A SIRENE
PARA NÃO ESQUECER | Ano 8 - Edição nº 90 - Outubro de 2023 | Distribuição gratuita
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A SIRENE PARA NÃO ESQUECER
Outubro de 2023 Mariana - MG
REPASSES Grupo de Trabalho de Bento Rodrigues discute metodologia de nomeação de ruas e bens públicos da comunidade 27 de setembro No dia 27 de setembro, às 18 horas, no Escritório da CABF, localizado na Rua Wenceslau Braz, 730, no centro de Mariana, o Grupo de Trabalho de Bento Rodrigues se reuniu para discutir assuntos relacionados à reparação da comunidade. A principal pauta do encontro foi a nomeação de ruas e bens públicos. Essa reunião foi agendada sem os 15 dias de antecedência usuais, pois a data foi indicada pela comunidade.
Prazo de encerramento para cadastro no Sistema Indenizatório Simplificado (NOVEL) 29 de setembro Por determinação judicial, o prazo para novos requerimentos no Sistema Indenizatório Simplificado (Novel) foi encerrado às 18 horas do dia 29 de setembro. É importante ressaltar que a análise dos requerimentos já apresentados continuará mesmo após o encerramento do prazo para novas solicitações. O tratamento dos requerimentos seguirá os prazos estabelecidos pelo Judiciário e incluirá, além das etapas de responsabilidade da Renova, o tempo necessário para o envio de documentos pelos advogados. Os pagamentos aos beneficiários elegíveis serão efetuados após a homologação pela Justiça.
AGRADECIMENTO ESPECIAL Agradecemos a todos e todas que apoiaram a campanha de financiamento coletivo do Jornal A SIRENE e fizeram esta edição acontecer, especialmente, Ana Elisa Novais, Bruno Milanez, Camila, Cristina de Oliveira Maia, Daniel Rondinelli, Elke Beatriz Felix Pena, Geraldo Martins, Jussara Jéssica Pereira e Virgínia Buarque. Agradecemos também a todas as pessoas que contribuem anonimamente com nossa luta. PARA AJUDAR A MANTER O JORNAL, acesse: evoe.cc/jornalasirene
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Opinião
Papo de Cumadres: 8 anos das minhas crianças, e a esperança? Consebida e Clemilda ainda exalam esperanças de um mundo melhor para suas crianças, pois após o crime da Samarco tudo mudou, e o lugar onde viviam ainda não se regenerou. — Cumade Clemilda, minha fia, quando a barrage rombô, eu tinha uma neném com pouco mais de dois anos, mais ou menos igual seu fio também, hoje a minha minina já completou 10 anos, e seu menino completa 10 anos na semana que vem, eles sempre procuraram manter a amizade e a proximidade de primos que têm. — "É, cumade, eu onti tava iscutanu os dois cunveusá, u meu gerardin pra sua mina falá, que sempre iscuta us irmão mais veiu contá das brincadera deles nus riu, onde aprenderu a nadá, meu coração deu um nó de sabê que pu mode a contaminação nas águas du rio, num podem nais nadá. — Intonse foi isso que a Aninha veio me perguntá, por que os irmãos mais velhos veiu todus aprendeu a nadá, e ela nem na beira du riu, num pode chegá? Eu pelejei prá ixplicá que o rejeitu da barage que veiu pra cá dispois dela istorá fez as águas dus riu contaminá, e se ela entrasse nas água, poderia se infectar e arguma duença nela se manifestá. — U meu gerardim disse que, se pudesse iscoiê um presente prus dia das criança, pra ele tê, que seria aprender a nadá, iguar seus irmão, e nus riu carmu e gualaxu podê brincá da manera, que ele iscuta seus irmão e primus contá. — É, cumade, tem gente que fala que nois tá reclamanu de barriga cheia, só porque nois tem um cautão, e a Renova, que é as mineradora disfarçada, paga u aluguel das casa que hoje é nossas morada, mas só nossa Santa Aparecida sabe a dor das família que teve suas maneira de vida modificada e sente a dor dus nossus fius, que nas águas dus riu, não pode ser banhada. — Cumade, tinha um filosufu gregu chamadu Heráclito de Efeso, que dizia: “Nenhum homi pode banhá nu mesmu riu duas vezes, porque nem u riu é u mesmu e nem u homi é u mesmu. Us riu e us home e as muié mudam lentamente, naturarmente.” Nu nossu casu, nois tudu e us riu também mudamu abruptamente, de tar maneira que du que era, só restô a semente, Senhora Aparecida, desta vida sufrida. — Uma benção eu quero implorá nu dia das criançada, que também é o dia dela. Pedi com muita esperança que ela ajude nossos filhus e todas criança, apalti da menina, que mora dentru desta Santa.
FOTO: SÉRGIO PAPAGAIO
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Festejar no território para manter acesa a tradição O retrato de Seu Zezinho continua na parede, mas se no ano passado ele marcava a dor da ausência, neste ano, o retrato na lateral da Igreja de Santo Antônio transmite um sentimento de continuidade. No segundo ano da Festa do Menino Jesus sem a presença física do patriarca que comandou a celebração por mais de seis décadas, o trabalho em conjunto da família, de amigas e amigos mostrou que a comunidade de Paracatu de Baixo segue firme em suas tradições. Nos dias 16 e 17 de setembro, a tradicional celebração em honra ao Menino Deus reuniu, mais uma vez, as moradoras e os moradores em Paracatu de Baixo para festejar em seu território e manter acesa a chama que os une em torno de uma devoção. Ao som do Coral Canta Comigo e da Folia de Reis de Paracatu, os festejos também foram abrilhantados com a participação da Guarda de Congo de São Benedito e Nossa Senhora do Rosário, da Dança de Fita de Monsenhor Horta e da Folia de Pedras. Por Carla Gomes Barbosa, José Nestor, Maria Cristina, Maria Geralda Oliveira da Silva, Marilene Rufino Anacleto, Padre Roberto Natali Starlino, Vinicius Lourenço Peixoto Com o apoio de Pedro Henrique Hudson
fotos: karine costa e pedro hudson
O coral "Canta Comigo" é formado por moradores de Paracatu de Baixo
Eu fiquei muito preocupada com medo da festa desse ano não acontecer. Foi com muita luta que a gente conseguiu se mobilizar pra realizar a festa. Corremos atrás do Congado, da Banda de Música, da Dança da Fita e da Folia de Pedras, que está acostumada a tocar com a nossa. É uma coisa que meu pai sempre gostava, ele não sabia fazer a Festa do Menino Jesus sem esse movimento que aconteceu no domingo. A gente também trazia brinquedos para as crianças, ele gostava de ver as crianças brincando. Mas foi muita coisa pra organizar e, com esse deslocamento, tudo fica difícil. A gente tem que sair daqui de Mariana pra ir lá resolver as coisas. Então a festa aconteceu, mas com muita luta, muita garra e muita dificuldade. Tivemos que passar por muitos desafios pra que ela acontecesse. E essa é uma coisa que já foi plantada há muito tempo em nossa comunidade, mas, depois que o povo foi pra Mariana, tudo ficou mais difícil. Antes era um trabalho, mas, depois do rompimento, a Festa do Menino Jesus passou a ser uma luta. O povo está todo espalhado, a gente precisa ficar pedindo transporte pra Renova pra levar as pessoas. A gente vai e precisa ficar levando instrumentos, depois tem que trazer de volta. Tudo o que precisa na Igreja tem que ser levado de Mariana pra Paracatu, aí precisa de transporte e, na volta, tem que trazer tudo de novo. É muito difícil, é muita luta e, se fosse olhar a luta que tem, a gente já teria desistido. Nós só não desistimos da festa ainda porque Deus não permitiu, mas tivemos que ter muita força e lutar muito pra que ela acontecesse. A festa desse ano foi a que mais se pareceu com a última antes do rompimento. Ela parecia com a de domingo daquele ano, no movimento de pessoas. Só faltou um brinquedo para os meninos, mas esse ano conseguimos trazer tudo o que tinha antes. Depois do rompimento, não conseguimos fazer uma mobilização concreta que reunisse a mesma quantidade de pessoas de antes, mas esse ano a festa marcou muitas pessoas, e muita gente tem me ligado pra falar que se lembraram do meu pai e disseram que parecia até que ele estava no meio de todos. Maria Geralda Oliveira da Silva, moradora de Paracatu de Baixo
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Quando a gente quer conquistar alguma coisa, a gente faz uma promessa e, se acontece aquilo que a gente pediu, a gente tem que cumprir. Como hoje é o dia do Menino Jesus, eu tô pagando a graça que consegui. Mas tem que ter fé, senão não acontece. Essa devoção vem desde o meu pai, o pai dele, a minha mãe e a mãe da minha mãe. E eu já estou começando agora a passar essa devoção para a minha filha, e assim vai, passando de geração em geração. Maria Cristina, moradora de Paracatu de Baixo Eu toco na Folia desde pequena, porque a minha mãe também acompanhava, mas eu comecei vestindo de palhaço e depois passei a tocar bumbo. Sempre tivemos a oportunidade de tocar na Folia, eu adoro isso. Isso é uma cultura, uma tradição que nós temos e eu estou trazendo uma nova turminha, uma nova geração, para não deixar a Folia acabar. Marilene Rufino Anacleto, moradora de Paracatu de Baixo e membro da Folia de Reis
Guarda de Congo de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, do Barro Preto
Eu canto no coral “Canta comigo” desde o início. A Angélica é a coordenadora e a gente ensaiava com o pessoal do grupo de jovens. Era uma turma muito grande, cerca de 30 pessoas, mas, depois que a barragem rompeu, o pessoal foi se distanciando. Tanto é que o grupo de jovens acabou e o coral foi pingando, mas resistindo. Agora é que ele está voltando, com outras pessoas ajudando, e toda missa do mês a gente está lá acompanhando. Eu acredito que lá no reassentamento vai ser assim, vai estar todo mundo junto, então vamos ter mais participação da comunidade. Carla Gomes Barbosa, moradora de Paracatu de Baixo Mais recentemente, a gente tá percebendo uma movimentação, que o pessoal está se reunindo de novo. Parece aquela chama que estava se apagando e retornou. São mais pessoas que estão participando e, depois de muito tempo, essa foi a missa que teve mais gente cantando. Antes eram umas cinco pessoas que acompanhavam sempre, mas agora parece que estão retornando algumas pessoas que cantavam na igreja antes do rompimento. Vinicius Lourenço Peixoto, morador de Paracatu de Baixo Desde pequeno que eu me visto de palhaço, que é quem faz a alegria da festa. Na Folia de Reis, a gente sai dia 26 de dezembro e volta no dia 6 de janeiro para a comunidade de Paracatu. O palhaço faz graça, e a meninada gosta de brincar, igual elas brincaram aqui hoje. E isso vem desde o Seu Zezinho, que pediu pra não deixar a Folia acabar, e nós estamos continuando. Rodamos esses distritos todos, vamos pra Pedras, Águas Claras e outros lugares. E o palhaço vai animando porque, sem ele, não tem a mesma alegria. José Nestor, morador de Paracatu de Baixo É com muita alegria e emoção que participo aqui na comunidade de Paracatu de Baixo desta festa que já é uma tradição há muitos anos. É uma homenagem ao Menino Jesus através de manifestações populares como, por exemplo, a Folia, o Congado e outras formas de alegria. Nesse momento, agora que encerra a Eucaristia, a celebração da missa sempre desejada por todos, também é o momento em que a comunidade compartilha gratuitamente a refeição. Uma grande refeição de alegria, de amizade. É um momento de paz para todos nós. Padre Roberto Natali Starlino, ex-pároco de Monsenhor Horta e vigário judicial do Tribunal Eclesiástico
Apresentação da Dança da Fita, de Monsenhor Horta
Apresentação da Folia de Reis de Pedra durante a procissão pelas ruas de Paracatu de Baixo
Padre Natali já foi Pároco de Monsenhor Horta e possui fortes ligações com a comunidade
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O mastro com a imagem de Nossa Senhora Mãe Augusta do Socorro é erguido pelos cavaleiros como sinal de fé e devoção.
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Élida, Elisangela Rodrigues e Patrícia de Paula, organizad
Celebração e resistência: a Festa de Nossa Senhora Mãe Augusta simboliza a esperança
Um mastro que se ergue e uma imagem que se volta para a comunidade atingida do subdistrito de Socorro, em Barão de Cocais-MG. É de forma singela que a fé à Nossa Senhora Mãe Augusta do Socorro se manifesta na comunidade. Construída em 1737 e tombada em 2015, a capela da Mãe Augusta é a mais antiga do município. A festa em devoção a ela, com mais de 300 anos de tradição, conta com a Cavalhada, missa sertaneja e forró. Essa tradição foi abalada em 2019, quando problemas relacionados à "lama invisível", provocada pela mineradora Vale, obrigaram parte da população a se deslocar forçosamente. As moradoras e os moradores da comunidade não puderam sequer voltar para buscar seus pertences e foram forçadamente retirados de seus lares. Hoje, as comemorações, realizadas com o empenho, zelo e amor pelas pessoas atingidas, são feitas na estrada que leva à Socorro. Quando o mastro é levantado, Nossa Senhora se volta para o lugar de onde nunca deveria ter saído, mas, assim como tantos outros, foi obrigada a deixar. Por Élida do Couto, Padre Ronaldo Gomes Chaves, Luiz Henrique Guimarẽs de Oliveira, Adil Gonçalves Gomide, Sebastião Fonseca e Silva Com o apoio de Tatiane Análio
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“As pessoas aqui foram terrivelmente atingidas, tiveram que deixar suas origens, sua história antiga de séculos, simplesmente para dar lugar à extração de dinheiro. O dinheiro é mais importante que toda a vida das pessoas. Acaba que a gente vai perceber que o dinheiro é muito sujo. É muito complicado, mas aí uma coisa que o pessoal se agarra é no fator de união. A tática de grupos mineradores é de dividir. A festa religiosa tem a tática de unir. A presença da Mãe Augusta do Socorro é histórica.” Padre Ronaldo Gomes Chaves “Eu vim prestigiar o evento, a Cavalhada e a própria festa, né? Porque ela tem um cunho tradicional muito grande e ela reforça o elo comunitário que acabou sendo desfeito com a evacuação. Apesar de as pessoas não estarem vinculadas com o lugar, o solo, elas não conseguirem frequentar onde está a comunidade de Socorro, elas ainda mantêm vivo o espírito da comunidade. Esse evento demonstra justamente isso, através da tradição pela revitalização da história.” Luiz Henrique Guimarães de Oliveira, juiz de Direito da Comarca de Barão de Cocais
, organizadoras das festividades
FOTOS: ANDRÉ LUÍS CARVALHO
“Meu bisavô que realizava essa festa. Essa tradição foi passada para outras pessoas. Eu ajudo desde pequena com as questões da festa: colocando bandeirinhas, chamando para a celebração. Desde a evacuação do território, no dia 19 de fevereiro de 2019, eu tomei frente da festa com mais quatro pessoas: Ana Rita, Patrícia, Aparecida e Francislane. Esse ano a Sheila e a Elisângela entraram também. Os enfeites, as bandeirinhas, as flores são feitos pela comunidade em mutirão. Desde 2019, nós ficamos em um dilema de onde seria a festa. Pensamos em fazer na Lagoa, mas não fomos bem acolhidos. E eu sugeri que poderíamos fazer na estrada que leva à Socorro. De início, fizemos só no domingo, só com a parte religiosa. Logo em sequência, veio a pandemia, mas continuamos. Mesmo na pandemia, 15 pessoas enfeitaram o lugar para sinalizar que nossa fé estava de pé. Em 2021, a novena foi feita em Capim Cheiroso, comunidade de Barão, para celebrar a Mãe Augusta. Fomos muito bem acolhidos. No ano passado, a festa continuou em Capim Cheiroso. A nossa festa é rica e cheia de tradições, é uma das maiores da região. A nossa devoção por Mãe Augusta mostra nossa força, nosso amor. Quando era em Socorro, muito mais pessoas iam. A gente também não tem o apoio necessário dos poderes públicos, da prefeitura. Desde o dia da evacuação, a gente da comunidade de Socorro não tem apoio. As pessoas de Barão de Cocais acham que somos ricos, que fomos devidamente indenizados. Eu quero voltar para casa, não queria ter saído de Socorro. Eu estou em Barão de Cocais porque fui obrigada. Aqui a gente sofre preconceito, temos que ouvir que extorquimos a Vale, dentre tantas outras barbaridades. A previsão de volta é em 2029, mas será que vamos voltar mesmo? Porque, antes, a previsão era para 2024, depois para 2026 e agora para 2029. E essa previsão não está em nenhum documento. Élida do Couto
“Como representante da comunidade, eu sou a terceira geração participante da festa. É um orgulho muito grande. Eu acredito que Nossa Senhora vai nos ajudar a gritar para o Brasil e o mundo: ‘nós vencemos a guerra!’. Esse lugar, hoje da poeira, será o palco de fogos brilhantes no céu e nós vamos gritar lá em Socorro: ‘nós vencemos a guerra em 2023!’. Nós estamos de passagem, mas a festa é eterna. Uma festa tão linda, com 323 anos. Nós nunca vamos deixar o minério comprar isso aqui.” Adil Gonçalves Gomide, morador de Socorro “A Cavalhada em si é um espetáculo cultural, religioso e folclórico muito importante, não apenas para a comunidade de Socorro, mas para todo o estado de Minas Gerais, enquanto uma manifestação cultural. Para a comunidade de Socorro, ela se reveste de uma importância maior porque os moradores, vítimas de uma situação que eles não esperavam e que a própria comunidade se assustou diante da dimensão que foi dada, se utilizam desse espetáculo para ganhar força, para pedir esperança, para pedir à Mãe Augusta do Socorro que eles não arrefeçam diante da luta que é necessária para que eles retornem ao seu local de origem, retomem seu território, retomem a sua história, o seu dia a dia, a sua vida, a sua luta diária. Essa é a importância que essa festa tem na atual conjuntura para a comunidade de Socorro.” Sebastião Fonseca e Silva, mais conhecido como Tião Crispim, locutor da festa há 30 anos
A missa sertaneja seguida de procissão é um dos ritos tradicionais que fazem parte da celebração.
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Outra vez você me olhou Por Sérgio Papagaio
Outra vez você me olhou. Se já não bastasse o tempo que me ajudou, Me curastes de pequeno, sempre me fazendo crescer. Eu, quando encontrei a solidão, recebendo dela permissão, você não deixou. No seu colo, mais uma vez, me amparou. Acordei um dia bem cedo, decidi, sem preocupar, sozinho caminhar. O mal me encontrou, num canto me espreitou, você me salvou. Pensei comigo, nunca terei direito de caminhar do meu jeito. É tanta proteção que um homem não consegue nem pecar. Fui ao oratório pra com ela combinar, deixe minhas dores sozinho passar. Filho, ouça bem o que eu vou lhe falar, minha mão protetora não te sufocará. Neste dia, por fim, pude então respirar, caminhar sozinho, sem me preocupar. Mas desta vez o mal me cercou, eu já crescido sozinho pude enfrentar. Ciente de que dela não mais precisava, foi aí que tudo mudou. Numa tela, ela me mostrou, só chegou até então, porque meu manto foi proteção.
Foto: Larissa Helena
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A luta das comunidades tradicionais: uma conversa sobre representação e desafios
Foto: Arquivo/Sérgio Papagaio
Sérgio Papagaio, residente de Barra Longa, editorchefe do Jornal A SIRENE e porta-voz dos garimpeiros tradicionais, esteve em Brasília-DF nos dias 12, 13 e 14 de setembro, para participar da Câmara Técnica Indígena e de Povos e Comunidades Tradicionais (CT-IPCT). Apesar de ter ocorrido na capital federal, o encontro segue uma abordagem itinerante. Isso significa que suas reuniões são realizadas nos territórios diretamente atingidos pelo desastre-crime da Samarco, Vale e BHP ou em localidades próximas, desde que ofereçam infraestrutura necessária. Após seu retorno à Barra Longa, Papagaio compartilhou suas experiências e visões conosco, o que proporcionou um olhar importante sobre o significado desse evento para as comunidades tradicionais atingidas. Por Crislen Machado e Sérgio Papagaio
1) Sérgio Papagaio, no último mês, você representou os garimpeiros tradicionais e o Jornal A SIRENE em Brasília-DF, na CT-IPCT. Pode nos contar como surgiu essa oportunidade e qual foi o seu papel nesse evento? Sérgio Papagaio: Claro. Desde as primeiras reuniões das comunidades garimpeiras, estive envolvido na organização, com o auxílio do Hermínio Garimpeiro. Em uma reunião da CT Infra, conheci Tiago Cantalise, que era coordenador suplente da CT-IPCT. Nesse encontro, pleiteei a participação da comunidade tradicional garimpeira e fomos indicados como representantes em uma assembleia realizada em Barra Longa. Assumi o papel de titular e Hermínio, o de suplente. Na CT, nosso foco é levar os anseios da comunidade relacionados ao direito à reparação pelos danos causados devido ao rompimento da barragem da Samarco.
2) Quais são as principais preocupações e os desafios enfrentados pelas comunidades tradicionais atingidas pela barragem de Fundão? Sérgio Papagaio: A maior preocupação das comunidades tradicionais é, acima de tudo, manter seus modos de vida tradicionais. O maior desafio que enfrentamos é garantir que esses modos de vida sejam respeitados, englobando desde as tradições até o local, a forma e a satisfação de realizar atividades laborais de maneira prazerosa, que se misturam com momentos de diversão. 3) Durante a CT, quais foram as principais discussões e propostas apresentadas para abordar as questões das comunidades atingidas? Sérgio Papagaio: Durante nossos mais de cinco anos de participação na CT, nossas principais pautas permanecem inalteradas. Buscamos o Cartão Obrigação retroativo
ao dia do crime para a comunidade atingida, indenização financeira e uma área garimpável devidamente legalizada, onde a comunidade possa exercer seus modos tradicionais de vida por meio de seu trabalho. 4) Quais são os principais objetivos ou demandas que as comunidades tradicionais estão buscando por meio desta CT? Sérgio Papagaio: Nossa comunidade busca ser reconhecida por sua ancestralidade e tradição, respaldadas pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Convenção sobre os Povos Indígenas e Tribais, da qual o Brasil é um dos 11 signatários. O Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), reconheceu essa convenção como supralegal e que reconhece uma comunidade tradicional, entre outras, por meio de sua autodeclaração
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ATI Mariana promove encontro de comunidades atingidas da zona rural Representantes das comunidades atingidas de Borba, Campinas, Paracatu de Baixo, Paracatu de Cima, Pedras e Ponte do Gama, na zona rural de Mariana, estiveram presentes em Paracatu de Cima para a realização de um Grupo de Base (GB) no dia 14 de setembro. A reunião teve como objetivo incentivar o diálogo sobre as principais demandas em comum e marcar a retomada dos GBs na zona rural promovidos pela Cáritas MG | ATI Mariana. A atividade foi importante para reforçar o compromisso da Cáritas MG | ATI Mariana com as necessidades das pessoas atingidas e também para fortalecer os vínculos entre as comunidades. Na ocasião, foi possível perceber que ainda existem diversas pendências no processo de reparação integral na zona rural, algumas específicas e outras comuns a todas as comunidades. Para dar início aos debates, assessoras e assessores da Cáritas MG | ATI Mariana apresentaram três pautas: o atual cenário do manejo de rejeitos, a retomada produtiva e a situação das estradas. Além dessas demandas, que as comunidades consideraram de forma unânime como centrais para a reparação integral de seus territórios e modos de vida, outros temas foram apontados e incluíam abastecimento e tratamento de água, acesso à saúde, à educação, telefonia e internet, obras do campo de futebol em Pedras, segurança do complexo esportivo em Ponte do Gama, e questões de direito de uso de imagem, temas negligenciados pela Renova. Muitos desses problemas têm se agravado ao longo dos anos pela ausência de reparação, o que perpetua
Fotos: Quel Satto
as violações de direitos quase oito anos após o desastre-crime. Diante das demandas apresentadas pelos presentes, é possível afirmar que a reparação nos territórios de Mariana, além de desigual, ainda está distante de ser finalizada. Os relatos evidenciam que é necessário que os responsáveis pela execução dos programas de reparação escutem as comunidades atingidas para que as ações estejam alinhadas às reais necessidades. No final do GB, foi salientado que, diante do caminho a ser trilhado para a reparação integral, as comunidades seguem firmes na luta pelos seus direitos. O GB também foi uma forma de agrupar as demandas e contrapor o discurso da Renova, que alegou, em um ofício enviado para a Comissão de Atingidos pela Barragem de Fundão (CABF), não haver mais pautas a serem
debatidas com as comunidades da zona rural. Como principal encaminhamento tirado da reunião, as comunidades decidiram oficiar novamente a Renova e a gestão municipal para a realização de um Grupo de Trabalho (GT) sobre as pendências da reparação na zona rural. Segundo o deliberado no GB, a primeira reunião do GT terá como pautas o asfaltamento e a manutenção das estradas, o abastecimento e o tratamento de água, e o acesso aos serviços públicos de saúde. Essas são necessidades comuns à grande parte das comunidades atingidas e seguem sem resolução, portanto, foi considerada urgente a retomada das reuniões com a Renova e com outros atores responsáveis pela efetivação das medidas de reparação para as pessoas atingidas.
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Revida Mariana exige total reparação e denuncia crimes Pessoas atingidas pelos crimes da Vale/Samarco/ BHP em Fundão, Mariana, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e diversas outras entidades civis exigem reparação integral e lançam uma campanha de sensibilização da sociedade: Revida Mariana. Elas denunciam que estão excluídas do processo de repactuação do acordo e afirmam que o Poder Executivo e as instituições de Justiça não dialogam e, muitas vezes, falam em nome das comunidades atingidas sem ouvi-las.
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O lançamento da campanha aconteceu em audiência pública, iniciativa de nosso mandato por meio do requerimento 4212/23, em 26 de setembro, na Comissão de Administração Pública da Assembleia Legislativa de Minas e reuniu mais de mil pessoas. E por que uma campanha é necessária? Para que possamos lutar e assegurar que qualquer repactuação ou reparação tenha participação direta das pessoas atingidas. Precisamos também denunciar o que está acontecendo. Como a gente
Fotos: Guilherme Dardanhan/ALMG
Para Thiago Alves, da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), não há nenhuma escuta das pessoas atingidas. “Ninguém pode falar em nosso nome. Queremos participar desse processo e dialogar com as instituições de Justiça e os governos federal e estadual. O governo Zema nunca se reuniu conosco. Ele é governador de todos e tem que nos ouvir”, disse. “Nós atingidos e atingidas estamos em luta na campanha Revida Mariana. Justiça para limpar essa lama. Luta, participação e dignidade”, destacou Thiago Alves.
E por que uma campanha é necessária? Para que possamos lutar e assegurar que qualquer repactuação ou reparação tenha participação direta da pessoa atingida. Precisamos também denunciar o que está acontecendo”
B ea tr iz C er q u ei r a
explica para o mundo que não tem ninguém preso depois do assassinato de 20 pessoas na Bacia do rio Doce? A síntese é que Vale/Samarco/BHP trazem fome, morte e violação de direitos. Mas a gente não fala pelo atingido, ele sabe das suas dores, dos seus problemas, da sua vida. O que nós precisamos é compreender isso, respeitar cada pessoa atingida, e construir condições para que as pessoas falem ao mundo, ao Parlamento, que é o que nós estamos fizendo.
Grande participação das entidades e comunidades atingidas pelos crimes da Vale/Samarco/BHP na audiência pública, na Assembleia, para lançamento da campanha Revida Mariana
Usânia Aparecida Gomes, diretora da Central dos Movimentos Populares, falou da esperança com a campanha. “A Revida Mariana é sim pela vida e não para a morte”, ressaltou. A pescadora e coordenadora da Comissão de Atingidos de Governador Valadares, Joelma Teixeira, lembrou que, mesmo depois de 8 anos dos crimes em Mariana, as comunidades impactadas não receberam a devida reparação. “Quantos anos mais até conseguirmos justiça? Quem sente na pele somos nós atingidos. O dinheiro vai para fora do país, nós só ficamos com o lixo”, declarou.
Deputada estadual Beatriz Cerqueira mostra artesanato feito pelas mulheres atingidas pelos crimes da Vale/Samarco/BHP
A propaganda feita pela Fundação Renova, responsável pelo processo de reparação, foi criticada por Cristiane Ribeiro Martins, da Comissão de Atingidos de Barra Longa. Ela lembrou que na propaganda, “tudo é maravilhoso”. Mas, “algumas casas construídas para as pessoas atingidas estão piores que as originais e estão para cair”. Joyce de Fátima Pereira, do MAB e do projeto Veredas, disse da impunidade da Vale/ Samarco/BHP. “O Revida Mariana é a nossa luta contra a impunidade dos crimes da Vale, Samarco/BHP e pela reparação integral”.
Thiago Alves da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB): "Justiça para limpar essa lama. Luta, participação e dignidade"
Mandato da deputada estadual e titular da Comissão de Administração Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, Beatriz Cerqueira (PT)
EDITORIAL À medida que nos aproximamos do Dia das Crianças, data dedicada também à Nossa Senhora Aparecida, a padroeira do Brasil, contemplamos a esperança que as crianças trazem para o mundo. No entanto, conforme celebramos essas datas especiais, não podemos ignorar as complexidades que cercam as crianças atingidas pelo desastre-crime causado pela Samarco, Vale e BHP em 2015. A continuidade das tradições culturais e religiosas, como a Festa do Menino Jesus e das Mercês, é fundamental para a preservação da identidade e a coesão das comunidades. Essas celebrações não apenas enriquecem nosso patrimônio cultural, mas também desempenham um papel crucial na transmissão de valores e crenças de geração em geração. No contexto do Dia das Crianças, é importante destacar que os mais jovens representam o futuro dessas tradições. Ao envolvê-los nas festividades e ensinar-lhes sobre a importância dessas práticas, estamos garantindo que elas perdurem e continuem a desempenhar um papel central em nossas vidas. Portanto, ao preservar e promover essas tradições culturais e religiosas, estamos contribuindo para o bem-estar e a coesão das comunidades. Enquanto projetamos nosso olhar para o futuro, desejamos que todas as crianças, independentemente de suas circunstâncias, encontrem amor, apoio e um amanhã melhor que ontem. Para aquelas e aqueles que enfrentam desafios únicos, como as crianças atingidas, é nossa responsabilidade cobrar que todas as medidas sejam verdadeiramente eficazes e voltadas para o seu bem-estar e desenvolvimento integral. Portanto, neste Mês das Crianças e de Nossa Senhora Aparecida, reiteramos nosso compromisso de proteger e nutrir a infância, mesmo diante de obstáculos e de injustiças.