A Sirene - Ed. 48 (Abril/2020)

Page 1

A SIRENE

PARA NÃO ESQUECER | Ano 5 - Edição nº 48 - Abril de 2020 | Distribuição gratuita


2

A SIRENE PARA NÃO ESQUECER

Abril de 2020 Mariana - MG

Informativo das Assessorias Técnicas AEDAS Barra Longa, março

A Assessoria Técnica da AEDAS, de Barra Longa, informa que, seguindo as orientações das ações do governo para prevenção à pandemia do coronavírus, todas as atividades com os(as) atingidos(as) (grupos de base, assembleias e atendimentos no escritórios ou domiciliares) estão suspensas por tempo indeterminado. A equipe continuará trabalhando remotamente, a partir do dia 23 de março e sem previsão de retorno. Será realizada comunicação semanal sobre a manutenção das medidas de segurança. Os atendimentos com os(as) atingidos(as) serão realizados por telefone, nos seguintes números: (31) 971215664 (Felipe, de 8h às 12h) e (31) 981070835 (Laís, de 14h às 18h).

CÁRITAS Mariana, março

Todas as atividades realizadas pela Assessoria Técnica da Cáritas com os(as) atingidos(as) estão suspensas. Assim, a Cáritas Minas Gerais busca cumprir com as orientações das autoridades em saúde para o distanciamento social em tempos de pandemia ocasionada pela Covid-19. A equipe está fazendo trabalho remoto (de casa) e, durante esse período, produzimos conteúdos informativos para reforçar a necessidade do isolamento social e evitar o contágio e com orientações de autocuidado enviados para os(as) atingidos(as) via WhatsApp.

ATENÇÃO!

Escreva para: jornalasirene@gmail.com

Não assine nada

Acesse: www.jornalasirene.com.br

Em caso de dúvidas sobre o conteúdo, conte com a ajuda de um advogado ou qualquer outro especialista. Se te pedirem para assinar qualquer documento, procure o Ministério Público ou a Comissão dos Atingidos.

www.facebook.com/JornalSirene Para reproduzir qualquer conteúdo deste jornal, entre em contato e faça uma solicitação.

ROSA FORTINI Rio Doce, março

Seguindo as recomendações do Ministério da Saúde, durante a pandemia de coronavírus, os atendimentos individuais da Assessoria Técnica Rosa Fortini não estão sendo realizados pessoalmente. Os escritórios permanecem fechados, porém a equipe segue trabalhando de suas casas em pesquisas, programas, decisões judiciais e estudos que possam embasar a defesa nas câmaras técnicas e na Justiça, quando as atividades forem retomadas. A Assessoria Técnica mantém constantemente o contato com os(as) atingidos(as) por meio de grupos de WhatsApp, de cada comissão, de produtores rurais e comerciantes, dos núcleos de base (um grupo com cerca de 15 pessoas de cada comunidade atingida), assim como o atendimento individual.

Para reproduzir qualquer conteúdo deste jornal, entre em contato e faça uma solicitação.

EXPEDIENTE Realização: Atingidos(as) pela Barragem de Fundão, Arquidiocese de Mariana | Conselho Editorial: Expedito Lucas da Silva (Kaé), Genival Pascoal, Letícia Oliveira, Pe. Geraldo Martins, Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio), Simone Maria da Silva | Editores-chefe: Genival Pascoal e Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio) | Jornalista Responsável: Wigde Arcangelo | Diagramação: Júlia Militão | Reportagem e Fotografia: Genival Pascoal, Joice Valverde, Júlia Militão, Juliana Carvalho, Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio), Simone Maria da Silva | Apoio: Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) | Revisão: Elodia Lebourg | Impressão: Sempre Editora | Foto de capa: Joice Valverde | Tiragem: 3.000 exemplares | Fonte de recurso: Termo de Ajustamento de Conduta entre Arquidiocesse de Mariana e Ministério Público de Minas Gerais (1ª Promotoria de Justiça de Mariana).


Abril de 2020 Mariana - MG

Papo de Cumadres: Opinião:

coronavírus

Consebida e clemilda estão apavoradas com tanta gente de todo canto, da Renova e suas terceirizadas, diante do coronavírus, pois há uma grande circulação de seus funcionários até pro exterior, podendo disseminar a contaminação. Por Sérgio Papagaio

- Cumadre Clemilda oia só que tentação já num bastava a barrage trazer a contaminação por metá pesado ainda pru nossu pecadu a renova que num repara um mar sem carsar outro, trouxe pra fazer reparação gente de toda povoação sem contá us mais graduadus que viaja de avião. - Consebida minha fia agora minha cabeça deu um nó mi ixprica diritin este borogodó. - Cumadre veja só nós que sempre saiu pru CIF, pras camaras técnica quantas vês nos emcontrou com funcionário da renova nus aeropoutus de Beozonti, Vitória e Brasília e pra tantus outrus lugá que ajente nem vil e pra todu cantu du mundu e du Brasil. - Agora achu que intendi ês pode pegá u tar coronavírus e dispois, pra nois passar, então tem mais coisa pamode nois se percupá as teucerizadas que aqui em Barra Longa vei trabaiá tem genti de tudu inquantu é lugá uma hora ês ta aqui outra hora ês ta lá e dispois vorta pra cá Deus sabe que uma hora ô outra es pode nus contaminá. - É como sempre fala cumpadre Papagaio rompi 365 barrage pur ano sobre nossas cabeça, u que ês qué e matá nóis custe u que custá tentaru com u rompimentu, dispoi com um monte de reunião usandu pra agravá nossu emocioná sempre a palavra não, dispois nois soube que u rejeitu tinha matá que pode nus contaminá, agora com este covid-19, tem quase mir funcionariu que pode ir lá fora contaminá e dispois vortá e matá nois de afrição e ou de contaminação.

APARASIRENE NÃO ESQUECER

3


4

A SIRENE PARA NÃO ESQUECER

Abril de 2020 Mariana - MG

Direito de entender:

Recomendações para conter o avanço do Covid-19

Por Guilherme de Sá Meneghin, Promotor de Justiça

Diante do cenário de pandemia do novo coronavírus (Covid-19), o Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG), por intermédio da 1ª Promotoria de Justiça da Comarca de Mariana, tem adotado medidas, internas e externas, para minimizar os impactos e controlar os riscos de transmissão. Em razão da preocupação com a saúde dos membros, servidores, estagiários e demais profissionais que atuam na unidade, o Ministério Público, por ora, interrompeu os atendimentos presenciais, a fim de evitar aglomerações. Da mesma forma, durante o período de isolamento, as atividades presenciais do projeto Diálogos Comunitários/MPMG, em Mariana, ficarão suspensas. As recomendações de restrição do convívio social serão mantidas pelas unidades do Ministério Público em todo o Estado até o dia 13 de abril, quando o cenário será novamente analisado. Até lá, a 1ª Promotoria de Justiça de Mariana e o projeto Diálogos Comunitários continuarão trabalhando para atendimento de demandas urgentes, notadamente relacionadas à saúde, aos idosos e às pessoas em situação de vulnerabilidade. Os prazos e as demandas relacionados ao rompimento da barragem de Fundão também continuam sendo observados pela equipe, em regime de trabalho remoto. Ressalta-se ainda que o Ministério Público expediu, no dia 27 de março, recomendação para que os promotores de Justiça de todo o Estado, quando necessário, orientem as forças de segurança locais e estaduais para que acompanhem manifestações e eventos ocorridos durante o período em que vigorar o estado de calamidade pública estabelecido pelo Decreto nº. 47.891. O documento expedido cita, ainda, a deliberação do Comitê Extraordinário Covid-19, que veda a realização de eventos e reuniões de qualquer natureza. Por esse motivo, as reuniões relacionadas ao rompimento da barragem de Fundão serão retomadas somente após o fim das restrições de convívio social. Dúvidas e demandas urgentes podem ser encaminhadas por e-mail, no endereço: comunicacao@dialogoscomunitarios.org.br.


Abril de 2020 Mariana - MG

APARASIRENE NÃO ESQUECER

5

Coronavírus e saúde mental Por Aline Pacheco e Leonardo Silva (psicólogos da AEDAS, Assessoria Técnica dos atingidos de Barra Longa)

Todos os dias temos recebido um enorme volume de informações sobre a pandemia do coronavírus, sobre as precauções que devemos tomar e sobre as consequências para a saúde da população. Muito se fala sobre os cuidados físicos que devem ser tomados nesse cenário de pandemia. Nesse contexto, os cuidados com a saúde mental também são importantes. Estamos vivendo o primeiro episódio, na história da humanidade, em que todo o mundo passa por uma pandemia e em que um terço da população está em isolamento. Alguns locais no mundo já passaram por situações de epidemia e essas experiências forneceram indicadores que demonstraram uma piora na situação de saúde mental da população nesses momentos. Apesar de todas as pessoas se afetarem de alguma forma, nesse momento, existe uma grande variedade de reações e sentimentos que cada um pode ter. Muitas pessoas podem se sentir sobrecarregadas, confusas ou muito desorientadas sobre o que está acontecendo. Elas podem se sentir em pânico, amedrontadas, extremamente tristes, ansiosas, anestesiadas ou insensíveis. Apesar disso, a maioria das pessoas se recupera bem dessa situação com o passar do tempo, especialmente se tiverem apoio e ajuda, que pode ser encontrado no autocuidado, em uma ligação para uma pessoa conhecida, ou quando se recorre aos canais de comunicação disponibilizados pelo serviço de saúde, por exemplo. Para a população atingida, a pandemia agrava todas as incertezas que vivenciam desde 2015, em decorrência do crime do rompimento da barragem de Fundão, que causou a vivência de uma crise, aumento de vulnerabilidade, das desigualdades, do risco social, piora na saúde, perda de seus lares, incerteza sobre seus futuros.

Precisamos refletir sobre como os atingidos estão percebendo a instrução de “ficar em casa” diante da questão de terem sido arrancados delas e, até agora, não terem uma resposta satisfatória para poderem chamar outro lugar de lar. Como pensar em mais um risco invisível se ainda não têm certeza sobre a sua situação de saúde após o rompimento? Atingidos pela mineração e, agora, atingidos pela pandemia O que podemos fazer para diminuir a dor psicológica e o sofrimento em busca de maior estabilidade emocional? Primeiramente, devemos nos cuidar e cuidar de nós mesmos significa cuidar, também, da nossa sociedade. Impossível se proteger sem proteger quem está do seu lado. A solidariedade diminui os efeitos do isolamento. O isolamento do nosso corpo não deve ser isolamento dos nossos afetos! Precisamos estar informados, mas devemos evitar o excesso de informação, afinal, informação de menos causa ansiedade e informação demais causa angústia. É importante resgatarmos o que fazíamos antes da pandemia e o que podemos continuar fazendo, estabelecer rotinas e formas de interação, repensar a forma como administrávamos nosso tempo e rever nossas prioridades. As pessoas têm de estar bem com sua saúde mental, tranquilas para fazer as melhores escolhas e para planejar as suas vidas, afinal, é importante viver um dia de cada vez, porém com planejamento, pois a pandemia vai passar.


6

A SIRENE PARA NÃO ESQUECER

Abril de 2020 Mariana - MG

Alerta sobre o Covid-19 para as comunidades atingidas No dia 26 de fevereiro, o Ministério da Saúde confirmou o primeiro caso de Covid-19 no Brasil. A doença contagiosa é provocada por um novo tipo de vírus da família coronavírus, o Sars-Cov-2. Os sintomas da doença podem se manifestar de forma mais branda, muito parecidos com a gripe, ou de forma mais grave, o que pode causar síndrome respiratória aguda grave. A preocupação dos órgãos de saúde é que o Covid-19 sobrecarregue o sistema de saúde e faça com que as pessoas não recebam o acompanhamento necessário. Por isso, a recomendação é que se faça o distanciamento social, assim, a disseminação da doença torna-se menos perigosa.

Por Dulce Maria Pereira Com o apoio de Júlia Militão e Wigde Arcangelo

A professora e pesquisadora da Universidade Federal de Ouro Preto, Dulce Maria Pereira, nos conta por que os(as) atingidos(as) precisam estar em alerta nesse momento:

As populações atingidas estão dentro do grupo de risco, porque enfrentaram um trauma significativo. Uma parte tem diabetes, outras doenças que as incluem nos grupos de risco, além de estarem incluídas nos grupos de pessoas coletivamente depressivas por elevado trauma, muitas em estado de depressão, o que reduz a capacidade de imunidade. Dulce Maria Pereira, professora e pesquisadora da Universidade Federal de Ouro Preto

Para ela, os(as) atingidos(as) devem ser pensados nas políticas públicas adotadas devido ao Covid-19:

É fundamental que essas pessoas sejam criteriosamente acompanhadas pela Atenção Primária. As pessoas devem ser vacinadas imediatamente para a prevenção da gripe. O ciclo da gripe tem seu pico, que acontecerá justamente no período em que se prevê o pico de aumento e expansão da contaminação pelo coronavírus. Deve haver muito cuidado, precisão e agilidade nas vacinações. Outra questão é a prevenção, que demanda planejamento do sistema público de saúde e é preciso que haja planejamento específico com garantia de teste para todas as pessoas atingidas. Elas podem ter tido contato direto ou indireto com pessoas que podem ser ou ter sido vetores do coronavírus. Se não quisermos ter vulnerabilização em massa das pessoas atingidas, é fundamental a organização do sistema de atenção primária nas áreas rurais e ribeirinhas. Eu acrescento a questão econômica. É fundamental que as populações atingidas, que foram extraordinariamente pauperizadas, estejam no programa de apoio financeiro dos governos. Para isso, as secretarias de saúde dos municípios precisam encaminhar essa reivindicação. Há consenso, entre um conjunto de economistas, que todas as famílias atingidas devem receber, do governo, uma renda básica imediata. Também é recomendável que seja montada uma estrutura específica para atender às atingidas gestantes. Dulce Maria Pereira, professora e pesquisadora da Universidade Federal de Ouro Preto


Abril de 2020 Mariana - MG

APARASIRENE NÃO ESQUECER

7


8

A SIRENE PARA NÃO ESQUECER

Abril de 2020 Mariana - MG

Mais um prazo Desde o dia 5 de novembro de 2015, os(as) atingidos(as) aguardam suas vidas de volta, mesmo sabendo que nada será exatamente igual ao passado vivido em suas casas, seus distritos, seus territórios. Locais onde suas histórias estavam escritas em qualquer parte em que pisassem: nas casas, nas igrejas, nas árvores, nos bares, nas cachoeiras, nas escolas, em todo canto. O primeiro prazo fixado para a entrega dos reassentamentos foi março de 2019. Depois, o prazo passou a ser agosto de 2020. Agora, está fixado em fevereiro de 2021, sob multa diária de 1 milhão de reais em caso de mais atrasos. Até lá, caso esse novo prazo seja, de fato, cumprido, serão cinco anos distantes de suas realidades, que lhes foram tomadas pelo rejeito das mineradoras. Quanto tempo até a angústia da espera passar?

Por Antônio Pereira Gonçalves (Dalua), Caromi Oseas, Claudinei Marques da Silva, Marquinhos Muniz, Mirella Lino, Simária Quintão Com o apoio de Joice Valverde, Júlia Militão, Juliana Carvalho e Wigde Arcangelo

Foto: Genival Pascoal


Abril de 2020 Mariana - MG

Enquanto o recurso sobre o prazo de entrega dos reassentamentos não é julgado, a data final continua sendo fevereiro de 2021. Sobre o prazo, as empresas Samarco, Vale e BHP Billiton acusam as famílias, a Assessoria Técnica e o Ministério Público pelo atraso das obras. Contraditoriamente, muitas famílias estão sem atendimento ou com o processo de reassentamento parado, porque a Fundação Renova alega que está aguardando a juíza tomar decisões. No meio dessa disputa estão as famílias atingidas, aguardando providências tanto do judiciário quanto das empresas. Caromi Oseas, assessora técnica da Cáritas Com relação ao prazo, foi falado março de 2019. Mas, antes disso, numa reunião que aconteceu com a gente, não lembro quem falou que, de repente, poderia sair até em 2018, mas março de 2019 não aconteceu. Agosto de 2020 também não vai acontecer. Depois, em reuniões com a comissão, em uma visita no reassentamento de Bento, um dos funcionários da Renova falou que, no Natal e no Ano Novo de 2020, nós já estaríamos em nossas casas. Basta eles falarem e a gente até pensa: “é, vamos acreditar”, mas a gente vê que é impossível. Aí agora, de último, a juíza fala em fevereiro de 2021. Deu mais esse prazo, né, mas a gente vê também que não vai cumprir. E agora, com essa paralisação do coronavírus, por quanto tempo vai ficar parado? Já tava atrasado, se parou, vai atrasar mais ainda. Mas também não podemos pensar assim, por outro lado, é importante e necessário ter essa paralisação? A gente vê que sim, é necessário preservar vidas. É o que eles deveriam ter feito. Se é que eles já sabiam que a barragem ia romper, eles tinham que preservar vidas naquela época do rompimento. Marquinhos Muniz, morador de Bento Rodrigues O prazo para a entrega é o mesmo, tanto para o reassentamento coletivo quanto para o reassentamento familiar. Não era o que a gente queria, né? Porque, alterando o prazo, é mais tempo que a gente continua nessa luta, que já tá bastante desgastada. São quatro anos e pouco que a gente tá nessa batalha e, cada dia mais, mais um sofrimento pra gente, né? É mais uma carga, é mais um desgaste emocional, físico também, então não era a melhor decisão pra gente. Fica essa sensação de desgaste mesmo. Mirella Lino, moradora de Ponte do Gama Em fevereiro, o que eles vão entregar? Meia dúzia de casas? Duas? Isso aí, pra mim, também não é entregar reassentamento, com um reassentamento que tem mais de 200 casas para serem construídas, vão lá entregar seis, sete casas? Isso, pra mim, não é entregar reassentamento a atingido, não. Já vai pra cinco anos, não tem uma moradia pronta. E te falo mais, eu duvido, quem está falando sou eu, Claudinei, não é ninguém não, eu duvido que, até 2025, aquele reassentamento está entregue. Não acredito. Claudinei Marques da Silva, morador de Bento Rodrigues Nós não temos que aceitar lotes de casa, 10 ou 20, temos que aceitar todas. Saímos de nossas comunidades juntos, temos que voltar juntos. Já vão entregar as casas, mas não vão entregar as igrejas. Pois as igrejas não são fáceis, é um outro processo. Então vamos ter comunidades sem as suas igrejas. Antônio Pereira Gonçalves (Dalua), morador de Bento Rodrigues

APARASIRENE NÃO ESQUECER Eles adiaram para fevereiro de 2021 e eu acho que eles não dão conta de entregar. Eu acho que vai ser mais uns dois ou três anos pra frente. Eu espero realmente que eles entreguem até fevereiro de 2021. Eu tô com a esperança de que eles entreguem, mas, do jeito que estão andando as obras lá, acho que não entregam não, está muito devagar. Eu vejo que as empresas estão fazendo o que elas querem. Então é desse jeito que vai continuar caminhando. Simária Quintão, moradora de Bento Rodrigues Em relação a meus pais, eles não gostaram da situação não, né? Mas, como sempre, nem tudo que a Renova faz a gente agrada. Então essa prorrogação desse prazo aí, minha mãe falou: “ah, esse trem não vai ficar pronto é nunca”. Claudinei Marques da Silva, morador de Bento Rodrigues A gente tenta traçar planos de vida, mas é muito difícil, porque esses planos acabam tendo que ser deixados de lado por causa dessa situação. Eu tô muito triste agora, com a minha situação acadêmica mesmo. Eu gosto de dizer que me tornei mulher no meio dessa confusão toda. Eu fiz 18 anos e, em 2016, eu entrei na Ufop e comecei o curso de graduação, eu, como uma mulher negra, numa universidade pública, fazendo curso superior, era uma conquista muito grande pra minha família e era motivo de muito orgulho para os meus pais. Levar esse curso em conjunto com a nossa luta me atrapalhou muito. Ainda tendo que amadurecer no meio disso tudo… Eu tô quase sendo jubilada da Ufop agora e isso tá me corroendo muito, porque, no meio de tanta coisa ruim, no meio de tanta luta pra sobreviver, conseguir isso era um motivo de muito orgulho pra mim e eu tô vendo isso sumir das minhas mãos, porque eu tô presa nessa situação e todos nós estamos... E isso também é um dano muito grande, essa tomada do direito de traçar planos, porque a gente tá preso àquela data de 2015. Parece que o tempo anda, mas, pra nós, não, porque a gente não consegue fazer nada mais, porque o jeito como a Renova e as empresas levam isso toma tudo da gente. Toma saúde, toma conquistas e vai tomando, tomando… A gente tá tão preso nisso que a gente não consegue nem traçar planos de vida mais, não ter nenhum projeto de vida, porque a gente depende disso pra qualquer outra coisa. Mirella Lino, moradora de Ponte do Gama Em fevereiro de 2020, a Cáritas apresentou ao Ministério Público um relatório denunciando a Fundação Renova pelo descumprimento dos acordos, ausência de atendimento e atuação arbitrária. Para a Assessoria Técnica, além da entrega do reassentamento acontecer o mais rápido possível, é preciso que, antes disso, as famílias sejam devidamente ouvidas e tratadas com respeito e isonomia. Além disso, o reassentamento deve ter qualidade e condições suficientes para a retomada dos modos de vida. As famílias precisam estar satisfeitas quanto aos lotes onde suas casas serão construídas. O papel da Assessoria Técnica continua sendo de alertar sobre os problemas e ajudar a propor soluções. Caromi Oseas, assessora técnica da Cáritas

9


10

A SIRENE PARA NÃO ESQUECER

Abril de 2020 Mariana - MG

Troca dos arquitetos Existia uma insatisfação dos(as) atingidos(as) com a troca da empresa J+T, responsável pelos arquitetos que cuidavam dos projetos das casas dos reassentamentos. Temia-se que a relação de confiança e o trabalho desenvolvido pelos profissionais da terceirizada não tivessem continuidade. Algumas dessas inseguranças tornaram-se reais. A informação que eu tive de pessoas que foram procuradas pelos novos arquitetos é que os profissionais pediam para refazer o projeto. Tinha pessoas que não tinham feito o projeto e estão, claro, iniciando ele do primeiro trabalho. Outras pessoas já tinham iniciado, mas não acabado e eles queriam que eles refizessem o projeto de novo. Quem tem que refazer é a Renova com os arquitetos, para dar continuidade aos projetos que já tinha, porque é uma perda muito grande que a pessoa tem de fazer o projeto e depois refazer. Outras pessoas foram lá ser atendidas e eles perguntam se elas lembram de alguma coisa, a pessoa não é obrigada a lembrar da coisa que fez, a Renova e o arquiteto têm que trazer o que eles já tinham. Até porque é um meio da gente entrar em contradição porque nunca que você consegue lembrar das coisas todas, 100%. Os projetos que já foram finalizados e aprovados pela prefeitura não tiveram erro. Por que, agora, com a troca dos arquitetos, estão dizendo que os projetos que não foram finalizados apresentam erros? Antônio Pereira Gonçalves (Dalua), morador de Bento Rodrigues Eles estão tentando refazer, né? Eles deram sorte que eu terminei o meu e com o meu arquiteto mesmo, o mesmo que começou comigo, a gente terminou. E espero continuar com ele até o final, que ele não saiu ainda não. Ele era da J+T. Falaram que eles ficaram, porque tinha muita demanda e não tinham

terminado. E, agora, eles estão vindo com essa onda de trazer outros arquitetos de outras empresas e querendo refazer os projetos de todo mundo. Isso aí eu não faria não. Eles iam ter trabalho comigo, porque eu não ia refazer. Os outros arquitetos, a gente já tava acostumado, já tava confiando, né? Então isso aí é uma jogada deles pra poder diminuir mais ainda os projetos das pessoas. Os arquitetos são bons de serviço, fizeram direitinho, quando eles trazem pra gente, já trazem o que a gente falou. Então eu não vejo necessidade nenhuma, é mais uma jogada pra atrasar. Aí, depois, eles vão virar e vão falar que nós é que estamos atrasando a obra, refazendo o projeto, sendo que são eles que estão querendo refazer. E vai falar que a comunidade quis e atrasou, porque tudo deles é “a comunidade que está atrasando”. Simária Quintão, moradora de Bento Rodrigues Os arquitetos anteriores já tinham um vínculo com as pessoas, havia uma troca de ideias do que podia e o que não podia ser feito no projeto. Talvez, se os projetos, lá atrás, tivessem sido iniciados por esses novos arquitetos, tivéssemos o mesmo vínculo que temos com os antigos. A questão é que não estamos falando de empresas, estamos falando de pessoas. Você cria vínculos com a pessoa que está fazendo o seu projeto, cria confiança, entendeu? É a mesma coisa que você trocar de motorista com o carro ainda rodando em alta velocidade, você não consegue. A gente percebe que as coisas que estariam andando, na troca da empresa, elas pararam. Estamos há tanto tempo e tem gente que nem fez projeto ainda, enquanto tem outras que iniciaram o projeto, mas ele está parado e agora vão reiniciar. Eu posso saber o que eu fiz no projeto, mas não sou obrigado a fazer ele de novo, a comunidade tem que estar ciente. Antônio Pereira Gonçalves (Dalua), morador de Bento Rodrigues

Uma vida imposta Desde 2015, os dias dos(as) atingidos(as) são marcados por medo e insegurança, tanto na vida daqueles que perderam seus lares e tiveram de se adaptar a uma nova rotina, como na vida dos que permaneceram nos territórios atingidos. A Renova/Samarco/Vale/BHP Billiton divulga uma ideia de que muito dinheiro já foi e está sendo gasto na reparação do crime e, infelizmente, muitos olhares maldosos são direcionados aos(às) atingidos(as) e às obras dos reassentamentos. Alguns dos anseios dos(as) atingidos(as) foram comentados em uma reunião com a Polícia Militar (PM) e com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), como o fato da Renova/Samarco/Vale/BHP Billiton indicar, por meio de placas, as casas que serão destinadas aos(às) atingidos(as) que optaram por reassentamento familiar, o crescente número de roubos e assaltos nas regiões rurais e o programa Reencontre, que abre os terrenos de reassentamento para visitação. Por Maria do Carmo D’Angelo, Marino D’Angelo, Marquinhos Muniz e Mirella Lino Com o apoio de Joice Valverde, Júlia Militão e Juliana Carvalho

O que vem acontecendo é tudo em função do rompimento da barragem de Fundão. Depois que isso aconteceu, nós somos vistos com outros olhos. “Ah, o pessoal recebeu indenização, tá cheio de dinheiro.” Nós somos julgados e, na verdade, não é bem assim, né? E isso preocupa muito. É uma coisa que, até mesmo no reassentamento, quando eu fui fazer a visita da minha área, questionei a eles: “ah como que vai ser o fechamento?”. Lá no Bento, janela ficava aberta até tarde, portão destrancado, e isso é uma preocupação que nós temos que ter. Até mesmo com problema de assalto, sequestrar um familiar, a gente tem que pensar muito nesse sentido, sim, a partir do momento em que a gente é julgado. Marquinhos Muniz, morador de Bento Rodrigues


APARASIRENE NÃO ESQUECER

Abril de 2020 Mariana - MG

Depois do rompimento da barragem, assalto é uma coisa constante aqui, agora. Então, parece que o pior é que eles assaltam mais é os atingidos. Difícil você ver assaltar uma pessoa que não é atingida. Eu, quando fui tirado da minha casa, que não existia Fundação Renova ainda, a Samarco falou que a gente tava por conta e risco deles. Tudo que acontecesse, inclusive o que ficasse dentro da minha casa, se sumisse, eles iam repor. Agora, todo prejuízo que eu tenho aqui, eu acho que eu tenho que ser indenizado por ele. Por quê? Porque a gente vive, hoje, uma vida imposta. Eu tô morando em um lugar que não é meu. Não tem previsão de quando isso vai terminar. Não posso me organizar aqui. Marino D’Angelo, morador de Paracatu de Cima Desde que a gente chegou aqui em Mariana, a gente se deparou com um julgamento errado da população sobre a nossa condição. Isso foi e ainda é um motivo de muita insegurança pra gente, porque temse a ideia de que tá todo mundo rico e não é assim. E a gente não tem tantas oportunidades de mostrar pra cidade que não é assim, visto o poder das empresas e da Fundação Renova também para disseminar uma imagem contrária ao que a gente diz. Mirella Lino, moradora de Ponte do Gama

11

Pra que a empresa precisa ficar divulgando? Isso é ruim. Vejo que é o seguinte: o papel dela é refazer e devolver aquilo para o atingido, mas o que eles gostam é de estar divulgando. Com relação a levar o pessoal das outras comunidades no lugar, isso tudo aí só vai aumentar a maneira das pessoas julgarem o atingido. A gente mesmo foi contra levar, mas, muita das vezes, a empresa faz esse tipo de coisa, justamente pra tá divulgando. Isso acaba que é ruim pra nós, atingidos. Marquinhos Muniz, morador de Bento Rodrigues A gente tá num território que, primeiro, não é o nosso e, segundo, que tem uma imagem distorcida de nós e isso pode representar muito perigo. Principalmente, as pessoas que estão no reassentamento familiar, que escolheram uma propriedade aqui na sede de Mariana, eu fico muito incomodada com o fato da Renova colocar uma placa dizendo que aquela casa ou aquele lote é do reassentamento familiar, porque isso acaba dando muita visibilidade e causando uma situação muito vulnerável, né? Porque a família vai morar ali e, certamente, vai morar em locais distantes de familiares e amigos e vai estar, basicamente, sozinha. Eu acho muito perigoso sinalizar demais que aquilo faz parte desse atendimento, porque as pessoas não veem isso como uma reparação por algo que foi tomado, como uma reparação por uma injustiça que aconteceu, elas veem isso como um presente, como uma caridade Foto: Joice Valverde da empresa pra nós. Eu, sinceramente, estou me sentindo muito insegura com essa situação. Mirella Lino, moradora de Ponte do Gama Na zona rural, estava tendo muito roubo de criação, de boi, de gado, vaca, porco e cavalos também. E teve um vizinho nosso que teve a casa arrombada. O Marino também teve roubo de animais, cavalo. Foram cinco que eles levaram na carreta. Foi no ano passado, 2019, que roubaram. Cinco de uma vez. Maria do Carmo D’Angelo, moradora de Paracatu de Cima A gente não tinha esse tanto de roubo igual a gente tá sofrendo aqui, não. Agora roubam um animal da gente, lá na frente, eles falam: “qualquer coisa a gente paga”, mas e a estima que a gente tem no animal? E se não for um animal de vender? Marino D’Angelo, morador de Paracatu de Cima

Em uma reunião com a comunidade, a Polícia Militar (PM) deu algumas dicas de proteção e de novos hábitos que as comunidades podem adquirir para se proteger de furtos, roubos e estelionatos. Com o pagamento das indenizações, a PM alerta: 1. Não forneça dados pessoais para estranhos(as); 2. Fique atento a objetos de grande valor sendo vendidos por valores muito menores na internet; 3. Em caso de ligações suspeitas, tais como de anúncio de sequestro, pedido de informações de dados pessoais e bancários, ligue imediatamente para a polícia; 4. Não ande na rua com grandes quantidades de dinheiro, bem como não guarde dinheiro em casa; 5. Quando for ao banco, certifique-se de que não está sendo seguido.


12

A SIRENE PARA NÃO ESQUECER

Abril de 2020 Mariana - MG

Fotos: Joice Valverde

No caminho da reparação: novos danos

A reparação da Renova/Samarco/Vale/BHP Billiton segue deixando um rastro de novos danos. Os moradores vizinhos ao reassentamento de Lucila, novo Paracatu, reclamam de transtornos causados pelas obras de acesso ao terreno. Com a ausência de uma contenção efetiva, as chuvas, naturais neste período do ano, vêm agora arrastando terra e entulho pelo caminho afora. Mais uma vez, as casas são invadidas, o que causa estragos e isola os(as) atingidos(as). A construção do reassentamento é um dever previsto no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), no entanto, a Renova/ Samarco/Vale/BHP Billiton não dá um passo a favor da reparação sem atingir novamente as comunidades envolvidas.

Por João Leão e Tinha Azevedo Com o apoio de Joice Valverde e Wigde Arcangelo


Abril de 2020 Mariana - MG

Essa é a obra que dá acesso ao novo Paracatu. E, para dar acesso até lá, tem que passar aqui por Paracatu de Baixo. Então eles estão abrindo a estrada e está fazendo uma pilha de terra na parte de baixo. E, na parte de cima, que eles estão mexendo, é areia. Quando chove muito, aquilo desce e aí vem trazendo tudo. Do frigorífico até aqui, não tem mais cerca, arrebentou tudo. E encheu a minha vargem, aqui está cheio de areia, lá em cima está cheio de areia, a cerca que divide o meu terreno está arrebentada por causa da empresa. Eles já vieram aqui uma vez, olhou, olhou, falaram que vão tirar um pouco e, até hoje, ninguém apareceu. João Leão, morador de Paracatu de Baixo Atrapalha a passagem, porque, quando está chovendo, a gente precisa passar, mas fica preso, porque a água invade a estrada. E também a passagem dos meus bezerros, que era aqui onde está assoreado. Então, se está assim, não tem como os bezerros pastarem. Tive que tirar os maiores e deixar só os menores, porque desceu com muita velocidade e veio quebrando o leito do rio. Tinha Azevedo, moradora de Paracatu de Baixo Desde quando deu a primeira chuva forte, já começou a descer. Aí eu fiquei até preocupado achando que podia ser uma barragem do vizinho, lá em cima do frigorífico, que tinha estourado. Aí ele falou: “olha, entrou dentro do frigorífico, já entrou dentro da casa do caseiro, e trouxe até a caixa d’água dele”, tá tudo parado ali em cima. Igual falei pra eles, enquanto eles tiverem mexendo lá naquela terra, eu vou sofrer aqui embaixo. João Leão, morador de Paracatu de Baixo Eles recebem bem, falam que vai fazer, que vai olhar. E vamos ser justos, eles até vieram olhar. Só que olhar não resolve. Tem que resolver o problema. Veio, olhou, foi embora, falou que voltava pra retirar o material que está aí, mas até agora nada. Tinha Azevedo, moradora de Paracatu de Baixo Antes só descia água normal, água de chuva passava e ia embora, não trazia nada não. Agora não, acabou com cerca, acabou com tudo. E vem descendo tudo lá de cima, é balde, é botina, tem até uma cabeça de boi ali, eu até pendurei, tem chifre ali no meio da água. Meu esgoto aqui tá entupido, porque como é que passa com esse monte de areia descendo? Falam: “é a chuva”. Eu concordo que seja a chuva, mas e a terra que desce e arrebenta tudo? João Leão, morador de Paracatu de Baixo Porque a natureza, você não pode mexer com ela. Mexeu e ela dá retorno. Aí o que aconteceu? Eles mexeram, tirou um barranco lá, que são vários metros de altitude. Conclusão: a água de chuva que desce lá não vai descer onde ela descia antes. Ela vai descer com muito mais velocidade e vem arrebentando tudo que tem pela frente. Fora a terra que ele estão fazendo a pilha e está descendo terra da pilha. Então vem levando tudo que acha pela frente. Tinha Azevedo, moradora de Paracatu de Baixo

APARASIRENE NÃO ESQUECER

13


14

A SIRENE PARA NÃO ESQUECER

Abril de 2020 Mariana - MG

Cerca de 900 dossiês entregues às famílias atingidas de Mariana Por Maria do Rosário O. Carneiro (Coordenadora do Projeto de Cadastramento) e Laís Jabace Maria (Assessora Técnica)

O cadastro das famílias atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana-MG, realizado pela Cáritas Brasileira Regional Minas Gerais, iniciado no ano de 2018, como pactuado em audiência, foi finalizado. A Cáritas segue trabalhando para finalizar a segunda etapa, iniciada em 2019, que se encontra em processo avançado. Construir um cadastro plural, que documentasse ao máximo os diversos danos sofridos pela população, foi resultado de muita luta. Os primeiros levantamentos das empresas consideravam apenas cerca de 400 famílias como atingidas. E cá estamos, com quase 900 dossiês entregues (2018) e mais algumas centenas sendo realizados (2019). CADASTRO 2018 Atendimentos para Cartografias Sociais Atendimentos para realização de Vistorias

1.050 906

A metodologia utilizada resultou de muita reunião, parcerias e diálogos orientados pela certeza de que são os atingidos que devem dizer como o crime atravessou suas vidas e, por mais que a dor e as perdas sejam impossíveis de se expressar com exatidão em palavras, números ou mesmo em imagens, precisamos que elas estejam ao máximo organizadas em um documentos que subsidiem as negociações e os conflitos a serem travados. Não devem ser, portanto, levantadas pelas empresas. O dossiê, documento que reúne todas as informações do cadastro, passou por cinco etapas: FORMULÁRIO Os atingidos entregam os documentos e respondem um formulário com perguntas objetivas. CARTOGRAFIA Caso haja perda ou dano de imóvel/terreno, é realizada uma Cartografia Social sem a presença das empresas. VISTORIA Por exigência da empresa, a equipe da Cáritas, junto com a Synergia visitam com a família a área desenhada na cartografia. TOMADA DE TERMO Cada membro do núcleo familiar é ouvido separadamente em uma conversa com assessores da Cáritas. SISTEMATIZAÇÃO Todo o material é organizado em uma tabela, conferido, revisado e enviado para a diagramação.

CADASTRO ETAPAS Formulários completos Formulários que estão reabertos para inclusão de informações Cartografias Sociais Vistorias Tomadas de Termo Aplicadas

2018 920

2019

0

37

775 718 2.892

116 72 825

383

A primeira lista, à qual chamamos de 2018, cadastrou 920 famílias; a segunda teve 476 interessados, mas, até o momento, cerca de 430 se apresentaram para o cadastro que está em andamento; a última lista, fechada em dezembro do ano passado, conta com quase 200 interessados e ainda não está definido se o cadastramento desses atingidos será feito pela Cáritas ou pela Fundação Renova. Além das famílias, algumas entidades estão se cadastrando, como instituições religiosas e culturais, associações de moradores, Folia de Reis e cooperativas. Foto: arquivo Cáritas

Dossiês entregues Dossiês impressos para serem entregues Total

888

32

920

Lutar pela reparação justa e integral é o que as famílias das comunidades do município de Mariana têm feito desde o dia 5 de novembro de 2015. Passados mais de quatro anos do rompimento da barragem de Fundão, uma das conclusões a que se pode chegar é que, para um crime/desastre socioambiental continuado, a assessoria técnica também tem que ser continuada, pois seus efeitos se prolongam no tempo e nos espaços. Nesse sentido, o processo de cadastro tem se apresentado como um grande desafio, pois os efeitos do crime/desastre na vida e nos direitos das pessoas tendem a aumentar, o que faz com que um número maior de pessoas passe a se reconhecer como atingidas e pleitear os seus direitos, o que também passa pela continuidade do cadastro.


APARASIRENE NÃO ESQUECER

Abril de 2020 Mariana - MG

Justiça Federal decide por Gaisma-aprimorada Por Centro Rosa Fortini

A 12ª Vara Federal Cível e Agrária da Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais homologou, por meio da Decisão (ID 186154446), a metodologia Gestão Ambiental Integrada para Saúde e Meio Ambiente (Gaisma) para o estudo de Avaliação de Risco à Saúde Humana e Risco Ecológico. No entanto, tal metodologia será aprimorada tecnicamente, em consonância com as diretrizes dos Ministérios da Saúde e Meio Ambiente e com os protocolos da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos, e ainda contará com perito judicial para acompanhar todas as fases de desenvolvimento do estudo. A Gaisma-aprimorada deverá ser reapresentada na próxima reunião do Comitê Interfederativo (CIF) pela Fundação Renova. O CIF terá o prazo de 15 dias úteis para opinar tecnicamente, para tecer suas considerações e recomendações que entender pertinentes, e submeter sua manifestação à 12ª Vara Federal para deliberação. Posteriormente, os interessados terão prazo de cinco dias úteis, a contar da intimação, para manifestação. Na sequência, caberá ao perito judicial elaborar laudo técnico e indicar ao juízo as implementações à Gaismaaprimorada. Somente após essas etapas, o juízo estabelecerá o modelo de Gaisma-aprimorada que será implementado na bacia do Rio Doce, inclusive no território de Santa Cruz do Escalvado, Rio Doce e Ponte Nova/Chopotó. Embargos de Declaração A Decisão (ID 186154446) refere-se ao Eixo Prioritário nº. 2 - Risco à Saúde Humana e Risco Ecológico, e responde aos Embargos de Declaração

opostos, recentemente, pela Advocacia Geral do Estado de Minas Gerais (AGE/MG) e pelo Ministério Público Federal (MPF), pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), pelo Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES), pela Defensoria Pública de Minas Gerais (DPE/MG) e pela Defensoria Pública do Espírito Santo (DPE/ES). A AGE/MG solicitou em juízo, por meio do embargo, o acompanhamento de todas as fases do estudo de Avaliação de Risco à Saúde Humana e Avaliação de Risco Ecológico, por perito judicial, nomeado pela 12ª Vara Federal, para garantir a credibilidade dos resultados. O estudo será realizado por meio da Gaisma. O MPF, o MPMG, o MPES, a DPE/MG e a DPE/ ES também interpuseram Embargos de Declaração (quando uma das partes de um processo judicial pede ao juiz que esclareça determinado aspecto de uma decisão). O Embargo mostrou erro material em item referente ao Gaisma em Decisão Judicial (inciso III do art. 1.022 do CPC), no qual constava que as partes alcançaram consenso quanto à metodologia para avaliação dos riscos à saúde humana. De acordo com os órgãos, não havia consenso quanto à metodologia de estudo, pois tal metodologia não atendia às chamadas “Diretrizes para Elaboração de Estudo de Avaliação de Risco à Saúde Humana por Exposição a Contaminantes Químicos”. A 12ª Vara Federal, então, determinou que todos os órgãos esclarecessem a respectiva posição institucional sobre o tema Gaisma antes de emitir a Decisão citada acima.

15


EDITORIAL A vida acontece sem aviso prévio. Por vezes, somos tomados de susto e, em pouco tempo, toda a nossa vida precisa se adequar a uma situação totalmente nova. Os(As) atingidos(as) experimentaram essa sensação, da forma mais amarga possível, no rompimento da barragem de Fundão, controlada pela Samarco/Vale/BHP Billiton. Desde então, todos os esforços dos(as) atingidos(as) passaram a ser pela reparação integral das suas perdas. Mais de quatro anos depois de iniciar esse processo de luta, fomos atravessados por notícias de uma nova doença que chegou ao Brasil, com um nível alto de transmissão. É a Covid-19, uma doença provocada por um novo tipo de coronavírus, que se espalhou rapidamente pelo planeta e se transformou em pandemia. Repentinamente, nos vimos obrigados a pensar em como agir numa situação totalmente nova em nossa história. Diferentemente do criminoso rompimento da barragem, não podemos culpar ou responsabilizar instituições e pessoas pelo surgimento da nova doença. Mas devemos exigir que atitudes para conter a disseminação sejam tomadas e colaborar com as medidas já impostas. Não é um momento fácil. Estamos cercados de dúvidas e incertezas. Devemos pensar em nossa saúde e na do próximo, e isso exige algumas adaptações. A equipe do Jornal A SIRENE tem trabalhado de suas casas e todas as entrevistas são feitas, agora, por telefone. A SIRENE possui um formato impresso muito típico e essa característica ajudou a nossa disseminação tanto nas comunidades atingidas quanto fora delas. No entanto, o jornal terá apenas a versão digital enquanto a recomendação dos órgãos de saúde for o distanciamento social. Isso é para diminuir o contato durante a distribuição e proteger, assim, a saúde de todos(as). Mesmo com esses ajustes, o Jornal A SIRENE continuará sendo espaço de informação, denúncia e memória dos(as) atingidos(as). Para isso, pedimos, mais do que nunca, o apoio dos(as) atingidos(as) para a produção, agora remota, do jornal, pois a luta pela reparação integral pode até ter de se adaptar a esse novo contexto, mas ela não irá parar. Continuaremos seguindo juntos.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.