A SIRENE
PARA NÃO ESQUECER | Ano 3 - Edição nº 28 - Julho de 2018 | Distribuição gratuita PARA NÃO ESQUECER | Ano 3 - Edição nº 28 - Julho de 2018 | Distribuição gratuita
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A SIRENE PARA NÃO ESQUECER
Julho de 2018
Aconteceu na reunião REUNIÃO: PLANO PARA AGENDA GERAL DE REASSENTAMENTO 20 de junho, Centro de Convenções de Mariana Embora a reunião tenha sido confusa, já que a Fundação Renova/Samarco não apresentou material de fácil leitura para os(as) atingidos(as), alguns encaminhamentos foram definidos, entre eles: 1. A comunidade de Bento Rodrigues deve avaliar se autoriza o corte das vegetação no terreno de Lavoura até o dia 10/07, e deve apresentar soluções para a madeira retirada, além de informar se irá utilizá-la e onde será armazenada; 2. A Assessoria Técnica dos(as) Atingidos(as) deve realizar reuniões sobre as diretrizes nos próximos 30 dias (contados desde o dia 21/06). Renova/Samarco: Algumas diretrizes [que foram conquistadas na justiça e garantem direitos às comunidades] na vida real dão um pouco de confusão. Ana Paula Alves (Assessora Técnica da Cáritas): Por mais que todos os temas sejam urgentes, que isso não impeça os(as) atingidos(as) de participarem de outros espaços e que a gente possa assessorá-los antes, porque durante o dia todos trabalham, então tem que ser uma agenda que considere isso.
ATENÇÃO! Não assine nada Em caso de dúvidas sobre o conteúdo, conte com a ajuda de um advogado ou qualquer outro especialista. Se te pedirem para assinar qualquer documento, procure o Ministério Público ou a Comissão dos Atingidos.
Marino D’Angelo (morador de Paracatu de Cima): As reuniões sobre o processo de reassentamento têm que ser levadas para a zona rural também. REUNIÃO: REASSENTAMENTO FAMILIAR 14 de junho, Paracatu de Cima A proposta era debater prazos no processo de vistoria das casas e parâmetros justos de compensação. Contudo, não houveram muitas respostas por parte da Renova/Samarco. Mirella Sant'anna (moradora de Ponte do Gama): Mais uma vez a Fundação não nos deu uma resposta. Ela se sente confortável em fazer isso nesse processo que já estamos vivendo há quase três anos. As condições são as mesmas, mas tratando individualmente é muito mais fácil da Renova dobrar as pessoas e essa união é uma coisa que a gente sente que a incomoda muito, justamente pela pressão. Não queremos nos dar bem às custas da Renova, já que ela foi criada para reparar a situação causada a gente só quer que ela faça isso de forma justa.
Mariana - MG
Edital de Reconvocação Assembleia de Fundação da Associação de Atingidos Pela Barragem de Fundão para a Comunicação, Arte e Cultura CONVOCAÇÃO DE ASSEMBLEIA DE FUNDAÇÃO A comissão provisória constituída para viabilizar a fundação da Assembleia de Fundação da Associação de Atingidos Pela Barragem de Fundão para a Comunicação, Arte E Cultura FAZ SABER, através deste Edital, a quem o vir ou dele conhecimento tiver, que no dia 20 de Julho de 2018, às 18h, no Centro Pastoral da Arquidiocese de Mariana, localizado na Rua Dom Silvério, 51, Bairro Centro, Mariana, Minas Gerais realizará a ASSEMBLÉIA GERAL DE FUNDAÇÃO, a fim de serem deliberados os seguintes itens, conforme ordem do dia: a) Leitura, discussão e votação do estatuto; b) Fundação da Associação de Atingidos Pela Barragem de Fundão para a Comunicação, Arte e Cultura; c) Eleição e posse da diretoria; d) Outros assuntos que a assembleia deliberar. Mariana, 05 de julho de 2018 Genival Pascoal Representante da Comissão provisória
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Os encontros acontecem de 15 em 15 dias, mas esse mês terá apenas um encontro no dia 23/07 às 18h no local: Paço do Mestre, nº 497, Wenceslau Braz, Centro.
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O espaço é um momento destinado ao cuidado com a saúde a partir de práticas de relaxamento e arte terapia e é direcionado aos membros das comissões.
EXPEDIENTE Realização: Atingidos pela Barragem de Fundão, Arquidiocese de Mariana e Um Minuto de Sirene | Conselho Editorial: Angélica Peixoto, Cristiano José Sales, Expedito Lucas da Silva (Kaé), Genival Pascoal, Lucimar Muniz, Manoel Marcos Muniz, Milton Sena, Mônica dos Santos, Pe. Geraldo Martins, Rafael Drumond, Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio), Simone Maria da Silva | Editores-chefe: Genival Pascoal e Sérgio Papagaio | Jornalista responsável: Silmara Filgueiras | Editor Multimídia: Flávio Ribeiro | Editora de Texto: Miriã Bonifácio | Editora de Vídeo: Daniela Felix | Editora Visual: Larissa Pinto | Reportagem e Fotografia: Genival Pascoal, Madalena Santos, Sérgio Papagaio, Simone Maria da Silva, Tainara Torres e Wandeir Campos | Apoio: Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) | Revisão: Elodia Lebourg | Agradecimentos: Guilherme de Sá Meneghin (Promotor de Justiça - Titular da 1ª Promotoria de Justiça de Mariana) | Impressão: Sempre Editora | Foto de capa: Daniela Felix | Tiragem: 3.000 exemplares | Fonte de recurso: Termo de ajustamento de conduta entre Arquidiocesse de Mariana e Ministério Público de Minas Gerais (1ª Promotoria de Justiça de Mariana).
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O ministro das Minas e Ener Filho, disse nesta quarta-f maior desastre ambiental d Mariana, Minas Gerais, e imagem negativa da popul Brasil promovido pelo junta Mais um acordo foi firmad Contraditoriamente, o term da Ação Civil Pública menci Isso deve se dar a partir do d reparação integral dos direit Desde o primeiro acordo firm denunciamos a falta de par Nós entendemos que esse as empresas são consider na construção de uma s submetidos a nenhum decisório. Nossos corpos, territórios, país, o rompimento da ba sobretudo transnacionai Para nós, a reparação inte em nenhum momento as as empresas são consider na construção de uma soc
‘Se criou um ambiente de guerra’, diz presidente da Renova sobre negociações com atingidos por barragem Para Roberto Waack, um d das vítimas é a falta de di representam. Em 2015, o maior desastre ambiental Quase três anos após o maio lama da Samarco, ainda vive Um dos motivos desta demo diálogo com algumas entida presidente da Fundação Reno “Se criou um ambiente de gu ‘eu não reconheço a Fundaçã cumprimento as pessoas da Renova. Como você conse processo de conciliação di atitudes das mais diferen ‘nós não reconhecemos a Após a tragédia ocorrida e União, estados e Samarco – os danos do rompimento da Só é possível discutir a par qualquer etapa de sua ela A reparação dos danos c foi tirado, com garantia t Para o presidente da Vale, (MG) vão ficar melhores do causou estragos em toda As declarações foram feit "O meio ambiente e as pes Ainda que avaliamos que partircipação, temos uma Posicionamento do MAB so Os criminosos devem ser af tinha como argumento que O percentual é cinco vezes após o rompimento da bar dos atingidos sofrem com população do país. Segun brasileiros tinham depre
A nossa luta Por Luzia Queiroz e Odete Cassiano Com o apoio de Daniela Felix
Primeiro, achamos que essa história acabaria depressa. Depois, percebemos que já estava demorando demais.
Agora,
já vai para três anos.
É a mesma coisa de ir jogando roupa e mais roupa dentro de um guarda-roupa. Quando você abre a porta, vem tudo em cima. Se tivessem confiado na gente desde o início... A maioria só quer o justo. Se a confusão tá aí, quem provocou foram eles. Se não confiamos neles, quem provocou foram eles.
Colocam vizinho para brigar com vizinho.
Fazem tramoia atrás de tramoia. Negam os nossos direitos. Dizem que “tal coisa” não se aplica aos critérios da empresa. E, então, perguntamos:
Qual o critério que eles encontraram pra jogar rejeito na gente?
Se não tivessem ficado nessa briga de gato e rato, isso já tinha chegado ao fim. Tem muita gente acusando os(as) atingidos(as), falando que a culpa é nossa, que só queremos dinheiro. Mas não vamos deixar que nos obriguem a nada. Queremos poder dizer o que não é certo e o que não se aplica. Isso não é sonhar demais. Tem que ter o aval do(a) atingido(a), senão não passa. É a mesma coisa de fazer uma peça de teatro, ou um filme, sem o ator principal. Todo mundo se esquece que essa história é nossa. Brincam de faz de conta, mas não estamos na Terra do Nunca.
Tentaram uma “queda de braço”. Viram que não daria certo. Hoje, querem provar que fazem o melhor. Estão correndo contra o tempo. Nós também estamos. Tem hora que dão umas brechas e a gente consegue algumas coisas. Mas não confiamos de peito aberto, porque pode vir uma flecha e acertar a gente. Depois do que aconteceu ficamos abalados, tristes, nervosos. As pessoas olham pra gente, mas parece que não sabem com quem estão falando. Se é com a pessoa “da barragem”, da família ou colega. Acabamos perdendo algumas dessas pessoas, e a gente sente por elas terem ido embora. Por isso, não gostamos nem de ouvir falar em mineração.
Temos medo da outra. A Germano,
que ainda está lá e é muito maior que a de Fundão. Para muitos de nós, a quantidade de medicamentos até dobrou. Mas saibam,
juntos,
inventamos maneiras de amenizar a dor. Para alcançar nossas conquistas, unimos as nossas forças. Quando um não entende, explica para o(a) outro(a). E mesmo as contradições se somaram para tornar o nosso povo forte.
A nossa luta
é para que seja feito o melhor possível. E a gente espera que a nossa fortaleza continue. Vamos caminhando. Até o fim.
Para recomeçarmos.
tingidos pelo crime da stamento de conduta ovida por ele, busca ve se dar a partir de sável pela reparação ejeitos em Mariana. , va, eu não falo com ecer um processo de entos, tem atitudes não reconhecemos a Fundação Renova’”, disse ele. não cumprimento as cê consegue estabeomo essa. Tem movi o Filho, disse nesta mbiental da história se de um "acidente", bilidade da empresa e reforçou a imagem ração; "Nós tivemos ntribuiu, mas aquilo acidente. Nós temos como uma fatalidade, umidores reunidos em jornal Financial Times. cipação dos atingidos riamente, o termo de MPF em face da Ação arantir a participação as na governança da egral dos danos do uardam em Mariana. meio ambiente e as vão ficar melhores 19 mortos, destruiu a Bacia do Rio Doce. banco Credit Suisse, hores do que estavam ram as casas perdidas e as indenizações serão recuperação ambiental. rtence à Vale e à anglos atividades paralisadas ndo ocorreu a tragédia. o com a BHP para que a esidente da mineradora onversam o tempo todo". anhia é "colocar a Samarco recisamos virar a página desse sível que aconteceu", afirmou. as deixou 19 mortos, destruiu ra autoridades a convicção panhia volte a operar. Os perações já foram feitos entais de Minas Gerais. rotelar indefinidamente a reparação e na criação "Para remediar a coisa teer atividades paralisadas afirmou Schvartsman. ra em resolver a situação lgumas entidades que as ragem de Fundão causou sastre ambiental do país tavam nas casas perdidas aúde mental das pessoas dos estado de depressão onstatado na população pimento da barragem da quase 30% dos atingidos é cinco vezes superior ao Organização Mundial de s tinham depressão (11,5 milhões de pessoas).
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Julho de 2018 Mariana - MG
Projetos dos arquitetos ou das famílias? Por Antônio Geraldo, Genival Pascoal e Marcos Muniz Com o apoio de Flávio Ribeiro e Assessoria Técnica da Cáritas
As famílias de Bento Rodrigues estão sendo chamadas pela Fundação Renova/Samarco para conhecer os(as) 20 arquitetos(as) contratados(as) por elas e, assim, iniciar a construção do projeto de suas casas e dos bens coletivos. Como essa etapa está sendo conduzida pela fundação/empresas, a preocupação de parte da comunidade e da Assessoria Técnica dos(as) atingidos(as) é que seja utilizada a angústia dos(as) moradores(as), que já esperam há mais de 2 anos e 8 meses, para impor propostas que sejam dos arquitetos e não das famílias. A falta de planejamento por parte da fundação/ empresas, sob a justificativa de que o tempo está passando, pode prejudicar a construção dos projetos, já que eles precisam não só garantir a reparação dos modos de vidas das famílias, mas também assegurar qualidade e a satisfação dos(as) atingidos(as). “A Renova/Samarco busca enfiar goela abaixo projetos sem que o(a) atingido(a) entenda. O pouco acesso que tive com algumas famílias que estão nessa etapa mostrou que a fundação/empresa está colocando condições técnicas para inviabilizar mudanças por conta das condições do terreno. Mas essas condições são simplesmente para diminuir os custos das obras. As pessoas além de ansiosas não estão conseguindo entender muito bem a parte técnica, aceitando da forma que a empresa quer. Com isso, o(a) atingido(a) enxergará os possíveis problemas só quando a casa estiver pronta.” Antônio Geraldo, morador de Bento Rodrigues “O processo deveria ter sido melhor explicado antes de iniciarmos o projeto. Ainda não conhecemos bem a situação do lote onde ficará cada moradia. Eu estou numa área mais plana, mas o que vai acontecer com quem está em um lugar com deformidade no terreno? Vai ter que projetar a casa pensando nisso? Até um degrau na escada você tem que pensar, porque isso vai influenciar no nosso futuro, quando ficarmos velhos. Eu, por exemplo, tenho dois lotes e, nesse processo, eu vou construir a casa para qual deles? Como eu vou projetar minha casa, sendo que dentro desse lote tem projetos para a construção de galinheiro, curral, depósito de ferramentas, entre outras coisas?” Marcos Muniz, morador de Bento Rodrigues Até agora, parte das famílias também não sabe quando serão chamadas pela Renova/Samarco para iniciar a construção dos projetos, o que aumenta a preocupação dos(as) moradores(as). “Embora eu não tenha avançado tanto assim no processo de Cadastro, a ponto de estar fazendo o
projeto da minha casa, já fico imaginando se a Renova/Samarco vai me limitar na construção do projeto. Eles dizem que vão fazer como a família quiser, mas e se eu quiser que os taludes comecem após o meu lote? Será que a empresa vai aceitar? Minha vizinha já trouxe um problema de acomodação de seu imóvel no terreno e estou preocupado com isso, porque o meu terreno, no projeto do reassentamento, está com uma inclinação muito acentuada. De acordo com o que venho escutando em reuniões, se eu quiser posso ter meu lote todo plano, mas pelo que estou vendo a fundação/empresas está voltando atrás e querendo restringir a nossa opção.” Genival Pascoal, morador de Bento Rodrigues Segundo a Assessoria Técnica, as famílias estão sendo chamadas em grupos de 45 pessoas para conhecer os(as) arquitetos(as). A primeira reunião aconteceu em 29 de maio, e a segunda foi em 28 de junho. Nessa época, a fundação/empresa disse que iria “alinhar expectativas e tirar dúvidas”. Porém, o documento elaborado em junho pela comunidade, em conjunto com a Comissão e a Assessoria Técnica, questionou como será a definição das datas e como serão garantidas as diretrizes, principalmente as relacionadas à Reparação ao Direito à Moradia. A comunidade também reivindicou informações sobre como serão tratados os casos específicos, como aqueles que envolvem herança, divórcios, formação de novos núcleos familiares, construção de casas em lotes diferentes mas de uma mesma família, entre outros. Os próximos passos Os apontamentos realizados pela comunidade e Assessoria foram apresentados em reunião no dia 12 de junho, com a presença da Renova/Samarco e da Secir (Secretaria de Cidades e de Integração Regional). A fundação/empresa não concordou com todos os pontos, evitando falar, por exemplo, sobre quando e como as famílias poderão visitar seus lotes. Os(As) atingidos(as) também exigem o direito de que poderem revisar seus projetos, caso não esteja de acordo com sua vontade, sem que isso seja usado como argumento nos atrasos do processo.
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Imagem: mapa desenvolido pela fundação renova e cedido pela Cáritas Brasileira Regional de Minas Gerais
Como se dividirá o processo de desenho das casas: O que a comunidade, Comissão e Assessoria reivindicaram
O que a Renova/Samarco pretendia fazer Etapa LEMBRAR:
Encontros individuais, conforme agenda estabelecida entre o(a) arquiteto(a) e cada família. O(A) arquiteto(a) irá identificar e entender a dinâmica familiar, a partir das lembranças sobre a moradia.
A escuta deve ser focada na proposta e na construção da nova moradia. A etapa precisa de detalhamento sobre como será feita e quais serão seus objetivos.
Etapa APROPRIAR:
Para a Fundação Renova, não existe a Etapa Apropriar
Visitas ao terreno, conhecimento dos lotes, dos desenhos das ruas e demais estruturas; diálogo com os órgãos públicos sobre os equipamentos coletivos e a infraestrutura. Como será garantido o acesso dos(as) atingidos(as) ao formato final do lote/terreno após a implantação da infraestrutura urbana e movimentações de terra? Como e através de quais métodos e materiais será garantido a apropriação da comunidade a esse formato final do lote/terreno?
Etapa CRIAR:
O(A) arquiteto(a) irá desenvolver o projeto a partir do que for desenhado e construído com a família.
Como será garantida uma linguagem acessível (mas que contenha as informações técnicas para consulta, como dados de topografia e de tratamento ao terreno) e o acesso ao material produzido? Como e onde (plataforma) serão apresentadas as informações?
Etapa AJUSTAR:
O(A) arquiteto(a) irá apresentar o projeto para a família e fará os ajustes solicitados, para que o projeto reflita os anseios daquela família, considerando o que é de direito de cada um e de todos.
Deverão ocorrer quantos ajustes forem necessários para a satisfação dos(as) atingidos(as). Todo e qualquer material deverá ser apresentado em linguagem acessível (sob os mesmos critérios da etapa anterior).
Etapa ESCOLHER MATERIAIS:
O(A) arquiteto(a) irá discutir com cada família quais materiais serão utilizados para a construção. A Renova/Samarco irá providenciar um espaço onde os(as) atingidos(as) poderão ter contato com uma variedade de itens de acabamento.
Em que momento os(as) atingidos(as) definirão a tecnologia construtiva? Como ocorrerá a definição dos materiais em cada etapa de construção. Segundo o manual dos(as) arquitetos(as), criado pela Renova/Samarco, serão apresentados kits de acabamento aos(às) atingidos(as). Mas a escolha não deve ser limitada a isso.
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Queremos construir juntos
Foto: Arquivo Câmara Técnica Saúde
Por Gracinha Lima Bento e Sérgio Papagaio Com o apoio de Assessoria Técnica AEDAS e Silmara Filgueiras
Em junho, a Comissão dos(as) Atingidos(as) de Barra Longa e o Coletivo de Saúde, organizados pela Assessoria Técnica da AEDAS, enviaram um ofício para a Secretaria de Estado de Saúde - órgão que preside a Câmara Técnica temática - para solicitar a participação dos(as) atingidos(as) na reunião que aconteceu no dia 13. O questionamento levado para o Comitê Interfederativo (CIF) foi o da não representação dos(as) atingidos(as) neste espaço, uma vez que se faz necessária a participação deles(as) na orientação e validação das ações de recuperação e reparação ao longo da Bacia do Rio Doce. Sem o protagonismo dos(as) atingidos(as), não se pode falar em reparação integral. “Reivindicamos a participação dos(as) atingidos(as) depois de saber que uma das pautas da reunião seria a apresentação e aprovação de um Plano Municipal de Planejamento e Gerenciamento de Ações de Recuperação em Saúde, em Barra Longa. Entendemos que não poderia ser aprovado um Plano que não foi discutido e construído com os moradores. Os(As) próprios(as) atingidos(as) queriam ocupar o lugar e falar sobre a situação da saúde na cidade, pois são eles que vivem os problemas causados pelo rejeito e pela má formulação e aplicação dos programas previstos no TTAC relacionados à saúde. Quem sabe do sofrimento são as vítimas e devem existir formas de elas se expressarem. Os processos estão acontecendo anulando a participação dos(as) atingidos(as) e os(as) colocando como grupos incapazes de propor soluções para o problema criado pelas empresas com o rompimento da barragem. Entendemos que os acordos não podem ser realizados sem o envolvimento público e uma supervisão participativa. Além disso, como podem todos os responsáveis pelo desastre/crime decidirem de que forma a reparação deve ocorrer sem considerar a participação e representação das vítimas?” Aline Pacheco, Assessora Técnica AEDAS “Estávamos tratando da saúde lá na reunião em Belo Horizonte e o que eu disse para eles é a situação que nós temos vivido aqui em Gesteira. Participo
de várias reuniões com os(as) atingidos (as) e as reclamações são as mesmas. As pessoas estão chateadas porque perderam as coisas e o lazer que tinham. Além disso, eles(as) contam que deitam na cama e não conseguem dormir, sofrem com problemas na pele, na respiração e outros problemas de saúde. Tudo isso se agravou depois da lama. Como nós convivemos com eles(as) e participamos das reuniões para ajudar na luta, sabemos, de verdade, o que está acontecendo.” Gracinha Lima Carta escrita e lida por Sérgio Papagaio, Barra Longa, durante a reunião da Câmara Técnica em Belo Horizonte: “Pois bem, estamos aqui para falar de saúde, e falar de saúde dos atingidos sem ir a campo é como consultar o paciente por telefone, ou por relatos de terceiros. E isso é, no mínimo, antiético. Então, eu posso dizer que Barra Longa, assim como toda a bacia, está fazendo consulta à distância e comprando remédio sem prescrição médica. Para resolver os problemas de saúde de uma cidade é preciso que vocês ouçam as queixas de seus moradores, que examinem suas feridas abertas, que tratem seus traumas. E para que isso aconteça na íntegra é preciso conhecer os doentes e entender seus males. Apesar de eu não ser médico, acredito que o rompimento da Barragem de Fundão vem escrevendo um novo capítulo na literatura médica. Portanto, precisamos ser responsáveis com a vida que se precipita sobre a
morte, dentro de um cenário hostil, açoitado pela invisibilidade, em que o atingido é figurante em sua própria história e o assassino é o protagonista. É preciso dar voz ao atingido, pois quem sabe melhor sobre suas dores se não o próprio paciente? Quem sabe o mal que lhe assola não é o paciente? Tratar da saúde de Barra Longa, assim como de toda a bacia, sem examinar é construir um processo excludente, em que o atingido recebe sobre suas cabeças 365 rompimentos de barragens por ano. É trazer, todos os dias, a morte para viver entre nós, e a pior de todas as mortes, pois é aquela que carregamos dentro do peito, enquanto vivemos.” Sérgio Papagaio O que é o CIF? O CIF foi criado após o "Acordão" e conta com representantes da União, dos governos de Minas Gerais e Espírito Santo, dos municípios atingidos e do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce. Ele deveria orientar e validar as ações da Fundação Renova na recuperação dos danos causados pelo rompimento da Barragem da Samarco. Para o funcionamento e embasamento técnico das decisões, foram formadas Câmaras Técnicas temáticas, sendo uma delas a Câmara Técnica de Saúde. Porém, até então, no CIF, os(as) atingidos(as) não tem lugar para participação e representação deles mesmos nas decisões.
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Foto: Daniela Felix
Papo de cumadres: Opinião:
um trem com mil vagões Consebida se queixa com Clemilda que os problemas de saúde estão aumentando a cada dia. Por Sérgio Papagaio
- Consebida diz: Cumadre, esse negoçu da saúde parece o trem da Vale, com mil vagão, que leva minério pro porto do Espírito Santo, inriquecendu arguns poucu e deixanu pra nós tudu da bacia o bagaçu da exploração. - Cumade, vô falá uma coisa, cê num se assuste não, este metá pesadu e a tár contaminação é só um vagão do trem da mardição. - Pelamor de Deus, ixprica essa confusão. - Ocê preste bem atenção, quandu a lama chego, u que nós sabia de contaminação? - Sabia nada não. - Pois então, mesmu sem saber nada, num deu um nó na alma e otru nu coração? - Vê nossa cidade castigada pela sobra da ambição num foi mole não. - A lama que contaminô nossas terra, água e até u ar, prejudicanu nossa respiração, tá tudu nu mesmu vagão. - Agora sim tá clarianu minha compreensão, quandu nós prucura nossos direitu e eles diz não, cria dentru de nós u trem da desmotivação. - Quandês fala que nossas casa rachada por causa dus caminhão né curpa dês não, chega dá nus óios uma iscuridão, um disisperu tão grande que num tem expricação. - Issu, cumadre, mia fia, é contrariedade que caursa tristeza e ansiedade e faz dendagente este nó. Diz a médica que é uma toxina produzida pela forma mardosa que as impresas vem levanu u processu e até u jeitu que ela conduz a prosa. - Issu é verdade mesmu. Eu num te contei não porque tenho por ocê istima e consideração, ês mi disseru, quandu fui buscá meu cartão, que nun ía me entregá porque cê disse que eu num tinha, nu meu quintá, ninhuma ispécie de prantação. - Agora cê presta atenção, tentá istragá uma amizade bunita, com quase oitenta anu de duração, começada nu dia da Senhora Aparecida, nós ainda minina, fazendu coroação. - Cê já pensô quantas pessoa que as vês estava longe de Deus, totarmente sem proteção, e acreditaru nessas cunversa que aduece mais que quarquer situação. - É por issu que eu digu, com muita compreensão, tem tanta coisa nesse trem que aduece mais que a contaminação.
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Fotos: Larissa Pinto
“Eles resolvem com mais barragens” Santana do Deserto, distrito de Rio Doce, é uma comunidade ribeirinha que, por conta do crime da Samarco, Vale e BHP, não pode mais confiar no rio que tinha como fonte de renda, trabalho e, além de tudo, lazer. Desde 2017, a rotina do lugar, caracterizada essencialmente como rural, se transformou novamente a partir do início das ações de limpeza na Hidrelétrica Risoleta Neves, do consórcio Candonga. Porém, a solução dada pela Renova/Samarco para a limpeza do rio é questionável. A fundação/empresas estão construindo uma nova barragem destinada ao depósito de rejeitos retirados da água e os moradores se preocupam com os riscos que isso apresenta à comunidade já atingida por Fundão. Por Geraldo Magela Silva e José Ribeiro Neto (Zé Patim) Com apoio de Sergio Papagaio, Silmara Filgueiras e Larissa Pinto
"Eu não ando na beira desse rio sem uma bota no pé de jeito nenhum”, Geraldo Magela Silva
No final de 2016, a Samarco comprou a Fazenda Floresta e tirou as pessoas que estavam morando de lá. O que a gente sabe é que a fazenda está sendo usada como depósito do rejeito. Os caminhões pegam a lama na beirada do rio e levam até lá em cima. Nós não sabemos muito bem o que acontece lá, porque eles não falam nada com a gente aqui na comunidade e também não deixam nenhum de nós atravessar a área de proteção. Outro dia, um fazendeiro foi lá procurar uma criação que tinha sumido e o segurança chamou polícia para ele. Lá em cima, onde eles estão construindo a barragem, sei que tem até nascente de água. Eles estão colocando o rejeito em cima da nascente e isso está matando ela. E é até perigoso, porque se eles estão colocando o barro lá, ele vai ficar sempre úmido. O que eles querem esconder de nós? Quais segredos trazem aquela barragem? Seria Fundão de novo? Afinal, por que não podemos ir até lá? O que a gente tem ouvido é que no terreno da barragem já tem uma rachadura e isso nos deixa apreensivos. Para a empresa, lá não tem peri-
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go não, mas, e para nós aqui, quem garante? A lama pode não derrubar as nossas casas, mas vai nos atingir mais uma vez. A gente passa na estrada, onde a ponte quebrou, e não vê mais a quantidade de água que descia antes. Além disso, a estrada que liga Santana a Rio Doce ficou mais perigosa por causa do trânsito de caminhões, máquinas e equipamentos pesados. Por causa disso, a estrutura da ponte foi abalada e não podemos mais passar por ela. Eles construíram um desvio com tubulões para escoar a água da nascente, mas o que temos medo é que, depois de uma chuva forte, como umas que já presenciamos, a obra provisória não comporte a água e venha a se romper. Se isso acontecer e juntar com o rompimento da barragem de rejeitos da Fazenda Floresta, podemos ficar sem estrada para sairmos de Santana. Ficaremos ilhados. E se tivermos alguma emergência? Nós já somos atingidos e eles não querem reconhecer. Geraldo e “Zé Patim”
Entrada para a Hidrelétrica de Candonga
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"Eu tive um prejuízo muito grande no meu comércio por conta do rompimento da barragem", Zé Patim
Por tudo isso, a paisagem natural de Santana do Deserto está sendo continuamente modificada pelas movimentações dos canteiros de obras que invadem áreas de preservação ambiental e destroem grotas. Do mesmo modo como a construção do Dique S4 alagou as terras de Bento Rodrigues (obra justificada, sem provas, como plano de ação para conter o rejeito de Fundão), a Renova/Samarco/Vale/BHP substituíram a Fazenda Floresta e o campo de futebol da comunidade como forma de manejo de rejeitos. Mas é possível recuperar o meio ambiente condenando novas nascentes? Quantas barragens ainda serão construídas para serem depósitos de rejeitos nessa tentativa de reparar o crime?
Foto: Silmara Filgueiras
Na placa: "Zona de Preservação Ambiental (ZPA)"
Uma das áreas onde estão sendo feitas obras de manejo de rejeito no Rio Doce, no caminho para Santana do Deserto.
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Fotos: Daniela Felix e Wandeir Campos
No poster: “Este é o padroeiro desta comunidade. Santo e fiel a Deus, foi escolhido para ser o dono desta igreja, e pai desta comunidade. Paracatu de Baixo.”
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Foto: Wandeir Campos
Com fé, a gente continua Por Balduína Leão Gonçalves e Maria Geralda Com o apoio de Daniela Felix e Wandeir Campos
Domingo. 17 de junho. Primeiro jogo do Brasil na Copa do Mundo 2018. Enquanto milhares de brasileiras e brasileiros se reuniam para assistir a partida da Seleção Brasileira contra a Suíça, os(as) moradores(as) de Paracatu de Baixo se encontravam, mais uma vez, para celebrar o seu padroeiro. Manifestação cultural da comunidade, a Festa de Santo Antônio é símbolo de um grande momento de expressão da fé e comunhão dos moradores. Além da missa, os tambores da Folia de Reis e a quadrilha da "Festa Junina do Paraca" também fizeram parte do dia. Antes, para organizar a celebração do nosso padroeiro, tínhamos os “festeiros”, que eram as pessoas responsáveis. E a festa era muito animada. Tinham dois tipos de banda, barraquinhas, quadrilha das crianças, dos jovens, dos pais e muitas outras atividades. Mas, depois dessa tragédia, todo mundo foi desanimando porque ficou pra cá [em Mariana], separado. Só que eu percebi que isso não poderia acontecer, que as festas não podiam acabar, porque, se a gente deixar se perder, não vamos ter isso em Lucila. Então, conversei com o Padre Alex e depois com o Padre Reginaldo pra gente fazer a festa. E deu certo. No sábado, levantamos o mastro com a Folia de Reis e no domingo, fizemos a missa. Pedi pra Angélica ajudar na quadrilha e pro Tcharle levar a barraquinha dele. Isso foi para lembrar um pouco de tudo o que já aconteceu naquele lugar. Agora, vamos começar a planejar a festa do Menino Jesus. Assim, a gente resgata as nossas tradições. Maria Geralda, moradora de Paracatu de Baixo. Desde 2008 eu faço parte do ministério da Igreja de Paracatu de Baixo. No início, eu fiquei com medo de pegar o ministério, porque é muita responsabilidade, né? Hoje sou Ministra Extraordinária da Eucaristia. Participo da festa do Santíssimo e da comunhão. Para ser ministra, a gente fez curso por um tempo e várias reuniões na Igreja. Fiz e recebi o diploma. Recentemente fiquei um ano e meio afastada do ministério, porque estava fazendo um tratamento de saúde em Itabirito. Retomei ano passado. Este ano fiz parte da ministração da Festa de Santo Antônio e fui bem feliz até. Dona Laura, minha comadre, estava lá. Participar daquele momento, trabalhando e cuidando da Igreja, foi muito bom pra gente saber quem foi lá e ainda fazer visitas aos irmãos doentes que não puderam participar da comunhão. Pelo dia que foi, teve até muita gente. Tinha jogo do Brasil e, mesmo assim, o povo foi. Balduína Leão Gonçalves, moradora de Paracatu de Baixo
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A SIRENE PARA NÃO ESQUECER
Julho de 2018 Mariana - MG
Obrigado(a), Dom Geraldo Foto: Bruna Sudário / Arquidiocese de Mariana
Depois de 11 anos como arcebispo de Mariana, Dom Geraldo Lyrio Rocha encerrou suas atividades na Arquidiocese da cidade. Antes da tomada de posse de Dom Airton José dos Santos, seu sucessor, conversamos com o arcebispo como forma de reconhecer e agradecer a Arquidiocese pelo papel que desempenha para com os(as) atingidos(as) desde o início. Por Dom Geraldo Lyrio Rocha Com apoio de Tainara Torres
Que reflexão faz hoje de todo período de convivência com as comunidades atingidas? O que eu levo no coração é a esperança, porque o cristão nunca pode perder a esperança, por mais adversas que sejam as situações, ela é um dom de Deus. E isso não quer dizer, de forma alguma, cruzarmos os braços e esperar que alguma coisa caia do céu por descuido. Esperança é, movidos pela fé, nós fazermos a nossa parte sabendo que a construção do reino de Deus não depende só de nós. É dom de Deus, é graça concedida, mas ele exige a nossa participação, a nossa colaboração, o nosso empenho, o nosso compromisso. Mesmo no meio das dificuldades nós continuamos esperando dias melhores, mesmo que os problemas estejam aí e que causem um certo desalento e provoquem, às vezes, o desânimo. Pode deixar um recado para os atingidos, que persistem todos os dias nesse ambiente de luta? Que ninguém desanime, mas também que ninguém procure lutar sozinho. Porque uma varinha só é fácil de quebrar. O meu desejo é ver a vida voltando ao seu curso e que todos possam ser felizes, mesmo tendo passado por tantas adversidades. Meu desejo é que ninguém desanime. Meu desejo é poder retornar aqui um dia e ver o povo feliz cantando vitória, fruto da sua união, do seu empenho e do seu esforço.
APARASIRENE NÃO ESQUECER
Julho de 2018 Mariana - MG
Separação e angústia
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“Para que a memória familiar também não se apague é preciso remontar alguns álbuns de família.” Foi com esse pensamento que, há um ano e sete meses, na edição número 9, o Jornal A SIRENE publicou a primeira matéria da série “Álbum de Família”. No meio de tantas coisas, o intuito era contar a história da perda dos registros e da separação forçada entre as pessoas atingidas com a chegada do rejeito de minério de ferro. Hoje, voltamos para dizer da dor sentida pela família de Maria Geralda Bento, 80 anos, moradora do Gesteira, atingida, mãe de 10 filhos, avó de 16 e bisavó de 10. Preocupada por não poder ver os parentes todos os dias, ou reuni-los em um ambiente só, como fazia em sua antiga casa, ela se preocupa, mas, acima de tudo, sente uma saudade. Foto: Miriã Bonifácio ília al da fam
sso cervo Pe Fotos: A
Ao lado, a última foto da família reunida em Gesteira
Por Cristina da Silva, Juliana da Silva, Maria Geralda Bento, Reginaldo da Silva e Simone da Silva Com o apoio de Miriã Bonifácio
O Carlinhos mora aqui mesmo em Barra Longa, mas aí nem vê Carlinhos mais não, é difícil a gente vê ele. A gente fica com saudade dele. Tina e Delei vejo todo dia. Ela, porque mora comigo. Desde maio, no Dia das Mães, que eu não vou no Reginaldo. Agora, ele veio cá umas duas vezes, mas eu fico com uma saudade de ir lá. Chegava lá, eu já punha o tanque pra rodar, batia a roupaiada tudo, arrumava a vasilhada, dava jeito na sala, no quarto, saía lá fora com as camas todas estendidas. Ficava arrumadinho lá pra ele. Agora fico assim: ai, meu Deus, será que tá bom? Será que tá comendo, que tá bebendo? Ele sente muita falta, fica chorando, tá triste. Começou com a depressão. Sentindo falta de ficar junto, porque, lá em casa (Gesteira), ele tinha a casinha dele perto de mim, eu fazia tudo pra ele, ajudava ele no curral. Almoçou, Reginaldo? Reginaldo, vamos almoçar! Agora não come mais, não almoça direito. Eu não durmo, se falar que ele tá triste, eu não durmo, fico sem sono. E Ju também longe. Juliana, qualquer amor, qualquer carinho… Veio aqui pra Barra Longa olhar criança, depois a dona mudou pra Mariana e levou ela. Ela trabalha numa padaria lá, mas, nosso Deus, é meu xodó essa menina. Ela vinha todo final de semana pra cá, agora não vem mais. Dia de domingo já podia esperar. Chegava sábado, tinha que fazer aquela vasilhona de rosquinha, de bolo. Depois servia aque-
le almoço. Aí eles ficavam sábado, domingo. Punha cama até na cozinha pro pessoal dormir. Aí foi indo, veio a lama e separou tudo. Separou, mas separou mesmo. E essa lama acabou comigo, que eu fiquei doente. E é uma coisa na outra, comecei até a entrar em depressão, nervosa, não querendo nada. Nós não reunimos ainda não. Depois do crime não teve um almoço, uma data comemorativa que reuniu todo mundo. Imagina uma casa hoje, igual no Gesteira, todo mundo reunido. O tudo que dói em mim é essa separação.
“Quando nós tava morando tudo junto era tudo bem. Eu tava passando com vocês, agora vocês tão aí, acontece as coisas e eu não sei. Preocupo com você, Reginaldo, demais da conta. Quando eu vejo você, chamo de meu nego preto, é uma alegria. Fica essa saudade dentro da gente que não coisa. Você e Ju ligam pra mim, mas tem vez que não ligam, ficam só trabalhando, trabalhando, eu não sei se tão sentindo alguma coisa. Eu entrego na mão de Deus, todo dia na hora de eu deitar. Tem Wanderlei também. Tá estudando, tá trabalhando no colégio, larga o serviço, pega a moto e vai pra lá ajudar Reginaldo, olha que correria, aí preocupo com você também.” Assinado mamãe
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A SIRENE PARA NÃO ESQUECER
Julho de 2018 Mariana - MG
Fotos: Larissa Pinto e Miriã Bonifácio
Comemorar a vida Por Franciele Silva, Maria do Carmo Sena Com o apoio de Miriã Bonifácio
As datas comemorativas têm sido importantes para a reunião das comunidades atingidas pelo rompimento de Fundão. Nesses espaços, muitas vezes de festa, além de celebrarem a vida, os moradores se reencontram e compartilham momentos (de alegrias e de tristezas). Os laços não são totalmente recuperados com poucas horas de encontro, mas há um saldo positivo de, a partir disso, se sentirem parte um da vida do outro, de novo. De: Maria do Carmo Sena Para: Franciele Silva É, eu sei que 2015 foi um ano intenso, em que as dificuldades foram grandes demais, e a tristeza, a solidão, a ansiedade, as inseguranças, os medos e tantos outros sentimentos insistiram em se fazer presentes dentro de nós. Criamos expectativas com tantas coisas, e algumas vezes nos decepcionamos. Tiveram dias em que foi preciso sermos fortes e precisei tomar difíceis decisões, mas fazer o quê, é preciso, sempre é. Apesar desses pesares também foi um ano que vivenciamos coisas incríveis e ao lado de pessoas insubstituíveis, pois quando nada vai conforme o planejado, eis que Deus nos coloca em abraços aconchegantes. Com isso, nos tornamos melhores, a cada dia aprendendo um pouco. E sabe? Mesmo com os altos e baixos que o rompimento da barragem nos proporcionou, simplesmente agradeça. Agradecer é fundamental na vida de todos nós. As dificuldades sempre farão parte, então o essencial é não perder a esperança e a fé de que dias melhores existem e virão. Então, peça a Deus que abençoe este novo ano e que te conceda grandes bênçãos e inúmeras vitórias. E não se esqueça de agradecer todos os dias. Um Feliz aniversário, minha filha. De: Franciele Silva Para: Maria do Carmo Sena
Maria do Carmo tentou junto à Fundação Renova/Samarco um lugar para realizar o aniversário da filha em Mariana, mas teve o pedido negado.
Durante toda minha vida muitas pessoas passaram por mim, dia após dia, mas somente algumas ficaram para sempre em minha memória. E essas pessoas são meus amigos, irmãos, tios(as), primos(as), avós e principalmente a minha mãe e o meu pai. Levarei todos eles para sempre em meu coração, pelo simples fato de terem cruzado meu caminho ou por terem me dito uma palavra de conforto. Hoje, agradeço muito aos meus pais que realizaram a minha festa de 15 anos e aos meus irmãos por estarem ali me ajudando, aconselhando. Eu amei muito essa festa que eles me deram. Agradeço também por terem me dado um minuto de sua atenção, me ouvindo falar das minhas angústias, medos, vitórias e derrotas. À você minha mãe, agradeço por fazer parte da minha vida e estar comigo quando mais precisei. Amo você! Obrigada por passar essa data tão especial comigo.
APARASIRENE NÃO ESQUECER
Julho de 2018 Mariana - MG
Era a única opção
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Fotos: Tainara Torres
Há mais de um ano, as crianças e os adolescentes de Barra Longa aguardam a entrega do campo de futebol barralonguense, atingido pela lama de Fundão. Sem o espaço, os meninos e as meninas da cidade agora precisam se dividir no uso da quadra e perdem atividades de lazer, saúde e desenvolvimento. Durante todo esse tempo, a Fundação/Renova não foi capaz de articular projetos que envolvessem as atividades desses jovens.
Por Afonso Henrique, Alan Ribeiro, Ana Cláudia Kfuri, Anna Luiza de Oliveira, Davidy Marques, Giovana Xavier, Laysa Gonçalves, Luis Gustavo, Maria Eduarda Freitas, Maria Luiza Martins, Matheus Ferreira e Ryan Paixão Com o apoio de Daniela Felix e Tainara Torres Da esquerda para direita: Matheus, Afonso Henrique, Ryan, Luís Gustavo e Davidy.
De agosto do ano passado pra cá o campo chegou a ficar pronto, mas nós jogamos nele um mês, e aí começaram a retirar a grama pra refazer, porque fizeram errado e com pressa. Barra Longa não tem nada, o único refúgio que tinha era o campo, o único lugar pro pessoal se reunir, se divertir, era o campo e a quadra. Com o rompimento, o espaço de lazer que era pouco ficou menor ainda. O campo aqui tá todo errado, tem problemas no sistema de drenagem, a grama é mais de enfeite porque você pisava e era só areia. Quando tinha o campo a gente saía mais, acordávamos e vinhamos pra cá, soltávamos pipa. Em casa ficamos no telefone ou mexendo no computador. Fomos fazer o teste no campo de Diogo de Vasconcelos e ficamos muito cansados, porque só treinávamos na quadra e ela é pequena. Desacostumamos com a distância, porque ficamos um ano sem campo. Lá, não conseguimos correr aquilo tudo não. Eles falaram que agora em agosto o campo fica pronto. Não sei se é verdade, né. Sinceramente, não dá pra confiar, porque nunca se sabe se vai ser um serviço certo. Enquanto isso, dividimos a quadra e muitas pessoas não vêm porque tem que pular o muro. Ainda temos esperança de sermos jogadores um dia, mas sabemos que tá quase impossível porque a idade de algum olheiro nos ver era de quando a barragem rompeu e hoje praticamente já passou. Nunca perderemos a esperança. Temos que acreditar. Afonso, Alan, Davidy, Luís Gustavo, Matheus e Ryan Na época que eu comecei a treinar, todo mundo tinha ganhado uma chuteira da Garra, daquelas bem antigas de couro. Mas depois, eu falei com minha mãe que ia comprar uma chuteira boa, porque estava cansado de jogar com as usadas. Compramos uma, joguei com ela uma vez só e logo depois a barragem veio. Depois da primeira reforma do campo jogamos por um mês e ela já estava apertada. Hoje em dia não me serve mais. Davidy Marques
E elas? Os meninos jogavam bola no campo e nós na quadra, mas quando a barragem estourou eles passaram a jogar na quadra também e nós ficamos sem lugar pra jogar. Agora, temos que marcar dia pra jogar, e às vezes chegamos aqui e os meninos já estão. Aí, ficamos sem jogar, sentadas na arquibancada. Desde o meio do ano passado pra cá é assim. Aprendemos a gostar desde novinhas porque não tem outra coisa pra fazer. A gente faz capoeira e joga futebol. Queremos que o campo fique pronto logo, porque do jeito que tá não dá pra ficar não. Futebol é a única opção! Ana Cláudia, Anna Luiza, Giovana, Laysa, Maria Eduarda e Maria Luiza
Da esquerda para direita: Anna Luiza, Maria Luiza, Giovana, Maria Eduarda, Laysa e Ana Cláudia.
EDITORIAL O dia 5 de novembro de 2015 transformou as nossas vidas de diversas maneiras. Cada um de nós, em nossas particularidades, sabe o que tem feito mais falta. Somente nós e mais ninguém. Somos pessoas simples e só temos pensado em voltar para a roça, resgatar o modo de vida que tínhamos. Enquanto lutamos para que esse dia chegue, também temos vivido para além da lama. E é apesar dela que não desistimos de tentar manter nossa gente unida. Por isso, fazemos questão de continuar com os festejos e as celebrações que são típicas das nossas comunidades, como a festa do padroeiro Santo Antônio, em Paracatu. Portanto, os laços que nos unem enquanto comunidades sempre vão existir, pois nós cuidamos da nossa gente, e mesmo que o cansaço insista em nos enfraquecer não deixamos de continuar. Maria Geralda, moradora de Paracatu insiste: “se a gente deixar se perder, não vamos ter isso em Lucila”. Se a gente deixar se perder, não vamos ter isso também em Bento Rodrigues, em Gesteira ou em outros futuros lares. Viver para além da lama e ainda ter medo do que ela pode causar Para nós, moradores de Santana do Deserto, tem sido difícil viver com a lama, que já nos atingiu uma vez. O tempo pós rompimento se transformou no medo de um novo crime ser cometido, através de “obras de reparação” que a Renova/ Samarco/Vale/BHP têm feito para “solucionar” os danos causados por Fundão. As empresas que nos tiraram a relação que tínhamos com o rio, hoje, também nos priva da tranquilidade, da segurança e do convívio nos espaços que tínhamos para lazer. Assim, somos obrigados a lidar com o dia a dia agitado causado pelas máquinas, trabalhadores e ainda dividir a única estrada que liga Santana à Rio Doce com os caminhões dessas empresas. Diante disso, constantemente nos perguntamos: será mesmo que a melhor alternativa para o manejo de rejeitos é a construção de mais uma barragem? Até quando as empresas mineradoras continuarão a ameaçar pessoas e cidades inteiras com obras para sustentar seu mercado financeiro? Não aceitaremos e também não ficaremos calados(as) diante das manobras criminosas dessas mineradoras, já que está claro que o benefício é sempre para elas e nunca para nós. Continuaremos reportando todas as violações que elas ainda nos causam, pois isso também é uma forma de vivermos para além da lama.