PARA NÃO ESQUECER | Ano 9 - Edição nº 94 - Março de 2024 | Distribuição gratuita
A SIRENE
REPASSES
Nota de solidariedade
21 de fevereiro
Cinco pessoas de Barra Longa, vítimas do rompimento da barragem de Fundão em 2015, sofreram um acidente de carro na BR-356 enquanto se deslocavam para uma reunião do Comitê Interfederativo em Belo Horizonte.
Após oito anos e três meses do desastre - crime, essas vítimas continuam a ter que se deslocar para reivindicar seus direitos e enfrentam riscos em estradas perigosas. Expressamos solidariedade às vítimas, familiares, amigas e amigos, desejamos pronta recuperação e, ao seu lado, continuaremos lutando por justiça, para que possam retomar suas vidas com paz e dignidade.
Nota de pesar
4 de março
É com indignação e pesar que a equipe do jornal A SIRENE se manifesta diante da morte do líder indígena Cacique Merong Kamakã, da retomada Kamakã Mongoió, em Brumadinho. Sua morte destaca as ameaças enfrentadas por aquelas e aqueles que resistem contra a exploração desenfreada dos recursos naturais e da vida.
Expressamos solidariedade à Cacique Katorã, à Kenowara e a todos os povos indígenas que enfrentam diariamente o descaso das autoridades e a voracidade das grandes corporações. A luta pelo território continuará e a memória de Merong Kamakã será honrada. Esperamos e reivindicamos transparência e justiça diante de mais esse ataque aos defensores dos direitos indígenas. MERONG PRESENTE, HOJE E SEMPRE!
Convite: defesa de tese de doutorado
26 de março
É com imensa satisfação que convidamos a todas e todos para a defesa da tese de doutorado da pesquisadora e revisora do jornal A SIRENE, Elodia Honse Lebourg. A defesa acontecerá no dia 26 de março, às 14h, no ICHS/UFOP, em Mariana. O título da tese é “Atravessando labirintos: processos de socialização de jovens atingidos pelo rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana-MG”. No trabalho de campo, foram entrevistados jovens de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Camargos. Sua presença e seu apoio são essenciais!
AGRADECIMENTO ESPECIAL
Agradecemos a todas e todos que apoiaram a campanha de financiamento coletivo do Jornal A SIRENE e fizeram esta edição acontecer, especialmente, Ana Clara Costa Amaral, Maria Eunice Souza, Estefania Momm, Cristina de Oliveira Maia, Gislene Aparecida dos Santos, Claudia Neubern, Ana Paula Silva de Assis, Natália, Isadora Pimenta, Bruno Milanez, Vitória Bas, Caíque Pinheiro, Wilson da Costa, Stephanie Nogueira Bollmann, Denize Nogueira, Virgínia Buarque, Eduardo, Jussara Jéssica Pereira, Geraldo Martins e Raquel Giffoni Pinto. Escritório Pogust Goodhead e ao Mandato da Deputada Estadual Beatriz Cerqueira. Agradecemos também a todas as pessoas que contribuem anonimamente com nossa luta.
EXPEDIENTE
Grupo de pesquisa da UFOP, com apoio da CÁRITAS | ATI e CABF lançam abaixo-assinado 23 de janeiro
O abaixo-assinado, intitulado "PELO PATRIMÔNIO CULTURAL DE BENTO RODRIGUES E CAMARGOS, EM MARIANA/MG, MINERAÇÃO NÃO!", surge como uma manifestação de apoio à preservação do patrimônio cultural de Bento Rodrigues e Camargos, subdistrito e distrito de Mariana.
Para ter acesso ao abaixoassinado, aponte a câmera do seu celular para o QR CODE ao lado:
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Todos os meses, o Jornal A SIRENE faz uma curadoria de informações relacionadas ao rompimento da barragem de Fundão e à mineração. Se quiser receber nossa newsletter mensal, A SIRENE INFORMA, inscreva-se: https://jornalasirene.substack.com/
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Realização: Associação dos Atingidos pela Barragem de Fundão para Comunicação, Arte e Cultura | Conselho Editorial: Ellen Barros (Instituto Guaicuy), Expedito Lucas da Silva (Caé), Luanna Gerusa do Carmo Ferreira (Cáritas MG), Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio) | Editor-chefe: Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio) | Jornalista Responsável: Crislen Machado | Reportagem e Fotografia: Crislen Machado, Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio), Tatiane Análio | Revisão: Elodia Lebourg | Diagramação: Silmara Filgueiras | Foto de capa: Silmara Filgueiras | Apoio administrativo: Pâmella Magalhães | Apoio institucional: Comissão de Atingidos pela Barragem de Fundão (CABF), Cáritas MG, Instituto Guaicuy | Fontes de recursos: Campanha de Financiamento Coletivo - Apoie o Jornal A SIRENE. ADUFOP - Associação dos Docentes da UFOP. Doações. Mandato da Deputada Beatriz Cerqueira. Pogust Goodhead.
Mariana - MG
2 PARA NÃO ESQUECER Março de 2024
A SIRENE
Papo de Cumadres:
Chuva de Rejeito
Foto: Crislen Machado
Por Sérgio Papagaio
Concebida e Clemilda estão comentando sobre as chuvas que carreiam o rejeito das margens para dentro dos rios.
— Cumadre Clemilda ocê ispia só se num dá dó, toda chuva que cai parece que a barrage vortô a istorá.
— Cumadi minha fia de Deus, uquê que ocê tá querenu falá?
— Ora pois, toda as chuva que cai lava um tantu de regeitu da beira pra dentru dus rio outra vez, fica parecenu que a barrage istorô de novu
— Istu eu já peucebi, é um crime continuadu, por issu que eu num cansu de falá que que a barrege dormi de noite prá de manhã cedu, vortá e istorá, e mesmu dispois de oitu anos não consigu acustumá com essa barrage que num para de sangrá.
— É cumadre, num é fácil acustumá com disgraça, quantu mais u tempu passa, mais doi nu coração sabenu nois u tamanhu da contaminação, que contamina a terra u capim e as criação, envenenanu as plantas de comer e até u leite.
— Oia minha fia de Deus, quantu mais eu sei dissu menus queria sabê, pois é muitu triste nois ficá sabenu da molte que nois tá pra morrê.
Mariana - MG A SIRENE 3 PARA NÃO ESQUECER Março de 2024 OPINIÃO
“Elesdesunirammesmo. Separaramascomunidades”
Em Conceição do Mato Dentro-MG e Alvorada de Minas-MG, a Anglo American, empresa responsável pelo complexo minerário Minas-Rio, deve iniciar o reassentamento de comunidades situadas em Zona de Autossalvamento (ZAS). A decisão, resultante de uma determinação judicial após uma Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público em 2020, destaca as implicações ambientais e sociais que permeiam a atividade minerária.
A discussão sobre um Plano de Reassentamento, iniciada em resposta à decisão judicial, apesar de ser de grande interesse das comunidades próximas à barragem de rejeitos, tem gerado incertezas. Os impactos e danos relatados pelas moradoras e pelos moradores, evidenciam os desafios enfrentados por essas populações devido à mineração predatória. As experiências com os reassentamentos de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Gesteira destacam a importância de um processo sensível às particularidades de cada localidade e capaz de respeitar os modos de vida tradicionais.
Por Elizete Pires de Sena e Judite Reis de Carvalho Com o apoio de Crislen Machado
“Somos atingidos pela falta de água, barulho, poeira, estradas ruins, muitos bichos às vezes, pessoas que chegam até a nossa residência, falta de mão de obra, porque as comunidades foram saindo, a situação ficou bem complicada. Algumas pessoas saíram no início, no começo do empreendimento que estava chegando. Muitas famílias tiveram que ser realocadas da sua origem. Então, hoje, a gente não tem contato com essas pessoas da comunidade, mas principalmente, das pessoas que viviam em torno do empreendimento da barragem.”
Judite Reis de Carvalho, moradora da comunidade Córrego do Teodoro
“A mineração chegou aqui nas comunidades em 2005, 2006, mais ou menos. Chegou já com mentira, falando que ia fazer plantação de eucalipto e criação de cavalo. Quando a gente soube que ia ser uma mineração, que ia retirar as famílias do lado das comunidades, a partir daí, já começou a impactar muito, na vida das pessoas. Porque, primeiramente, foi a divisão mesmo, das famílias. Levaram cada um para um lugar. Igual a gente não mora na Passa Sete, mas tem família da gente que mudou anos atrás e foi para a cidade, isso mudou o modo de vida mesmo das comunidades, das pes-
soas que moravam na zona rural, algumas pessoas passaram a morar na cidade. Eles desuniram mesmo. Separaram as comunidades, porque ninguém foi para o mesmo lugar. Foi cada um para um lugar.”
Elizete Pires de Sena, moradora da comunidade Passa Sete
A Assessoria Técnica Independente - ATI 39 Nacab, com atuação em Conceição do Mato Dentro, Alvorada de Minas e Dom Joaquim, respondeu sobre o processo de reassentamento na região:
Após decisão da Justiça, em primeira instância, a Anglo American iniciou negociação com as moradoras e os moradores de São José do Jassém, Água Quente, Passa Sete e de outras localidades que estão na mancha de inundação da barragem de rejeitos, com o objetivo de construir um Plano de Reassentamento. A decisão judicial foi emitida em 17 de setembro de 2023, devido à Ação Civil Pública aberta pelo Ministério Público em 2020. Ancorada pela Lei Mar de Lama Nunca Mais (Lei n.º 23.291/2019), a Justiça determinou que a empresa apresente e execute um Plano de Reassentamento em até 12 meses. A Lei veda a concessão de qualquer espécie de licença ambiental que diga respeito à atividade de alteamento da barragem em cujos estudos de cenários de rupturas seja identificada comunidade na Zona de Autossalvamento (ZAS).
Cadastramento das famílias
No momento, a ATI 39 Nacab faz a avaliação técnica dos questionários de cadastro que serão aplicados pela Anglo American nos núcleos familiares. O cadastramento passará por três levantamentos - socioeconômico, patrimonial e topográfico - para reunir informações que guiarão o reassentamento de cada família. O Nacab tem estudado documentos, planos de trabalho e se reunido com as três empresas contratadas pela Anglo American para elaboração e aplicação dos cadastros, para avaliações técnicas e repasses às comunidades. Uma primeira análise com sugestões de melhorias, validada pelas pessoas atingidas, já foi encaminhada para a mineradora, que retornou com respostas no dia 8 de fevereiro. Uma nova apresentação será feita pelo Nacab, para apreciação das comunidades atingidas.
O Ministério Público e a Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Sociais (Cimos) buscam a construção de um acordo com a Anglo American para agilizar a elaboração participativa do Plano de Reassentamento. Caso haja aceite das partes, uma proposta de acordo será construída e apresentada com premissas do Plano de Reassentamento, cronograma de ações, estrutura de governança e do cadastro.
Mariana - MG A SIRENE 4 PARA NÃO ESQUECER Março de 2024
Foto: Samuel Medeiros - Comunidade Jassém
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PARA
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Mariana
A SIRENE 5
NÃO ESQUECER
Carta dos garimpeiros tradicionais do Alto
Rio Doce aos povos originários do Amazonas
Por Sérgio Papagaio
Aos 10 dias do mês de fevereiro, realizamos, na Câmara Municipal de Barra Longa, uma assembleia geral dos Garimpeiros Tradicionais do Alto Rio Doce, com a seguinte pauta:
1. Informes
2. Retificação dos membros da Comissão dos Garimpeiros
3. Ratificação das indicações de representantes na CT IPCT
4. Outros assuntos
Esta foi a primeira reunião da nova temporada, que marcou o início de uma série de encontros a serem realizados, sendo o próximo em Acaiaca, no dia 13 de abril de 2024, na Tapera. Na ocasião, os garimpeiros tradicionais, que sempre desenvolveram suas atividades de forma sustentável em um garimpo de subsistência, repudiaram veementemente a extração predatória na Floresta Amazônica, que coloca em risco a vida dos povos originários e o meio ambiente.
Destacamos o respeito pelos nossos irmãos indígenas e por todos os trabalhadores envolvidos nessa extração mineral predatória, possivelmente sujeitos a condições análogas à escravidão. Quem realmente lucra com essa exploração vive em luxuosas mansões, longe das terras afetadas.
É crucial esclarecer a diferença entre um garimpo de subsistência, praticado pelos descendentes dos povos escravizados nos séculos XVII, XVIII e XIX, e a atuação predatória de mineradoras, como Vale, BHP e Samarco, na Amazônia, erroneamente associadas ao termo “garimpeiros”. Enquanto os garimpeiros tradicionais enfrentaram séculos de marginalização, as mineradoras causam degradação ambiental e prejudicam a natureza e os seres humanos ao seu redor.
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Foto: Greisso Anderson
“Umlocalseguroparabrincar”
Barra Longa, município mineiro distante cerca de 60 quilômetros de Mariana, enfrenta desafios há oito anos desde o rompimento da barragem de Fundão, da Samarco/Vale/BHP. A contaminação por metais pesados, as rachaduras nas casas, a poeira seca das obras, os efeitos da lama e o tráfego intenso de veículos impactam diariamente a rotina dos cinco mil moradores, entre eles, as crianças.
A falta de um local seguro para brincar e se divertir afeta ainda mais as vidas das crianças atingidas, privadas do lazer essencial para seu desenvolvimento. Diante desse cenário, e como forma de compensar a omissão do poder público e da Renova, moradoras da comunidade deram início a um projeto para construir um parquinho em Barra Longa e proporcionar um espaço adequado para que as crianças possam desfrutar de momentos de diversão, recreação e encontro.
Por Mellina Lanna Tavares e Andréa Auxilivadora dos Santos Castro Com o apoio de Tatiane Análio
“A iniciativa do parquinho em Barra Longa surgiu em uma conversa entre as mães que moravam próximas à pracinha, com o intuito de terem um espaço seguro e divertido para as crianças brincarem. Isso porque o fluxo de carros em nossa comunidade aumentou muito após o crime da Samarco, tornando perigoso deixá-las brincarem na rua.”
Mellina Lanna Tavares, moradora de Barra Longa
“O assunto do parquinho surgiu de uma conversa entre vizinhas. Sempre nos sentamos aqui na porta da minha casa e começamos a conversar sobre diversos temas. Como soubemos que a prefeitura tinha um projeto para a área próxima ao posto de gasolina, pensamos que seria ótimo transformar esse espaço em uma praça com parquinho e aparelhos de ginástica para a comunidade aproveitar. O parquinho se tornaria um ponto de lazer para as crianças, proporcionando uma melhor qualidade de vida, já que atualmente há poucas opções em Barra Longa. O parquinho existente na praça está bastante deteriorado, e as crianças não se interessam muito por ele devido à sua condição. Ter um novo parquinho em nossa rua criaria um ambiente propício para fortalecer laços, fazer amizades e conhecer melhor as pessoas que frequentarão o local. Acredito que todas essas experiências positivas poderiam acontecer se tivéssemos esse parquinho próximo a nós.”
Andréa Auxiliadora dos Santos Castro, moradora de Barra Longa
Mariana - MG A SIRENE 7 PARA NÃO ESQUECER Março de 2024
Foto: Silmara Filgueiras
“Era casa de ser humano e hoje virou casa de e virou casa de mosquito da dengue!” mosquito da
Até o dia 29 de fevereiro, em Ouro Preto, somavam-se 688 casos de dengue; desses, 538 eram de Antônio Pereira. Apenas na Rua da Lagoa, 64 pessoas testaram positivo para dengue, entre elas, um idoso que faleceu na manhã de 22 de fevereiro. Entre outras coisas, esses números refletem o descaso da Vale com a comunidade. Parte significativa dos focos do Aedes aegypti está na Zona de Autossalvamento (ZAS), onde imóveis de famílias removidas pela mineradora, em razão do risco de rompimento da Barragem Doutor, encontram-se abandonados. Agora são terreno propício para a proliferação do mosquito que transmite dengue, zika e chikungunya.
Por Julia Vitória Rodrigues Novais, Maria Silvana de Oliveira Inácio, Regina Ciriaca da Silva e Wemerson Rodrigues Lúcio (Titão)
Com o apoio de Ellen Barros e Laura Alice, do Instituto Guaicuy | ATI Antônio Pereira
“E essas casas vazias da Vale, também acúmulo de água, entulho… Tudo isso traz casos de mosquito, né? Vira casa de mosquito. Era casa de ser humano e hoje virou casa de mosquito da dengue. É muito complicado.”
Maria Silvana de Oliveira Inácio, moradora de Antônio Pereira
“Na minha opinião, pro foco não ter se espalhado tanto assim, a prefeitura tinha que ter tomado decisões ágeis e rápidas assim que apareceram os 15 primeiros casos, porque, pra te falar a verdade, praticamen-
te o Pereira inteiro está com dengue… Eu fico com a casa o dia inteiro fechada e os meninos estão passando repelente o dia inteiro. Eu tenho medo de sair na rua com eles até pra eles não serem picados. A gente fica mais dentro de casa com janela, porta, tudo trancado, para evitar dos meninos até mesmo brincarem no terreiro.”
Julia Vitória Rodrigues Novais, moradora vizinha da ZAS de Antônio Pereira
“Após a retirada dessas famílias da ZAS, o número de casos de dengue quase que quadruplicou no nosso distrito… A gente viu propostas, viu possíveis soluções, passamos pro poder público, pra Vale, pra empresa privada e, até hoje, a gente não obteve retorno nenhum.”
Wemerson Rodrigues Lúcio (Titão), presidente da Associação de Moradores de Antônio Pereira (AMAP)
“Meu neto, que mora ali, quase morreu. Minha neta também ficou muitos dias ruim. Ali pra baixo, tem uma porção de gente doente. Vou falar bem a verdade com você: eu nunca tinha visto essa doença por aqui e tem uns 60 anos que eu moro aqui… Eles estão ‘desmazelano’ muito o Pereira. Médico também tá precisando demais, porque o povo tá adoecendo muito, a gente chega lá [no posto] e não acha. Custa pra gente ser atendido.”
Regina Ciriaca da Silva, 85 anos, moradora da Rua da Lagoa, em Antônio Pereira
Qualquer pessoa que tenha alguma dúvida, demanda, denúncia ou sugestão sobre o sistema de saúde pode ligar no Disque Saúde (136), o serviço de ouvidoria do SUS funciona 24 horas e a ligação é gratuita.
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Fotos: Léo Souza / Instituto Guaicuy
Dona Regina e Seu Clemente, moradores da Rua da Lagoa
Caso inglês de Mariana: escritório reúne clientes em eventos em Barra Longa e Colatina
A caravana contou com a participação de cerca de 500 pessoas nos municípios atingidos para discutir as atualizações da ação coletiva contra Vale e BHP
Os municípios de Barra Longa-MG e Colatina-ES receberam, nos 22 e 24 de fevereiro, a caravana do escritório internacional Pogust Goodhead, que representa as pessoas atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana-MG. O objetivo dos encontros foi ouvir e levar informações sobre o processo judicial movido por mais de 700 mil reclamantes contra as mineradoras BHP e Vale na Inglaterra.
Cerca de 500 pessoas participaram das reuniões para tirar dúvidas sobre o processo e o resultado da última audiência de gerenciamento do caso. “Viemos prestar contas à comunidade e explicar quais são as perspectivas em relação ao início do julgamento de mérito. Já faz mais de oito anos desde o rompimento e as pessoas ainda aguardam por uma compensação justa”, explicou Guy Robson, advogado britânico e sócio do Pogust Goodhead.
Simone Silva, uma das moradoras atingidas da região de Barra Longa e mãe de uma criança que teve a saúde afetada pelas implicações do rompimento da barragem, criticou a demora das mineradoras em prover uma compensação justa para as centenas de milhares de pessoas atingidas.
“As pessoas estão adoecendo no território atingido, estão morrendo. Para quem está de fora, nove anos pode não significar nada, mas, para nós, é muito sofrimento e muita tortura. A maioria dessas pessoas aqui nem sequer foram reconhecidas como atingidas pelas mineradoras. A gente tem esperança nessa ação e muitos de nós estamos ansiosos para que a justi-
ça seja feita”, enfatizou Simone.
Em Minas Gerais, participaram da reunião vereadores, procuradores municipais, advogados e representantes das prefeituras de Barra Longa e Acaiaca. Já no Espírito Santo, o encontro contou com a presença de representantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e das prefeituras de Colatina, Resplendor, Aracruz, Baixo Guandu e Marilândia.
Audiências de gerenciamento de caso
Entre as atualizações apresentadas durante a reunião, os advogados explicaram o resultado da última audiência do caso, ocorrida entre os dias 31 de janeiro e 1º de fevereiro, em Londres. Na ocasião, a Corte manteve a data do início do julgamento para outubro deste ano, mas concordou com um acréscimo de três semanas. Agora, as mineradoras vão enfrentar 14 semanas no tribunal.
“Apesar de todos os esforços das mineradoras em tentar atrasar e até encerrar o processo, a juíza decidiu que o julgamento de mérito vai começar em outubro deste ano. Estamos confiantes de que traremos justiça às pessoas atingidas. O apoio e a confiança de nossos clientes foram fundamentais”, afirmou a advogada britânica Louisa Brown durante o evento em Barra Longa.
Além disso, a juíza do caso, Finola O’Farrell, também pediu a divulgação de documentos relativos à participação da BHP no Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) que levou à formação da Fundação Renova. A BHP também foi cobrada para revisar e divulgar mais de 2,3 milhões de documentos. Ficou decidido ainda que a Vale será obrigada a divulgar documentos e transcrições relativas aos processos de litígio de valores mobiliários dos Estados Unidos, que estão sob acordos de confidencialidade.
Mariana - MG A SIRENE 9 PARA NÃO ESQUECER Março de 2024
Foto: Divulgação Pogust
Retomada dos debates sobre contaminação
A contaminação do solo, das águas e dos alimentos, provocada pelo rompimento da barragem de Fundão, ainda é uma questão não resolvida. Em novembro de 2023, foi publicada uma Nota Técnica (n.º 21/2023) do Ministério da Saúde junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e das Secretarias de Estado de Saúde de Minas Gerais e do Espírito Santo, que avalia os dados recebidos de análises de contaminação de algumas espécies e alimentos nas regiões atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão, entre 2018 e 2022. A divulgação da nota reforça o desafio de discutirmos a questão da contaminação mais de oito anos após o desastre-crime e demonstra o quanto os documentos técnicos são ferramentas importantes para oferecer suporte na defesa do direito à saúde de todas e todos que convivem com os rejeitos.
Isso aponta para a necessidade do manejo do rejeito para garantir que as populações atingidas tenham condições dignas de vida. Além disso, a Fundação Renova, junto aos organismos reguladores, deve cumprir com os acordos previstos para garantir acesso à informação adequada e a divulgação de pesquisas e dos resultados sobre os reais impactos do rompimento da barragem sobre as comunidades tradicionais atingidas. Com isso, espera-se que sejam traçadas e materializadas estratégias de recuperação da vida, da natureza e
da dignidade do povo que obtém da terra e da água o seu sustento.
Os valores insuficientes das compensações financeiras e indenizações e, em alguns casos, o não reconhecimento para recebimento de auxílios financeiros demonstram a falta de participação popular nas mesas de negociações do processo de reparação e agravam a situação das pessoas atingidas que estão sem suporte adequado em saúde física e mental, sobretudo daquelas que se encontram em situação de vulnerabilidade social. O risco à saúde é um dos fatores que contribui significativamente para extinguir os modos de vida e as tradições das comunidades, e viola gravemente inúmeros direitos previstos na Constituição Federal de 1988, como: direito ao meio ambiente, à cultura, à saúde, à alimentação, ao lazer, à profissionalização e à dignidade.
Assim, a retomada dos debates sobre a contaminação, com o apoio técnico dos órgãos competentes, nos convida, mais uma vez, a questionar a situação de saúde atual das pessoas atingidas e como são ofertados os serviços de saúde nas localidades, sobretudo nas comunidades mais afastadas da sede do município de Mariana. O acesso à saúde é direito de todas e todos e a Cáritas MG | ATI Mariana segue lutando para ampliar as informações e mobilizar as comunidades na busca por visibilidade dessas pautas nos espaços decisórios.
Mariana - MG A SIRENE 10 PARA NÃO ESQUECER Março de 2024 Foto: Quel Satto
Governo Zema demora 5 anos para regulamentar caução ambiental
Após cinco anos, Decreto 48.747/23 do governo Zema não cumpre a sua função e fere a Lei Mar de Lama Nunca Mais
Os crimes da Vale S.A, Samarco e BHP em Mariana, no dia 5 de novembro de 2015, causando 20 mortes além da destruição da Bacia do Rio Doce, e em Brumadinho, em 25 de janeiro de 2019, com 272 óbitos e a bacia do Paraopeba também comprometida, colocaram em evidência a falta de proteção da população e do meio ambiente diante dessas atividades predatórias.
Essa foi a principal motivação para a construção da chamada Lei Mar de Lama Nunca Mais (Lei 23.291/19), um arcabouço legal e pioneiro no Brasil que tem como objetivo estabelecer a política de segurança de barragens em Minas Gerais. Esta importante legislação, resultante da participação popular, proíbe barragens a montante, estabelece prazo para que elas não existam mais, determinando a desativação e descaracterização das mesmas e cria um amplo regramento de segurança, como a exigência da caução ambiental para o licenciamento de barragens pela legislação.
Entretanto, alguns pontos importantes da Lei Mar de Lama Nunca Mais exigem regulamentação, o que só pode ser feito pelo Poder Executivo. Um dos pontos a ser regulamentado é a caução ambiental. Trata-se de uma garantia, um valor financeiro estabelecido por parâmetros concretos a partir da quantificação de riscos e da necessidade de recuperação socioambiental.
Apesar de a Legislação existir desde fevereiro de 2019, a sua regulamentação foi extremamente morosa. Somente em dezembro do ano passado, portanto após cinco anos, o Governo Zema editou o Decreto 48.747/23, que deveria estabelecer parâmetros de cálculo para determinar o valor da caução ambiental.
Nosso mandato cobrou efetivamente do Governo Zema essa regulamentação. A Lei Mar de Lama Nunca Mais foi construída a muitas mãos e de forma democrática e popular. O objetivo desta construção coletiva foi dar celeridade e segurança, o que não ocorreu em função da lentidão do governo Zema na regulamentação. Apresentamos na Assembleia, em 2021, o Requerimento 10.612/21, cobrando providências imediatas para a regulamentação da Lei 23.291/19. Ainda assim, a protelação do Governo do Estado continuou e a regulamentação só ocorreu em dezembro de 2023.
A publicação do Decreto, que deveria ser uma garantia efetiva para a população e o meio ambiente não cumpre sua função e até mesmo fere o estabelecido na Lei Mar de Lama Nunca Mais, segundo ambientalistas e movimentos sociais,
"
Por que o Governo Zema demorou tanto para regulamentar a caução? Quem se beneficiou com a demora? Beatriz Cerqueira
que participaram de audiência pública requerida pelo nosso mandato, por meio do Requerimento 7.189/24, na Comissão de Administração Pública da Assembleia de Minas, em 7 de março.
Para os participantes da audiência, o Decreto guarda uma série de inconsistências, omissões, equívocos e impropriedades, dentre eles a não obrigação da aplicação da caução no caso de sinistro, como o rompimento de barragem, que é o principal eixo da Lei Mar de Lama Nunca Mais. Nestes casos, também não há a previsão de como será feita a fiscalização. E os valores da caução são muito menores do
que o necessário para eventuais reparações.
A pergunta que fica é: Por que o Governo Zema demoroutantopararegulamentaracaução?Quem se beneficiou com a demora?
Um estudo elaborado pelo Fórum Permanente São Francisco denuncia que, seguindo a fórmula do decreto, a caução da barragem que se rompeu em Mariana deveria ser de aproximadamente R$ 62,8 milhões, enquanto o valor estimado pela Advocacia-Geral da União (AGU) para recuperação da área atingida é de R$ 126 bilhões, o que é 2.006 vezes maior.
No caso da barragem que se rompeu em Brumadinho, enquanto a fórmula do decreto apontaria uma caução de R$ 14,3 milhões, o acordo de reparação já celebrado pelo Executivo é de R$ 37,7 bilhões, ou seja, 2.889 vezes maior.
Um dos convidados da audiência, o presidente do Fórum Permanente São Francisco, Euler de Carvalho Cruz, disse que o Decreto foi baseado numa tese acadêmica de 2010 e não leva em consideração todos os parâmetros necessários. “A recuperação ambiental não é estática no tempo, ainda mais no cenário de aquecimento global e chuvas intensas. Temos que garantir dinheiro para acompanhar as barragens por até 200 anos. Quem vai pagar por isso?”, questionou.
Joceli Andrioli, da coordenação nacional do MAB, afirmou que o Decreto é uma clara posição política e não técnica. “É o Governo Zema lavando as mãos e passando um cheque em branco para as mineradoras”, afirmou. Ele lembrou que há estudos da Fundação João Pinheiro e quantificações dos danos causados pelos crimes das mineradoras em Mariana e Brumadinho que podem ajudar a aperfeiçoar os parâmetros para cálculos da caução.
Um dos encaminhamentos da audiência foi o agendamento de reunião do Governo Zema, por meio da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), com a sociedade civil para aprofundar a análise do Decreto e a possibilidade de sua revisão de forma a cumprir a sua função.
Outro encaminhamento do nosso mandato foi a apresentação do Requerimento 7.587/24 para que as notas taquigráficas relativas a essa audiência sejam encaminhadas ao presidente do Tribunal de Contas de Minas Gerais (TCE/MG) e ao Centro de Apoio Operacional das promotorias de Justiça de Meio Ambiente, Patrimônio Cultural, Habitação e Urbanismo do Ministério Público de Minas Gerais para acompanhamento e providências.
Mariana - MG A SIRENE 11 PARA NÃO ESQUECER Março de 2024 Mandato da deputada estadual e titular da Comissão de Administração Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, Beatriz Cerqueira (PT)
FOTOS: DANIEL PROTZNER/ALMG
Decreto não garante a reparação socioambiental
EDITORIAL
Desde o rompimento da barragem de Fundão, se passaram mais de oito anos e três anos desde o início do processo de repactuação, no entanto, um acordo efetivo ainda não foi concretizado. Na manhã do dia 21 de fevereiro, representantes dos municípios atingidos reuniram-se na sede da Associação Mineira de Municípios (AMM), em Belo Horizonte, para expressar sua indignação e demandar apoio das instâncias governamentais e judiciais. Os prefeitos, integrantes do Fórum Permanente de Prefeitos da Bacia do Rio Doce, enfatizaram a necessidade de maior rigor por parte da justiça brasileira nas renegociações e a participação efetiva dos representantes das vítimas nas negociações.
Nós, do Jornal A SIRENE, acreditamos na centralidade das vozes das pessoas atingidas no processo de repactuação e, em nosso jornalismo, isso se materializa em nossa constante busca por proporcionar espaço para que elas narrem suas histórias e expressem suas perspectivas. Assim como nas mobilizações e nos protestos, quando essas vozes não se calaram, reiteramos a importância de colocá-las no centro de qualquer processo de reparação dos danos e das violências causadas pelo crime das mineradoras.
Ainda hoje, persistimos na ecoação de perguntas fundamentais: quem será responsabilizado pelo crime do rompimento da barragem de Fundão? Quando e de que maneira a justiça será verdadeiramente alcançada? Quando esse modelo de mineração predatória passará a ser efetivamente questionado? Quando os municípios mineiros superarão a minério-dependência?