A SIRENE
PARA NÃO ESQUECER | Ano 7 - Edição nº 71 - Março de 2022 | Distribuição gratuita
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A SIRENE PARA NÃO ESQUECER GARIMPEIROS DE ANTÔNIO PEREIRA 29 de janeiro, Antônio Pereira
No dia 29 de janeiro, aconteceu, em Antônio Pereira, distrito de Ouro Preto, uma reunião com pessoas atingidas da comunidade para dar continuidade à incansável luta por direitos que vêm travando contra seu maior algoz, a Vale. Os habitantes da comunidade vêm sofrendo com o risco iminente de rompimento da barragem de Doutor, pouco acima da vila. Em meio a esse tormento, os(as) garimpeiros(as) tradicionais de Antônio Pereira foram impedidos de desenvolver a prática centenária do garimpo. Na reunião, ficou definida uma assembleia, em que acontecerá o autorreconhecimento dos garimpeiros e das garimpeiras da vila como comunidade tradicional. A assembleia terá a presença de Sérgio Papagaio e Ermínio Amaro, coordenadores do grupo dos garimpeiros tradicionais do Alto Rio Doce, e de Emmanuel Duarte Almada, doutor em Ambiente e Sociedade, coordenador do Kaipora, Laboratório de Estudos Biculturais, da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG).
AGRADECIMENTO ESPECIAL Agradecemos a todos e todas que apoiaram a campanha de financiamento coletivo do Jornal A SIRENE e fizeram esta edição acontecer, especialmente, Ana Elisa Novais, Antenora Maria da Mata Siqueira, Bruno Milanez, Camila, Claudio Coração, Daniel Rondinelli, Elke Beatriz Felix Pena, Geraldo Martins, Imaculada Galvão, Jussara Jessica Pereira, Priscila Santos, Valeria Amorim do Carmo, Virgínia Buarque e Maria Cecília de Alvarenga Carvalho. Para ajudar a manter o jornal, acesse: www.evoe.com/jornalasirene.
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“AQUI TINHA UMA HISTÓRIA” 21 de fevereiro, Mariana Foi lançado, na Escola Municipal de Bento Rodrigues, em Mariana, o livro Aqui tinha uma escola: vozes docentes sobre o rompimento da barragem de Fundão, escrito pela professora Adriane Cristina de Melo Hunzicker. No livro, a autora, que lecionava em Bento Rodrigues na época em que houve o rompimento da barragem, narra as experiências passadas pelos professores durante o rompimento e os desafios enfrentados junto à comunidade escolar ao longo dos mais de seis anos de luta. Para Adriana, a escola exerce um papel fundamental como principal espaço de encontro e de manutenção dos laços comunitários.
JUIZ RETORNA À 12a VARA 21 de fevereiro Após requerimento de 34 comissões de atingidos(as) da bacia do rio Doce, representados por seus advogados, o presidente do TRF 1, desembargador I’talo Fioravanti Sabo Mendes, retornou provisoriamente o juiz Mário de Paula Franco Júnior à 12a Vara da Justiça Federal, no dia 21 de fevereiro. A Vara de Belo Horizonte encontrava-se sem juiz desde 20 de dezembro, o que impedia homologações relacionadas às indenizações de pessoas atingidas.
“Eu penso que a escola é o coração da comunidade. Se a escola fechar, a comunidade está morta. E a escola de Bento Rodrigues tem ainda um significado muito maior que é o de manter as pessoas juntas. É o único lugar em que os alunos, antigos vizinhos, se encontram. Essa escola vai contribuir muito nesse processo de reconstrução da comunidade, dos modos de produção e reprodução da vida e das práticas de trabalho.”
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EXPEDIENTE Realização: Atingidos(as) pela Barragem de Fundão, Arquidiocese de Mariana, Ufop | Conselho Editorial: André Luís Carvalho, Ellen Barros, Expedito Lucas da Silva (Kaé), Genival Pascoal, Letícia Oliveira, Pe. Geraldo Martins, Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio) | Editoreschefe: Genival Pascoal e Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio) | Jornalista Responsável: Karina Gomes Barbosa | Diagramação: Eduardo Salles Filho | Reportagem e Fotografia: André Luís Carvalho, Ellen Barros, Joice Valverde, Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio), Stephanie Locker, Tatiane Análio, Wigde Arcangelo | Revisão: Elodia Lebourg | Agradecimentos: Eduardo Salles Filho | Apoio: Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e Cáritas MG | Foto de capa: Joice Valverde | Fonte de recurso: Campanha de Financiamento Coletivo Apoie o Jornal A Sirene. Apoio da ADUFOP - Associação dos Docentes da UFOP.
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Papo de Cumadres: Opinião:
A novela da reparação Concebida e Clemilda mais uma vez prosiando sobre a demora da reparação, o papel da Justiça e a participação do poder público. Por Sérgio Papagaio
– Cumadre Clemilda, cê veja só, tá fazenu 6 anos e 4 mês e, sobre a reparação, eu num recibi nada não. – A única coisa que eu vi chegá peutu de nois foi um tar de novel criadu pelo juiz Mário na 12ª Vara, mas quandu ia pagá ês, tiraru ele de lá. – A prefeitura de Barra Longa fez uma reunião pra este assuntu tratá. Ês tava querenu juntá tudu enquantu era adivogadu que tá na cidade, mais a população, pra ir nus cabiçudu pedi explicação porque ês tiraru u juiz Dr. Mário du casu sem tê outro para dá a devida continuação. – Cumadi, minina de Deus, de tudu enquantu foi ladu os atingidu, e us prefeitu du fórum dus prefeitu, com muita gente fazenu preção, apeutanu us cabiçudus, que sem tê pra onde corrê, vorto com u Dr. Mário, que ta fazendu u trem du pagamentu corrê. Lá em Mariana mandô pagá 143 famia. – Ele assinô o planu de saúde de Barra Longa que tava encaiado lá com a Renova e agora a prefeitura vai ter mais dinheiru para arcá com um planu que num é u que nois contruímus, é um triste acordu que a gestão passada deu uma abaixada pamode a Renova muntá e já saiu uma lista com 63 nomes de gente de Barra Longa pra Renova pagá. – Cumade, minina de Deus, eu cá du meu canto tem sempré observadu, quandu u povo se une com as graças de Deus e nosso sinhô Jesus Cristu pamode uma coisa buscá, não há nenhuma força du mal que possa fazê pará.
Foto: Sérgio Papagaio
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Descaso no lugar da reparação No início do ano, as primeiras visitas técnicas da Comissão de Fiscalização de Paracatu de Baixo, formada por moradores(as) e acompanhada pela Assessoria Técnica da Cáritas MG, denunciaram a situação de descaso em que se encontra a construção do reassentamento coletivo. As fortes chuvas que atingiram a região no início do ano revelaram problemas estruturais e colocaram em dúvida a segurança e a qualidade das obras, que já extrapolaram todos os prazos de conclusão estipulados. A construção do primeiro pacote de 11 casas, iniciada em outubro do ano passado, foi paralisada em novembro do mesmo ano, após a rescisão do contrato com a empresa contratada. Desde então, as obras e os materiais de construção seguem expostos ao sol e à chuva. As etapas já finalizadas, como pavimentação e contenções, apresentaram trincas e deslizamentos. Com tais problemas, o reassentamento requer agora uma reparação do pouco que foi feito, o que atrasa ainda mais a entrega das casas para as famílias atingidas.
Por Anderson Jesus de Paula, Eliana Silva de Araújo, Assessoria Técnica da Cáritas MG (equipe que acompanha a comunidade de Paracatu de Baixo) Com o apoio de Joice Valverde e Tatiane Análio
A Fundação Renova se nega a enviar o cronograma de obras detalhado para a Comissão de Atingidos (CABF) e para a Assessoria Técnica. Entretanto, as obras do reassentamento coletivo de Paracatu de Baixo já estão bastante atrasadas tendo em vista que já foram descumpridos três prazos judiciais para conclusão e entrega. Os atrasos, contudo, acontecem desde a compra dos terrenos. Nas visitas de fiscalização comunitária realizadas em janeiro e fevereiro deste ano, após as fortes chuvas, foram observados pontos de deslizamento em taludes executados pela Fundação Renova e movimentação de solo, que causou rachadura em um trecho do asfalto. Intervenções executadas inadequadamente e que precisarão ser refeitas afetam o cronograma de obras da etapa de intervenções urbanas e, portanto, terão de ser tomadas as medidas necessárias para que não resultem em maior atraso na conclusão da obra como um todo. Assessoria Técnica da Cáritas MG As chuvas atrasaram sim as construções, mas essa é só mais uma das desculpas de muitas que já ouvimos sobre o atraso das obras. Com as chuvas, os trabalhadores não conseguem trabalhar, ao contrário do que foi falado para nós que, com chuva ou sem chuva, as obras não iam parar. Eliana Silva de Araújo, moradora de Paracatu de Baixo Um dos pontos que a gente tem observado nas nossas vistorias são alguns deslizamentos de taludes, de aterros, de blocos de terra
que estão se deslocando dentro das infraestruturas feitas pela Andrade Gutierrez para o reassentamento. Qual que é o problema disso? Dessas trincas, desses blocos, desses deslizamentos de terra? São coisas que já não estão suportando nem o próprio período de chuva. A empresa está indo embora, acabou o contrato, fez o serviço, mas já estão desmoronando alguns pontos. Nós estamos falando de mais de 10 pontos diferentes que precisam ser refeitos e isso vai gerar um transtorno. Todos esses locais que tiveram intervenções da empresa são locais que vão ter moradias ou terrenos e a reparação desses pontos requer uma obra muito maior. Anderson Jesus de Paula, morador de Paracatu de Baixo
Os métodos de contenção definidos para cada área de encosta no reassentamento e a execução dos serviços devem considerar esses eventos de chuva intensa, que são constantes em nossa região nesse período do ano e são agravados devido às mudanças climáticas, conforme apontam diversos estudos. É inadmissível que o planejamento de uma obra de loteamento – principalmente neste contexto, com todas as instâncias de análise, aprovação e fiscalização –, não tenha considerado riscos de deslizamentos e movimentações de solo. Se tivessem planejado e executado corretamente os serviços de terraplanagem e de contenção, a realidade poderia ser outra. Caso sejam identificadas áreas de risco, não mapeadas no período de licenciamento ambiental ou geradas pelos serviços de terraplanagem executados pela Fundação Renova, é fundamental que o Poder Público acione os mecanismos legais para impedir moradias nessas áreas de risco. A atual situação tem gerado insegurança, principalmente para as famílias atingidas que receberão lotes próximos aos taludes executados, e gera preocupação à comunidade como um todo quanto à possibilidade e ao maior atraso nas obras. Assessoria Técnica da Cáritas MG
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Fotos: Flora Passos - Cáritas MG
A consequência clara disso: a obra anda em círculos, ela não evolui, tem que ficar refazendo o trabalho e a preocupação maior da comissão é: “será que, em cada período de chuva, vai ficar aparecendo coisas por falha na execução?” E outra, depois: “a Prefeitura ou os moradores vão ter que arcar com a reparação de uma obra que nem o período de garantia foi garantido?”. Então são muitas dúvidas. Anderson Jesus de Paula, morador de Paracatu de Baixo Sinto uma angústia de ver os materiais expostos a sol e chuva. Acho um descaso com nós, atingidos, pois, enquanto esses materiais estão armazenados de forma incorreta, nós estamos sem nossa moradia em nosso querido Paracatu. Ainda não me sinto segura em relação a isso, segurança vai ser quando estiver nosso lugar construído novamente. Eliana Silva de Araújo, moradora de Paracatu de Baixo Os materiais de construção expostos às chuvas são das casas do primeiro pacote de obras, iniciado em setembro do ano passado. A desproteção desses materiais mostra não apenas uma falta de cuidado e de atenção às boas práticas da construção civil, mas uma falta de respeito com as famílias que tinham a expectativa de acompanhar o andamento das obras nos últimos três meses e, lamentavelmente, assistem a uma situação de abandono. Para avaliação quanto à possibilidade de uso, os materiais construtivos não armazenados adequadamente deverão passar por testes e, a depender do grau de deterioração, deverão ser descartados. Assim como as fundações, pilares e alvenarias iniciados deverão passar por avaliação quanto à situação de conservação. Importante considerarmos não só a questão da garantia de qualidade, mas também os prejuízos ao meio ambiente e financeiros em casos de descarte e possíveis refazimentos de serviços. Assessoria Técnica da Cáritas MG
Até hoje, não posso afirmar que estão cumprindo o projeto, pois nem sinal da minha casa ainda. Seis anos se passaram e, até hoje, não vejo quase nada sendo feito. Isso sem falar da desigualdade com os reassentamentos, ainda temos que ouvir das pessoas que o Bento está adiantado e o Paracatu está atrasado, isso dói muito, essa desigualdade. São seis anos, não são seis dias. Só Deus para ter misericórdia de nós. Eu participo das visitas de 15 em 15 dias e, a cada dia que vou, fico decepcionada, imaginando que estamos na estaca zero. Casas com muita água dentro delas, rompimento de asfaltos na rua Furquim, na rua do cemitério, rompimento também de taludes, deslizamento de terra em alguns pontos onde foi feita terraplanagem. Eliana Silva de Araújo, moradora de Paracatu de Baixo São coisas que precisam ser revistas, porque são questões muito técnicas, são estudos mais detalhados que, se nós, que somos da Comissão, pessoas mais humildes, simples, leigas no assunto, estamos vendo o mal acontecendo já, imagina então pessoas mais esclarecidas, com estudo próprio. Estudos têm que ser feitos. E eu defendo que tem que ser estudo independente, não adianta a empresa apresentar, para nós, um relatório de que aquele talude que está caindo é coisa normal, está dentro do previsto… Não! Asfaltos inteiros rachando, com blocos inteiros gigantescos de movimentação de terra estão rachando e ela falar que isso é natural é defesa dela, mas eu, particularmente, não acredito em nenhum relatório apresentado pela empresa. Tem que ser relatórios de empresas independentes. Anderson Jesus de Paula, morador de Paracatu de Baixo
Em primeiro lugar, a Renova, instituição criada para promover a reparação integral, precisa assumir que ela é a responsável pelo planejamento e pela execução das obras e não jogar a responsabilidade nas empresas terceirizadas. A situação que ocorreu com a construtora então responsável pelo primeiro pacote de 11 casas e quatro bens públicos, motivando a rescisão de contrato e o abandono das obras iniciadas, não pode mais ocorrer, porque afeta em muito o andamento das obras. Ou seja, os meios de contratação e a fiscalização dos serviços devem garantir o andamento das obras conforme cronograma, seguindo as normas de qualidade técnica. Tendo sido avaliado problemas na execução de contenções de encostas, a empresa responsável pela execução deve corrigir o quanto antes, dando a solução adequada, sem impactar no cronograma de entrega final do reassentamento e garantindo a total segurança às moradias futuras. Há mais de seis anos, as famílias foram deslocadas compulsoriamente e aguardam o reassentamento. Sequer é apresentado a essas famílias o cronograma de obras detalhado. A falta de transparência é mais uma violação de direito, recorrente no processo de reparação, e as falas dos representantes da Fundação Renova nos espaços de comunicação com os atingidos são sempre no sentido de se eximir de suas responsabilidades. Assessoria Técnica da Cáritas MG
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O erro
tantas vezes cometido No dia 4 de fevereiro, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) realizou a terceira e última audiência pública para escuta de especialistas e das pessoas atingidas pela barragem de Fundão, segundo eles, para “ampliar o conhecimento sobre o rompimento e os danos deles decorrentes”. Acontece que está em andamento um processo de repactuação dos acordos em prol da reparação dos danos na bacia do rio Doce. Na mesa de negociações estão as empresas responsáveis pelo crime, Samarco, Vale e BHP, instituições de justiça (Ministérios Públicos e Defensorias Públicas) e os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo, mas nenhuma pessoa atingida. E, como colocou Luzia Queiroz durante a audiência, “acordo sem a participação das pessoas atingidas na mesa de negociação é a repetição do erro tantas vezes cometido!”. Luzia e Anderson Jesus de Paula participaram da audiência representando as pessoas atingidas de Mariana.
Por Luzia Queiroz e Anderson Jesus de Paula Com o apoio de Ellen Barros e Wigde Arcangelo, assessores de comunicação da Cáritas MG
Foto: Joice Valverd
“Nós precisamos que o CNJ escute o que diz a CABF, a Comissão de Atingidos pela Barragem de Fundão [de Mariana], que está na luta há seis anos. Olha o que conquistamos em acordos, lutas com participação de atingidos, de apoiadores da sociedade civil e com a contratação da Assessoria Técnica Cáritas. As mineradoras não cumprem nada! Temos a nossa matriz de danos, fizemos a reformulação do cadastro, o cartão emergencial foi conquistado em audiência no dia 23 de dezembro de 2015. As mineradoras não cumprem nada. [...] Quantos acordos mais serão feitos? Vivemos sob o temor das prescrições”.
“Não acredito que a repactuação vai funcionar pelo simples fato de que repactuar significa refazer, e se não foi cumprido até hoje, não estão sendo respeitados os acordos, não está sendo respeitada a lei, não estão sendo respeitados os prazos. Repactuar sem punição clara e sem atribuir quem vai ser punido é simplesmente ganhar mais tempo para não fazer. Não vai mudar nada no sentido de lentidão, demora e ineficiência do processo [de reparação]”.
ração] que andam a passos lentos. Nenhuma multa foi aplicada! Não adianta acordos com quem não cumpre a lei e desrespeita as instituições. Não há multa diária, não tem nenhuma conta da Renova aprovada e ela continua gerindo o reassentamento, o que nos preocupa.”
Anderson Jesus de Paula, familiar de moradores(as) de Paracatu de Baixo
Luzia Queiroz, moradora de Paracatu de Baixo
“Não tem previsão de entrega dos reassentamentos e temos outras modalidades [de repa-
“O que a comunidade tem que questionar é: ‘e as punições pelo não cumprimento? Cadê?’ Isso que nós tínhamos que estar discutindo agora, e não um novo pacto.”
Luzia Queiroz, moradora de Paracatu de Baixo
Anderson Jesus de Paula, familiar de moradores(as) de Paracatu de Baixo Foto: Joice Valverde
Repactuação é o mesmo que renegociação dos acordos extrajudiciais firmados no passado. São eles: 1) o Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), conhecido como “acordão”, firmado em março de 2016, que estabeleceu 42 programas de reparação e instituiu a criação da Fundação Renova; e 2) o TAC Gov, homologado em agosto de 2018, para definir um sistema de governança que visava incluir as pessoas atingidas, jamais aplicado efetivamente. Os dois acordos anteriores foram feitos sem a participação das pessoas atingidas e, ainda hoje, mais de seis anos depois do rompimento da barragem de Fundão, não resultaram em reparação de fato. Isso porque as mineradoras, por meio da Fundação Renova, seguem descumprindo os acordos sem que haja qualquer punição.
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INDENIZAÇÃO:
apontamentos sobre uma possível repactuação das negociações extrajudiciais em Mariana Por João Pedro Perna, Ellen Barros e Maria Luísa Sousa
Em audiência realizada no dia 8 de outubro de 2021, em Mariana, a juíza Marcela Decat levantou a possibilidade de repactuação dos prazos e da forma das negociações extrajudiciais. Ela mencionou como opção a mudança das tratativas da Fase de Negociações Extrajudiciais (FNE), conduzida pela Fundação Renova, para o Centro Judiciário de Solução de Conflitos (CEJUSC) e indicou que novas audiências seriam realizadas para discutir o tema. O CEJUSC é a unidade do Poder Judiciário que, em regra, conduz os procedimentos de conciliação e mediação de conflitos. Ele está presente em Mariana desde 2017, no entanto, só agora foi indicado como opção para receber, de forma coletiva, as negociações das indenizações individuais. Não está claro, entretanto, se a transferência dessas negociações para ambiente gerido pelo Judiciário será, de fato, positiva para as pessoas atingidas. É necessário pensar com cuidado sobre o possível novo formato, pois existem muitas questões ainda não esclarecidas. É importante lembrar das diversas violações de direitos cometidas pela Fundação Renova durante a FNE, e que foram denunciadas pela Assessoria Jurídica da Cáritas MG no Parecer Técnico Jurídico, disponível no site da Cáritas MG. Se transferidas as negociações para o CEJUSC, quais as garantias de que as mesmas violações não continuarão acontecendo no “novo” espaço? Nesse sentido, é imprescindível que o Ministério Público acompanhe e fiscalize essa repactuação, bem como é de fundamental importância a participação ativa e informada das pessoas atingidas, para que qualquer “novo acordo” seja feito respeitando os interesses e os direitos das pessoas atingidas. É necessário questionar também: a estrutura do CEJUSC é suficiente para abrigar as discussões sobre indenização, tendo em vista o volume e a complexidade dos conflitos decorrentes do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana? Como ficaria a questão da isonomia no tratamento dado às pessoas atingidas? Em uma possível mudança para o CEJUSC, seria dada nova oportunidade de negociação para as pessoas que já participaram da FNE e que não se consideram devidamente indenizadas? São perguntas para as quais, infelizmente, ainda não há respostas. Outra preocupação diz respeito à assistência jurídica. Atualmente, as pessoas atingidas dispõem de Assessoria Jurídica (AJ) gratuita conduzida pela Cáritas MG. Desde 2019, a AJ tem importante papel na redução das assimetrias do processo e na denúncia das violações
Atingidos diante dos advogados das mineradoras, em audiência realizada em 2019 Imagem extraída do documentário Barragem, de Eduardo Ades cometidas no âmbito da FNE. Apesar de o direito à assessoria jurídica estar previsto no acordo de 2018, “incluindo-se eventual audiência no CEJUSC”, toda estrutura da AJ foi desenvolvida exclusivamente para o formato das negociações na FNE. Além disso, o projeto da AJ será encerrado em agosto deste ano e é importante destacar, inclusive, que as pessoas atingidas têm até o dia 30 de junho de 2022 para solicitar o acompanhamento da AJ na FNE. Sendo assim, havendo a mudança para o CEJUSC, de que forma será garantida a assessoria jurídica gratuita às pessoas atingidas? É essencial e urgente pensar em alternativas para que as pessoas atingidas tenham amparo técnico adequado para tratar de suas indenizações. Para isso, as limitações de estrutura e pessoal da Defensoria Pública em Mariana também devem ser observadas, bem como a limitada oferta de advocacia dativa – advogadas e advogados nomeados pela Justiça e remunerados pelo Estado para atender, gratuitamente, as pessoas que não possuem condições de pagar. A Assessoria Jurídica da Cáritas MG entende que, embora não reconheça a legitimidade da FNE para promover justa reparação, a migração para o CEJUSC, por si só, pode não resolver os problemas observados no formato atual. Refazer tratos sem que haja fiscalização e punição pelos descumprimentos reiteradamente cometidos pelas mineradoras não é suficiente. “É preciso estar atento e forte!”, pois somente a luta a partir da organização coletiva, com defesa da matriz de danos das pessoas atingidas, será capaz de impedir a continuidade das injustiças cometidas em Mariana.
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EDITORIAL Chegamos a março de 2022 inundados e inundadas por notícias sobre pandemia, guerra, perda de direitos. Em cada canto do mundo, alguém enfrenta uma batalha diariamente. Quem foi atingido e atingida pelo rompimento da barragem de Fundão está entre essas pessoas que lutam por um direito que deveria ser básico: reparação. Deveria, mas não é. Samarco, Vale, BHP e Fundação Renova têm colocado obstáculos a cada etapa desse processo. Negam a culpa pelo crime. Negam o reconhecimento do dano. Negam as obrigações. Se negam a restituir as perdas. Quando os reassentamentos foram definidos, empreiteiras contratadas, projetos elaborados e obras iniciadas, parecia que algo iria, finalmente, avançar. E, no entanto, não avança. Não há perspectiva de quando as comunidades de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo serão reassentadas. No país com um dos maiores setores de construção civil do mundo, cada parede parece levar um tempo interminável para ser levantada, testando a paciência e a inteligência das pessoas atingidas. Atraso atrás de atraso, desculpa atrás de desculpa. No “crime sem culpados” cometido contra milhares de pessoas ao longo da bacia do rio Doce, ninguém se responsabiliza por nada. Tanto entrave, tanto enfrentamento, há tantos anos, cansa. Cansa demais. Resistir exaure, esgota o corpo, esgota a alma, consome tempo e nossas emoções. Mas é ela, a resistência, que tem permitido todas as conquistas das pessoas atingidas desde novembro de 2015. É a resistência que vai impedir as empresas de escaparem ilesas do crime que cometeram. É a resistência que vai garantir a reparação. E a resistência só é possível com a esperança: exercida a cada dia, quando as pessoas atingidas cobram o andamento de obras atrasadas, quando demandam direitos perante o Poder Judiciário, quando produzem relatos sobre o acontecimento, quando teimam em afirmar a importância de suas vidas e seus direitos. Para o Jornal A SIRENE, essas duas palavras guiam cada edição e nos fazem ter a convicção de que a luta, por mais cansativa que seja, compensa. Na esperança, apoiamos nossa resistência.