafio e se torna algo inviável quando a família não possui sinal de telefonia ou internet, quando não tem, sequer, o equipamento necessário. Esse tem sido o caso de parte da população atingida de Mariana, principalmente das pessoas que vivem na zona rural do município. Há tempos, famílias atingidas das comunidades rurais alertam para essa realidade, nesse período de pandemia. Muitas vezes, não temos escutado mais essas queixas, porque essas pessoas estão silenciadas diante da impossibilidade material para se comunicarem à distância. O princípio da isonomia e o da garantia do direito à informação são imediatamente violados quando a Fundação Renova não proporciona os meios e a estrutura necessários para que as famílias sejam informadas, ouvidas e possam, assim, de fato, protagonizar o processo de reparação das perdas e dos danos que vêm sofrendo desde 2015. Paralelamente a essa questão, está o trabalho da Assessoria Jurídica (AJ) gratuita oferecida pela Cáritas à população atingida de Mariana. O objetivo da AJ é prestar informações sobre o processo de indenização a todas as atingidas e todos os atingidos e acompanhar, quem assim desejar, a Fase de Negociações Extrajudiciais (FNE), chamada, pela Fundação Renova, de Programa de Indenização Mediada (PIM). A AJ trabalha ainda na elaboração de documentos que auxiliam as pessoas atingidas na FNE, além de enviar ofícios de denúncia de descumprimento e violações por parte da Fundação Renova ao Ministério Público. Com a retomada das negociações das indenizações de forma remota, a Assessoria Jurídica vem destacar a importância de esse ser um momento de reparação de fato, e não causador de novos danos. Assim, foi feita uma solicitação em caráter de urgência, via Ministério Público, para que a Fundação Renova informe, com precisão, como serão esses atendimentos. Isso porque, apesar de a Renova dizer que o procedimento seria divulgado amplamente em suas mídias e seus meios de comunicação em geral, nada a esse respeito chegou ao conhecimento da população atingida. A AJ destaca ainda a necessidade de que as reuniões remotas aconteçam de forma objetiva e esclarecedora para as atingidas e os atingidos, sem que ocorram desgastantes interrogatórios dessas pessoas, uma vez que as perdas e os danos já foram declarados pela família e organizados em um dossiê, documento que deve ser a base para a proposta de indenização de cada pessoa atingida. É fundamental que toda a população atingida de Mariana saiba que pode solicitar os serviços gratuitos de Assessoria Jurídica. Assim, caso você já seja acompanhado(a) pela equipe da AJ e tenha alguma dúvida, ou deseja solicitar o assessoramento jurídico gratuito, entre em contato com a Central de Informações da Cáritas, em Mariana, o telefone é: (31) 9 9218-0264 e também funciona WhatsApp. É importante saber que as solicitações para acompanhamento nas reuniões da FNE devem acontecer com, no mínimo, três dias de antecedência.


Editorial Como nos anos anteriores, esperava-se que esta edição trouxesse matérias e fotos das festas de junho realizadas nos territórios atingidos. O momento atípico impediu que isso acontecesse. Mas, aqui, cabe o exercício de relembrarmos a importância da data para os(as) atingidos(as). Nessa edição, contamos histórias de Minas Gerais e do Espírito Santo. Pessoas com formas distintas de ser atingido(a), mas unidas em torno da mesma luta. Em nossas páginas, você verá que fé e festa se misturam no mês do Santo Antônio. Uma tradição que nem mesmo o crime da Samarco/Vale/BHP Billiton conseguiu destruir nos territórios atingidos. No entanto, a pandemia, mais um reflexo de como os seres humanos lidam com a natureza, obrigou que os festejos fossem adaptados ao novo cenário. A foto da capa é de 2019, e sabemos que não seria possível reproduzi-la do mesmo jeito neste ano. Mas, mesmo sem o calor e o contato humano, característicos desse momento, os(as) fiéis não deixaram de comemorar a data do santo, que é popularmente conhecido como casamenteiro. Por isso, contamos a história de Charles e de Lilian, que, assim como outros casais de Paracatu, têm a união abençoada pelo padroeiro da comunidade. Ouvimos também, de outros(as) atingidos(as), o que a devoção ao Santo Antônio significa para eles(as) e como foi a celebração neste ano. No entanto, nem tudo é alegria. Barra Longa registrou seus primeiros casos de contaminação pela Covid-19. A população atingida já lutava para que as atividades da Renova não retornassem no território. Havia a preocupação de que o aumento do fluxo de pessoas pudesse levar a nova doença para cidade. Mesmo com a confirmação dos casos, a pauta continua sendo reinvindicada pelos(as) atingidos(as) barralonguenses. Só que, agora, a preocupação é com a situação do sistema de saúde do município. A saúde também é algo que preocupa Eliane Balke. Pescadora e catadora de caranguejos, a atingida do Espírito Santo convive com incertezas sobre a contaminação do pescado. Nesta edição, você conhece a história dela e sua relação com o mar, seu local de trabalho, que não é mais o mesmo.


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