A SIRENE PARA NÃO ESQUECER | Ano 4 - Edição nº 40 - Julho de 2019 | Distribuição gratuita
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A SIRENE PARA NÃO ESQUECER
Julho de 2019 Mariana - MG
Aconteceu na reunião ATINGIDOS(AS) ENCERRAM OCUPAÇÃO 25 de junho, Mariana
Após 23 dias de manifestações, os(as) atingidos(as) de Mariana, Barra Longa e Acaiaca encerraram, no dia 25 de junho, a ocupação do escritório da Renova, em Mariana. Durante a permanência, as comunidades se reuniram com a fundação/ empresas em dois momentos. Uma das reuniões, no dia 13 de junho, teve a presença do presidente da Fundação Renova, Roberto Waack, mas não garantiu respostas efetivas às 19 pautas apresentadas pelos(as) atingidos(as). Em ofício enviado
no dia 24 de junho, a Renova se comprometeu a cumprir algumas reivindicações, como a formulação do cadastro dos(as) garimpeiros(as) e pescadores(as), a partir de agosto. Outra conquista foi a liberação do recurso para a entrega da Matriz de Danos construída pelos(as) atingidos(as), conforme determinação judicial. AUDIÊNCIA PÚBLICA SOBRE REASSENTAMENTO 17 de junho, Mariana
A Justiça determinou um prazo de 15 dias para que as empresas Samarco, Vale e BHP Billiton se manifestem a respeito das propostas de compensação para os reas-
sentamentos coletivos e familiares produzidas pelos(as) atingidos(as) em parceria com a Assessoria Técnica dos Atingidos de Mariana - Cáritas. A juíza Marcela Oliveira estipulou um novo prazo para que as empresas cumpram medidas acordadas na última audiência: 10 dias para a divulgação do balanço de pessoas que já receberam a indenização, e 5 dias para apresentação de um cronograma de etapas dos reassentamentos. Na próxima audiência, marcada para 06 de agosto, será apresentada a localização da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) no reassentamento de Bento Rodrigues, a ser decidida em assembleia pelos(as) atingidos(as).
NOTA DE ESCLARECIMENTO SOBRE O JORNAL A SIRENE A partir do mês de agosto, A SIRENE fará uma pausa em suas publicações, tanto no formato impresso como no digital. O futuro do jornal, agora, é incerto, pois o projeto alcança um momento desafiador, pois o acordo firmado entre a Arquidiocese de Mariana, o Ministério Público e a Comissão de Atingidos
estipula que parte do fundo destinado aos projetos dos(as) atingidos(as) seria direcionado para o A SIRENE até junho de 2019. Mais do que nunca, precisamos nos reerguer para que o discurso continue sendo construído pelos(as) atingidos(as), protagonistas das histórias, e não pelas empresas causado-
ras dos danos. Vivemos um momento em que precisamos pensar em como podemos manter o veículo de comunicação que acompanha o processo de reparação desde o início. O objetivo do nosso jornal é - e sempre será - representar a luta por direitos das comunidades atingidas pela mineração.
ATENÇÃO! Não assine nada Em caso de dúvidas sobre o conteúdo, conte com a ajuda de um advogado ou qualquer outro especialista. Se te pedirem para assinar qualquer documento, procure o Ministério Público ou a Comissão dos Atingidos.
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EXPEDIENTE Realização: Atingidos(as) pela Barragem de Fundão, Arquidiocese de Mariana | Conselho Editorial: Expedito Lucas da Silva (Kaé), Genival Pascoal, Letícia Oliveira, Pe. Geraldo Martins, Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio), Simone Maria da Silva | Editores-chefe: Genival Pascoal e Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio) | Jornalista Responsável: Larissa Pinto | Editor de Texto: Wigde Arcangelo | Diagramação: Larissa Pinto | Reportagem e Fotografia: Joice Valverde, Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio), Simone Maria da Silva e Tainara Torres | Apoio: Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) | Revisão: Elodia Lebourg | Agradecimentos: Equipe Conviver, Elodia Lebourg e Ana Lúcia Quintão | Impressão: Sempre Editora | Foto de capa: Larissa Pinto | Tiragem: 3.000 exemplares | Fonte de recurso: Termo de Ajustamento de Conduta entre Arquidiocesse de Mariana e Ministério Público de Minas Gerais (1ª Promotoria de Justiça de Mariana).
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Foto: Tainara Torres
Até as férias mudaram Por Roziny Santos Silva
Era um tempo bom. Quando julho chegava, trazia também a sensação gostosa do “descanso” escolar, afinal, eram 30 dias direto, dava até saudades da professora. Tempo em que papais e mamães enlouqueciam. As pequenas cidades se viam repletas dos meninos da capital que passavam as férias com avós ou outros parentes. A meninada tinha um estoque invejável de energia. Um dia era pouco para tanta travessura e, se tivessem 26 horas, sabiam muito bem o que fazer com duas horinhas a mais. Pique esconde, rouba bandeira, queimada, amarelinha, peteca de palha, bola de meia, bolinhas de gude e muita peraltice. Pegar “maria sapuda” (girinos) no corguinho enquanto as lavadeiras conversavam e cantarolavam lavando trouxas e trouxas de roupas nas águas claras do riacho. À tardinha, todos iam pescar e o mais gostoso era ver quem conseguia pegar o maior peixe. Depois, todos em volta da mesa aguardando o momento certo para “atacar” aquelas delícias. Quando iam dormir, sempre havia uma historinha daquelas com direito a todos os personagens noturnos e assustadores, contada normalmente por alguma avó. Assim findava mais um dia. Todos adormeciam sonhando com o novo amanhecer, pois a vida lá fora os aguardava. Hoje, tudo não passa de lembranças de quem vivenciou esse tempo. Com o desenvolvimento tecnológico, quanta coisa tem ficado pra trás. As férias de hoje resumem-se a: #tôdeférias e “tem Wi-Fi na casa?”. As brincadeiras estão armazenadas num canto de algum coração por aí que, tal como o rio Doce, segue seu curso modificado pelo avanço do desenvolvimento. Seu leito foi invadido por tanta coisa, tanta lama. Suas águas já não são as mesmas, mas ele continua… Silencioso. Quem sabe com a esperança de, um dia, ver suas águas límpidas se misturarem ao som dos cantos das lavadeiras.
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Viemos buscar respostas No dia 03 de junho, os(as) atingidos(as) pela Barragem de Fundão ocuparam o escritório da Renova, em Mariana. Eles(as) se propuseram a permanecer no espaço até que a fundação/empresas discutisse os 19 pontos de reivindicação levantados pelas comunidades de Acaiaca, Barra Longa e Mariana. A ocupação durou 23 dias e marcou um momento de força e resistência na luta pela reparação, que já se estende por quase quatro anos. Por Bernardo Cruz Souza, Nelson Martins e Simone Silva Com apoio de Joice Valverde, Larissa Pinto, Tainara Torres e Wigde Arcangelo
Eu considero esse momento histórico, porque nós, da comunidade de Barra Longa, tentamos, várias vezes, o diálogo com os escritórios da Renova, mas eles não nos receberam, trancaram as portas na nossa cara. Depois de tentar dessa forma muitas vezes, decidimos vir atrás da resposta. Então, essa ocupação é muito importante para nós. Vamos continuar resistindo, lutando e enfrentando todos os obstáculos. Simone Silva, moradora de Barra Longa Não ocupamos o escritório com bagunça, sujeira, nem nada, queríamos sair bem. Eles marcam reunião conosco e não vão conversar com a gente porque acham que somos pessoas agressivas. Nós fizemos manifestação em Barra Longa e não atingimos nenhum veículo deles, não queremos buscar nossos direitos com violência. Quero vencer a batalha sem problemas e sem prejuízo nenhum para, depois, não terem reclamação nenhuma de nós. Não queremos prejudicar eles porque agir com violência não é certo, mesmo assim, eles estão com medo de negociar com a gente. Nelson Martins, morador de Felipe dos Santos
Para mim, é mais um aprendizado, porque é muito difícil organizar o povo. E os mais novos estão interessados em aprender também. Inclusive, tiveram vários na ocupação que, antes, era uma dificuldade para tirar de casa e lá levaram as crianças e as esposas. Tem uma senhora de 75 anos que foi pra lá com filho, neto, e foi levando outras pessoas da família. Eu tenho admiração por isso, porque, apesar de morarem perto, foi muito difícil, para as pessoas da comunidade, se manterem no acampamento. O que mais admirei era a hora da alimentação, sempre alguém falava: “amanhã eu e Fulano vamos fazer o rango”. Eu achei isso muito legal. Têm pessoas interessadas em conhecer nossa luta porque ficaram sabendo da ocupação. A nossa insistência incomodou muita gente, não só a empresa, como outras pessoas que estão por fora e quiseram conhecer para ver porque esse povo ficou acampado lá esse tempo todo. Bernardo Cruz Souza, morador de Acaiaca
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Fotos: Joice Valverde e Tainara Torres
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Fotos: Tainara Torres
“Quando tiver reunião, eu quero ir e falar tudo o que sinto”. Maria Aparecida Cardoso
Vamos gritar mais alto
Somos excluídas de espaços, duvidam de nossas reivindicações, tentam silenciar nossa luta, abafam nossas vozes. Ser mulher é ser resistente, persistir e entender que somos fortes, apesar de tentarem nos convencer do contrário. Ser mulher e atingida é saber que precisamos falar mais alto do que nunca. Não nos deixaremos calar. Por Edilaine Marques dos Santos, Luzia Queiroz, Maria Aparecida Cardoso, Marize Ferreira, Rozelene Luzia Bento, Simone Silva Com apoio de Joice Valverde, Larissa Pinto e Tainara Torres
Tudo para mulher é mais difícil. A minha percepção é de que as mulheres têm mais voz ativa que os homens por não terem medo, não se deixarem calar. Esse tabu de que mulher não pode isso e aquilo tem de ser quebrado. Lugar da mulher é onde ela quiser e pronto. Os direitos, hoje, são iguais. Edilaine Marques dos Santos, moradora de Bento Rodrigues Se eu vejo um homem levantando um dedo para uma mulher, eu não aceito, pego a causa pra mim e entro. Para estar no mundo, todo homem precisa da mulher. Eu aprendi muito a ser forte depois que tive meu filho, criei ele sozinha. Hoje ele está com 12 anos. Toda a minha base é ele, porque, depois dele, eu vi que, além de ter um pai, uma mãe, família e amigos, eu tinha alguém que dependia de mim. Rozelene Luzia Bento, moradora de Gesteira A vida inteira tentaram me silenciar e eu acreditava mesmo que não poderia ser ninguém, que não poderia ter direito de fala, que nós, como negras, temos que ser jogadas pro lado e que isso é normal. Já teve época em que acreditava que prefeitos e vereadores resolviam os nossos problemas, que
eles é que tinham que ir nos espaços e falar por nós. Quando eu me tornei atingida pelo crime da Samarco/Vale/BHP Billiton/Fundação Renova, procurei essas pessoas, minha filha começou a ter problema de saúde, e eles não fizeram nada. Achei apoio no MAB, eles me reconheceram como sujeito, como pessoa. Me ensinaram que eu deveria ser a protagonista da minha história e que, quem deveria contar a minha história, sou eu. Simone Silva, moradora de Barra Longa A mulher tem que procurar ser forte porque, se ela deixar, o homem põe ela no canto e manda mesmo. Eu sofri demais com homem querendo me impedir de agir, mas nunca aceitei. Acho que minha história é de superação, porque não é qualquer pessoa que passa pelo que eu passei e aguenta. Só de lembrar dá vontade de chorar. Nunca me calei. Rozelene Luzia Bento, moradora de Gesteira Quando a gente iniciava uma fala, eles olhavam: “uai, essa mulher sabe isso tudo?”, duvidam um pouco da capacidade de nós, mulheres. E, mesmo hoje, quando eu pego um microfone e quero fazer algumas falas, noto que a própria
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plateia olha pra gente com caras e bocas, sei lá o que se passa pela cabeça deles. É diferente quando um homem toma a fala e quando a gente se posiciona. Luzia Queiroz, moradora de Paracatu de Baixo A luta das mulheres atingidas tá forte, elas são guerreiras, persistentes e falam sem medo, ficam com a mão levantada até conseguirem falar. Elas não se deixam silenciar. Os outros tentam, mas elas não deixam. Se a gente abaixar a cabeça, já era, temos que continuar firmes. E ainda tem quem diga que mulher é sexo frágil. Não tem nada de sexo frágil. Edilaine Marques dos Santos, moradora de Bento Rodrigues Quando a pessoa é impositiva, tem voz ativa para falar, eles chamam ela de louca para tirar a credibilidade e ninguém acreditar nela. É isso que a Renova quer: desacreditar. Porque, se você fala que eu sou louca, ninguém vai acreditar em mim, ouvir meu grito. Marize Ferreira, moradora de Barra Longa Na última reunião, eu quis falar, até escrevi no papel o que era, mas eles não deixaram. Não disseram o por quê, só que tava no fim da reunião. Outras pessoas sempre falam. Igual meu sobrinho, tudo que tem que falar, ele solta. Não adianta ninguém falar que não, tudo que tiver ele fala mesmo. E eles confirmam que ele tá no direito dele. Maria Aparecida Cardoso, moradora de Barra Longa
Na maioria das vezes, as pessoas escolhidas para falar são homens. Com a chegada das assessorias foi que as mulheres começaram a ver que também podiam falar. E foi empoderando elas. Hoje, grande parte dos lugares de fala é das mulheres. Não temos mais medo e, se não tiver permissão, falamos sem microfone mesmo. Tem hora que, se você ficar solicitando a fala ou indicando com gestos, não adianta. Tem que chegar e pegar o microfone mesmo. Vai lá, fala, pronto e acabou. Sem se importar se vão gostar ou não. Temos que nos manifestar. Luzia Queiroz, moradora de Paracatu de Baixo Temos que valorizar as pessoas que vieram antes de nós. Quantas mulheres morreram porque, um dia, quiseram falar, porque, um dia, quiseram lutar pelo direito de fala? Isso também tem que ser valorizado, porque muitas mulheres morreram pra que, hoje, eu tivesse o direito de fala. Sempre me inspirei nas mulheres da Bíblia que, no passado, não tinham espaço, pois todos os lugares eram ocupados por homens. Grandes mulheres marcaram a história desde antes de Cristo. Ester, por exemplo, foi uma mulher corajosa, destemida, que salvou seu povo e teve coragem de enfrentar o rei. São muitos exemplos que temos nos quais nos apoiamos para seguir na luta. Hoje eu tenho pra mim que, diante de tudo que já sofri com preconceito, racismo e todas as dores de cabeça, que nós não viemos fazer história, nós viemos para ser a história. Simone Silva, moradora de Barra Longa
Nós não temos voz na reunião da Renova. Você pede a palavra e eles não te dão. Se eu não tenho direito da fala, não vou. Teve um seminário só de mulheres, lá conseguimos falar porque não tinha Renova. Marize Ferreira, moradora de Barra Longa
“Temos que continuar firmes, do jeito que todas as mulheres são”. Edilaine Marques dos Santos
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Foto: Lucas de Godoy
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Por Ana Elisa N Simária Quintão Com apoio de Jo
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que construímos até aqui
anos, o Jornal A Sirene tem sido um espaço de preservação da memória das comunidades e dos(as) atingidos(as), e também de reivindicações. Nesta edição, trazemos depoimentos de algumas das muitas pessoas que fizeram parte da construção e da trajeto tão significativo na luta pelo direito à comunicação, à reparação e à representatividade dos(as) atingidos(as).
Novais, Gustavo Nolasco, Marcos Muniz (Marquinhos), Miriã Bonifácio, Mauro Silva, Mônica Santos, Rafael Drumond, o e Silmara Filgueiras. oice Valverde, Larissa Pinto, Tainara Torres e Wigde Arcangelo
o A Sirene ganhou corpo e as ruas de Mariana, foi ento muito bonito em que as pessoas viram que, por ornal, podiam descrever seus lamentos, angústias, e a esperança para o futuro. Foi um espaço de deuando as pessoas tinham seus direitos violados. Eu ve espaço para mostrar que o que aconteceu não foi a vez, que a Samarco já era reincidente em destruir o iente e matar pessoas. Foi com o jornal que eu pude desabafo, uma crítica, colocar pra fora uma angústia. marcou no jornal foi a foto que o Lucas Godoy fez essa imagem e a reportagem “Eu, a Samarco e o fim a”* me marcaram muito. Mauro Silva, morador de Bento Rodrigues
to que o Jornal A Sirene foi essencial no processo de mento dos direitos dos atingidos pela Barragem de Ao reivindicarem o direito à memória e à comunicangidos se organizaram em torno da produção de um mo importante para que sua realidade fosse contada. uito orgulho de ter participado de sua criação com os o Coletivo Um Minuto de Sirene, a Arquidiocese de o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e professores do curso de Jornalismo da UFOP. duas capas que considero muito especiais. A primeia da edição número 1, de março de 2016. À medida tórias foram aparecendo, foi possível, para nós, peromplexidade das questões que envolviam a vida de dos atingidos e suas perdas. A segunda é a de janeiro com o texto que Genival Pascoal, atingido de Bento s, me pediu para ler em uma audiência pública que volta da Samarco. Era o momento de esclarecer algo: os nunca foram contra a volta da empresa, mas exidireitos e mais segurança na extração mineral. Era pensar e rediscutir a mineração para garantir que me nunca mais se repetisse. Isso, infelizmente, não por isso, um novo rompimento ocorreu. Permaneéns de uma atividade que ainda é essencial em nossa as que nos ameaça cada dia mais. Ana Elisa Novais, colaboradora do Jornal A Sirene
al A Sirene é um meio que encontramos de expressar ntimentos, contar nossas histórias e conhecer a de munidades. Ele nos deu oportunidades que nenhum
outro meio de comunicação nos garantiu. Por isso, é importante para manter viva a nossa história e a nossa memória. A edição que mais gostei foi a número zero, a primeira, talvez por ser o início de um sonho, mas confesso que todas as matérias foram importantes. Mônica Santos, moradora de Bento Rodrigues A Sirene testemunha e ecoa uma pequena parte das histórias de vida que foram profundamente alteradas pelo crime da Samarco. É um projeto que alia o poder da memória ao chamamento à luta, e que busca, em suas edições mensais, não deixar esquecer as consequências cotidianas daquele rompimento na vida de tantas vítimas. Sem dúvidas, um trabalho difícil, engrandecedor e necessário. Pelo aprendizado construído com os atingidos e as atingidas, e com a ampla rede de apoio que se fez em torno da causa do Rio Doce, sou imensamente grato. Desejo que o espírito combativo e sensível do jornal siga iluminando os passos futuros de uma luta ainda incipiente. Rafael Drumond, colaborador do Jornal A Sirene O jornal é um lugar muito importante para nós, atingidos, contarmos nossas histórias. É uma maneira de protestar. Sempre digo: “temos que contar mesmo, não pedimos para entrar na história, mas já que entramos, temos que contar para as pessoas saberem”. Daqui a 50, 100 anos, isso vai estar escrito, não estaremos aqui, mas as pessoas vão saber. As pessoas vão lembrar, nós vamos lembrar. O que aconteceu com a gente não pode ser esquecido. A Sirene é um jornal construído com os atingidos e com recurso dos atingidos. É uma maneira de falarmos e outras pessoas ficarem sabendo, até mesmo os adversários: Vale, Samarco, BHP, Fundação Renova. É muito importante a gente falar. Marcos Muniz (Marquinhos), morador de Bento Rodrigues O projeto nasceu com um propósito grande e diferente que funciona, também, como uma crítica ao modelo tradicional de jornalismo. Como jornalista, tive de desconstruir muito do que aprendi na academia para ser colaboradora do projeto. A edição número zero, para mim, diz muito sobre a importância do Jornal A Sirene num contexto delicado em que há uma relação de poder tão absurda e desigual ao ponto de silenciar o crime. A Sirene esteve presente para não deixar que
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isso acontecesse. Além do modo de fazer jornalismo, assume um compromisso somente com os atingidos e as atingidas pela Barragem de Fundão. Silmara Filgueiras, colaboradora do Jornal A Sirene Pra mim e para os atingidos, o Jornal A Sirene é extremamente importante por ser uma ferramenta nossa, por dizer a verdade, mostrar o que estamos sentindo, o que estamos passando e, principalmente, por mostrar a verdade escrita e dita pelos atingidos. A matéria que mais me marcou é a do primeiro jornal, que foi a capa da gente visitando a Lavoura pela primeira vez. Ela me marcou porque ali começou o sonho de ter nossa casa de volta, um sonho de ter, pelo menos, a nossa vida de volta. Uma pena que esse sonho está demorando demais, mas ainda continuo acreditando que vamos ter nossas vidas e nossas casas de volta. Simária Quintão, moradora de Bento Rodrigues O Jornal A Sirene é uma ferramenta de transformação, tanto na vida das pessoas atingidas que participaram ativamente da construção e do desenvolvimento do projeto, quanto dos colaboradores de diversas áreas que estiveram envolvidos. É impossível passar por esse jornal e não aprender mais, se criticar mais, pensar mais profundamente nas diferentes maneiras de se contar histórias, sofrer junto, se emocionar com a luta dos(as) atingidos(as) pela reparação de seus modos de vida. De uma maneira ou outra, repensar os formatos tradicionais de comunicação. Acredito que, em um primeiro momento, o projeto A Sirene foi, ao mesmo tempo, um antídoto contra as inverdades publicadas de forma espetacularizada pela grande mídia e uma espécie de terapia testemunhal para quem gostaria de escrever uma nova história no contexto da mineração exploratória que destrói vidas. Em seu segundo momento, o jornal empenhou, com a força dos(as) atingidos(as), de Mariana à Rio Doce, um trabalho de denunciar as ações ilegais, ilegítimas e cruéis da Fundação Renova, aparatadas pelo Estado. É um trabalho de força, de choro, de tristeza, de conquistas, de medos, de esperas,
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de incertezas. Sobretudo, é uma atividade jornalística que ensinou a todos nós o que o jornalismo pode ser em momentos em que o mundo estiver desabando e só resta a voz das pessoas. Agradeço ao Jornal A Sirene por me ensinar a ouvir. Miriã Bonifácio, colaboradora do Jornal A Sirene Para mim, o Jornal A Sirene é o maior documento do crime cometido em novembro de 2015 e uma verdadeira revolução na forma de resistência por meio da comunicação. O projeto nasceu como uma das primeiras iniciativas de discutir o direito à comunicação e, desde fevereiro de 2016, foi desenvolvido com a participação dos atingidos e apoiadores e foi além da discussão desse direito, expondo como o dinheiro, até então, ditava de quem era a versão dos fatos que deveriam ganhar protagonismo. Por isso, é importante dizer que A Sirene também foi um modelo revolucionário de comunicação no qual conseguimos criar um espaço de protagonismo para as falas dos atingidos. Em toda minha vida de jornalista, o que mais me orgulhou foi ter participado do pensamento, da criação e, até onde eu consegui, da defesa da essência do jornal para que o modo de se fazer jornalismo do A Sirene fosse preservado. Tenho orgulho de ter participado do projeto, mesmo que ele tenha surgido graças à situação mais triste que vivi: o crime de Fundão. Por último, quero deixar uma mensagem a todos os meus companheiros de jornal, tanto aqueles que trabalharam comigo, como aqueles que acompanhei como leitor, eu de cá e vocês daí: tenho muito orgulho e admiração por tudo o que vocês fizeram. São pessoas e exemplos de vida que vou levar comigo. Para sempre, Sirene. Gustavo Nolasco, colaborador do Jornal A Sirene
*Leia a reportagem “Eu, a Samarco e o fim da Alegria” na edição nº 03, de junho de 2016, do Jornal A Sirene.
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Papo de Cumadres: Um Novo Tempo Opinião:
Consebida e Clemilda estão desiludidas com o fim do projeto do jornal A Sirene mas vivem a esperança de novos tempos. Por Sérgio Papagaio
- Cumadre Clemilda é muito triste nós tê nossa voz abafada por farta de dinheiru, enquantu ês vão contá com trinta e nove milhão du dinheiro que era pra fazer reparação, pamode ispaiá mintira pra toda população. - Cumade minha fia, a vida inteira nós pobre vive esta agunia, ocê sempre sobe, é quem tem horta, que ganha cove. - Agora pres tenção e pense com u coração, u jorná A Sirene nunca se calará, pois através da voz du povu ele viverá, purque u jorná A Sirene, poê sintidu muié, ele é a voz du povu, que nóis bota nu paper. - Assim iscutando ocê falanu eu vô me conformanu, u jorná de paper pode tá acabanu mas ês nunca vão consequi impidi u povu de tá falanu. - Cumade Clemilda oia como é a nossa vida, parece uma coxa de retaiu, todu dia um pedaçu de panu nós tá imendanu e vamu passa a vida toda custuranu e morreremu com coxa fartanu panu. - Agora tô intendendu, ninhum sonhu que temu é grande ô piquenu, nesta coxa de retaiu que tamu tecenu u jorná A Sirene será sempre um retaiu velmeiu a se distacá, nu meiu de tantu panu amarelu, que a vida nus fez custurá.
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Fotos: Joice Valverde e Larissa Pinto
Festas interrompidas A mineração altera o meio ambiente e o modo de vida das pessoas. O rompimento impõe novos endereços e quebra tradições. Por Ana Luiza Santos, Pedro Estevão da Silva e Arlindo Luciano da Silva (Machadão) Com apoio de Joice Valverde, Larissa Pinto e Wigde Arcangelo
A quadrilha em Gesteira Assim como em outras comunidades atingidas, Gesteira enfrenta dificuldades para manter os costumes, mas resiste e reúne, mesmo que em número menor, as pessoas que antes formavam uma quadrilha numerosa. Nossa quadrilha era tão conhecida que outras comunidades chamavam a gente para nos apresentarmos na festa deles. O povo falava: “a quadrilha mais bonita que tem é a do Gesteira”. A gente era muito animado, tinha muita gente. Hoje, fazemos a quadrilha na quadra, era na frente da igreja antigamente, mas poucas pessoas continuam com essa animação, porque ficou difícil reunir todo mundo. Muitas pessoas estão morando em Mariana, ou até em Belo Horizonte, por causa da barragem. A lama atingiu todo mundo. Ana Luiza Santos, moradora de Gesteira Antes da barragem, a quadrilha aqui era boa demais da conta, tinha jogo de bola, fogueira, forró, quentão, canjica, fazia churrasco. Agora, acabou tudo isso, é difícil fazer. Antigamente, pai fazia a fogueira e eu ajudava ele. A gente ia no mato, cortava os paus, trazia e montava. Com duas horas fazia tudo isso aí. Quando dava meia-noite, o povo costumava passar na fogueira. É uma tradição. A turminha pediu para arrumar a fogueira outra vez, eu peguei e fiz. É a primeira vez que a gente faz desde a barragem. Pedro Estevão da Silva, morador de Gesteira
O aniversário em Paracatu Machadão relembra as comemorações de aniversário que realizava em seu bar, e mantém a esperança de resgatar a prática na comunidade. Meus amigos vinham de fora para o meu aniversário, em junho. Fazíamos um festão no meu bar, desde 2009. No último que eu fiz, em 2015, foram 144 pessoas. Agora eu faço uma brincadeira aí, mas é menos gente. Antes era mais animado. Sinto saudades de comemorar o aniversário lá, porque era algo da gente, era um bar que tinha história, todo feito de pedra. Foi ideia minha construir o bar. Fui tendo as ideias e o bar chegou no ponto que chegou. Custou a ser construído, de repente, vem a lama, sem mais nem menos, e leva tudo. Quero construir outro bar, acho que igual aquele vai ser difícil construir, mas vou tentar. Arlindo Luciano da Silva (Machadão), morador de Paracatu de Baixo
Machadão mostra como era e como ficou seu bar depois do rompimento.
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Celebrações que resistem As comemorações pelo padroeiro de Paracatu, Santo Antônio, acontecem em todos os meses de junho, na comunidade. Antes do rompimento, as comemorações sempre foram regadas a muita alegria, união, música e comida boa, até o dia amanhecer. Hoje, o cenário é diferente, reunir toda a comunidade tem ficado cada vez mais difícil, mas, mesmo assim, os(as) atingidos(as) resistem, para não deixar que essa tradição acabe. Por Clarice de Cássia e Maria do Carmo Sena Com apoio de Larissa Pinto e Tainara Torres
Tem bastante gente da comunidade aqui, mas ainda faltam muitos. Antes, era gente de Monsenhor Horta, Águas Claras, Pedras, vinha tudo pra cá. Hoje, praticamente, somos só nós da comunidade que voltamos, pelo menos, não deixamos acabar. Nossa festa era muito boa, eram dois dias: sábado e domingo. Todo mundo curtia, dançava quadrilha, brincava. Não tinha hora pra ir embora. Eu mesma era a última a sair, era muito bom. Hoje acabou, todo mundo vai embora, vai pra um lugar que não é da gente. Todo mundo está em um bairro diferente, eu chego lá e não vejo ninguém de Paracatu. Só eu, meus filhos e meu marido. Antes não era isso, era todo mundo junto. Maria do Carmo Sena, moradora de Paracatu de Baixo
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Fotos: Larissa Pinto e Tainara Torres
Hoje, chegamos lá e é tudo rápido, tem de ser tudo cronometrado. Quando a gente morava lá, era muito diferente porque nós arrumávamos todo o espaço. As pessoas que dançavam quadrilha iam todas caracterizadas. Era muito bonito e gostoso. Tinha fogueira, show, barraquinhas, a rua era muito mais enfeitada. Agora, não temos mais esse tempo de ficar organizando, de convidar muitas pessoas. Sentimos um pouco de falta. Agora, todo mundo entra no ônibus, ninguém conversa mais com ninguém, todo mundo está dividido. Mas, graças a Deus, a gente não desiste. Todo ano conseguimos fazer um lanche pra comunidade e pras pessoas que vão, e dançar a quadrilha, que não pode faltar. Clarice de Cássia, moradora de Paracatu de Baixo
EDITORIAL Trazemos, nesta capa, a nossa edição de número zero. Nela, vemos os(as) atingidos(as) de Bento Rodrigues na primeira visita à Lavoura, terreno do reassentamento. A foto representa as dores, as lutas e a esperança das pessoas atingidas pelo crime da Samarco/Vale/BHP. Começava ali também a trajetória do Jornal A Sirene. Um projeto que acredita na comunicação como direito, e uma potente ferramenta de denúncia e de memória das comunidades atingidas de Mariana, Barra Longa e Rio Doce. Desde fevereiro de 2016, nossas páginas soam as vozes dos(as) atingidos(as), mas não sabemos quando - e se - publicaremos uma nova edição. Neste momento de tantas incertezas, precisamos lembrar onde tudo começou, seus motivos, suas aspirações e a importância deste projeto para cada um de nós. O editorial desta edição traz uma carta para refletirmos sobre aquilo que sentiremos falta, mas que jamais esqueceremos. Ao inesquecível Não vou me esquecer da lama. Não vou me esquecer do crime. Não vou me esquecer da dor. Não vou me esquecer da justiça. Não vou me esquecer da força. Não vou me esquecer da luta. Não vou me esquecer do medo. Não vou me esquecer da perda. Não vou me esquecer do tempo longe de casa. Não vou me esquecer da igreja. Não vou me esquecer da praça. Não vou me esquecer da escola. Não vou me esquecer das árvores. Não vou me esquecer do céu. Não vou me esquecer do rio. Não vou me esquecer do sonho. Não vou me esquecer da esperança. Não vou me esquecer da fé. Não vou me esquecer das reuniões. Não vou me esquecer das audiências. Não vou me esquecer da espera. Não vou me esquecer da solidão. Não vou me esquecer da tristeza. Não vou me esquecer da saudade. Não vou me esquecer da renúncia. Não vou me esquecer da denúncia. Não vou me esquecer do direito violado. Não vou me esquecer da palavra. Não vou me esquecer da voz. Não vou me esquecer do Jornal A Sirene.