A Sirene - Ed. 79 (Novembro/2022)

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João e Stefani, nascidos em 2015

A SIRENE

PARA NÃO ESQUECER | Ano 7 - Edição nº 79 - Novembro de 2022 | Distribuição gratuita


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A SIRENE PARA NÃO ESQUECER 7 ANOS DO ROMPIMENTO DA BARRAGEM DE FUNDÃO até 11 de novembro

As programações em torno dos sete anos do rompimento da barragem de Fundão começaram no último dia 3 de novembro e seguem até o próximo dia 11. No dia 6 de novembro ocorre um encontro das pessoas atingidas de Mariana na zona rural de Águas Claras, às 11h. Nos dias 10 e 11 acontece o 7o Seminário Integrado da Bacia do Rio Doce, na Univale, em Governador Valadares-MG. Os detalhes estão nas redes da Cáritas MG. REUNIÃO SOBRE O NOVEL COM A JUSTIÇA FEDERAL 26 de outubro Aconteceu, na 4a Vara Federal, uma reunião que contou com a presença da Câmara Técnica Indígena e Povos e Comunidades Tradicionais (CT-IPCT), da Defensoria Pública da União, de advogados, dos garimpeiros tradicionais do Alto Rio Doce e membros da CT-IPCT, Sérgio Papagaio e Hermínio Amaro. O objetivo foi apresentar reivindicações junto ao sistema novel.

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JUSTIÇA GARANTE ASSESSORIAS TÉCNICAS 13 de outubro O direito de comunidades atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão a terem Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) foi garantido pela Justiça, em decisão da 4a Vara Federal, em Belo Horizonte-MG. A decisão se refere ao Território 3, em Minas Gerais, que será assessorado pela Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas); e aos Territórios 9, 15 e 16, no Espírito Santo, que será assessorado pela Associação de Desenvolvimento Agrícola (Adai). Não houve acordo em relação ao Macroterritório Sul, formado por Aracruz-ES, Fundão-ES e Serra-ES. VOLTA DO AFE A PESCADORES(AS) outubro No começo de outubro, o Auxílio Financeiro Emergencial (AFE) começou a ser restabelecido para os(as) pescadores(as) atingidos(as) pelo rompimento da barragem de Fundão na bacia do rio Doce. O retorno do pagamento havia sido decidido pela 12a Vara Federal, em Belo Horizonte-MG. A suspensão havia sido feita de forma unilateral pela Renova.

II DOC REGÊNCIA 18 a 20 de novembro A segunda edição da mostra ocorre em Regência (Linhares), no Espírito Santo, e terá eventos como exibição de filmes, vivências, oficinas, atividades ecológicas e lançamento de livros. O editor-chefe do Jornal A SIRENE, Sérgio Papagaio, participa do evento

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Agradecemos a todos e todas que apoiaram a campanha de financiamento coletivo do Jornal A SIRENE e fizeram esta edição acontecer, especialmente, Ana Elisa Novais, Antenora Maria da Mata Siqueira, Bruno Milanez, Camila, Daniel Rondinelli, Elke Beatriz Felix Pena, Geraldo Martins, Jussara Jéssica Pereira, Priscila Santos, Valeria Amorim do Carmo e Virgínia Buarque. Para ajudar a manter o jornal, acesse: https://evoe.cc/jornalasirene

EXPEDIENTE Realização: Atingidos e atingidas pela Barragem de Fundão, UFOP | Conselho Editorial: André Luís Carvalho, Ellen Barros, Elodia Lebourg, Expedito Lucas da Silva (Kaé), Genival Pascoal, Letícia Oliveira, Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio) | Editores-chefe: Genival Pascoal e Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio) | Jornalista Responsável: Karina Gomes Barbosa | Diagramação: Eduardo Salles Filho | Reportagem e Fotografia: André Luís Carvalho, Crislen Machado, Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio), Maria Eduarda Alves Valgas, Stephanie Locker, Tatiane Análio | Revisão: Elodia Lebourg | Agradecimentos: Eduardo Salles Filho, Mateus Paiva Chagas Carneiro | Apoio: Cáritas MG, Programa de extensão Sujeitos de suas histórias (UFOP), Curso de Jornalismo da UFOP, Pró-Reitoria de Extensão e Cultura da UFOP e Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) | Foto de capa: André Luís Carvalho | Fonte de recursos: Campanha de Financiamento Coletivo - Apoie o Jornal A Sirene. ADUFOP - Associação dos Docentes da UFOP.


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Opinião:

Papo de Cumadres:

o monstro do abismo que olha para nós Por Sérgio Papagaio

Consebida e Clemilda, já há muito tempo vêm buscando esclarecimentos. Pra melhorar a sabedoria, resolveram estudar por conta própria e na aquisição de conhecimento as senhorias se enveredaram pelos caminhos da filosofia.

– Clemilda minha fia, cê tá sabenu? Eu já li só este anu mais de 6 livrus de filosofia. – Crus credu ave Maria, parece que nois se guia por telepatia, eu também me enfiei pelos caminhu da filosofia. – Clemilda, outro dia eu tava lenu um negócio que parece com nossas vida dispois du rumpimentu, é dum filósofo alemão minha língua num dá pra falá u nome dele não, mas graças a Deus ês chama ele de Nit. – Ora pois, me diga u que assucedeu, o que foi que ocê leu. – Ele disse: que “quem peleja com monstru deve se aprevini pra num virá monstru também”. Intonse cumadre cê prestenção, se u rompimentu da barrage num é o maior monstru que nois já infrentemus nesta vida duida. – Eu tô é adimiranu a manera que ocê ta filosofanu, mais eu também li deste Nit ai, que “quem ispia por muitu tempo prum pricipício u pricipíciu também ispia pra ele” já vai completá agora há pocu 7 anos que nois istamu oianu pra este pricipício, nois pode fazê uma lista dês tudu, cada um na sua vez, eu listu u rompimentu da barrage de fundão e quem pariu este crime sem proporção, que são, samaucu, vale e BHP, e a renova pra completá oia pra nois sem pará, issu pamode nus identificá e sem a menor artoridade, quer dizer quem pode peltencer a esta classe que vai completá 7 anos, que é a classe dus atingidus e das atingidas pela barrage de fundão ou us não atingidus e as não atingidas por esta barrage da mardição. – Também oia pra nois comu um cirurgião, dizendu quem é elegível ao AFE ou não. Que nois chama de cartão obrigação, pois auxílio se dá a mendigus, e desse jeitu, nois temu dignidade pra sabê nossus direitu.

– Nois também semu selhecionadas pelos oius deste pricipício comu classe recunhicida ou não, conforme acontece com a classe dus garimpeirus tradicioná du artu Riu Doce. – Esse pricipício chamadu fundação oia prus garimpeiru e garimpeiras sempre fazenu seleção, e desta manera de oiá, promove u que chamamus de preconceitu e ou racismu ambientá, e pra lascá deixa sem cobertura a maior parte da comunidade tradicianá, desrespeitandu a convenção 169, que u ministru Gilmar Mendes disse ser supra legá e, sem u menor pudor, diz neste planté quem é elegível ou não, ao nové.

Foto: André Carvalho


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Em honra de quem ainda lutamos? Nós, da Cáritas MG, Assessoria Técnica Independente das comunidades atingidas de Mariana, nos solidarizamos e estamos ao lado das famílias atingidas na busca por garantias de seus direitos. Nesses anos em que estamos juntos, presenciamos momentos e ouvimos relatos de luta, esperança, dor e, infelizmente, luto. Mais de 100 pessoas se foram sem ver efetivado o processo de reparação. A perda

de pessoas queridas, nesse contexto de conflito socioambiental, é sentida profundamente pelos(as) familiares e amigos(as), mas também por toda a comunidade. A dor, muitas vezes, é vivida junto à indignação, à revolta. A ira se converte em luta por dignidade, por moradia, pela retomada dos modos de vida, por justiça, em honra aos(às) que se foram.

Por Carla Gomes Barbosa e Janiele Arantes Pereira com o apoio de Ellen Barros

“Todo mundo sabe que minha avó era uma pessoa muito alegre, conversava com todo mundo, ria, brincava, ajudava meu pai no bar lá em Paracatu. Quando a gente saiu de lá e foi para Sumidouro, ela perdeu o gosto. Cê via no olhar dela a tristeza, ela não tinha mais aquela alegria, vontade de sair e conversar, até pra missa, que ela gostava muito, ela parou de ir. Aí juntou a tristeza com os problemas de saúde que ela já tinha e, infelizmente, em 2018, ela faleceu. Eu acredito que a morte dela tenha relação com o rompimento da barragem sim, pela tristeza que ficou nela. O sonho dela sempre foi voltar para Paracatu, ela só falava disso, que ela queria a casa dela lá, mas, infelizmente, não aconteceu.” Carla Gomes Barbosa, moradora de Paracatu de Baixo “Minha avó, dona Tita, apesar de ter 93 anos, era uma pessoa ativa, tirava leite, plantava, colhia, era lúcida, conversava, era uma pessoa extrovertida, mas, quando aconteceu o desastre, ela foi obrigada a sair de onde foi criada e onde criou seus filhos. Aqui em Mariana, o cenário é totalmente diferente, ela não saía de casa. Ela esperou por anos uma solução por parte da Renova. Então, em 2020, ela caiu, quebrou o fêmur, ficou acamada e, em pouco tempo, ficou muito debilitada e veio a falecer. A gente fica indignada, porque o último pedido dela era voltar pra casa dela, morando na roça, mas isso não foi realizado.” Janiele Arantes Pereira, moradora de Ponte do Gama “Meu pai, Edson, foi atingido em Bicas, subdistrito de Camargos. Ele ficou muito triste quando veio a barragem, em 2015, e devastou completamente o terreno dele. Com o rompimento, ele foi morar lá em Ponte do Gama, mas lá ele ficou sem rumo. Foi uma morte muito triste, ele foi assassinado no local onde ele passou a morar, no trajeto longo que passou a fazer para tratar dos animais. Naquela região acontecia muito roubo de animais e sempre ficava impune. Até hoje, infelizmente, não sabemos quem come-

teu esse crime bárbaro. A Samarco acabou com a vida do meu pai, tirou ele do convívio dele.” Janiele Arantes Pereira, moradora de Ponte do Gama “Um caso vai puxando o outro, meu pai faleceu em maio, minha avó [materna] em novembro. Minha mãe, Maria Julieta, ficou muito debilitada pelas duas perdas e, com isso, a imunidade dela baixou. Ela também sofria com uma doença séria, que ela tratava em Mariana. Aí veio a pandemia, ela debilitada, com imunidade baixa, pegou COVID-19 e, infelizmente, morreu. Uma coisa vai acarretando a outra, então o rompimento de Fundão influenciou sim na morte dos meus parentes, da minha família…” Janiele Arantes Pereira, moradora de Ponte do Gama “Aos que se foram, já passaram sete anos, parece que só agora as obras do reassentamento tão andando, mesmo que vocês não tenham tido o prazer de ver a casa de vocês reerguida, eu acredito que, de onde vocês estiverem, vão ficar felizes ao nosso lado. No dia da entrega das casas, vocês vão estar lá conosco, com seus filhos e netos.” Carla Gomes Barbosa, moradora de Paracatu de Baixo “Eu digo aos que se foram que, se Deus quiser, seus familiares vão receber a reparação, que elas descansem, porque Deus vai fazer justiça. Peço a Deus para abençoar os que ficaram, como minhas tias e irmãos, que sofrem muito. Que a gente que está aqui corra atrás, porque é uma luta que foi iniciada e não é uma luta que pode ser interrompida. A gente não vai esquecer, vamos correr atrás sim, porque eles foram o início dessa luta e a gente não vai esquecer, vamos dar continuidade nessa luta e vai ser feita justiça sim, demore o que demorar.” Janiele Arantes Pereira, moradora de Ponte do Gama


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Waldemira Inacia Vieira Arantes (Dona Tita)

Irene Felipe Ferreira

Sileno Narkievicius de Lima

Laura Gonçalves Barbosa

Geraldo Tomaz dos Santos (Carijó)

Edmirson José Pessoa

José do Patrocínio (Seu Zezinho)

Bruno dos Santos Souza

Andrea Aparecida Alves

Dario Jorge Pereira

José Geraldo Viana da Silva

Maria do Carmo Macedo Dutra

Maria de Lourdes Tette de Oliveira

Maria da Conceição Pires

Florindo Checoni

Adelmo Rodrigues da Silva

Ana Clara dos Santos Souza

Antonio da Silva

Geralda Aparecida Arcanjo

José Gonçalves

Genivaldo Geraldo

André Luis Pereira

Lúcio Mauro Santos

Suely da Conceição Sobreira de Paula

Geralda das Graças Fernandes Silva (Lalada)

Lurdes Bertoldo Teixeira

Claudio Fiuza

Beatriz Celestina da Silva Pereira

Manoel da Silva Cerceau Filho

Terezinha de Jesus Arcanjo

Starlino das Graças Gonçalves

Edson Izidio Pereira

Henrique Gonçalves Bretas

Geraldo Efren Pascoal

Manoel Paulino Mendes

Thiago Damasceno Santos

Henriqueta da Consolação Batista

Alexandre Gonçalves

Efigenia dos Santos Gomes

Jader Gonçalves

Marcos Antonio de Oliveira

Maria das Graças Celestino

Geraldo Luis dos Santos

Joel Brás da Silva

Ulissis Alef de Souza

Jairo da Silva Ramos

Rafael Júnio Gonçalves Sacramento

Valdemar Martins

Alessandra Cristina da Silva Souza

Alonso Salgueiro

Carllo Henrique dos Santos

João Desidério Pascoal

Maria da Penha Silveira

Antonio do Carmo Carneiro

Elias Marques de Oliveira

Augusto Donizete Mendes

Vando Maurílio dos Santos

João Gonzaga Ramos

Izolina das Dores Isaias

Antonia Faustino

Daniel Altamiro de Carvalho

Durvalina Acacia de Sousa

Vicente Margarida Ferreira

Aílton Martins dos Santos

Maria Marcia Silva Marçal

Waldemir Aparecido Leandro

Edinaldo Oliveira de Assis

Antonio Barbosa

Ana Felipe Carneiro

Joarez Mariano de Souza

Maria Pedro Ferreira

Emanuelle Vitória Fernandes Izabel

Illydio das Dores de Oliveira

Celia Santana Serra

Sandra Maria do Nascimento

Bernadete Damas Mendes

Mariana da Silva Santos

Hedine José da Silva

Adilson da Silva

Antônio Lourenço de Souza

Carlos Roberto dos Santos

Jorge Luiz dos Santos

Mateus Márcio Fernandes

Agostinho Henrique Soares

Albertino Damasceno Santos Filho

Nilson Pascoal

Yago Marcelino Souza

Marcos Xavier

Pedro Celestino

Antonio Pedro Nascimento

Geraldo Pedro Gonçalves

Claudemir Santos

Zumar da Silva Ramos

José Alexandre de Souza

Pedro Marinho dos Anjos

Cristiana Efigênia da Silva

Arlete Antonia Mendes

Antônio Fagundes de Souza

Jardinal Luciano da Silva

José Andrade da Silva Ramos

José Faustino

Gercina Juliana de Souza

Marcos Aurélio Pereira de Moura

Pedro Paulino Lopes

Antonio Jose da Silva

Ana Lucia da Silva

Samuel Vieira Albino

José Ignacio Anastácio

Domingos Eloi Ferreira

Carlos dos Santos Felipe

Maria Elisa Lucas

José da Silva

Maria Julieta Arantes Pereira

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A lama invisível segue traumatizando crianças em Antônio Pereira Como definir a incerteza sobre o possível rompimento de uma barragem que ninguém sabe se vai acontecer, quando, a que horas? Lama invisível é o termo mais apropriado. As dúvidas geram transtornos gigantescos na população do distrito de Antônio Pereira, em Ouro Preto, que convive, nos últimos anos, com o risco permanente de rompimento da barragem de Doutor, pertencente à mineradora Vale. Em dezembro de 2020, 473 pessoas que viviam na chamada zona de autossalvamento da barragem foram removidas de suas casas em Antônio Pereira e no Residencial Vila Antônio Pereira, conhecido como Vila Samarco. A remoção forçada é mais uma de tantas violências que as pessoas atingidas sofrem. Entre elas, estão as crianças, que, cada vez mais, vêem seus direitos roubados, como os meninos e meninas de 10 anos que falam a seguir.

Por Cecília Melo, Hugo dos Santos, Clara Fernandes e Gustavo Brandão* Com o apoio de Maria Helena Rocha Ferreira e Tatiane Análio Fotos: André Carvalho


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“Como eu posso dizer? A Vale faz um trabalho péssimo. Eu e minha família ficamos com medo de acontecer alguma coisa com a gente. Depois do que aconteceu, eu tenho muitos problemas para respirar, sinto minha pele seca, me sinto mal. É muita poeira dentro de casa e na rua. Não sinto vontade de sair de casa. Também tenho problemas emocionais, preciso tomar remédios para ansiedade e depressão.”

gente não sai mais de casa, sem liberdade pra nada. Meu pai fica com medo que aconteça alguma coisa se a gente for pra rua, sei lá. Ele fica com medo também porque a gente tem algumas criações. A gente tinha mais antes, mas até isso a Vale tirou. Eu tinha um potro que era a coisa mais linda, se você visse... Ele morreu, foi atropelado na estrada. Sinto muita falta dele. Saudade também de brincar, de fazer as coisas que eu fazia antes.”

Clara Fernandes, moradora de Antônio Pereira

Gustavo Brandão, morador de Antônio Pereira

“Depois que a Vale ficou aqui, só tem problema. A minha família tinha cavalo, criação, sabe? Mas, com a poeira, a falta de dinheiro, a gente perdeu. Eles dizem que estão fazendo alguma coisa, dando um jeito, mas a gente já está esperando faz muito tempo e, até agora, nada. O Conselho Tutelar veio na minha casa perguntar sobre a nossa renda, como estamos vivendo. Mas como que a gente vive com uma empresa que faz isso?”

“Às vezes, acho que a vida nunca mais vai ser a mesma. A Vale tirou um monte de coisa da gente. A gente tem problema com respiração, tem pneumonia, nossa pele está seca demais. E a gente pode ligar, pode reclamar um montão de vezes, e nada acontece. Eles continuam lá fazendo o que tão fazendo. Será que é tão difícil de entender que a gente quer e precisa de justiça? Eu não quero que sintam pena, a gente não precisa disso. A gente precisa de justiça agora.”

Hugo dos Santos, morador de Antônio Pereira

Cecília Melo, moradora de Antônio Pereira

“A estrada tá aquele buraco puro depois do que aconteceu e isso atrapalha a gente. A Vale não faz nada pra consertar a bagunça que ela fez. Parece que pensam só no interesse próprio. E agora a situação fica difícil. Porque… Como que a gente vai brincar na rua? A

* Para preservar suas identidades, os nomes das crianças foram substituídos.


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Sete anos:

infância, identidade e memória Bento Rodrigues, Paracatu, Gesteira e tantos outros lugares que foram parcial ou totalmente devastados pelo rejeito de minério em 2015 não serão esquecidos. Muitos já partiram ao longo dessa árdua caminhada, que completa hoje, 5 de novembro, sete anos, porém a esperança reaparece nas crianças, que, apesar do trauma precoce, nutrem por esses territórios um grande afeto. Elas nos fazem acreditar no futuro e na perpetuação da memória. A idealização da vida no interior, cercada de plantas e animais, com brincadeiras ao ar livre e a segurança de saber exatamente quem são seus vizinhos e quem anda por ali, sobrevive com os moradores

e as moradoras das comunidades atingidas que precisaram se deslocar forçadamente para Mariana ou outras zonas urbanas. Os territórios de origem estão presentes na mente até dos que não os viveram antes do crime, a partir da força das comunidades, que insistem em manter de pé suas tradições, seus modos de vida e reafirmar o pertencimento. As crianças sabem quem são e o que as move. Nutrem sonhos, como os adultos e as adultas. A realidade que desejam está na mente e nos corações, ainda sem grande possibilidade de ser vivida plenamente hoje. Elas também são luta.

Por Conceição Aparecida Sacramento, Joelma Aparecida de Sousa (Juma), João Gabriel Marques da Silva, Stefani Souza Inacio, Lucas Sales e Miguel Lucas Gonçalves Sacramento Com o apoio de Crislen Machado

“O João devia ter nascido dia 26 de janeiro de 2016, mas nasceu dia 25 de dezembro, com um mês a menos. Eu tomei sedativo quando a barragem estourou porque a gente estava trabalhando lá na área e, quando descemos, já estava tudo destruído. Falaram que a gente tinha perdido a família toda, então foi aquele susto. Precisei tomar muito remédio, minha pressão nunca mais foi a mesma. Fiquei com a pressão alta até ganhar o João. Eu fui descobrir a gravidez do João quando já tinha seis meses, em setembro de 2015. Em outubro, eu vim pra Mariana receber o salário e aproveitei pra comprar as coisinhas dele, porque eu não tinha nada. Comprei uma sacolada de roupinha, manta, toalhinha, um bercinho e outras coisas. No início de novembro, a barragem rompeu e eu vi tudo boiando por cima da lama. Foi uma dor horrível, fiquei sem rumo e chorei tanto. Minha irmã também estava grávida na época e uma amiga minha, a Vilma, precisou correr com uma bebê de 45 dias no colo e se esconder no mato. Todo mundo ficou sem chão e sem saber o que fazer. Depois que o João nasceu, a gente continuou indo lá, mas ele só conhece o que veio depois, o resto é tudo idealizado da cabeça dele. Ele não conhece Bento [antes de 2015] nem por foto. Mas ele tem vontade de morar lá na roça, tá no sangue. O sonho dele é ter um

Stefani, 7 anos, João, 6 anos. Moradores de Bento Rodrigues. Fotos: André Carvalho

sítio com galinha, andar de moto, fazer trilha, ir pra cachoeira… Quando a gente tem a oportunidade de sair fim de semana, ele pede pra ir pra um sítio. Mês passado, ele me falou que esse ano ele quer a festa de aniversário num sítio, com muito mato, mas que não quer bolo, quer uma mesa de café da manhã. Você tem que ver quando o João vai no Bento. Ele corre pra lá e pra cá, ele é apaixonado por aquele lugar. Ele vive falando que queria ter um cantinho pra poder acordar de manhã e tratar dos bichinhos dele, mas aqui não tem como. Eu comprei uma cachorrinha pra ele, mas, na minha casa, não tem como cuidar, fica na casa da minha mãe e, ainda assim, não tem espaço.

Até no reassentamento é difícil porque lá vai ser uma cidade, uma segunda Mariana, não é Bento mais não. A segurança que a gente tinha antes de dormir com a janela aberta, de deixar seu filho brincar na porta de casa, isso a gente não vai ter nunca mais. Foi tirado do João e do Cristian, que, na época, tinha sete anos. Ele está mais adaptado aqui, mas ainda é difícil. Pra gente, que nasceu na roça, adaptar na cidade não é fácil. Vai fazer sete anos que tô aqui e ainda não me adaptei. Eu acordo com a imagem de casa na cabeça todos os dias.” Joelma Aparecida de Sousa (Juma), moradora de Bento Rodrigues “Eu quero ir pro Bento de novo, ter uma casa


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lá, com patinho, galinha, cachorrinho, papagaio, todos os bichos, até vaca, porque eu gosto é de brincar na terra, sentir o cheiro da terra. Eu quero é voltar lá pro Bento pra brincar com meus coleguinhas na rua, eu gosto muito de ir pra lá brincar e andar com moto de trilha. Lá é muito legal.” João Gabriel Marques da Silva, 6 anos, morador de Bento Rodrigues "Tenho vontade de ir pro Bento. Eu gosto de brincar com o João. De pular corda, pega pega, balanço. Gosto mais do Bento, porque gosto de brincar. Me contam que a barragem estourou. Eu sinto que sou do Bento. Já fui lá na escola, eu e o João. Lá tem uma quadra bem grande, dá até pra correr, até o final, a gente fica até cansado de apostar corrida." Stefani Souza Inacio, 7 anos, moradora de Bento Rodrigues “Na época, eu tinha quatro anos e, nesse dia, eu não estava em Bento. Eu estava na escola e, quando eu cheguei, à tarde, recebi a notícia do que tinha acontecido. Eu chorei e gritei à minha mãe: “mãe, o Bento estourou, a barragem estourou”. Eu tentei ligar pro meu pai, mas ele não atendia, eu fiquei preocupado e chorei, mas aí depois meu pai chegou e falou que tava bem. Apesar disso, eu sinto e sei que sou morador de lá. Vou lá sempre, passo as férias e o tempo que fico lá é muito bom. Quando eu vou pro Bento, eu aproveito o tempo andando a cavalo, eu vou à cachoeira, na igreja, eu jogo bola na quadra, porque a quadra não foi atingida. Quando eu vou pra lá, eu levo pipa e fico lá brincando. Também vou para o sítio da dona Norma, que fica lá dentro do Bento, e ficamos lá tratando dos animais. Eu gosto muito de cavalo, aí um amigo do meu pai viu isso e toda vez que vamos lá ele arruma os cavalos pra gente andar.” Lucas Sales, 11 anos, morador de Bento Rodrigues “Lá no Bento, a liberdade era outra, hoje a gente sai pra brincar com os meninos e tem que ficar olhando porque você não sabe quem tá perto.

A ideia era a gente ficar quietinho lá, criar família. Quando aconteceu o rompimento, nós ficávamos muito em Belo Horizonte por causa do Rafael, era questão de chegar e precisar levar ele de novo. O Miguel viveu muita coisa, foi tudo seguido, o rompimento e a morte do irmão. Rafael faleceu dia 8 de julho de 2016, no dia do aniversário do Miguel, então muita coisa ele pegou e guardou na cabeça. Ele lembra de algumas coisinhas lá do Bento, fala muito e também vai muito lá. Meu marido tem umas criações, então ele vai junto com o Jordan e com meu irmão pra tratar. Esse final de semana mesmo ele tá esperando o pai dele chegar pra ir. Todos os três gostam de roça, a Marina, quando chega lá, fala: “nossa, mãe, que ar gostoso, que natureza gostosa, eu queria morar aqui”. Eles sentem que o lugar menor é diferente, a liberdade é outra, o brinquedo é outro. Aqui o Miguel e a Marina não são de brincar na rua não, mais dentro de casa mesmo. Miguel é mais fechado, mais sério. Mas quando a gente vai lá, eu faço questão de mostrar a casa onde vivíamos, onde foi a festa de casamento de mamãe e papai, porque a quadra ainda tá de pé. O Miguel fala que lembra dos detalhes que chamou atenção na época. Quando a gente passa lá na porta de casa, eu falo pra eles que a mamãe morava ali. Chega esse tempo de chuva, uma flor nasce até hoje lá na entrada, ela resistiu à lama. Minha casa foi atingida diretamente, não sobrou quase nada lá. Nessa época do ano tinham uns pés de jabuticaba que ficavam um do lado do outro, dava pra andar no meio. Eu e minha irmã levantamos de manhã e ficávamos olhando, mas aí a gente ia arrumar a casa primeiro e depois passava a tarde inteira chupando jabuticaba. A gente agradece a Deus pela vida e lamenta muito os que foram. Quando aconteceu, eu estava em BH com o Rafael e o Miguel, sem saber direito as notícias, ligando pra todo mundo, sem saber nada e com medo de todos terem morrido. Apesar disso, eu sofro pelo que perdi. Eu tinha foto grávida do Rafael e hoje eu não tenho quase nada, as fotos que tenho dele são praticamente todas dentro do hospital. Mas, de uma forma

Lucas, 11 anos, e seu pai Cristiano. Moradores de Bento Rodrigues.

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ou de outra, eu não deixo os meninos esquecerem, não. Toda vez que vou lá, eu falo com eles, porque a gente tá no meio do caminho, a gente vai indo e eles vão chegando.” Conceição Aparecida Sacramento, moradora de Bento Rodrigues “Eu não gosto de morar em Mariana, quero morar na roça que é muito melhor. Eu gosto muito da roça, da cidade eu não gosto tanto porque é estranho andar na rua cheia de estranho e ficar longe dos amigos. Eu quero morar na roça pra poder andar de cavalo, brincar de assustar os outros, brincar de pique-esconde no meio do mato, isso é legal. Lá no Bento, o meu tio faz cavalgadas até Camargos ou Santa Rita e eu sempre vou. Uma vez, eu fui e meu pai também foi, mas a égua que eu fui cansava muito rápido e eu passei foi aperto e até caí na ladeira. Depois disso, uma vez, eu estava lá e senti um cheiro desagradável, cheguei perto e vi que era bicho morto, aquela égua estava com a pata machucada e não conseguia levantar, isso porque já tinha um tempo que eu e meu pai não podíamos ir lá pra cuidar. Ela criou, o potrinho morreu e eu chorei tanto. Eu fiquei triste e comecei a chorar lá em casa, porque já morreram três éguas. Aqui, eu ando de bicicleta com meus primos e já levei uns tombos também. Acho que puxei minha mãe, porque, lá no Bento, ela fazia muita bagunça, andava a cavalo sem sela e tudo quando era criança. A gente ocupa a cabeça e acaba tendo muita ideia também, tem até o caso meu e do meu amigo que queríamos seguir uma carreira na música, mas não deu certo não, porque a gente não conseguia decorar as letras. Tem umas que eu sei, tipo essa: “meu cavalo é capa de revista / Arquibancada levanta / Quando ele entra na pista / Meu cavalo é rei, é campeão / Manda boi que meu cavalo / Vai botar ele no chão / Encostei na cancela / Protetor colocado / Locutor anuncia / ‘Pode descer o gado’ [...].” Eu gosto dessas músicas raiz, se tivesse um palco aqui, eu cantava pra todo mundo escutar.” Miguel Lucas Gonçalves Sacramento, 10 anos, morador de Bento Rodrigues

Marina, 5 anos, Miguel, 10 anos e Yasmin, 3 anos. Moradores de Bento Rodrigues.


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Regeneração Por Sérgio Papagaio

Aos sete anos do rompimento da barragem de Fundão, olhamos para trás e vimos um rastro de 2.555 dias de uma natureza ambiental lutando contra uma natureza humana para se regenerar.

em decorrência deste rompimento. Mais importante que calar esta sirene, é fazer soar as outras sirenes, antes dos rompimentos das barragens, quebrando o silêncio. Por quê?

Quando falamos em regeneração, é imprescindível entendermos a natureza do ato, de cada ato que compõe a regeneração.

Porque é no silêncio que as barragens rompem, no meu, no seu, no nosso silêncio que as barragens rompem, é no silêncio do velho partido, no silêncio do partido novo, no silêncio do povo do Fusca, no silêncio do pessoal de Brasília que as barragens rompem e continuam rompendo todos os dias sobre nossas cabeças.

Para que haja uma completa regeneração dos rios deste bioma é preciso regenerar as religiões; necessita-se libertar a Lei Áurea, aprisionada nos campos de homens e mulheres sem terra, nas ruas, único lar dos sem teto, nos quilombos onde ainda se ouve o estalar das chibatas da escravidão, nas aldeias indígenas, violentadas pelo Estado, desrespeitadas pelas igrejas, invadidas pelo que se chama de civilização, nas mineradoras onde os seres humanos são meramente subprodutos da mineração. E, no mercado de trabalho deste planeta tão explorado, onde se vive para trabalhar, quando deveríamos trabalhar para viver, é preciso calar a sirene que toca todo dia 10 às 10 horas, para nos lembrar que houve um rompimento de barragem, que houve mortes e ainda há mortes

É preciso purificar e santificar o Deus que vive em nós, também é necessário despoluir o fluxo de água dos rios que nascem e correm em cada indivíduo deste planeta da fome, pois não há a menor possibilidade de regenerarmos nenhum rio principal sem, antes, regenerarmos seus afluentes, e nós somos todos afluentes deste rio maior, o rio da vida e da morte. Portanto, eu não tenho medo de afirmar que a regeneração de todo ecossistema passa, primeiro, por nós.

Foto: Crislen Machado


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Contra as violências de quem devia reparar

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São sete anos de luto, sete anos de luta. Muito tempo de espera, mentiras, reclamações, atrasos. Nesse período, assistimos a uma organização que se diz fundação usurpar direitos e narrativas das pessoas e comunidades atingidas. Parece claro que o objetivo da Renova não é mediar uma reparação justa para quem perdeu – e continua perdendo até hoje – toda uma vida desde o dia 5 de novembro de 2015, não é garantir dignidade de futuro.

Fotografou tudo e estampou nas redes, como se fosse dona do lugar. Deixou de contar um pedaço grande da história: os adiamentos na entrega das casas; a condição de canteiro de obras a que irá expor as famílias que se mudarem; o tanto de coisa por fazer; o estado ainda mais precário de outras intervenções ao longo da bacia do rio Doce; a truculência jurídica contra quem ousa reclamar; o descaso com as pessoas atingidas que clamam por direitos.

Nos últimos meses, temos visto a Renova tratar o pouco que fez (quando já deveria ter feito tudo aquilo para que foi criada) como vitrine, marketing, propaganda. Tenta ludibriar a imprensa, cercear coberturas críticas. E pior: transforma um reassentamento, promessa de território de afetos e memória, em ponto turístico.

Depois, às vésperas dos sete anos, a Renova tentou ficar bem na fita de novo: convocou uma coletiva de imprensa com veículos importantes para vender um peixe imaginário. Estavam lá jornais, TVs, sites, da Região dos Inconfidentes, de Minas e do país, para escutar a lengalenga dos executivos, ver imagens bonitas e ilusórias.

A gente explica: no começo do ano, a Renova tentou constranger A SIRENE de acompanhar uma vistoria ao reassentamento de Paracatu de Baixo ao lado das pessoas atingidas e de representantes da Prefeitura de Mariana. Lançou mão da tática de sempre: tentou colocar em lados opostos o jornal e a comissão. Não conseguiu.

De novo, às escuras, na calada da rede, com uma mensagem dirigida somente a veículos de Belo Horizonte e a alguns, escolhidos a dedo, da região. Mas, mesmo sem terem sido convidadas pela Renova a se sentarem à mesa, estavam lá também pessoas atingidas. Foram dispostas a se fazer ouvir, a se manifestar, a narrar as violências que continuam sofrendo da mineração desumana, que destrói e continua destruindo quando diz que vai reparar. Que viola e desrespeita as pessoas atingidas ao varrer pra baixo do tapete tudo de errado que vem fazendo.

Na 29a edição do Iron Biker, que ocorreu em Mariana, em setembro, a Renova incluiu o reassentamento de Bento Rodrigues como parte do percurso, como sempre, sem, no mínimo, informar a comunidade atingida. Ponto turístico, lugar de aventura. Por José Nascimento de Jesus, Seu Zezinho, e Sandra Quintão Com o apoio de Karina Gomes Barbosa

“Não é acidente. Essa árvore eu plantei de coração. Fiz um banco pra gente jogar truco todo fim de semana, assar um churrasco, igual nós fazia… Cantando, divertindo, na maior felicidade. Nós morava num paraíso. Sabe o que que é paraíso? Eu tirava leite, eu fazia queijo, eu vendia queijo, eu colhia alface, eu colhia almeirão, colhia do mato, comia de um tudo. Hoje a gente tem que comprar tudo.​​” José Nascimento de Jesus, Seu Zezinho, morador de Bento Rodrigues

Sandra ocupa a mesa após seu protesto desfazer o protocolo da Renova

A indignação dos atingidos/as não convidados/as e presentes Fotos: André Carvalho

“Os atingidos somos nós. Aí [na mesa] ninguém sofreu o que a gente sofreu, não. Quero que você me mostra onde está o Bar da Sandra pra eu começar meu trabalho de novo. Cadê? Cadê, gente? Sete anos! Sete anos… Empresa BHP, Samarco, é grande. O povo de Bento, cada hora, me fala na minha microlanchonete: ‘eu vou embora... Porque meus conterrâneos tão ficando na cidade’. Por quê? Porque a Renova falha, falha. Renova é falha.” Sandra Quintão, moradora de Bento Rodrigues

CABF e outros/as atingidos/as não convidados conseguiram participar do evento da Renova


EDITORIAL Luto e luta. Essas palavras, tão repetidas em tempos recentes, podem parecer um recurso fácil para definir esta edição, sete anos após a face mais desumana da mineração ter se revelado. Quem olha de longe também pode pensar que os efeitos daquela tarde chuvosa de 5 de novembro de 2015 se dissiparam no tempo. Longe disso. Basta folhear as edições do Jornal A SIRENE ao longo desse tempo para perceber que o rompimento da barragem de Fundão continua produzindo feridas, deixando marcas: perdas, trauma. Mas também produziu muita batalha e dignidade. Isso é perceptível no material que trazemos este mês. Com respeito, saudade e tristeza, nos lembramos de tantas pessoas que se foram antes de qualquer justiça ser feita. Perderam toda uma vida na lama de rejeitos; perderam, depois, a vida à espera de reparação. Até mesmo quando uma barragem não se rompe, ela machuca e destrói o que está ao redor. É o que está acontecendo com as infâncias das crianças de Antônio Pereira, atingidas pela incerteza que desestabilizou a vida de mais um distrito em torno da mineração. Contudo, a destruição não demarca sozinha a data de hoje. Porque, ao longo dos territórios atingidos pela lama minerária de Samarco, Vale e BHP, se levantou gente disposta a defender identidades e pertencimentos. Gente que, há sete anos, prova que comunidade é também um lugar, mas não só: é festa, encontro, amizade, comunhão, afeto. Afeto como o das crianças do Bento, de Paracatu, que não cresceram nos territórios de origem de suas famílias por culpa das mineradoras. É com essa energia que as pessoas atingidas lutam para demandar justiça. Se fazem ouvir acima das vozes potentes das mineradoras e da Renova. Desmontam a farsa midiática montada, que tenta vender um processo fantasioso de reparação. Teimam em viver, celebrar e se afirmar a despeito das violências contínuas. Este ano, como em todos os anos, o Jornal A SIRENE está ao lado das pessoas atingidas, relatando os lutos e as lutas de uma chaga imposta pela máquina minerária.


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